O centenário de norberto bobbio e a crise da justiça

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A Filosofia do Direito, tradicionalmente, na cultura ocidental, surgiu na clássica Hélade. Os gregos pensaram o Direito, problematizando a sua natureza de uma maneira muito fundamentada e especial. Neste sentido, vamos encontrar a temática Justiça ocupando o centro das discussões que eram desenvolvidas nas ágoras atenienses. Atenas era o mais procurado centro das discussões filosóficas pelos que pretendiam adquirir o conhecimento essencial. Não é excessivo observar que mesmo os sofistas tiveram uma importância reconhecida na formação do processo cultural da Grécia, simplesmente pelo fato de que eles, mesmo de forma superficial, tratavam de assuntos culturais que posteriormente seriam problematizados pelos filósofos. É indispensável lembrar que os sofistas não desenvolveram nenhuma doutrina filosófica em termos uniformes. Historicamente, o Direito foi anunciado entre os hebreus, foi pensado entre os gregos, e, posteriormente, organizado e uniformizado pelos romanos. Assim como não se concebe ser um civilista completo sem ser um romanista ou ser um penalista eficiente sem ser um canonista, também é impraticável pretender ser um jusfilósofo razoável sem ser um helenista.  

Paulo de Tarso, um emérito platônico, era um reconhecido jusfilósofo, formado na celebre Escola de Jurisprudência de Jerusalém, sob a orientação do grande filosofo do Direito hebraico, Gamaliel, legou ao mundo jurídico e ao mundo teológico um extraordinário ensinamento, consagrado, inclusive, nos tempos contemporâneos: “procurai pelo espírito da palavra e não a letra morta da lei”. Significativamente, isto nos conduz à seguinte conclusão: “a legislação tem letra e tem espírito”. Hodiernamente, a Filosofia do Direito desenvolve um debate muito especial: direitos humanos. Esta preocupação com uma política sobre a constante reflexão dos direitos humanos ganhou maior relevância a partir da edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada e proclamada em Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. É um importante momento para a história da civilização humana. Desde a descoberta da natureza humana, com Sócrates, na clássica Hélade, nunca houve um momento tão significativo para a defesa da dignidade humana.   

Quando se trata de efetiva política de direitos humanos, um nome, no mundo jurídico, merece destaque: Norberto Bobbio, o jusfilósofo mais completo, nascido na Itália, em 1909, e já falecido. Para ele, concretamente, não há uma temática político-social mais relevante do que a correspondente aos denominados direitos humanos. Bobbio desenvolve essa idéia, sobretudo, no livro “A ERA DOS DIREITOS”, obra esta que está dividida em três indicativos: concepção geral a respeito dos direitos humanos; os direitos e a Revolução Francesa; e, a pena de morte. O jusfilósofo italiano destaca que a nossa Era é a Era dos direitos pertinentes ao ser humano. Os direitos conhecidos como “naturais”, para ele, são históricos, porque têm sua origem em determinadas circunstâncias “caracterizadas por lutar em defesa de novas liberdades contra velhos poderes”. Bobbio defende a tese de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos corresponde a uma “lenta passagem do reconhecimento dos direitos dos cidadãos de cada Estado até os do cidadão do mundo”.  

Referentemente aos direitos humanos, presenciamos uma concordância entre Kant e Bobbio: “o atual debate sobre os direitos do homem, certamente, pode ser interpretado com um “sinal premonitório” do progresso moral da humanidade”. Há uma perfeita constatação na evolução histórica dos direitos do ser humano: “a sua conversão em Direito Positivo; generalização dos direitos; e a internacionalização dos direitos”. O pensamento jusfilósofico de Bobbio corresponde a uma forma singular de “neopositivismo jurídico”. Este posicionamento intelectual está relacionado com a problemática da cultura da Itália, especialmente ao historicismo (relativista), com a participação de Hegel e Marx, mas com influência marcante do pensamento do iluminista Giambattista Vico. Bobbio destaca que cada geração histórica tem o verdadeiro sentido de sua própria concepção de Direito, defendendo, com isso, sua original “teoria geracional”, termo com o qual designa quatro gerações de direitos, que corresponderiam: a primeira, aos direitos fundamentais; a segunda, aos direitos sociais; a terceira, às reivindicações ecológicas; e a quarta, aos efeitos das pesquisas biológicas e à manipulação do patrimônio genético individual.  

Em sua obra jusfilosófica da maturidade, “O TEMPO DA MEMÓRIA”, também conhecida como “De Senectute”, Norberto Bobbio confessa ser ateu e não temer a morte. “Para ele, é um dever moral do homem ter consciência do limite da vida”. Teve, porém, uma crença fundamental: o ser humano e sua dimensão de direitos. O processo de humanização crescente das instituições jurídicas é uma realidade marcante no pensamento jusfilosófico de Bobbio, que constata um movimento histórico onde “direitos humanos, democracia e paz são três momentos necessários”. O Direito “é fruto do poder, de uma ordem, um mandado… a sua origem é o Estado”. Nesse sentido, crucial é a discussão da temática da Justiça, que, para Bobbio, “é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é para o pensamento”. O centenário de Bobbio corresponde a uma oportunidade que temos de promover uma reflexão profunda sobre a crise da Justiça contemporânea.

Jose Carlos Garcia de Freitas

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