Proteção penal e provas ilícitas no direito brasileiro

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 Juliana Ferreira Hodniki1

Victor Alves Pereira2

 

 

Sumário: 1. Introdução 2. Das provas e verdade processual 3. Provas ilícitas 3.1 Provas ilícitas e ilegítimas 3.2 Provas ilícitas por derivação 4. Provas ilícitas nos ordenamentos jurídicos estrangeiros 5. Provas ilícitas no ordenamento jurídico brasileiro 6. Conlusão

 

Resumo: O presente artigo trata da questão das provas ilícitas. Sabe-se que tais provas são proibidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, isto é, a obtenção de provas por meios ilícitos é rechaçada pela Constituição brasileira de 1988 e pelo Código de Processo Penal brasileiro. Foi feita, primeiramente, uma breve introdução sobre a proteção penal oferecida pelo ordenamento jurídico pátrio. Em seguida foram abordadas as definições de provas ilícitas e suas espécies. Por fim, foi feito uma contextualização sucinta sobre as provas ilícitas nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, para que, por fim, fossem analisadas as provas ilícitas no ordenamento jurídico brasileiro. No decorrer do trabalho notou-se a importância de se avaliar a licitude da prova quando diante de sua utilização, devendo ela passar por um juízo de proporcionalidade diante de direitos em conflito. Para o desenvolvimento do trabalho, foram adotados estudos bibliográfico e documental, de método dedutivo, norteados pelas etapas investigativas teórica e analítica, objetivando, assim, apresentar a relevância do tema para o sistema jurídico.

Palavras-Chave: proteção penal; provas ilícitas; porporcionalidade.

Resumen: El presente artículo aborda la cuestión de las pruebas prohibidas. Es cierto que tales pruebas son prohibidas por el órdene jurídico brasileño, o sea, la obtención de pruebas por medios prohibidos es rechazada por la Constitución brasileña de 1988 y por el Código de Proceso Penal brasileño. De início, fue hecha una breve introducción sobre la protección penal del órdene paterno. Después fueron abordadas las definiciones de las pruebas prohibidas y suyas especies. En fin, fue hecha una contextualización corta sobre las pruebas prohibidas en los órdenes jurídicos extranjeros. Eso para, después, analizar las pruebas prohibidas en el órdene jurídico brasileño. Durante el trabajo se observó la importancia de evaluarse la legalidad de la prueba cuando delante de su utilización, siendo que ella debe de pasar por un juízo de proporcionalidad delante conflictos de derechos. Para el desarrollo del artículo, fueran adoptadas la investigación bibliográfica y la documental, de método dedutivo, guiadas por las fases investigativas teórica y analítica, objetivando así presentar la relevancia del tema para el sistema jurídico.

 

Palabras Clave: protección penal; pruebas prohibidas; prporcionalidad.

 

1. Introdução

É dever do Estado utilizar-se de meios que protejam os direitos fundamentais dos indivíduos, sendo o Direito Penal um deles, o qual, reúne um conjunto de normas destinadas a tutelar os bens jurídicos fundamentais do ser humano, mediante a tipificação dos ilícitos penais e a prescrição das penas àqueles que cometerem tais ilícitos.

O Direito Penal constitui um meio de proteção dos direitos humanos, pois se destina ao equilíbrio da sociedade e também ao respeito dos direitos de cada indivíduo, sobretudo, à dignidade da pessoa humana e a um devido processo proporcional, isto é, um devido processo legal.

A proteção penal, portanto, é um direito fundamental e, segundo Ávila (2007, p. 45), é “ao mesmo tempo, um dever objetivo de proteção por parte do Estado e um direito subjetivo fundamental de proteção”.

O dever objetivo de proteção pelo Estado é desmembrado por Vieira de Andrade (2001) em: garantias institucionais, ou seja, instituições que são reconhecidas pela Constituição3; eficácia dos direitos fundamentais perante terceiros e não somente perante o próprio Estado; responsabilidade do Estado pela efetiva proteção dos direitos fundamentais; e “normas de organização e processo” 4 para a concretização de tais direitos. Por isso, trata-se a proteção penal de um dever objetivo de proteção estatal.

O direito subjetivo fundamental do indivíduo é a proteção penal material invocada quando da ocorrência de colisão de interesses na esfera penal e envolvidos diversos valores fundamentais tanto da vítima, como do acusado e da sociedade.

