Todo bem é impenhorável?

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Em regra, a cláusula de inalienabilidade que grava certo bem, por ato de liberalidade do doador, implica, também, impenhorabilidade e incomunicabilidade1. O bem clausulado pode ser desapropriado ou alienado por conveniência econômica do donatário ou de seu herdeiro, mediante autorização judicial, mas o produto dessa venda, ou alienação, deverá ser convertido em outros bens, que passam, da mesma forma, a sofrer as restrições que antes gravavam o primeiro bem2. Essas cláusulas restritivas da disposição do bem são instituídas pelo doador em favor do donatário e de seus herdeiros, mas não podem, como é curial, servir de óbice ao direito de crédito que terceiros tenham de exercitar contra o donatário.

Numa palavra, o donatário, que detém em seu patrimônio bem gravado com as cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, não pode, sendo ao mesmo tempo devedor, valer-se dessa blindagem advinda do clausulamento para se furtar ao pagamento da dívida, notadamente a trabalhista, que tem caráter alimentar. O devedor-donatário pode eleger o benefício de ordem, substituindo o bem gravado por outro, livre e desembaraçado.

O que não pode é não oferecer outro bem desembargado, em garantia do débito, e esconder-se atrás dessas cláusulas como se legitimassem um “direito de não pagar”. A inalienabilidade não é instituída sobre um bem para que os credores do donatário se prejudiquem.

O propósito é bem outro: proteger o donatário da sua própria prodigalidade. Quando a doutrina proíbe a inalienabilidade do bem gravado, refere-se a ato de disposição do titular, e não a ato de constrição forçada, advinda de ordem judicial.

Cláusulas de inalienabilidade não vinculam o juiz. É ato inter vivos que vincula o doador, o donatário e seus herdeiros, mas não alcançam os interesses do terceiro. Não se trata de direito real. O que há é uma espécie de capitis deminuito contra o donatário, que perde, no todo ou em parte, temporária ou definitivamente, o direito de dispor.

O donatário não pode vender, doar, permutar ou dar em pagamento o bem recebido em doação e gravado com essas cláusulas, mas não está nos limites da sua posse impedir a constrição judicial por dívidas contraídas com terceiros. Segundo a regra do art.1.848 do Código Civil, a imposição de cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade deve ter por fundamento uma causa justa. Não basta a vontade do instituidor. Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,

Em outras palavras, o que determina a validade da cláusula não é mais a vontade indiscriminada do testador, mas a existência de justa causa para a restrição imposta voluntariamente pelo testador. Pode ser considerada justa causa a prodigalidade, ou incapacidade por doença mental, que diminuindo o discernimento do herdeiro, torna provável que esse dilapide a herança“.

O juiz pode, com base no art.s. 1.911 do Código Civil, art. 1109 do CPC, art. 5º da LICC e no art. 5º inc. XXII e XXIII da Constituição da República, desconsiderar o gravame imposto pelo doador em favor do donatário e apenhar o bem.

Para a lei civil, o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio da pessoa física dos sócios que a compõem. Em caso de fraude, excesso de mandato, má gestão ou ato ultra vires3, o juiz pode desconsiderar a face legal da empresa e alcançar o patrimônio pessoal dos sócios.

No processo civil, somente se desconsidera a face legal da empresa em caso de fraude, mas, no processo do trabalho, dada a natureza eminentemente alimentar do crédito do empregado, a desconsideração da pessoa jurídica da sociedade empresária pode ser feita pelo juiz, ainda que de ofício, em todos os casos clássicos da desconsideração, como nas hipóteses em que a sociedade empresária não tem bens, ou tem e os oculta ao juízo, ou nos casos em que transfere a totalidade de suas ações ou cotas a terceiros sem lastro econômico, muda de endereço e não comunica ao juízo, vende ou tenta vender seu patrimônio a fim de descapitalizar a execução ou deixar de baixar os atos constitutivos no registro do comércio.

A simples mora, ou o retardamento, ou a ocultação de bens bastam para que o juiz do trabalho desconsidere e separação de patrimônios e determine a constrição dos bens de um ou de vários sócios da sociedade empresária devedora. O sócio que responder com seus bens pessoais pela dívida da sociedade poderá, no juízo comum, cobrar aos demais a parte da obrigação que solveu em nome deles. O que não pode é deixar de pagar o credor trabalhista imputando apenas à sociedade a responsabilidade pelo débito e não indicando ativo suficientemente hígido para responder pelo crédito do empregado.

 

1 Código Civil, art.1911 c/c Súmula 49 do E.STF..

2 Código Civil, art.1911, parágrafo único.

3Ultra vires” é termo utilizado no direito sucessório para significar aquilo que está além da força da herança. No direito empresarial, diz-se “ato ultra vires” aquele que é praticado pela sociedade ou pelos sócios quando contraem obrigações para além da força do capital social efetivamente integralizado. Nesse caso, todos os sócios respondem ilimitadamente, e não apenas até o limite do capital integralizado.

Jose Geraldo da Fonseca

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