O Princípio do Contraditório como instrumento do ativismo judicial

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Resumo: O presente artigo terá por escopo apresentar, de maneira sucinta, porém, sistemática, o princípio do contraditório, abordando, principalmente, sua eficácia e sua ampla efetividade na busca da verdade real, na medida em que se coloca como instrumento, indispensável, para evitar abusos, penhor de imparcialidade do julgador e de igualdade de tratamento entre as partes.

Palavras chaves: Princípio do Contraditório, igualdade, efetividade e ativismo judicial.

Riassunto: Lo scopo di questo articolo sono presenti, in breve, ma sistematica, il principio di contraddizione, concentrandosi principalmente loro efficienza ed efficacia nella sua vasta ricerca della verità reale, essa rappresenta un strumento essenziale per evitare abuso, il pegno giudice di imparzialità e parità di trattamento tra le parti.

Parole chiave: Principio del contraddittorio, l’eguaglianza, l’efficacia e l’attivismo giudiziario.

Diante das múltiplas alterações sofridas pelo sistema processual nos últimos tempos, o contraditório, um dos princípios basilares do processo, coloca-se perante uma realidade completamente nova. A influência de novos valores sociais e culturais referendou o princípio do contraditório, dentro do sistema processual, como um dos principais instrumentos para se buscar o real e efetivo ativismo judicial.

O ideal de que o Poder Judiciário deve estar mais próximo, mais acessível e efetivo, tem marcado os mais avançados sistemas legais do nosso século. Procura-se, assim, pela satisfação efetiva dos “consumidores” da ciência jurídica e não apenas por meras declarações formais daquilo que, porventura, se tenha direito.

Nesse sentido, o princípio do contraditório, deve ser entendido como espécie da qual o princípio do devido processo legal é gênero. O “due process of law”, expressão originária do direito inglês, é compreendido como a base de todos os demais princípios e possui como substrato a possibilidade real das partes envolvidas na relação processual terem acesso à “justiça”, no sentido amplo do termo, pleiteando, assim, o que acredita ter direito e defendendo-se de forma plena de todas as acusações a ela imputadas mediante a utilização de todos os meios legalmente permitidos.

A primeira ordenação jurídica a citar o princípio do devido processo legal ou garantia de um julgamento regular que se tem conhecimento, foi a Magna Charta de João Sem-Terra no ano de 1215, denominado de “law of land” e, posteriormente, no ano de 1354, durante o reinado de Eduardo III, chamado de “due process of law”.

Consoante se extrai de lições doutrinárias tradicionais, o princípio do contraditório sempre foi considerado como exigência de audiência e igualdade das partes, sempre imprescindível e contrapondo-se ao princípio inquisitorial. Manifestar-se-ia, especialmente, quando o interesse público se sobrepusesse ao particular. No entanto, tal definição, assim como a do próprio processo, sofreu alterações significativas em decorrência da evolução histórica da sociedade e de suas novas necessidades. Na medida em que a ciência jurídica apresenta como pressuposto servir à sociedade e esta clama por maior efetividade do referido ramo, consequentemente, surge a necessidade de se voltar, não só ao sentido estritamente legal, mas ao fim social e ao bem comum que a norma se destina.

Desta feita, inicia-se um processo pelo qual, aos poucos, procura-se eliminar formalismos exacerbados da doutrina processual conceitualística e, neste ponto, o princípio do contraditório passa, definitivamente, a ser tratado como uma garantia, um direito constitucionalmente assegurado.

Necessidade de informar e possibilidade de reação, esta é a fórmula consagrada que define o princípio do contraditório e revela a bilateralidade do processo (procedimento em contraditório). Mas, certamente, não basta repetir à exaustão a velha fórmula, que desvenda todo o alcance do princípio do contraditório, uma vez que se faz necessário responder a uma série infindável de perguntas para compreender a importância e a magnitude do referido princípio. Assim, antes de tudo, é preciso perguntar: quem dever ser informado? Depois cumpre perquirir o modo por meio do qual hão de ser informados dos atos processuais todos os interessados? A partir disso, é preciso investigar as formas de reação permitidas ao interessado, o que leva a uma verdadeira revisão de muitos institutos relevantes do processo, pois, em última análise, o estudo do princípio do contraditório revela as escolhas do legislador, no que diz respeito às possibilidades de cada uma das partes fazer valer, em Juízo, suas próprias razões.

Desta forma, observa-se a importância do procedimento na legitimação do resultado do processo, mostrando até que ponto o procedimento pode ser considerado um sistema de cunho social que desenvolve uma função específica, sem se deixar, entretanto, emoldurar nas garras do formalismo. A estrutura não é moldada pela simples adaptação técnica do instrumento processual a um objetivo determinado, mas, especialmente, por escolhas de natureza política, em busca dos meios mais adequados e eficientes para a realização dos valores que dominam o meio social e, por sua vez, estruturam a vida jurídica de cada povo.