Diante disso, o Estado deve intervir norteado pela “proibição de excesso” e pela “proibição de insuficiência de proteção penal”5, objetivando à proteção de todos os envolvidos.

Desse modo, o garantismo penal tanto discutido na doutrina6, que se acentua mais no caráter individual, propugnando-se por um sistema penal que garanta direitos ao indivíduo sujeito a punição, limitando o ius puniendi estatal, deve ser tratado em conjunto com a proteção da coletividade, gerando assim o que Sarlet (2004) denomina de “garantismo integral”.

A Constituição Brasileira de 1988, por ser um avanço do Estado Democrático de Direito, abarca um respeitável sistema de Direito Penal e Processual Penal, como meio de proteção aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. No próprio caput do art. 5º, a Constituição Brasileira reconhece a proteção penal mediante a garantia do direito à segurança pública.

Segue o art. 5º da Constituição com outros dispositivos que tutelam tanto o direito material e processual na esfera penal, tais como, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (inc. II), “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (inc. III), “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inc. XXXV), “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (inc. XXXVII), o reconhecimento do tribunal do júri (XXXVIII), a tipificação do crime com a prévia cominação legal (inc. XXXIX), irretroatividade da lei penal, salvo em beneficio do réu (inc. XL), dentre outros, destacando-se como um mandamento constitucional de proteção penal, o inciso XLI que assim dispõe: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Nota-se com isso que a Constituição Brasileira de 1988 optou pela promoção de um sistema penal, já que o conjunto das normas penais é que garante, a priori7, a proteção dos direitos fundamentais perquiridos em um Estado Democrático de Direito.

No Direito Penal o Estado tem a função de ir contra as mais graves violações das regras de condutas que, por ofenderem bens e valores protegidos, são consideradas ilícitos penais.

A sanção penal, no entanto, deve ser proporcional à gravidade social do delito, noção essa advinda desde a Antiguidade, em que se impunha um castigo justo a quem causou mal a outrem. Com isso, alcançou-se o que hoje consiste a reprovação, a retribuição e a ressocialização.

No Direito Penal, há a atuação do princípio da proporcionalidade no momento da criação da norma penal, e ainda, no momento em que se determina o quantum da pena, a qual deve ser proporcional ao delito cometido, impedindo-se o excesso da punição aplicada ao infrator.

Assim, o princípio da proporcionalidade passa a ser um instrumento indispensável do Direito Penal, tanto ao legislador, porque deve mensurar quais bens e valores merecem proteção e qual a maneira mais sensata de sancionar penalmente determinadas condutas, quanto aos julgadores, para que extraiam da lei penal o sentido social do justo, levando sempre em consideração a defesa dos direitos e garantias fundamentais de todos.

No que se refere ao Direito Processual Penal, segundo Puhl (2005), o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha utiliza a proporcionalidade em várias passagens, como na busca e apreensão, em que o ato de intervir deve estar em conformidade com a gravidade do delito, devendo ser aplicada tal medida somente quando imprescindível para a investigação e prosseguimento do caso. E ainda, também em casos de prisão preventiva, no momento de se estabelecer limites à sua aplicação.

Tendo em vista que na Alemanha é constante a utilização da proporcionalidade no Processo Penal, nota-se que o mesmo pode ocorrer no direito brasileiro, já que seu uso tem papel de relevância indiscutível, tais como na prisão cautelar, busca e apreensão, quebra de sigilo e a obtenção de provas por meios ilícitos, objeto de estudo do presente trabalho.

 

2. Das provas e verdade processual

O vocábulo “prova”, conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), deriva do latim probare e, em sentido genérico, é um elemento destinado a demonstrar que uma afirmação e um fato são verdadeiros, é uma evidência, uma comprovação.

Do ponto de vista jurídico, de acordo com De Plácido e Silva (1967) prova é: “demonstração que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se afirma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado”.

Pode-se definir prova como um elemento que constrói a convicção do julgador acerca dos fatos controvertidos das partes envolvidas em uma lide. Primeiramente, o autor da lide demonstra sua pretensão por meio da alegação dos fatos; em seguida, a parte contrária refuta tal pretensão, ambos fundamentando suas razões com a produção de provas, na busca do convencimento do juiz de que os fatos alegados existiram ou não e são ou não verdadeiros.

