O empregado e a falência do patrão

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José Geraldo da Fonseca

 

O pior que pode acontecer na vida do empregado é a falência da empresa onde trabalha. A falência é um golpe de morte também na fortuna e na auto-estima do patrão, além de representar imediata supressão dos postos de trabalho e do pagamento dos tributos, notadamente INSS, FGTS e imposto de renda. A falência da empresa não interessa a ninguém, por isso as legislações modernas, como a L.nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas) procuram retirar do mundo jurídico o caráter punitivo da falência e entender que tocar o negócio envolve riscos, depende do mau-humor do mercado, de modernização, investimento, competitividade e, por conta disso, o bom empresário tem de ser ajudado a salvar o negócio, sanear a empresa e continuar a vida comercial. Pirataria e corrupção são dois venenos que asfixiam o empresário honesto. Se você soma a esses dois componentes explosivos uma sobrecarga de impostos, uma má política pública, juros bancários extorsivos, uma legislação arcaica e inútil, uma fiscalização tendenciosa e ineficiente e um mercado predatório, está formado o cenário de um desastre surdo que a mídia não revela, mas que acontece todos os dias debaixo do nosso nariz. Agora mesmo, enquanto você lê este artigo, milhares de empresários honestos estão à beira de um precipício fiscal. Terão de decidir, amanhã cedo, quantos pais de família irão botar na rua para salvar a empresa até o fechamento da próxima folha de pagamento. Ou até a próxima visita do fiscal. É da essência da sociedade empresária visar lucro. Lucro é a diferença entre o que se arrecada e o que se gasta. Por lei, o lucro do patrão não precisa ser dividido com o empregado. Logo, também por lei o empregado não precisa dividir os prejuízos com o patrão. Lucro e prejuízo são riscos do negócio. Quem corre o risco do negócio é quem se beneficia dele. O empregado não se beneficia da empresa. Troca sua saúde pelo dinheiro que recebe para ir tocando a vida. Por isso, não se concebe que uma empresa danifique a saúde do trabalhador, porque a saúde do trabalhador é a única moeda que tem para trocar pelo salário, que, no fim das contas, garante a sua própria saúde. Nesse círculo perverso, um enriquece e o outro apodrece em vida. Ainda que as condições de trabalho sejam péssimas, e o salário minguado, o calvário do trabalhador não começa quando está empregado, mas quando é desapossado do emprego e, em especial, quando é desapossado do emprego porque o negócio para o qual trabalha vai mal, e quebra. Na prática, embora o crédito do empregado receba da lei tratamento privilegiado, e deva ser pago antes dos outros, logo após o pagamento dos créditos por acidente do trabalho, quando o trabalhador finalmente consegue apurar os seus direitos na Justiça do Trabalho, e habilita o crédito no juízo falimentar, pouco ou quase nada resta a fazer porque o fisco, os bancos, os outros credores que não tinham igual privilégio já reviraram os fundos do cofre, e ali somente restam uns tostões que nem pagam as custas do processo e os encargos devidos pela massa. A habilitação do crédito do empregado na falência é uma piada da qual já se conhece o final. Não tem graça nenhuma. Não tem graça nem utilidade para o trabalhador. É um faz-de-conta do qual os juízes do trabalho se comprazem, fingindo distribuir justiça.

