O direito fundamental ao meio ambiente e a tutela penal: uma leitura à luz do princípio da proporcionalidade

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Resumo: O objetivo deste trabalho, produzido a partir das aulas na disciplina “Fundamentos Político-Filosóficos dos Direitos Fundamentais” do Curso de Mestrado em Direito Público na Universidade Federal de Uberlândia (CMDIP-UFU), é proceder a uma reflexão da intervenção penal para a proteção do meio ambiente, direito fundamental expressamente previsto na Carta Magna de 1988 em seu art. 225. A partir dos postulados teóricos acerca dos direitos fundamentais, é preciso analisar o contexto e justificações ao qual o meio ambiente está inserido, para então iniciar a compreensão das razões e limites que o legislador entendeu serem necessários à tutela penal do meio ambiente. Assim, a partir da análise dos tipos penais ambientais, tais como os previstos na Lei 9.605/98 e em outras legislações esparsas, importante se faz verificar a sua aplicação no caso concreto e, à luz do princípio da proporcionalidade, de que forma esta intervenção penal deve se dar, a fim de lograr legitimidade e racionalidade do sistema jurídico.

Palavras-chave: direitos fundamentais, meio ambiente, tutela penal, proporcionalidade.

Abstract: This work, produced from the lessons of discipline “Political and Philosophical Foundations of Fundamental Rightsof the Masters Course in Public Law at the Federal University of Uberlandia (UFUCMDIP), is to undertake a reflection of penal intervention to protect the environment, a fundamental right expressly provided for in the 1988 Constitution in its article 225. From the theoretical postulates about the fundamental rights, we must examine the context and reasons to which the environment is inserted, and then start to understand the reasons why the legislature considered it necessary to criminal protection of the environment. This way, checking the types of criminal environmental protections, such as those provided in the Law 9.605/98 and sparse in other legislation, it is important to assess its application in hard case and find, on the principle of proportionality, that how this criminal action must occur in order to achieve legitimacy and rationality of the legal system.

Keywords: fundamental rights, the environment, criminal protection, proportionality.

SUMÁRIO: 1. Antecedentes históricos e considerações teóricas sobre os Direitos Fundamentais – 2. Do direito fundamental ao meio ambiente e a estrutura da tutela penal ambiental na Lei 9.605/98 – 3. Críticas à Lei Penal Ambiental – 4. Da necessidade da aplicação do princípio da proporcionalidade para a tutela do meio ambiente – 5. Conclusões – 6. Referências Bibliográficas.

 

1. Antecedentes históricos e considerações teóricas sobre os Direitos Fundamentais

Para se compreender quais as justificações e objetivos das legislações mundiais, ao se consagrar o direito ao meio ambiente na seara dos direitos humanos internacionais, e, mais precisamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, elevando-o como direito fundamental, é importante que, antes de tudo, inicie-se o presente estudo trazendo à baila todo o contexto histórico e teórico dos direitos fundamentais em geral, para só assim, proceder a um estudo mais detalhado sobre as repercussões de se tutelar o meio ambiente no âmbito penal, sempre à luz do princípio da proporcionalidade.

É importante destacar que para verificar a atual conjuntura de proteção ambiental, alguns assuntos prévios devem ser correlacionados, tais como: o paradigma do Estado Democrático de Direito frente ao fenômeno da globalização, a crise das soberanias nacionais pelos planos políticos neoliberais, a relativização dos direitos fundamentais etc.; temas estes que trarão à tona o complexo de imbricações nos quais o meio ambiente, como direito fundamental, está imerso.

Iniciando-se a contextualização histórica, é possível atestar que o século XX foi marcado por profundas e rápidas mudanças nos planos político-econômico mundiais. Só no final do século XX é que se começou, a partir do desmantelamento do comunismo mundial, o redimensionamento internacional das trocas econômicas. Já a partir do século XXI constatou-se uma fragilização das economias nacionais, graças às interferências internacionais, o que comumente se chamou de “globalização” ou internacionalização das economias2. Ao final da década de 90 notou-se uma inter-relação, interdependência e domínio de algumas economias sobre outras, momento marcado por trocas comerciais sem barreiras protecionistas, dando relevo à supremacia das grandes economias.

Este processo de desenvolvimento econômico capitalista remonta de séculos anteriores, e, além disso, a globalização não afetou meramente a economia, mas também os valores culturais, políticos, distribuição de renda etc. Daí a importância de se analisar adequadamente sua amplitude e complexidade.

Percebe-se com a globalização que há uma crise do Estado como instituição política e do Estado de Direito como referência jurídico-política. O então Estado-Interventor passa a ser meramente gestor. Há que se reconstruir a ideia de Estados que possam controlar os instrumentos da violência, tanto interna quanto externamente. Possam os Estados estar voltados para a solução dos problemas econômicos, sociais e políticos do cotidiano, garantindo-se a qualidade da existência e coexistência humana, possibilitando constantemente a construção da cidadania.

Diante da globalização, COELHO3 sugere ao Estado dois papéis principais: o de organizador da economia e o de garantidor da cidadania. No primeiro aspecto, caberia ao Estado estimular as atividades privadas, fiscalizando a economia de acordo com as necessidades coletivas, possibilitando um desenvolvimento econômico-financeiro. No segundo, restaria para o Estado a tarefa de suplantar juridicamente e fomentar as políticas públicas de efetivação dos direitos fundamentais essenciais à condição humana de existência no mundo.

Segundo o referido autor, a ideia tradicional de Estado-Nação pode até estar acabando com a globalização, mas os Estados não podem perder de vista os objetivos em torno da garantias jurídicas dos direitos humanos, através do Estado-Direito4.

Com base neste contexto, pode-se inferir que o Direito Constitucional chega ao século XXI numa trajetória ascendente, absorvendo conquistas das mais diversas ciências e estudos. Os programas normativos constitucionais referentes aos direitos fundamentais situam-se num plano central no sistema jurídico. Assim, as Jurisdições Constitucionais devem ser guardiãs das conquistas históricas da sociedade. Os Órgãos Estatais passam a compreender o seu caráter instrumental no processo de realização do programa político fundamental estabelecido na Constituição – eles constituem o meio para realização da finalidade constitucional e desta realização retiram a sua legitimidade.

Entretanto, para se proceder à inserção do meio ambiente como direito fundamental dentro desta atual paradigma, é preciso traçar a evolução histórica da inserção dos direitos fundamentais nas Constituições modernas, as chamadas “gerações” ou “dimensões” de direitos. Ressalte-se que, como reafirmam os autores, esta progressão de direitos não equivale à supremacia ou esgotamento dos direitos mais modernos em relação aos direitos de primeiras gerações. Antes de tudo, é preciso reafirmar a coexistência entre os direitos fundamentais de todas estas gerações, pois um dos maiores equívocos que a sociedade contemporânea poderia cometer seria compreender os direitos fundamentais isoladamente5.

A partir de determinados momentos históricos importantes, surgem novas gerações de direitos, sendo que os direitos de primeira geração, frutos das Revoluções Burguesas dos séculos passados, representaram aqueles primeiros direitos civis e políticos, que postulavam uma atividade negativa por parte do Estado, não violando o cunho individual destes direitos.

Conforme se demonstrará, na medida em que surgem novos movimentos e anseios sociais, surgem também novos modelos de constituições, que primavam não só pela proteção individual dos indivíduos, mas também por direitos sujeitos a prestações, denominados de direitos da segunda geração, ou seja, os direitos sociais, culturais e econômicos concernentes às relações de produção, ao trabalho, à educação, à cultura e à previdência.

