O cheque pós-datado em face do direito do consumidor

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SUMÁRIO: 1 O Cheque pós-datado. 1.1 Noções Gerais. 1.2 Terminologia. 1.3 Identificação do cheque pós-datado. 1.4 Natureza Contratual. 1.5 Da legalidade do cheque pós-datado. 2 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2.1 Os efeitos da pós-datação do cheque na relação consumerista. 2.2 Da ausência de legalidade do cheque pós-datado. 2.3 Direito Comparado. 3 Conclusão. 4. Referências Bibliográficas

RESUMO

O presente trabalho aborda o aspecto da emissão do cheque pós-datado e seus efeitos na relação consumerista. O problema centra-se na falta de amparo legal, haja vista que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, e a pós-datação trata-se de promessa futura de pagamento. Ademais, discute-se que na ausência de dispositivo legal o cheque pós-datado possui natureza executiva, podendo ser apresentado ao sacado antes da data combinada. A pós-datação é um contrato avençado entre o emitente e o tomador, destarte, o referido emitente se obriga que o título terá fundos disponíveis na data aprazada, e, de outro lado, o tomador se obriga a apresentar o título somente na data estabelecida. Porém, se houver quebra de pacto, gera efeitos tanto no âmbito penal, como no cível em desfavor do emitente do título, ocorrendo atipicidade, tendo em vista a ausência do animus do emissor do título na emissão de cheque sem previsão de fundos. Desta forma, ante o formalismo que a lei exige e diante da ausência de amparo legal, a prática da pós-data, esta amplamente arraigada no hábito da sociedade e da maneira como se instala deve ser regulamentada, respeitando as normas imperativas do Código de Defesa do Consumidor, tornando deste modo, o cheque pós-datado legal numa relação de consumo, tendo em vista que o cheque pós-datado é o principal instrumento de crédito utilizado nas vendas a prazo, contudo, a lei brasileira não o contempla, todavia, outros países adotam uma legislação especifica sobre o pós-datado. É o caso da Argentina e do Uruguai, porém a temática recebeu tratamento distinto, contudo, no nosso ordenamento jurídico é considerado uma expressão de costume comercial.

1 – CHEQUE PÓS-DATADO

1.1 – Noções Gerais

O Direito Comercial é useiro dos costumes, sendo um dos ramos do Direito onde encontramos mais flexibilidade para aceitação de tal fonte. Dentre outros, temos como exemplo o cheque pós-datado.

O cheque pós-datado, comercialmente denominado de pré-datado é consagrado nas relações comerciais como o principal instrumento de crédito utilizado nas vendas a prazo.

Tal prática se tornou um costume principalmente pelo fato que irá atrair muitos consumidores; por outro lado, ao consumidor, porque este não precisará mobilizar de imediato o seu capital de giro, possibilitando-lhe que organize o seu orçamento, acreditando que os cheques emitidos só serão depositados nas datas acordadas.

O consumidor que emite e entrega cheques pós-datados, corre o risco de os verem apresentado, antes da data designada, pois, como já fora dito o cheque é pagável à vista, destarte, considera-se como não escrita qualquer menção em contrario. Se o cheque for apresentado a pagamento antes do dia indicado como data de sua emissão, mesmo assim, é pagável no dia de sua apresentação.

Ocorre que o conceito exposto acima, puramente mercantil, não menciona os aspectos que envolvem as relações entre emitente e o beneficiário. No caso do cheque pós-datado é fundamental o exame detalhado desta relação estabelecida.

Sustentam alguns doutrinadores que esta relação, em exame estrito do caso em questão, desenvolve-se sem amparo legal, permanecendo no frágil âmbito da confiança, posto que juridicamente, nada há a impedir a apresentação do cheque em data anterior àquela firmada por ocasião da emissão.

Desta forma, não é correto concluir que, apesar dos usos e costumes comerciais, do acordo de cavalheiros, o beneficiário amparado pela lei, impunemente desconta o cheque pós-datado antes do prazo acordado e fica por isso mesmo.

Destarte, poderá o emitente se ressarcir de danos que tenha sofrido em razão do desconto antecipado do cheque pós-datado, cumprindo o que dispõe o art. 159 do Código Civil Brasileiro (CCB), provando em juízo que havia um acordo de vontade entre as partes de pagamento e que sofreu danos morais, tais como o seu nome inscrito no Cadastro de emitentes de Cheques Sem Fundos e sua conta encerrada por insuficiência de fundos, envolvendo, deste modo o consumidor de boa-fé em situações de extremo constrangimento1. Pessoas honestas, que nunca passaram cheques sem fundos, vêem dificultando ou mesmo bloqueado o acesso ao crédito, em diversos estabelecimentos comerciais, devido o descumprimento do comerciante, da obrigação que havia assumido de não apresentar o cheque à liquidação antes da data combinada. Sendo assim, tais constrangimentos justificam a condenação do beneficiário do cheque pós-datado, no pagamento de indenização moral.

Neste sentido o art. 42 do CDC:

“Na cobrança de débitos o consumidor não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único: O consumidor cobrado em quantia indevida tem o direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

Ocorre que o consumidor não pode alegar em sua defesa que desconhecia a Lei de Cheque, em virtude do art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), pois, com isso interviria o ônus da prova e não resolveria o problema.