São comuns na Justiça do Trabalho ações em que a empresa para a qual o empregado trabalha presta serviços para outra empresa. A sua empresa é chamada prestadora, e a outra, que contrata a sua empresa, tomadora. A dúvida que atormenta os juízes trabalhistas é esta: que destino dar aos direitos do trabalhador, empregado da empresa prestadora, quando esta quebra. Aquele que toma os serviços da empresa que foi à falência tem alguma responsabilidade quanto aos créditos do empregado da empresa falida? Penso que sim. A isso se chama responsabilidade subsidiária. Nos casos de responsabilidade solidária, ambos os devedores respondem em igual proporção, ao mesmo tempo; nos casos de responsabilidade subsidiária, exaure-se, primeiro, todo o patrimônio do devedor principal (prestador) para, depois, perseguir-se o patrimônio do devedor subsidiário (tomador). Há casos em que o devedor principal (prestador) vai à falência, mas o devedor subsidiário (tomador) continua em atividade. Quando demandados em processo trabalhista, os devedores subsidiários exigem que, primeiro, se esgote o patrimônio do devedor principal (prestador), e só depois, se ainda restar algo a pagar, se persiga o seu (do tomador) patrimônio pessoal. Isso é certo? Penso que não. O fundamento da condenação subsidiária é a garantia do pagamento do crédito consolidado no inadimplemento ou mora do devedor principal, e somente pode valer enquanto os devedores principal e subsidiário estiverem em atividade, ou mantiverem ativos suficientemente hígidos que lhes permita a satisfação integral do crédito. O devedor subsidiário trabalhista põe-se de permeio na relação jurídica entre o empregado e o efetivo empregador exatamente como o fiador na demanda entre o credor e o devedor de qualquer outra obrigação civil. O tratamento jurídico é rigorosamente o mesmo. Na fiança, embora o fiador demandado pelo pagamento da dívida tenha o direito de exigir que primeiro se excuta o patrimônio do afiançado, para somente depois ver alcançado o seu1, também se lhe impõe o encargo de, ao alegar tal benefício de ordem, nomear bens do devedor, livres e desembargados, sitos no mesmo município, tantos quantos bastem para solver o débito2. A lei adverte, contudo, que o benefício de ordem não pode ser invocado quando o fiador de obrigação solidária a ele renunciou expressamente3, obrigou-se como principal pagador, ou devedor solidário4, ou se o devedor principal for insolvente, ou falido5.A relação jurídica entre o devedor principal e o subsidiário ? seja decorrente de lei,contrato ou sentença? é res inter alios6 para o credor, que tem, no devedor subsidiário, mero garante do pagamento da dívida. A dívida trabalhista é sempre constituída in solidum7, isto é, exigível por inteiro, de sorte que o devedor subsidiário nem pode pretender pagar apenas parte dela8, imputando a responsabilidade pela outra parte ao devedor principal, como, nos casos de quebra do devedor principal, nem pode exigir que o credor habilite o seu crédito nos autos da quebra e, só depois, passe a lhe exigir o pagamento do saldo devedor sobejado pela insuficiência do ativo da massa9. A falência do devedor principal equivale à impossibilidade jurídica de que o credor trabalhista seja pago pela massa, enquanto não realizado o ativo e enquanto não organizado o quadro geral de credores10. Em situações típicas, se a execução não puder ser solvida pelo devedor principal porque não é encontrado, ou porque não tem bens, volta-se automaticamente contra o devedor subsidiário. Há, entanto, situações atípicas ? e a falência é uma delas ?, onde o devedor principal não pode ser executado na ordem constante do título sentencial não porque não é achado ou porque não tem bens, mas porque o ativo do devedor principal não foi realizado ou a sua massa não pode, por lei, antecipar pagamentos, ainda que o crédito trabalhista detenha absoluto privilégio. Nesses casos, o credor trabalhista em prol de quem se fez constar da sentença a condenação subsidiária pode desprezar a possibilidade de executar, primeiro, o devedor principal, para perseguir o seu crédito junto ao devedor subsidiário. Como dito, a subsidiariedade existe na medida do interesse do credor, que pode, a qualquer momento, abdicar dela para perseguir patrimônio mais solvável. Por outro lado, o devedor subsidiário pode habilitar nos autos da quebra, como credor quirografário11, aquilo que pagou em nome próprio, mas por conta da dívida deixada pelo devedor principal.12. O que não pode é invocar em seu favor uma garantia (subsidiariedade) que não mais existe, porque, com a quebra do devedor principal, o credor trabalhista pode exigir do devedor subsidiário a dívida por inteiro. Feita a liquidação do crédito, o juízo da execução observará os arts.6º, §3º e seguintes da L.nº 11.101/200513, relativamente à reserva de créditos que eventualmente possam tocar ao devedor subsidiário pelo que houver pago ao credor trabalhista por conta da dívida deixada pelo devedor principal.

1 CC,art.827:”O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir,até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor”.

2 CC,art.827,parágrafo único.

3 CC,art.828,I.

4 CC,art.828,II.

5 CC,art.828,III.

6 Em tradução livre, “coisa entre estranhos” ou “coisa entre terceiros”.

7 CC,art.264:”Há solidariedade,quando na mesma obrigação concorre mais de um credor,ou mais de um devedor,cada um com direito,ou obrigado,à dívida toda”.

8 CC,art.267:”Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro”.

9 CC,art.275:”O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores,parcial ou totalmente, a dívida comum;se o pagamento tiver sido parcial,todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto”.

10 CC,art.279:”Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários,subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente;mas pelas perdas e danos só responde o culpado”.

11 CC,art.283:”O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota,dividindo-se igualmente por todos a do insolvente,se o houver,presumindo-se iguais,no débito,as partes de todos os co-devedores”.

12 CC,art.259, parágrafo único:”O devedor,que paga a dívida,sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados”. Ou,ainda,o art. 832 do CC:” O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança”. Conforme o art. 83 da L.nº da L.nº 11.101/2005:”A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:I) – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;IV – créditos com privilégio especial, a saber:a) os previstos no art. 964 da L.nº 10.406/2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; V – créditos com privilégio geral, a saber:a) os previstos no art. 965 da L.nº 10.406/2002;os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; VI – créditos quirografários, a saber:a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;  c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;VIII – créditos subordinados, a saber:a) os assim previstos em lei ou em contrato;b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.       

13 Art. 6o – A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

§ 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro geral de credores pelo valor determinado em sentença.

 § 3o O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1o e 2o deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

§ 6o Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:

        I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;

        II – pelo devedor, imediatamente após a citação.

Jose Geraldo da Fonseca

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