Neste diapasão, nas sociedades contemporâneas, começou-se a prestigiar o surgimento de novos direitos, denominados de terceira geração, tais como: o direito ao desenvolvimento, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum, à comunicação e, especialmente, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Alguns autores trazem também os chamados direitos de quarta (e até quinta) geração, ligados à globalização política (direito à democracia, o direito à informação e direito ao pluralismo).

É lançando mão destas novas questões que semeiam a ciência do direito, precipuamente na dos direitos fundamentais de terceira geração, que reside a importância da reflexão sobre o presente tema: da proteção penal do direito fundamental ao meio ambiente à luz do princípio da proporcionalidade.

 

1.1 Os Direitos Fundamentais da primeira geração.

Como advertido, para a compreensão acerca da teoria dos Direitos Fundamentais, é necessário que se faça uma análise filosófica e histórica demonstrando a evolução dos direitos fundamentais através dos tempos. A ligação prefacial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, nos seus aspectos históricos e filosóficos, revelará a pertinência desses direitos, ao qual são inerentes da pessoa humana, delineando toda sua universalidade como ideal.

Segundo Paulo Bonavides, “a universalidade se manifestou pela vez primeira, com a descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789”6.

Foi a partir da referida Declaração francesa, em que notou-se o assinalado grau de abrangência que esta possuía, muito mais significativo do que as declarações inglesas e americanas, posto que, conforme Bonavides7:

… se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano.

Assim, percebe-se que a Declaração francesa representava um caráter humano de grande valia, revelando toda sua universalidade. Demonstrava a carta, o reflexo do pensamento político europeu e internacional do século XVIII, cujo objetivo era a liberação do homem pelas amarras do absolutismo e do regime feudal.

Para Sarlet:

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são produto peculiar do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder8.

Sarlet admite que, por tais características, são direitos de cunho “negativo”, já que orientam uma abstenção, por parte do poder público, também chamados de “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”9. Além disso, o autor remete a estes direitos uma inspiração jusnaturalista, de direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Atribui-lhes, também, uma complementação por uma série de liberdades e de participação política, sendo íntima a correlação destes com a ideia de democracia10.

Diante disto, os direitos fundamentais de primeira geração segundo Bonavides11: são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Desde então, observa-se que os direitos do homem munidos também do direito de liberdade, ganharam força e legitimidade. Associam-se então dentro dos direitos fundamentais as características de: direitos naturais, inalienáveis e sagrados, caracteres próprios das sociedades democráticas.

Este paradigma dos direitos fundamentais perdurou até o início do século XX, posto que, a partir deste foram ingressados novos direitos fundamentais.

 

1.2 Os Direitos Fundamentais da segunda geração.

Assim como o século dezenove foi marcado pelo advento dos direitos da primeira geração (direitos civis e políticos), o século XX foi caracterizado por uma nova ordem social, na qual se imprime uma nova estruturação dos direitos fundamentais não mais sedimentada no mero individualismo puro do modelo anterior.

Os impactos advindos da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos daí advindos, somado às doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo, acabaram por desenvolver amplos movimentos reinvidicatórios no final do século XIX, atribuindo ao Estado um comportamento mais ativo na realização de justiça social, de forma que, no século XX, as Constituições do segundo Pós-Guerra passaram a subsidiar novos direitos.

Conforme mais uma vez descreve Sarlet12: “A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um ‘direito de participar do bem-estar social”.

Os direitos fundamentais da segunda geração se tornam tão essenciais quanto os direitos fundamentais da primeira geração, tanto por sua universalidade quanto por sua eficácia. Assim, segundo Bonavides13, os direitos fundamentais da segunda geração “são os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social…”

Assim sendo, os direitos da referida segunda geração estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho. Passam a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.

Então, na esfera dos direitos fundamentais da segunda geração, marca uma nova fase dos direitos fundamentais, não só pelo fato de estes direitos terem o escopo positivo, mas também de exercerem uma função prestacional estatal para com o indivíduo. É mister ainda que se diga a importante reflexão de Sarlet14 acerca dos direitos da segunda geração, ao qual, cita estes direitos como “liberdades sociais, do que dão conta os exemplos de liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como dos direitos fundamentais dos trabalhadores…”

Emerge assim, um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias institucionais, ao qual, são inerentes das instituições de Direito Público e compõe suas formas e organização, bem como limites ao arbítrio do Estado para com os direitos de segunda geração. Então, é oportuna a idéia de Carl Schmitt citado por Bonavides15: “Graças às garantias institucionais, determinadas instituições receberam uma proteção especial…para resguardá-la da intervenção alteradora por parte do legislador ordinário. (…) Demais, é da essência da garantia institucional a limitação, bem como a destinação a determinados fins e tarefas.”

Na Constituição Federal de 1988, os direitos de segunda geração, podem ser vislumbrados expressamente no ordenamento a partir do art. 6 º, e neste aspecto, o referido artigo reconhece: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, como direitos sociais. Segundo Sarlet, a utilização da expressão “social” remonta na circunstância de que os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma densificação da “justiça social”, além de corresponderem às reinvidicações das classes menos favorecidas16.

 

1.3 Os Direitos Fundamentais da terceira geração.

Dando continuidade à evolução dos direitos fundamentais, atribui-se aos direitos da terceira geração/dimensão, traços ligados às ideias de fraternidade ou de solidariedade, por desprenderem da visão meramente individualista, projetando-se para a proteção dos grupos humanos, freqüentemente marcados por sua titularidade coletiva ou difusa.

Estes direitos podem ser definidos como aqueles concernentes ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação dos povos, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e a comunicação e, como tema do presente estudo, ao meio ambiente e à qualidade de vida.

Estes novos direitos surgem a partir de novas reinvidicações fundamentais dos seres humanos, face aos fatores tecnológicos, bélicos, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e seus desdobramentos emerge um novo escopo jurídico que vem a somar nos direitos do homem junto com os historicamente versados direitos de liberdade e igualdade. Diante disto, Bonavides descreve que os direitos da terceira geração, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado17.

Sarlet18 afirma que estes direitos ainda não se encontram plenamente positivados nas constituições de todos os Estados, porém, encontra-se em fase de consagração no âmbito do direito internacional, haja vista o grande número de convenções e acordos internacionais sobre tais temas.

Pérez Luño19 traz uma consideração bastante apropriada para os direitos de terceira geração. Para este autor, esta nova gama de direitos surge como uma resposta ao fenômeno da intitulada “poluição das liberdades”, processo caracterizado pela degradação dos direitos e liberdades fundamentais, precipuamente causado pelo excesso das novas tecnologias. Daí a relevância na proteção ao meio ambiente, como meio de conter as liberdades individuais em prol da diversidade e complexidade dos demais direitos.

Ante o exposto, pode-se concluir que os direitos vão sendo descobertos e formulados, para posteriormente serem efetivados, com isso criar-se-á um processo ao qual sempre estará em evolução, haja vista a oportuna definição de Bonavides:26 “um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas.”

 

1.4 Os direitos Fundamentais da quarta geração.

Conforme acima afirmado, os Estados Nacionais passam por um processo de globalização política neoliberal. Esta globalização do modelo neoliberalista, marcada pela globalização econômica advinda precipuamente sob a égide da política imperialista dos Estados Unidos imposta aos países de terceiro mundo por seus entes financeiros, gera um enorme impacto nos direitos fundamentais.

De acordo com as lições de Bonavides acerca do neoliberalismo: “Sua filosofia de poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade20.” São direitos que refletem o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, correspondentes à derradeira fase da institucionalização do Estado Social.

Para o referido autor, os direitos fundamentais da quarta geração são aqueles compostos pelo direito à democracia(direta), o direito à informação, e o direito ao pluralismo21.”