Santos (1952), por meio de suas excelentes acepções do vocábulo prova (atividade, meio e resultado) condensa suas principais finalidades. A prova como atividade é a reunião dos atos processuais praticados com o fim de se verificar a verdade e formar o convencimento do juiz; como meio, ela representa os percursos utilizados na referida verificação; e, por fim, como resultado, é a constatação da verdade ou não, dos fatos alegados.

Além do mais, o direito à prova é um direito fundamental do indivíduo, implícito no princípio do devido processo legal estatuído na Constituição Brasileira de 1988, sendo uma garantia tanto da acusação quanto da defesa.

Ressalta-se, ainda, a questão da busca da verdade, pois essa constitui um valor intrínseco à justiça e pode ser obtida por meio das provas. Por isso, a busca da verdade está constantemente presente no Direito, uma vez que, diante de um litígio, há a reconstrução dos fatos históricos alegados no processo por meio das provas trazidas aos autos, na tentativa de se alcançar uma verdade processual.

Há uma classificação tradicional na doutrina a respeito da verdade processual, em material e formal8. A verdade material é aquela buscada de maneira absoluta e incontroversa para o processo, permitindo-se, para isso, amplos poderes ao juiz na instrução probatória. Já na busca da verdade formal, tais poderes do magistrado são mitigados, sendo suficientes os fatos revelados pelas partes do processo. Ainda, tendem a relacionar a verdade material ao processo penal e a verdade formal ao processo civil.

No entanto, é inadequada a divisão aventada pela doutrina que qualifica a verdade material como o norte inafastável do processo penal e a verdade formal como informadora do processo cível.

Justifica-se esta divisão pelo fato de existir no processo civil o envolvimento de direitos disponíveis, não se exigindo tantas investigações probatórias do juiz, que acaba acolhendo simplesmente a verdade formal, enquanto no processo penal são disponibilizados vastos poderes probatórios ao magistrado na busca da verdade material dos fatos.

Na atualidade, não mais prevalece de forma estanque esta dicotomia, uma vez que, no processo civil, também há direitos indisponíveis em jogo, o que seria inaceitável conformar-se desde logo com a verdade formal; e no processo penal, várias são as situações que limitam a busca da verdade material, tais como: a vedação da revisão criminal pro societate, o princípio do in dubio pro reo e a ilicitude das provas. São elas, pois, limites à absoluta descoberta da verdade no processo penal.

Nesse sentido, por ser inconstitucional a utilização das provas obtidas ilicitamente no processo, caso não seja provado o delito, o acusado poderá ser absolvido, com fundamento aos limites ético-jurídicos que se sobrepõem em um Estado Democrático de Direito.

Desse modo, não se atinge a verdade material, a qual acaba sendo excepcionada, dando lugar, a então denominada por Grinover (1982), “verdade processualmente válida”.

Verifica-se, pois, que não existe no processo uma verdade material absoluta. A verdade que se busca é aquela em consonância com as garantias processuais de validade e que esteja norteada pela proporcionalidade quando se busca a reconstrução histórica dos fatos da lide por meio das provas.

Na falta da verdade material absoluta, já que ela pode ser limitada por princípios ético-jurídicos do Estado Democrático de Direito, quando ocorrer conflitos entre preceitos fundamentais no processo penal, deve-se buscar um equilíbrio por meio da proporcionalidade.

 

3. Provas ilícitas

Na concepção de Avólio (1995), provas ilícitas ou ilicitamente obtidas são aquelas produzidas em ofensa às normas ou princípios de direito material, sobretudo, de nível constitucional.

De acordo com referido autor, a problemática das provas ilícitas está relacionada às questões das liberdades públicas, as quais asseguram os direitos e garantias referentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana, e ainda, também se prende às questões de direito penal, civil, administrativo, isto é, de ordem infraconstitucional.

Quando, então, a prova ferir normas de direito material, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, tem-se a denominada prova ilícita, a qual, em princípio, não será admitida no processo penal.

Além do mais, ressalta-se que, a prova é ilícita não pelo fato de ser falsa a verdade transmitida, e sim, devido aos meios pelos quais ela foi obtida. O que se leva em consideração na proibição constitucional da admissibilidade das provas ilícitas no processo é o respeito aos direitos fundamentais e, para isso, a verdade processual pode ser restringida.

Diante do exposto, conclui-se que a proibição tem natureza processual e substancial, pois é imposta em função da finalidade do processo e também em função dos direitos fundamentais dos indivíduos, ambos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

 

3.1 Provas ilícitas e ilegítimas

São diversas as terminologias utilizadas para designar as proibições de provas, tais como: prova proibida, prova ilegal, prova ilícita, prova ilegalmente obtida, prova ilicitamente obtida, prova inconstitucional, prova nula, prova irregular, dentre outras.