Como bem assinala Dinamarco:

o direito, assim como os valores e princípios que informam, revela-se inconfundível com a técnica, pois, enquanto sistema de atribuição de bens e organização social, implica no fundo a positivação do poder (1990, p. 318).

Posto isto, se é verdade que a regulamentação dos atos processuais, com um procedimento rigidamente controlado, evita surpresas e soluções arbitrárias, também não é menos verdadeiro que o apego ao formalismo é inútil e prejudica o contraditório, sendo fundamental lembrar que, neste tema, o pressuposto maior do nosso sistema processual está exposto no artigo 244, do Código do Processo Civil, o qual considera válido os atos praticados com desvio de forma, desde que seja alcançada a finalidade pretendida.

No intuito de elucidar, a idéia acima, far-se-á uma pausa nesta ocasião, a fim de remeter o leitor ao artigo 244 supracitado, veja-se:

Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

Constata-se então, que é impossível assimilar o processo apenas em seu caráter formal, dotado de cunho exclusivamente técnico, composto por regras externas estabelecidas pelo legislador de modo totalmente arbitrário; haja vista que o direito processual tem suas cavidades interiores formadas pela confluência de idéias, projetos sociais, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço. O mesmo se passa com os princípios que aspiram seu significado nos valores imperantes no meio social, em consonância com a especificidade de cada tempo e espaço social.

O princípio do contraditório não foge à regra geral e também tem sua história, não se mostrando indiferente às circunstâncias e valores da época em que é exercido.

Ademais, o contraditório, em meio a tantos outros, é um princípio processual constitucional. A grande parte desses princípios está insculpido no artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inserido dentro do Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, demonstrando, assim, a sua importância para o ordenamento jurídico.

Os princípios constituem fontes primordiais para qualquer ramo científico, influindo na formação e na aplicação de uma ciência. Segundo Reale (1991, p. 299), “toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios”.

A fim de desenvolver um estudo sucinto, porém, com o mínimo de embasamento, se faz necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípios no ordenamento jurídico.

Neste ponto, retomam-se os ensinamentos de Reale (1991, p. 300), para quem “os princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.

O ordenamento jurídico é um sistema de normas e os princípios, a fim de manter a sua unidade e estabelecer seus contornos, emolduram todo o sistema jurídico brasileiro. A interpretação das normas deve, obrigatoriamente, iniciar com a análise dos princípios constitucionais que estão a informar-lhe, pois eles darão embasamento a interpretação e aplicação escorreita da norma.

Aos princípios sempre poderá ser atribuído o fato de condicionar e orientar “a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (Reale, 1991, p. 306).

Posto isso, pode-se concluir que, ao se ferir uma norma, diretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele sistema, que na sua essência estava embutido.

Sobrelevados tais conceitos, passa-se, especificamente, ao estudo do contraditório que, por sua vez, em linguagem simples, significa tudo aquilo que está em debate, que não é pacífico ou unânime, tudo quanto traz consigo discórdia intrínseca.

No processo, o contraditório tem o seu início com a bilateralidade da relação processual, ainda que possa haver mais do que dois focos de interesse no processo.

Essa multiplicidade de interesses é, por óbvio, anterior ao processo. Trazidas à arena processual, as partes buscarão, por meio dos instrumentos que a lei lhes determinar, provar a supremacia de sua pretensão em oposição à parte contrária e, posteriormente, desfrutar do bônus dessa prova.

Dentro dessa visão dualista percebe-se a importância crucial do contraditório, até mesmo como legitimador do processo, haja vista que o Estado carreou para si a integrabilidade da função jurisdicional. A vedação da autotutela exige que se permita à parte usar todos os instrumentos (dentre os aceitos em um Estado Democrático de Direito) para buscar o bem da vida pretendido. Pretender algo diverso, ou seja, cercear sem motivo justo a atuação do indivíduo dentro do cenário jurídico constituir-se-ia no maior dos óbices à pacificação social, ao invés de aproximá-la, ceifando, assim, o objetivo precípuo da ciência jurídica atual.

Pode-se dizer, portanto, que o contraditório traz para o processo o mecanismo da dialética aristotélica: há uma tese, pretensão de cuja resistência surgirá a antítese. Plenamente informado por uma e outra, o órgão jurisdicional estará apto a prolatar uma síntese. Esta síntese, pelo menos em princípio, terá nesse mecanismo dialético uma das suas principais ferramentas na tentativa de atingir a pacificação social justa em qualquer campo de atuação jurisdicional.

Dessa forma, nota-se que a um determinado ataque produzido sob a forma e no momento previstos em lei deve ser facultada a defesa de mesma intensidade, porém, em sentido contrário. Aqui se denota uma correlação fundamental entre contraditório, igualdade e ampla defesa.