Há ainda aqueles autores que admitem haver direitos fundamentais que poderiam constituir novas dimensões de direitos, tais como os direitos ligados à manipulação genética, à mudança de sexo etc., cujas reinvidicações são totalmente diversas das anteriores até aqui elencadas.

Com base no levantamento anterior, é claro destacar a importância de se preconizar a proteção dos direitos fundamentais nas Cartas Magnas modernas, mesmo que os efeitos da globalização pareçam representar um obstáculo para a manutenção de todos estes direitos.

Para justificar a fundamentação do quanto é importante se manter intactos tais núcleos jurídicos num ordenamento, passa-se agora a elencar quais os nortes teóricos acerca da fundamentação dos direitos fundamentais.

 

1.5 Da fundamentação dos direitos fundamentais

A evolução histórica representada pelo reconhecimento do processo qualitativamente cumulativo e aberto revelado pelas assim denominadas gerações/dimensões de direitos fundamentais, teve como ponto de partida a concepção jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII.

Entretanto, em que pese a importância do caráter de universalidade trazido pela teoria dos direitos naturais, por si só, não consegue a justificação normativa para os direitos fundamentai, a ponto de reconhecê-los em todos os ordenamentos jurídicos da mesma forma.

Assim, em busca dos fundamentos dos direitos fundamentais, Ferrajoli propõe uma definição teórica, puramente formal ou estrutural, dos “direitos fundamentais”: são “direitos fundamentais” todos aqueles direitos subjetivos em universalmente “todos” os seres humanos como dotados do estatuto das pessoas, cidadãos ou pessoas com capacidade jurídica, entendido como “direito legal”, qualquer expectativa positiva (de desempenho) ou negativa (prejuízo) ligado a um sujeito por status de um Estado de Direito, e ‘status‘ de um sujeito, também fornecido por uma norma direito positivo, como condição para a sua adequação para ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que são exercícios destas22.

Esta definição é uma definição teórica, mesmo quando elaborado com referência direitos fundamentais sancionada positivamente por leis e constituições democracias de hoje, ignora o fato de que neste ou naquele.

Para Ferrajoli23, esses direitos há uma definição dogmática, isto é, feita com referência às regras de um sistema constitucional particular, por exemplo, o da Constituição italiana ou da Brasileira. De acordo com isto, dizer que são “fundamentais”, remete-se a direitos ligados por um direito a todos os indivíduos como tais, ou seja, como cidadãos ou como entes capazes de agir. Entretanto, mesmo que a existência de tais direitos tenham como referência uma determinada ordem jurídica positiva, isso não afeta o significado do conceito de direitos fundamentais. Além disso, um impacto ainda menor é o fato de que tais direitos estejam em um dado dispositivo constitucional, pois isto representa apenas uma garantia de cumprimento por parte do legislador ordinário.

Em segundo plano, Ferrajoli afirma que a sua definição é formal ou estrutural no sentido de que desconsidera a natureza dos interesses e necessidades por meio de suas divisões reconhecidas como direitos fundamentais, e se baseia exclusivamente na natureza universal, no sentido puramente lógico, e vê a quantificação universal da classe de indivíduos que os detêm. Mas quando esses direitos forem alienáveis, estes não seriam universais e, portanto, essenciais24.

O autor afirma que existem vantagens óbvias para uma definição como esta. Como são dispensadas as circunstâncias de fato, é válida para qualquer fim, independentemente da fundamental intenção ou não sobre ela, mesmo nos sistemas totalitários
pré-modernas. Portanto, tem o valor de uma definição que pertença à teoria geral do
direito. Como é independente dos bens, valores ou necessidades são substancialmente
protegidos por direitos fundamentais, também é ideologicamente neutra. Assim, é válida
qualquer que seja a filosofia jurídica ou político que professa: teoria positivista ou de direito natural, liberais ou socialistas e até mesmo anti-liberal e antidemocrática25.

O constitucionalismo, como o resultado da positivação dos direitos fundamentais
como limites e vínculos substanciais à lei positiva, é uma segunda revolução na natureza do direito que resulta em desarranjo interno do paradigma positivista clássico. Se a primeira revolução foi expressa através da afirmação da onipotência do legislador, ou seja, o mero princípio da legalidade (jurídica ou formal) como padrão reconhecimento da existência dessas normas, a segunda revolução fez com que a afirmação de que o autor chama de princípio da estrita legalidade (ou de direito substancial)26.

Luigi Ferrajoli27 afirma que grande parte dos problemas e divergências que, com freqüência, surgem a propósito dos direitos fundamentais, e que tem surgido também por ocasião do debate por ele iniciado, depende da diversidade de enfoques – teóricos ou filosóficos, descritivos ou prescritivos – e das disciplinas (jurídicas, éticas, sociológicas ou historiográficas) que se ocupam delas. Daí a variedade de significados associados à expressão “direitos fundamentais” (ou “humanos”, “públicos”, “constitucionais”, “personalíssimos”, “morais” ou de “cidadania”, segundo os léxicos das distintas disciplinas) os quais, muitas vezes se referem a elementos distintos e heterogêneos entre si, como os valores ou fins ético-políticos que se perseguem com eles, os concretos interesses ou necessidades tutelados.

Agora já se pode enfrentar o problema dos fundamentos dos direitos fundamentais, suscitado em várias ocasiões no trabalho de Ferrajoli. O autor afirma que se deve antes de tudo esclarecer e distinguir os diversos significados que podem associar-se à palavra fundamento.

O fundamento teórico, puramente convencional, da definição de “direitos fundamentais” não apresenta nenhuma especificidade a respeito dos fundamentos de qualquer outra tese do tipo teórica. Uma definição teórica é sempre uma definição estipulativa, elaborada na função das finalidades explicativas que, junto a outras teses da teoria, é capaz de satisfazer-se.

O verdadeiro problema, segundo Ferrajoli, de caráter filosófico-político ou de teoria da justiça, é o do fundamento axiológico dos direitos fundamentais. A questão é a clássica de caráter ético-político expressada na pergunta “que direitos devem ser (ou é justo ou está justificado que sejam) tutelados como fundamentais?”, e admite, portanto, uma resposta de tipo não assertivo senão normativo, cuja fundação racional exige a formulação dos critérios meta-éticos e metapolíticos idôneos para justificar sua estipulação normativa, conforme aos fins ou valores ético-políticos que aqueles sejam capazes de satisfazer28.

O primeiro desses critérios é o do nexo entre direitos fundamentais e igualdade. Como se tem visto, a forma universal destes direitos equivale à igualdade na sua titularidade de sujeitos – pessoas ou cidadãos capazes de agir – aos que lhes são atribuídos. É preciso determinar que liberdades, as necessidades vitais – é justo ou está justificado que os direitos assegurem esta igualdade: é esta, precisamente, a determinação axiológica que faz da igualdade um critério de identificação dos quais “devem ser” os direitos que merecem ser tutelados como fundamentais29.

O segundo critério, em conexão com o primeiro, é o do nexo entre direitos fundamentais e democracia. Como se percebe, desde as primeiras intervenções de Ferrajoli30, ele identificou nos limites e vínculos impostos à maioria pelos direitos fundamentais, o que tem chamado a dimensão substancial da democracia.

O terceiro critério é o do nexo entre direitos fundamentais e paz estabelecido no preâmbulo da Declaração Universal de 1948. Devem garantir-se como direitos fundamentais todos os direitos vitais cuja garantia é a condição necessária da convivência pacífica: o direito à vida e à integridade pessoal, os direitos de liberdade, etc31.

O quarto critério é o papel dos direitos fundamentais como leis do mais débil. Com esta base, todos os direitos fundamentais – do direito à vida aos direitos da liberdade e os direitos sociais – podem ser definidos, no plano axiológico, como leis do mais débil em alternativa a lei do mais forte que imperaria em sua ausência32.