No caso da doutrina brasileira há certa harmonia em relação às terminologias usadas para denominar referidas provas. A maioria dos autores, assim como Grinover (1982), sustenta a opinião de que a prova vedada é aquela que contraria uma norma legal ou um princípio de direito positivo.

Quando a prova é obtida com afronta ao procedimento, gerando consequentemente sua nulidade, ela é denominada prova ilegítima, enquanto, quando ocorre a obtenção da prova com ofensa a direito material e não sendo admitida no processo, é denominada ilícita. No entanto, ambas são chamadas de provas ilegais.

A prova será ilegal sempre que infringir normas legais de natureza processual ou material, sendo ela o gênero, e as provas ilegítimas e ilícitas, as espécies.

Corroborando com esta classificação, Grinover, Scaranse Fernandes e Magalhães Gomes Filho (2004) lecionam sobre a questão da distinção entre inadmissibilidade e nulidade, assentados no momento de obtenção das provas. Se a prova foi obtida durante o processo, será ilegítima (portanto, nula) e se fora do processo, será ilícita (portanto, inadmissível).

Com isso, também trazem à tona a questão da obtenção da prova e de sua produção. Obter é ter acesso à prova, podendo ser fora do processo, enquanto produzir é colocar a prova dentro do processo, caso seja admitida pelo juiz.

Entretanto, ressalta-se que esta distinção não é absoluta, pois pode acontecer que a prova não viole direito material e não é obtida no curso do processo, mas mesmo assim não será admitida9; como também é possível que no curso do processo aconteça violação ao direito material, na suposição de um juiz coagir as partes litigantes.

 

3.2 Provas ilícitas por derivação

Prova ilícita por derivação é aquela legítima e lícita, mas que se originou de outra prova obtida ilicitamente. Sua inadmissibilidade foi desenvolvida pela Suprema Corte Americana, por meio da “teoria dos frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree).

Segundo esta teoria, se a árvore está envenenada, transmitirá o seu veneno a todos os seus frutos. Fazendo a relação com as provas ilícitas, também serão viciadas as provas colhidas mediante àquelas que são ilícitas, isto é, estas as macularão, pois se foram obtidas ilicitamente, igualmente considerar-se-ão as outras.

A jurisprudência brasileira é dominante pela não aceitação das provas ilícitas por derivação.10 No entanto, tem-se amenizado esta questão por certos fatores mencionados por Grinover, Scaranse Fernandes e Magalhães Gomes Filho (2004), como a insignificância da relação entre ambas as provas, de modo a não constituir causa e efeito, ou mesmo, quando as provas derivadas das ilícitas teriam sido descobertas de qualquer maneira.

Nesse sentido, a prova ilícita não seria absolutamente determinante para o conhecimento das derivadas, ou ainda, se essas fossem descobertas mesmo sem necessidade de conhecimento das ilícitas, não seriam contaminadas, podendo ser admitidas em juízo.

 

4. Provas ilícitas nos ordenamentos jurídicos estrangeiros

A proibição da obtenção das provas ilícitas no processo constitui um preceito também adotado em muitos ordenamentos jurídicos estrangeiros.

Cumpre neste tópico tecer um breve comentário sobre o tratamento das provas ilícitas em alguns países, para analisar-se em seguida, sua abordagem pela jurisprudência brasileira, sobretudo, no que diz respeito à inadmissibilidade destas provas e às exceções a esta proibição à luz do princípio da proporcionalidade.

Nos Estados Unidos, após sua independência, as provas obtidas ilicitamente eram permitidas pela jurisprudência:

O desenvolvimento da jurisprudência estadunidense teve como ponto de partida, após sua independência, os precedentes da common law, a partir das quais a Corte Suprema passou a, progressivamente, construir sua jurisprudência própria. Nesse sistema da common law, ainda vigente como regra geral na Inglaterra, Canadá e Austrália, qualquer material probatório, relacionado com o delito, colhido pelo Estado deve ser admitido em juízo, independentemente de modo obtido. (ÁVILA, 2007, p. 135).

No entanto, foi justamente neste país onde surgiram as “modernas construções das regras de exclusão de provas obtidas por meios ilícitos (exclusionary rules), tendo influenciado a legislação e jurisprudência de vários países”. (ÁVILA, 2007, p.132).