O professor Gil Ferreira de Mesquita, acerca do tema, ensina que:

o contraditório presta-se justamente, de início, para a manutenção de processo como fenômeno dialético, necessário para que ambos os litigantes tenham no decorrer da atividade processual as mesmas condições para defesa de seus interesses, já que são sujeitos parciais da relação jurídica processual (…)a participação das partes, considerados sujeitos parciais da relação jurídica processual, somente pode ser proporcionada com a tomada de conhecimento de todos os atos processuais praticados durante a atividade processual, sejam eles realizados pelo Estado (juiz e seus auxiliares), sejam eles realizados pelo adversário (Mesquita, 2003, p. 156 – 158).

Em todas as definições de contraditório se encontra o elemento informação à parte ré. Tão importante é esse elemento, que existem autores, dentre os quais cite-se Cintra, Grinover & Dinamarco (2001, p. 56), que definem o contraditório com base nele e, concomitantemente, defendem que o Juiz não pode, em hipótese alguma, sob pena de aniquilar preceito fundamental da Constituição da República, julgar sem que tenha havido notícia ao demandado do processo que corre em face dele.

Entretanto, diante da incessante busca pelo ativismo judicial, não se deve estreitar, sumariamente, o contraditório ao elemento da informação. Nelson Nery Junior (1996, p.132), em obra prima a respeito dos princípios constitucionais processuais, define o contraditório com um caráter dúplice: “por um lado, ele é a informação à parte da existência da ação, bem como de todos os atos do processo, e, de outro, a possibilidade de as partes se insurgirem contra os atos processuais que considerem desfavoráveis”.

Assim, conforme Nery Júnior (op. cit., p. 133), as partes devem ter a possibilidade “de deduzir suas pretensões e defesas, realizarem as provas que queiram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidas paritariamente no processo em todos os seus termos”.

É fundamental, portanto, que o contraditório seja garantido durante toda a relação processual e em favor de todas as partes. Neste ponto, insta observar que a bilateralidade do contraditório pode desdobrar-se em múltiplos focos de interesse, como ocorre nos casos de intervenção de terceiros.

Ressalte-se, por oportuno, que, como decorrência do princípio da igualdade, o contraditório significa, portanto, em respeito, inclusive, ao artigo 5º, caput e o inciso I, da Constituição Federal de 1988, conferir as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ações, deduzindo respostas, requerendo e realizando provas e recorrendo das decisões judiciais.

É fato que os dois princípios estão muito próximos; no entanto, não há que confundi-los; mas a concepção de que o contraditório é um instrumento para garantir a igualdade deve ser aceita, na medida em que se confere a todas as partes envolvidas na relação processual oportunidades adequadas e efetivas de se manifestarem, evidenciando, assim, o equilíbrio paritário entre elas.

Nesse sentido, no afã de se atingir a efetividade do processo chegou-se ao entendimento de que há necessidade de revisitar uma série de institutos jurídicos e questões relevantes para a ciência jurídica de forma geral, no sentido de se mudar a mentalidade dos operadores do Direito e reformular a idéia de prestação jurisdicional, a fim de que, ao final, a melhor decisão não seja a que beneficie as partes, mas sim, o interesse público, o satisfazendo a ponto de garantir maior confiabilidade à administração da “justiça”.

Ao mesmo tempo, nessa mesma linha de evolução, consentânea com a consciência do caráter público do processo e com a necessidade de uma solução mais eficiente e rápida do litígio, insere-se o valor da efetividade. O seu reflexo na extensão do contraditório é imediato e de largo espectro, porquanto encontra seu melhor instrumento técnico na possibilidade de concessão de medidas conservativas ou mesmo antecipatórias dos efeitos da futura sentença de mérito – tutela antecipada -, antes do término normal do processo e até liminarmente, mesmo antes de ser ouvida a parte demandada sobre a pretensão exercida em Juízo.

O princípio do contraditório, portanto, deve ser tido como a real e mais palpável manifestação do Estado Democrático de Direito, relacionando-se diretamente com o princípio da igualdade das partes e com o direito de ação. Ao se assegurar o princípio do contraditório e da ampla defesa assegura-se, consequentemente, o direito de ação e o direito de defesa, prerrogativas de todo o cidadão que, por seu turno, são indispensáveis para o desenvolvimento pacífico da sociedade.

Com tais considerações, resta observar que o princípio do contraditório, como sinônimo de diálogo judicial, corresponde a uma verdadeira garantia de democratização do processo, impedindo que o “poder” do órgão judicial e a aplicação da regra “iura novit cúria1 sejam utilizados como mecanismos opressores e autoritários que, nos últimos tempos, serviram para impedir que a efetividade da ciência jurídica, entendida como a satisfação do jurisdicionado e materializada pelo processo, ocorra de forma plena.

 

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1 “Brocardo que significa “o direito – ou a lei – é do conhecimento dos juízes”, razão pela qual, mesmo que a parte não invoque expressamente o fundamento legal do pedido, isto é, os artigos de lei que disciplinam a matéria, é certo que o magistrado deve aplicar, ao caso, os dispositivos legais correspondentes” (SILVA, De Plácido, 1998, p.778)

Donner Rodrigues Queiroz

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