Os quatro critérios – igualdade, democracia, paz e tutela do mais débil – propostos para identificar no plano axiológico os direitos fundamentais merecedores de tutela são convergentes e complementares entre si. A paz não só se funda, como se diz o preâmbulo da Declaração Universal de 1948, no máximo grau de efetividade da igualdade nos direitos fundamentais e, portanto, da democracia, senão que se vê ameaçada pelo crescimento das assimetrias, origem de outras tantas desigualdades, entre sujeitos fortes e sujeitos débeis.

Estes critérios, por outro lado – confirmando o fato de que a universalidade dos direitos fundamentais identificada pela sua definição teórica é a técnica jurídica racionalmente mais idônea para sua satisfação – convergem, e não por causalidade, como se tem visto, com o direito positivo vigente no que respeita a uma série de questões: desde a antijuridicidade, da discriminação da cidadania na igual titularidade da maior parte dos direitos fundamentais, passando pelo papel que estes desempenham como limites e vínculos à democracia política; até a impossibilidade de conceber, no plano teórico, o direito à autodeterminação e outros direitos coletivos como direitos fundamentais autônomos.

Assim, trazidas algumas importantes considerações acerca das fundamentações teóricas e axiológicas dos direitos fundamentais em geral, que constituem premissas inarredáveis da compreensão do tema, é possível a partir de então iniciar a análise do direito fundamental ao meio ambiente e suas particularidades que constituem o cerne do debate aqui proposto: sua tutela penal à luz da proporcionalidade.

 

2. Do direito fundamental ao meio ambiente e a estrutura da tutela penal ambiental na Lei 9.605/98

A proteção do meio ambiente atualmente como direito fundamental não é mais nenhuma dúvida para os operadores do direito, pois a Carta Magna de 1988 deixou expressamente claro que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, para a sadia qualidade de vida humana, não só para as presentes, como para as futuras gerações, é condição mínima para a dignidade da pessoa humana nos contornos atuais.

De acordo com a teoria do injusto penal, são bens suscetíveis de proteção penal os direitos constitucionais do cidadão, os valores objetivamente tutelados e outros que, sem possuir relevância constitucional propriamente dita, lhe são conexos. O critério básico a partir do qual se pode deduzir um quadro valorativo deve ser fornecido pelos princípios constitucionais, reconhecidos com fundamento da ordem política e social.

A Constituição, sobretudo em uma sociedade democrática, há de ser o ponto jurídico-político de referência obrigatória em tema de injusto penal – reduzido às margens da estrita necessidade – como afirmação do indispensável liame material entre o bem jurídico e os valores constitucionais.

O legislador constituinte brasileiro, ao elevar o ambiente ecologicamente equilibrado ao patamar de direito fundamental, conformou-lhe a noção de bem jurídico, e, logo, a imprescindível conformação entre o injusto culpável ambiental e o sentir constitucional.

Dentre todas as medidas adotadas pelo legislador constituinte, está a proteção penal ao meio ambiente. A Lei Maior, nas lições de Luiz Régis Prado, estabeleceu “um mandato expresso de criminalização das condutas lesivas ao meio ambiente”33. Segundo o autor:

Desse modo, não se limita simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do meio ambiente, mas na esteira da melhor doutrina e legislação internacionais, estabelece a imposição de medidas coercitivas aos transgressores do mandamento constitucional. Assinala-se a necessidade de proteção jurídico-penal, com a obrigação ou mandato expresso de criminalização. Com tal previsão, a Carta Brasileira afastou, acertadamente, qualquer eventual dúvida quanto à indispensabilidade de uma proteção penal do ambiente. Reconhecem-se a existência e a relevância do ambiente para o homem e sua autonomia como bem jurídico, devendo, para tanto, o ordenamento jurídico lançar mão inclusive da pena, ainda que em ultima ratio, para garanti-lo34.

Neste diapasão, Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas enaltecem a importância da proteção penal ambiental e a expressa ordem constitucional de criminalização das condutas ofensivas ao meio ambiente:

a importância da tutela penal do meio ambiente de há muito vem sendo destacada. Basta lembrar que no XII Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Varsóvia em 1975, foi aprovada a resolução de tratar como delitos contra a humanidade e submeter a grave repressão as agressões ao meio ambiente. No Brasil, abre espaço a essa resolução e expressamente a impõe a Constituição Federal de 1988, no art. 225 § 3º, quando estabelece que “as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais35.

No que tange à interferência do Direito Penal, também não pairam discussões sobre a determinação constitucional de intervenção penal no ambiente, até porque a Constituição, em seu art. 225, foi clara ao afirmar a tutela penal. O que ainda importante se faz destacar o papel dos mecanismos de controle instituídos pela Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), bem como a Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), dentre outras, regional do Meio ambiente, notadamente a questão da licença ambiental, por representarem meios repressivos e, notadamente, preventivos aos novos riscos surgidos com a globalização.

Não há dúvidas, portanto, que o meio ambiente é um bem jurídico que deve ser penalmente tutelado, conforme determinação constitucional. Importante, entretanto, é de que forma este importante interesse será tutelado.

Mais uma vez se valendo das lições trazidas por Luiz Régis Prado, com relação à proteção penal do meio ambiente, a referência ao sistema punitivo, que estabelece a distinção entre as sanções, além de ser fator importante de sua eficácia, só pode ser compreendida à luz dos princípios ínsitos na própria Constituição – numa visão lógico-sistemática e teleológica – e no sentido tradicional das categorias jurídico-penais a eles adstritas.

Para o referido autor, verbis:

Afinal, a partir dessa exigência constitucional, impende ao legislador ordinário construir um verdadeiro sistema normativo penal que defina, de modo certo e taxativo, as condutas puníveis e respectivas penas, em harmonia com os princípios constitucionais penais, como estrutura jurídica mínima para dar cumprimento ao estatuído na Constituição Federal36.

Cumprindo a mencionada determinação constitucional, a Lei 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, impôs medidas administrativas e penais às condutas lesivas ao meio ambiente.

Até o advento da Lei 9.605/98, o arcabouço legislativo-penal sobre o meio ambiente era marcado pela disseminação de um conjunto infindável de leis esparsas, que mais causavam insegurança jurídica do que tutelavam esse precioso bem jurídico do gênero humano. A Lei Penal Ambiental em comento teve o mérito, portanto, de sistematizar e unificar as infrações penais contra o meio ambiente em um único diploma legal, embora ainda haja infrações ambientais tipificadas em outros textos normativos.

Quanto aos tipos penais, o Capítulo V, a partir do art. 29 da Lei 9.605/98, traz o rol dos crimes contra o meio ambiente, divididos em: Crimes contra a Fauna, Crimes contra a Flora, Crimes Ambientais ligados à Poluição, Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural e dos Crimes contra a Administração Ambiental. Quanto às espécies e os limites das penas aplicadas, há em sua maioria penas privativas de liberdade, de reclusão (até 5 anos) e detenção (até um ano), com causas especiais de aumento de pena, fora as penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e multa.

Ao iniciar a abordagem da estrutura dogmática da tutela penal ambiental, faz-se de suma importância levantar o debate acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas, em tese trazido no art. 225, § 3º da Constituição, verbis: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

O tema em pauta ganhou polêmica entre os doutrinadores, pois parte deles entende que não é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, conforme posição adotada por Luiz Régis Prado e Miguel Reale Jr, que adotam uma interpretação semântica diferenciadora das responsabilidades que o constituinte trouxe para as pessoas físicas e para as jurídicas. Todavia, para outros, a Constituição teria sim previsto a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, pois, em posição defendida por Fernando Castelo Branco “numa interpretação constitucional não se pode supor a existência de palavras e sentidos que não estejam explícitos de modo efetivo”37.