A Lei Fundamental Alemã não traz explícita a proibição das provas obtidas por meios ilícitos, mas conforme pondera Gössel (2001), ela decorre da própria doutrina e jurisprudência que a invocam com base na violação dos próprios princípios de um Estado de Direito.

Na Alemanha não há uma rígida proibição das provas obtidas por meios ilícitos, admitindo-se até mesmo as provas derivadas. Somente no caso de graves violações aos direitos fundamentais é quando haverá a proibição da utilização de tais provas.

O mesmo ocorre na Espanha, sendo que, primeiramente, não se admitia a exclusão das provas obtidas por meios ilícitos, entretanto, a partir da década de noventa, mesmo não havendo dispositivo constitucional sobre a vedação destas provas, o Tribunal Constitucional a tem invocado constantemente11.

Na Itália, o art. 191.1 do Código de Processo Penal de 1989 dispõe que “a prova adquirida em violação de proibição estabelecida pela lei não poderá ser utilizada”. Mas, segundo Ávila (2007), a Corte Suprema Italiana (Corte di Cassazione) tem reduzido a aplicação deste dispositivo para limitá-lo às situações em que ocorre violação expressa e direta de uma determinada proibição.

O que se observa da análise da proibição das provas obtidas ilicitamente nos sistemas jurídicos dos países em comento, é uma tendência universal à amenização desta vedação. Ainda assim, não se deve desatentar para o fato de que o meio mais hábil a ser adotado é a ponderação dos valores envolvidos no caso concreto, podendo as provas ilícitas serem admitidas em certas circunstâncias específicas.

 

5. Provas ilícitas no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Brasileira assim define em seu inciso LVI do art. 5º: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Este dispositivo constitucional, inserido no título denominado “dos direitos e garantias fundamentais” está estritamente relacionado com a opção da Carta Magna Brasileira pelo Estado Democrático de Direito.

Além do mais, a escolha do constituinte brasileiro em incorporar este direito corrobora com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que assim estabelece em seu artigo 12º: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei”.

Ainda, institui o Pacto de San José da Costa Rica a chamada Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, da qual também é signatário o Brasil, e assim define em seu art. 11°:

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Nota-se, então, que a vedação da utilização de provas obtidas por meios ilícitos tem íntima relação com o respeito à dignidade da pessoa humana e constitui, eminentemente, um postulado universal perpetrado por tratados e convenções internacionais. Como visto, a Constituição Brasileira acolhe como garantia reconhecida, a proibição da obtenção deste tipo de provas.

 O Código de Processo Penal Militar mantém ampla correspondência com a proibição das provas ilícitas, quando preceitua em seu art. 375: “A correspondência particular, interceptada ou obtida por meios criminosos, não será admitida em juízo, devendo ser desentranhada dos autos se a estes tiver sido junta, para a restituição a seus donos”, enquanto o Código de Processo Penal Brasileiro não dispõe a seu respeito.

No entanto, o Código de Processo Penal Brasileiro, no que diz respeito às provas ilícitas, dispõe:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Citada norma processual reitera a vedação contida na Constituição e ainda confirma que tanto as provas ilícitas quanto as ilegítimas são proibidas no processo penal.

Isso porque, conforme mencionam Grinover, Scaranse Fernandes e Magalhães Gomes Filho (2004), a Constituição Brasileira considera a prova materialmente ilícita também processualmente ilegítima, pois quando ocorre a ilicitude material, aplica-se a sanção processual que é a sua inadmissibilidade.

Este dispositivo do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 11.690 de 2008, trouxe inovação no que diz respeito às provas derivadas das ilícitas, pois essas serão permitidas, como já vinha sendo reconhecido por parte da doutrina, quando “não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

Observa-se nesse sentido referido dispositivo constitui um avanço na processualística penal brasileira, no que concerne à questão da proibição de provas obtidas ilicitamente.

 

 

6. Conlusão

Verificou-se no presente trabalho que o instituto da prova é o fundamento do processo penal, já que é sobre o conjunto probatório que se desenvolvem as teses de defesa e acusação. Por isso que, por meio das provas, o juiz pode chegar à verdade dos fatos.

O direito à prova é uma garantia constitucional ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório, à presunção de inocência, essenciais para o desenvolvimento de um processo equilibrado. No entanto, doutrina e jurisprudência entendem que o direito à prova não é absoluto, pois encontra restrições impostas por preceitos éticos e por regras do ordenamento jurídico brasileiro.