A Lei 9.605/98 parece ter dirimido as dúvidas sobre tal celeuma, pois prevê, explicitamente, a responsabilização criminal de pessoa jurídica, fazendo-o no artigo 3º: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Outro ponto trazido na Lei 9.605/98, refere-se à totalidade do meio ambiente a ser protegido. Pelo que se verifica, o ato normativo contemplou o meio ambiente em sua acepção ampla, compreendendo tanto o meio ambiente natural, como o artificial e o cultural, englobando infrações sobre o ordenamento urbano e o patrimônio histórico-cultural.

Há de se destacar que, em razão dos princípios da precaução e da prevenção, em matéria de tipos ambientais, poucos são os crimes de dano, que exigem a lesão efetiva. A maioria dos crimes ambientais são crimes de perigo, muitos de perigo concreto, e, na maioria de perigo abstrato. Naqueles, o perigo integra o tipo como elemento normativo, de modo que o delito só se consuma com a sua real ocorrência para o bem jurídico, isto é, o perigo deve ser efetivamente comprovado. Nos de perigo abstrato, o perigo constitui unicamente a ratio legis, inerente à ação, não necessitando de comprovação38.

Nestes tipos penais, a legislação penal visa evitar o acontecimento do dano, por seu efeito preventivo. Basta, portanto, a mera conduta, independentemente da produção do resultado. Desse modo, o caráter sancionador está num momento anterior ao efetivo e eventual dano causado ao ambiente, o que traz um caráter intimidativo e, até mesmo, educativo.

Outra característica marcante nos crimes ambientais é a presença exorbitante de normas penais em branco, quais sejam aquelas em que a descrição da conduta é incompleta ou lacunosa, necessitando de complementação por outro dispositivo. Há de se ressaltar também que, a maioria dos tipos penais voltados à proteção do meio ambiente possui elementos normativos que remetem o intérprete ao Direito Administrativo. Tais elementos, como ensina Miguel Reale Júnior, possuem “conteúdo variável, aferidos a partir de outras normas jurídicas, ou extrajurídicas, quando da aplicação do tipo ao fato concreto39.

Evidente, pois, que o Direito Penal não consegue abarcar tantas minúcias na estrutura típica, e o socorro pelo Direito Administrativo se impõe. Ademais, até para se preencher um princípio fundamental do sistema jurídico, o da unidade do Direito, é salutar que o tipo penal fique atrelado à decisão administrativa, evitando os conhecidos problemas decorrentes de se adotar uma linha de “independência entre as instâncias”, como largamente ocorria no âmbito dos crimes tributários.

Renato de Mello Jorge Silveira, no entanto, adverte, sobre a proliferação da atuação na seara penal. Segundo o autor, resta saber os limites de atuação do Estado neste campo legal, pois é inegável que a preocupação penal ambiental ganhou espaço em todo o mundo a ponto de, mais recentemente, diversas incoerências estarem sendo notadas. Silveira assinala que a Lei ambiental brasileira, neste aspecto, foi profundamente criticada, já que, na sua visão, vários pontos necessitam de pormenor atenção40.

 

3. Críticas à Lei Penal Ambiental

Não obstante a Lei 9.605/98 tenha o mérito de ter unificado, em seu texto, a maioria das infrações ambientais, está longe de ser um diploma normativo adequado aos fins propostos. Muitos tipos penais têm péssima redação legislativa, alguns inclusive de duvidosa constitucionalidade.

Miguel Reale Junior, por ocasião da entrada em vigor da Lei, escreveu no artigo intitulado “A Hedionda Lei dos Crimes Ambientais”41, tecendo severas críticas ao novo diploma penal ambiental, especialmente à forma como forma redigidos muitos de seus dispositivos. Disse ele:

com expectativa, comecei a ler a Lei de Crimes Ambientais, de vez que relatei a matéria na elaboração do anteprojeto de parte especial do Código Penal, em 1984. A decepção surgiu de pronto e se transformou, ao final, em intensa indignação diante dos gravíssimos erros de técnica legislativa que se somam a absurdos de conteúdo, reveladores da ausência de um mínimo bom senso(…). A defesa imprescindível do meio ambiente não autoriza que se elabore e que o Congresso aprove lei penal do meio ambiente não autoriza que se elabore e que o Congresso aprove lei penal ditatorial, seja por transformar comportamentos irrelevantes em crime, alçando, por exemplo, à condição de delito o dano culposo, seja fazendo descrição ininteligível de condutas, seja considerando crime infrações nitidamente de caráter apenas administrativo, o que gera a mais profunda insegurança42.

Uma primeira crítica tecida por Luiz Régis Prado, a ser considerada, é acerca do modelo legislativo escolhido pelo Brasil, para se tutelar penalmente o meio ambiente. Isto porque, segundo o autor, a moderna tendência doutrinária e legislativa sugere, corretamente, como alternativa preferível a da integração dos tipos penais do ambiente no Código Penal, com bens jurídicos autônomos43.

Para Prado, em rigor, as leis especiais somente devem ser utilizadas para as infrações de apoucada gravidade ou em casos excepcionais ou restritos. Não é, na sua visão, conveniente, nem oportuno remeter à legislação extravagante a tutela de um bem jurídico essencial como o ambiente44.

Conforme o autor, no Brasil, a matéria penal ambiental não foi incorporada ao Código Penal. O posicionamento por ele defendido – qual seja, o critério unitário -, permite obter maior unidade e harmonia, além de superior coordenação, facilitando em muito o conhecimento e a interpretação dos elementos que compõem a tipologia penal do ambiente. De conseqüência, pode-se ter uma aplicação mais uniforme e integral dos injustos penais, com possíveis reflexos em nível de eficácia. Ao contrário da dispersão normativa setorial, evita-se, igualmente, o surgimento de eventuais falhas, redundâncias ou distorções no tratamento de condutas de similar gravidade45.

Acrescente-se que, em geral, a experiência tem revelado que, na prática, as leis penais especiais se convertem, com exceções, em um Direito Penal de menor valor. Não são quase objeto de estudo pela doutrina, também pouco nas universidades, são esquecidas nas reformas e de escassa aplicação pelos tribunais, que tem por hábito considerar como verdadeiro direito aquele que se encontra codificado46.

Outra parte considerável da crítica é de que as leis penais ambientais no Brasil, são, em sua maioria, excessivamente prolixas, casuísticas, tecnicamente imperfeitas, quase sempre inspiradas por especialistas do setor afetado, leigos em Direito, ou quando muito de formação jurídica não específica, o que torna de difícil aplicação, tortuosas e complexas, em total descompasso com os vetores – técnico-científicos – que regem o Direito Penal moderno.

Mais uma objeção reside no argumento de que o advento da Lei 9.605/98, pouco contribuiu para o necessário aperfeiçoamento do tratamento legislativo da matéria ambiental. A gravidade, a urgência dos problemas e o alto significado da proteção penal do ambiente estão a exigir sua inclusão na legislação penal ambiental47.

Quanto à constante complementação normativa ambiental, nos inúmeros tipos penais abertos, também denominada de assessoriedade administrativa, revela, todavia, questionamentos de difícil superação pelo Direito Penal na seara ambiental. Assim, resta difícil defender que os tipos penais ambientais são de leitura precisa e clara, definindo para além de toda dúvida os limites e fronteiras do punível, técnica legislativa esta que pode ensejar, em certas hipóteses, ofensa ao princípio da legalidade, bem como do sub-princípio da taxatividade da lei penal.

De acordo com Gomes e Maciel48, uma das características marcantes do produto legislativo brasileiro dos últimos vinte anos, consiste na administrativização do direito penal, isto é, na transformação de infrações administrativas em infrações penais. Essa marca do direito penal brasileiro está clara na lei ambiental que, propositadamente, sob o impulso do populismo penal, mesclou o direito administrativo com o direito penal.

Além disso, cumpre ressaltar que a existência de delitos ambientais e infrações administrativas idênticos, presentes em diplomas legislativos diferentes, não só pode implicar a violação do princípio do ne bis in idem, mas também acaba por reforçar a ideia de utilização meramente simbólica e negativa do Direito Penal em relação a determinadas condutas, que poderiam ser sancionadas, inclusive de forma mais eficaz, no âmbito administrativo, caso houvesse mecanismos eficientes de controle e fiscalização49.

Uma das mais importantes críticas à tutela penal ambiental reside no argumento de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não foi regulamentada da forma como deveria ser. Segundo Maciel e Gomes, se o legislador quis criá-la, deveria ter elaborado uma teoria do crime, além de tipos penais e institutos processuais específicos para a responsabilização dos entes morais (ver nossos comentários sobre o art. 3º desta Lei). Limitou-se a dizer, laconicamente, que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente nas condutas lesivas ao meio ambiente, o que em nada auxiliou na implementação dessa novel imputação penal50.

Mais uma consideração a ser criticada na Lei 9.605/98, é a de que trata da suspensão condicional do processo (art. 28 da Lei), que segundo Gomes51 foi disciplinada de forma absolutamente equivocada. O art. 28, caput, dispõe que a suspensão é cabível para “os crimes ambientais de menor potencial ofensivo”, quando se sabe que tal instituto se destina a todas as infrações com penas mínimas cominadas iguais ou inferiores a um ano. Isso levou a doutrina a sustentar.

Dentre todas as críticas mais acertadas dirigidas à tutela ambiental, por meio da Lei 9.605/98, está, sem dúvidas, a questão da desproporcionalidade dos tipos penais com o sistema penal previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

Primeiro porque, o direito penal ambiental não parece coadunar com a acepção moderna de Direito Penal mínimo, ultima ratio da intervenção estatal, no qual a tutela penal deve incidir apenas quando estejam presentes a subsidiariedade e a fragmentariedade, ou seja, quando os demais ramos do direito não sejam efetivamente capazes de dar a resposta mais adequada à determinados comportamentos, sendo estes os mais danosos ao convívio social.

É flagrante o caráter altamente criminalizador da lei penal ambiental, visto que erige à categoria de delito uma grande quantidade de comportamentos que, a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas, ou, quando muito, de contravenções penais, em total dissonância com os princípios penais da intervenção mínima e da insignificância penal (v.g. arts. 32, 33, III, 34, 42, 44, 49, 52, 55, 60 etc).

Nota-se também um grande problema na cominação das penas da Lei Penal Ambiental. Os crimes têm penas totalmente desproporcionais e sem razoabilidade, já que muitas vezes os tipos penais foram produzidos para atender o populismo penal. Algumas penas são ínfimas, outras são extremamente excessivas. Mais uma vez resta escancarado o caráter meramente simbólico de um Direito Penal totalmente desproporcional para a proteção do meio ambiente.

A citar como exemplos destas claras desproporções, faz-se um comparativo dos tipos penais previstos no art. 38 e no art. 42, em que a pena de quem solta balões é a mesma de quem destrói uma floresta de preservação permanente. Um outro exemplo clássico das distorções da Lei Penal Ambiental reside nos artigos 60 e 49: a pena do primeiro crime, exercer ilegalmente atividade potencialmente poluidora é menor que a pena do segundo, maltratar plantas de jardim e praças. E mais: se comparado ao art. 50 da lei, a desproporção é maior, porque neste, cuja conduta é a de destruir florestas fixadoras de dunas ou mangues, a pena é a mesma do art. 49, ou seja, a intensidade de destruir uma floresta e de maltratar uma planta de jardim é a mesma. Para listar mais algumas das “aberrações legislativas”, cita-se as penas do art. 30 e do art. 29, III: quem exporta couro manufaturado tem a pena menor do quem exporta couro in bruto, beneficiando as grandes empresas que praticam tais crimes.

Deste modo, conclui-se que a Lei Penal Ambiental, como mecanismo principal de tutela ambiental, por mais que esteja a proteger um direito fundamental de suma relevância para as presentes e futuras gerações, está imersa em problemas de ordem técnica e axiológica, notadamente ligados à colisão de interesses e princípios apregoados na própria Constituição de 1988.

Nestas situações, quando há um impasse na proteção de determinado direito fundamental em detrimento de outro, no caso em concreto é preciso se valer das técnicas de ponderação de interesses, representada a seguir, notadamente, pelos postulados ligados à proporcionalidade/razoabilidade.

 

5. Da necessidade da aplicação do princípio da proporcionalidade

Conforme orientação político-criminal trazida por Luiz Régis Prado, a intervenção penal na proteção do meio ambiente deve ser feita de forma limitada, cuidadosa e proporcional, atrelada aos princípios constitucionais da legalidade, intervenção mínima e fragmentariedade, que também são pilares do Direito Democrático52.

De toda forma, não se pode olvidar que, por força do princípio da proporcionalidade, a proteção penal tem que ser adequada e necessária. Para começar, conflita com o princípio da necessidade a quantidade exorbitante de tipos penais ambientais. O direito penal, no Brasil, também nessa área, foi transformado (por força do populismo penal) em instrumento de primeira ratio, quando o correto seria ocupar posição de ultima ratio.

Se existe algum setor do ordenamento jurídico em que não tem pertinência se invocar o princípio da proibição da proteção deficiente, nem a lei nem o Estado podem apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, ele cria um dever de proteção para o Estado (leia-se: para o legislador e para o juiz), que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se os de natureza penal, para assegurar a proteção de um direito fundamental ou do mesmo nível hierárquico deste. O princípio da proibição da proteção deficiente emana diretamente do princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela penal insuficiente53.

Entretanto, no caso em que a proteção do direito fundamental, in casu, do meio ambiente, tenha que se dar através da tutela penal, inevitavelmente outros direitos fundamentais serão colocados num mesmo plano quando da operacionalização destes direitos. É neste momento em que se recorre ao princípio da proporcionalidade para lidar com as possíveis colisões de normas relativas a direitos fundamentais.

Conforme Juan Cianciardo54, os problemas práticos que se chega desde uma postura conflitivista são resolvidos, muitas vezes, ao menos aparentemente, recorrendo à máxima de razoabilidade. Constatados os problemas teóricos e práticos a que conduzem a ponderação incompleta e a hierarquização, se recorre à razoabilidade como técnica capaz de dar uma resposta superadora.

A proporcionalidade é utilizada como teste da constitucionalidade das intervenções legislativas nos direitos fundamentais para encontrar saída ao presumido conflito que supostamente se daria entre fins públicos e direitos fundamentais; enquanto que um de seus sub-princípios, o da proporcionalidade em “sentido estrito” é aplicado para resolver os conflitos entre direitos55.

O princípio da razoabilidade se encontra vigente com formulações muito semelhantes nos Estados, mas com gênese histórica e tradição jurídicas diferentes.

A máxima da razoabilidade tem suas raízes no Direito Inglês, no conteúdo das emendas V e XIV, como garantia do devido processo legal (due process of law), na Magna Carta do Rei João Sem-Terra, datada de 1216, no capítulo 36 deste documento.