Por isso é que a Constituição Brasileira de 1988 veda, em seu artigo 5.º, LVI, a admissão de provas obtidas por meios ilícitos no processo penal, com o fim de prevenir violações aos direitos e garantias fundamentais.

Em razão dessa previsão constitucional, adveio a Lei 11.690 de 20008 que, dentre outros temas, tratou da prova ilícita. Esta lei, como visto, reformulou o conceito de provas ilícitas contida na Constituição Federal como sendo as obtidas em violação a normas constitucionais, de modo que, atualmente não se distingue mais se a norma legal é material ou processual. Assim, basta violação a uma norma, seja ela constitucional ou infraconstitucional.

No entanto, de acordo com precedentes do Supremo Tribunal Federal e entendimentos doutrinários, a avaliação da licitude da prova bem como sua utilização deve passar por um juízo de proporcionalidade dos direitos em conflitos. Assim, algumas exceções, como a prova ilícita pro reo, podem ser admitidas no caso concreto.

Enfim, na análise de um caso concreto, compete ao intérpetre e/ou julgador examinar o cabimento da aplicação da teoria da proporcionalidade para amenizar o rigor da inadmissibilidade da prova ilícita, já que, pelo sistema constitucional vigente não há como estabelecer uma garantia absoluta, pois pode ocorrer que se deva ter respeito a outras garantias de igual ou superior relevância.

 

 

 

Referências Bibliográficas

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2007.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 2. ed, Rio de Janeiro: Forense, 1967. v. III.

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FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana paula Zomer et al. São Paulo: RT, 2002.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982.

_____; SCARANCE FERNANDES, Antonio. MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. As nulidades no processo penal. 8 ed. São Paulo: RT, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

PUHL, Adilson Josemar. Princípio da proporcionalidade ou da razoablidade. São Paulo: Pillares, 2005.

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 2. ed. São Paulo: Max Limond, 1952, V.I.

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibiçào de excesso e de insuficiência. Revista brasileira de ciências criminais, São Paulo: RT, n. 47, pp. 60-122, mar.-abr. 2004.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, vol.1.

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2001.

 

 

1 Advogada. Bacharela em Direito e Licenciada em Letras, ambos pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes , Rio de Janeiro. E-mail: nikihodd@yahoo.com.br.

2 Mestrando em Direito Público pela Faculdade de Direito “Prof. Jacy de Assis”, da Universidade Federal de Uberlândia. Advogado. Bacharel em Direito e Administração, ambos pela Universidade Federal de Uberlândia. “Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal de Uberlândia”. Advogado. E-mail: victorapereia@msn.com.

3 Exemplos de instituições reconhecidas pela Constituição Brasileira de 1988: propriedade e casamento.

4 Termos designados por Ávila (2007, p.49) para viabilizar a concretização dos direitos fundamentais (direitos fundamentais a um procedimento).

5 Expressões formuladas por Canaris e utilizadas na obra de Mendes (2000, p.20).

6 Sobre o garantismo penal ver Ferrajoli (2002).

7 Isso porque, em tese, o sistema penal deve ser eficiente, uma vez que se reconhece sua imprescindível atribuição, principalmente na sociedade contemporânea. Entretanto, muito ainda do aparato penal brasileiro necessita de aprimoramento, diante do que se observa na atualidade, no que diz respeito à aviltante impunidade daqueles que detém poder, e às degradantes injustiças daqueles que nem ao menos sabem de seus direitos tutelados pela Magna Carta Brasileira.

8 Tourinho Filho (2005) estabelece esta divisão. Para ele, a verdade real aquela buscada no processo penal pelo juiz, o qual tem o dever de investigar quem realmente praticou a infração e quais os fatos que se passaram na realidade.

9 É o caso das provas emprestadas, as quais não violam direito material e não são obtidas no curso do processo, sendo inadmitidas se não participaram do processo principal as mesmas partes. V. infra item 3.3.3.

10 V. STF – TP – HC nº. 69.912/RS – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 16.12.1993 e STF – 1ª turma – HC n°. 73.351/SP – Rel. Min. Ilmar Galvão – j. 09.05.1996.

11 V. Sentenças: 9/1984, 238/199, 299/2000, dentre outras, disponível em: http:// www.tribunalconstitucional.es.

Juliana Ferreira Hodniki

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