Esta garantia adveio do direito à terra, como garantia de índole exclusivamente processual. Só em 1869, nos EUA, esta garantia se estendeu também aos direitos substantivos (devido processo substantivo). Pode-se afirmar que desde o século XIX, o devido processo substantivo consistiu basicamente numa garantia da razoabilidade nas decisões de qualquer dos órgãos do Estado.

Cianciardo afirma que a máxima da razoabilidade atravessou os Estados Unidos em diferentes etapas, nas que se privilegiou um ou outro direito fundamental, sendo recentemente dividido em sete modelos históricos: primeiro: ideias liberais de Locke e Montesquieu, com controle do poder estatal; segundo: no momento de garantir as liberdades estatais durante a Guerra Civil; terceiro: marcado pela proteção dos direitos individuais frente a opressão das maiorias; quarto: como prescrição das leis ex post facto, dos bill of attainder; quinto: liberdades preferidas – direitos que não só exigem a mais alta proteção estatal, como também resistem à mais escassa das intromissões (direitos personalíssimos); sexto: igualdade dos direitos de personalidade, sem distinções; sétimo: modelo de justiça estrutural56.

Ao longo do tempo, reconheceu-se, portanto, como garantia constitucional o princípio da razoabilidade, com meras variações políticas, econômicas ou sociológicas.

Tanto em uma como em outra jurisdição o princípio da razoabilidade tem sido aplicado de modo diverso ao longo do tempo, em geral, pode se sustentar que se tem passado de uma proteção ampla da propriedade a outra igualmente extensa aos chamados direitos personalíssimos.

A origem da máxima razoabilidade no direito continental se encontra no direito alemão concretamente nas sentenças do final do século XIX do Tribunal Supremo Administrativo, na área do Direito de Polícia. Os juízes invocaram o princípio da proporcionalidade na revisão de medidas de polícia no campo do direito e da ordem. A razoabilidade foi em seu início, uma técnica destinada ao controle dos atos discricionários da Administração, e mais adiante ganhou um desenvolvimento notável, chegando a considerar-se um dos princípios fundamentais do Estado de Direito. Daí passou ao Direito Constitucional57.

Apesar das obscuridades conceituais, considera-se que este princípio, em sentido amplo, contém três sub-princípios: adequação, indispensabilidade ou necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade58.

Na Alemanha, o controle constitucional está inicialmente endereçado a verificar que o legislador não passou ao escalão seguinte quando o anterior era suficiente para salvaguardar as exigências derivadas do interesse geral.

Não há na Constituição Brasileira uma previsão expressa ao princípio da proporcionalidade, diferente, por exemplo, da Constituição Portuguesa, dispõe em seu artigo 18º sobre a “força jurídica” dos preceitos constitucionais consagrados de direitos fundamentais. Foi sob a influência da doutrina portuguesa e seguindo o exemplo austríaco ao adotar o controle concentrado da constitucionalidade das leis para reprimir eventuais abusos de poder por parte de nossos legisladores que o princípio da proporcionalidade foi recepcionado.

Entretanto, um princípio jurídico fundamental tal qual o princípio em foco pode ser expresso ou implícito na Constituição. No caso brasileiro, apesar de não ser expresso, ele tem condições de ser exigido em decorrência da sua natureza.

Destarte, em nossa Carta Constitucional de 1988, no artigo 5º, §2º está presente o reconhecimento do princípio da proporcionalidade, senão vejamos:

Art. 5o. […] §2o. Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outras decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O estabelecimento do princípio da proporcionalidade ao nível constitucional, com a função de intermediar o relacionamento entre duas matérias importantes a serem disciplinadas em uma Constituição, como são aquelas referentes aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e à organização institucional dos poderes estatais, já implica em aceitar a aplicação generalizada do princípio nos vários ramos do Direito.

A justificação da proporcionalidade pode se dar em duas perspectivas: a) intrassistemática, trata-se dos argumentos que cabe oferecer e, que de fato, são dados nos diferentes ordenamentos para fazer uso da máxima; b) extrassistemática, diz respeito aos argumentos que justificam o emprego da proporcionalidade mais além do estabelecido no sistema jurídico concreto.

A justificação extrassistemática pode se dar de duas formas: a) lógica: Alexy59 traz uma justificação lógica da proporcionalidade, tomando como ponto de partida a estrutura das normas fundamentais. Sustenta que “entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade existe uma conexão”. Esta conexão não pode ser mais estreita: o caráter de princípio implica a máxima de proporcionalidade e esta implica aquela. Para ele, os princípios “são mandatos de otimização com respeito às possibilidades fáticas e jurídicas”60; b) Justificação ontológica: a proporcionalidade como exigência do Direito.

 

4.1 As três dimensões da proporcionalidade

Para que se utilize o princípio da proporcionalidade ao se tutelar o direito fundamental ao meio ambiente, é importante se compreender as três dimensões do instituto, que auxiliará o legislador e o operador jurídico, na hora de procederem à ponderação de interesses em conflito.

Primeiramente, deverá ser realizado um juízo de adequação, ou seja, que a medida eleita tenha um fim, que seja adequada para lograr este fim, capaz de causar seu objeto. Inicialmente, Cianciardo61 afirma que é preciso determinar qual, dentre os vários, será o fim legislativo a ser perseguido. Segundo, o referido autor afirma que é preciso verificar o grau de adequação da referida medida no tempo, se ex ante ou a posteriori, a fim de que se possa analisar a adequação não olvidando o binômio segurança jurídica-justiça. E, ainda dentro do juízo de adequação, é preciso averiguar qual a profundidade do referido juízo, isto é, se será necessário um juízo técnico sobre o assunto ou não.

A segunda dimensão da proporcionalidade é relativa ao juízo de necessidade62: se examina se a medida adotada pelo legislador é a menos restringente das normas de direitos fundamentais dentre as igualmente eficazes. Nesse contexto, serão também analisados: a possibilidade do juízo de necessidade; o juízo de eficácia e, por fim, a eleição da medida mais necessária.

Em último plano, para a completa utilização do princípio da proporcionalidade, será procedido a um juízo de proporcionalidade em sentido estrito – em que pese haver discussão na doutrina e jurisprudência acerca do conteúdo deste sub-princípio -, pode-se dizer que consiste em estabelecer se a medida guarda uma relação razoável com o fim que se procura alcançar, ou seja, há um balanço entre as vantagens e desvantagens da medida, ou ainda, a relação de custos-benefícios. Neste ínterim, serão sopesados a insuficiência do balanço entre vantagens e desvantagens, bem como o juízo de alteração ou afetação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais envolvidos63.

Assim, ao se aplicar a tutela penal ao meio ambiente é indispensável se fazer uma leitura à luz do princípio da proporcionalidade, pois somente a partir daí é que serão possíveis soluções jurídicas mais adequadas aos direitos fundamentais coexistentes no ordenamento jurídico.

Apesar da técnica baseada na proporcionalidade ser uma das mais utilizadas corriqueiramente pelos autores, é preciso que não se descarte novas formas de resolução de conflitos entre direitos fundamentais, pois muitas vezes mesmo o método mais utilizado pode parecer insuficiente diante da máxima proteção de valores jurídicos num sistema aberto, não estagnado.

Apesar de no plano formal, tanto o meio ambiente quanto os direitos fundamentais individuais estarem numa relação de harmonia, é preciso ter em mente que a hierarquização de valores é possível: há um ciclo dialético, o que não há é uma hierarquia formal de valores, mas vai se gerar uma hierarquia de operacionalização de valores64.

 

5. Conclusões

A partir das considerações feitas neste trabalho, é possível proceder ao levantamento das seguintes conclusões:

1. Para se compreender a inserção do meio ambiente como direito fundamental na Carta Magna de 1988, é preciso retomar o contexto histórico e teórico dos direitos fundamentais. Neste sentido, os direitos fundamentais, são agrupados por razões histórico-sociais, de acordo com os fatores em que foram inseridos nas Cartas Magnas dos Estados. Daí decorrem as gerações ou dimensões de direitos.

2. Os direitos de primeira geração são aqueles advindos das revoluções burguesas do século XVIII, representados pelos direitos civis e políticos, relativos a liberdades e igualdades perante a lei. Os de segunda geração correspondem aos direitos sociais, relativos às reinvidicações dos pós-Guerras somados aos ideiais socialistas, como os direitos à saúde, educação, trabalho, assistência social etc. Por sua vez, os direitos de terceira geração são aqueles relativos aos ideais da coletividade, dos grupos sociais, numa acepção mais solidarista, assim como é o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente e à qualidade de vida. Há autores que ainda trazem direitos de quarta e quinta gerações, cujos direitos são aqueles advindos dos novos anseios após a globalização.

3. Acerca dos fundamentos dos direitos fundamentais, importantes lições foram extraídas a partir da obra de Luigi Ferrajoli, cuja proposta do autor foi relacionar os fundamentos axiológicos dos direitos fundamentais, com as ideias de democracia, de paz, de igualdade e da proteção do mais débil, fundamentos estes que existem independentemente de qualquer fundamento teórico existente. Apesar das críticas sofridas, a busca pela essência axiológica destes direitos é de suma importância para se compreender a positivação e preservação dos mesmos dentro dos ordenamentos jurídicos modernos.

4. Restou evidenciado que a preocupação com o meio ambiente nem sempre foi a mesma ao longo dos anos, cujos fatores sócio-econômicos foram de suma importância para a sua difusão nos Tratados Internacionais, e, posteriormente, nas Cartas Constitucionais, assim como o foi no Brasil, em 1988. A Constituição atual foi a primeira a conter em seu bojo normas expressas de proteção ao meio ambiente, tanto nas searas cível, administrativa e criminal, o que possibilita a uma irradiação das normas infraconstitucionais neste sentido.

5. Com o dispositivo constitucional expresso de mandamento de criminalização às condutas lesivas ao meio ambiente, não pairam dúvidas de quão importante este direito fundamental deve ser considerado, assumindo assim a condição de bem jurídico penal. Para tanto, foram criadas leis esparsas de proteção penal ambiental, contendo tipos penais específicos para este fim.

6. Entretanto, em que pese a indispensabilidade da proteção penal do ambiente, esta não tem sido feita de forma congruente e proporcional. Como visto, há uma série de incorreções na Lei 9.605/98, que obstaculizam à sistematização de um Direito Penal mínimo, fragmentário e racional, dado o efeito meramente simbólico das leis penais ambientais e pelas más técnicas legislativas na elaboração dos tipos penais.

7. Uma forma de se reestruturar a proteção penal ao meio ambiente, seria se fazer valer da técnica de utilização do princípio da proporcionalidade para operacionalizar a hierquização de direitos fundamentais nos casos práticos em que envolvam conflitos de interesses. A proporcionalidade, de antecedentes anglo-saxão e germânico, assume feições distintas nos países, mas a versão pelo texto adotada foi a alemã, contendo os sub-princípios da: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

8. Verifica-se que, ao se utilizar esta técnica de operacionalização de direitos fundamentais, longe de ser a única forma cabível, mas, sem dúvidas, uma das mais coerentes com a lógica de sistema jurídico, é possível se superar falhas na estrutura da tutela penal do direito fundamental ao meio ambiente, sempre primando pela máxima garantia dos demais direitos fundamentais envolvidos.

 

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2 COELHO, Edihermes Marques. Direitos Humanos – Globalização de Mercados e o Garantismo como referência jurídica necessária. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, pp. 33-36.

3 COELHO, Edihermes Marques. Op. cit., p. 63.

4 COELHO, Edihermes Marques. Idem, p. 64.

5 Ingo Wolfgang Sarlet, explica porque prefere o termo “dimensões” e não “gerações” de direitos, verbis: “Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’”. IN: SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8. Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 55.

6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 562.

7 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 562.

8 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. Edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2010, p. 46.

9 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 47.

10 SARLET, Ingo Wolfgang. Idem, p. 47.

11 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 517.

12 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 47.

13 BONAVIDES, Paulo. Idem, p. 564.

14 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 48.

15 SCHMITT, Carl. Verfassungsrechtliche Aufsätze, p. 189, apud BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 564.

16 SARLET, Ingo Wolfgang. Idem, p. 48.

17 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 517.

18 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 48.

19 PÉREZ LUNO, A. E. IN: RCEC n. 10 (1991), p. 206 e ss apud SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 49.

20 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 571.

21 BONAVIDES, Paulo. Idem, p. 571.

22 FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. 4. Ed. Madrid: Editora Trotta, 2009. p. 19.

23 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 19.

24 FERRAJOLI, Luigi. Idem, p. 21.

25 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 52.

26 FERRAJOLI, Luigi. Idem, p. 54.

27 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem, p. 142.

28 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 142.

29 FERRAJOLI, Luigi. Idem, p. 143.

30 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem, p. 145.

31 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem, p. 147.

32 FERRAJOLI, Luigi. Ibidem, p. 152.

33 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal do Ambiente. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 80.

34 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 80.

35 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: ed, RT, 2006, p. 31, apud GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira e outro. Op. cit., p. 18.

36 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 76.

37 BRANCO, Fernando Castelo. A pessoa jurídica no processo penal, p. 56 apud ACETI JUNIOR, Luiz Carlos; et al. Crimes Ambientais. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Leme: Imperium, 2007, p. 19.

38 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 152.

39 REALE JR, Miguel. Instituições de Direito Penal, vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 38.

40 SILVEIRA, Renato de Melo Jorge. Op. cit., p. 136.

41 REALE JUNIOR, Miguel. Folha de São Paulo, 06.04.1998 apud GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira e outro. Op. cit., p. 20.

42 REALE JUNIOR, Miguel.

43 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 79.

44 PRADO, Luiz Régis. Idem, p. 80.

45 PRADO, Luiz Régis. Ibidem, p. 81.

46 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 81.

47 PRADO, Luiz Régis. Idem, p. 81.

48 GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira e outro. Op. cit., p. 20.

49 PRADO, Luiz Régis. Op. cit., p. 90.

50 GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira e outro. Op. cit., p. 20.

51 GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira e outro. Idem, p. 20.

52 PRADO, Luiz Régis. Idem, p. 90.

53 Deste princípio cuidou o Ministro Gilmar Mendes no RE 418.376 do Supremo Tribunal Federal.

54 CIANCIARDO, Juan. El conflictivismo en los derechos fundamentales. Navarra: Ediciones Universidad de Navarra S. A., 2000, p. 286.

55 CIANCIARDO, Juan. Op. cit., p. 286.

56 CIANCIARDO, Juan. Idem, p. 286.

57 CIANCIARDO, Juan. Op. cit., p. 305.

58 CIANCIARDO, Juan. Idem., p. 305.

59 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 111-112 apud CIANCIARDO, Juan. Op. cit., p. 319.

60 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 111-112 apud CIANCIARDO, Juan. Op. cit., p. 319.

61 CIANCIARDO, Juan. Op. cit., pp. 323-331.

62 CIANCIARDO, Juan. Op. cit., pp. 339-345.

63 CIANCIARDO, Juan. Idem, pp. 346-347.

64 Ver: MESSI, Pedro Cerna y TOLLER, Fernando. La interpretación constitucional de los derechos fundamentales. Buenos Aires: Editorial La Ley.

Rafhaella Cardoso Langoni

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