Ademais, não se pode esquecer que o cheque pós-datado é acatado nas transações comerciais por conveniência do emitente e do beneficiário, deste modo, é inconcebível a apresentação antes do prazo pactuado, haja vista, o consentimento de ambas as partes envolvidas na negociação econômica.

O cheque pós-datado equipara-se à nota promissória, que deixa de ser ordem de pagamento à vista, para garantir apenas execução contratual, isto é, tranformando-o em promessa de pagamento e é isso que ocorre na pratica, o cheque é transformado de instrumento de ordem de pagamento à vista em instrumento de promessa de pagamento e nem por isso o cheque perde a sua força executiva pelo fato de ter sido emitido pós-datado.

A pós-datação do cheque ou a sua omissão sem data, não pode ser argüida como causa de nulidade ou descaracterização do título cambial, que mantém a sua validade e força executiva.

Neste diapasão citamos algumas jurisprudências:

“(…) a pós-data no cheque não acarreta a sua nulidade (…)” (TARGS, 4ª Câmara Cível, n. 26.711, relator Alfredo Guilherme Englert, decisão unânime, 3.12.81, in Jurisprudência Informatizada Saraiva).

“(…) o lançamento de data futura no cheque não descaracteriza como tal, nem lhe retira a força executória (…).” (TARGS, 2ª Câmara Cível, decisão unânime, relator Adroald Furtado Fabrício, Apelação Cível 100297340, 28.683, in Jurisprudência Informatizada Saraiva).

“(…) não invalida o cheque o fato de ter sido dado em branco, nele aposta apenas a assinatura do emitente. O essencial é que o cheque esteja completo e devidamente preenchido no momento que o portador exerça direito dele decorrente. Dando cheque em branco, o emitente outorga mandato ao portador para preenchê-lo no momento adequado.” (TARGS, Apelação Cível 187077581, 1ª Câmara Cível, relator Osvaldo Stefanello, 1.3.88, in Jurisprudência Informatizada Saraiva).

Portanto, o comerciante vê no cheque pós-datado a possibilidade de fechar negócios a prazo, com muita rapidez e boa margem de segurança, haja vista que o cheque retro informado ainda é o instrumento de crédito mais ágil.

1.2 – Terminologia

Embora usual, a expressão “pré-datado”, forma erroneamente usada, devido a linguagem coloquial, sendo tecnicamente correta pós-datado. Trata-se de um modismo comercial.

É relevante definir o que significa “pré” e “pós”, “pré” (latim, prae) é afixo que denota autoridade, antecipação, contraposto a “pós” (latim, post), que indica ato futuro. Tanto quanto pré-natal significa antes do nascimento, uma ordem, qualquer ordem, expedida pos diem, indica que ela devera ser executada na ou a partir da data indicada, não antes.

Destarte, é correto dizer que o cheque emitido para pagamento em data futura denomina-se “cheque pós-datado” e não “cheque pré-datado” como usualmente se diz.

1.3 – Identificação do cheque pós-datado

Cheque pós-datado – impropriamente chamado de pré-datado é o cheque emitido com data posterior a da emissão, de modo a aguardar numerário do emitente em poder do sacado.

Ademais, o cheque pós-datado é aquele que designa a data para além do dia de sua efetiva criação.

Sergio Carlos Covello2 define:

“O cheque pré-datado, ou pós-datado, como prefere parte da doutrina, é o cheque emitido com cláusula de cobrança em determinada data, em geral (sic) a indicada como data da emissão, ou consignada no canto direto do talão.”

Portanto, cheque pós-datado é aquele mediante o qual há datação futura de pagamento diferente da data em que foi emitido.

1.4 – Natureza contratual

Em virtude do grande habito dos comerciantes colocarem seus produtos à venda para serem pagos com cheque pós-datado, vislumbra-se no mesmo duas naturezas, a cambiaria e a contratual.

Isto porque o consumidor faz um contrato verbal com o comerciante ao emitir o supracitado cheque, e o vendedor que se compromete a apresentar o documento ao sacado na data estabelecida entre os contratantes. Destarte, as garantias são recíprocas, pois o emitente ora consumidor promete que na data estabelecida, terá fundos disponíveis para o saque e o vendedor, por outro lado, promete que só apresentará na data acordada, tal pratica resulta em ajuste extracambiário, ou seja, trata-se de acordo de vontades, pactuado tacitamente entre o emitente e o beneficiário, de forma ordinária, centrado de confiança.

Sendo assim, a natureza cambiaria do cheque não se desnatura e nem lhe retira a sua força executiva, pelo contrario, continua preservada, pois, a sua principal característica é a ordem de pagamento à vista e o referido cheque é pago imediatamente no ato de sua apresentação, deste modo, a pós-data não modifica o ditame legal do pagamento à vista.

Nesta senda, foi a conclusão que o Ministro Carlos Alberto Menezes, relator do REsp 223486/MG da 3ª Turma do STJ ressaltou que o cheque pós-datado, emitido em garantia não se desnatura como titulo executivo extrajudicial, embora a pós-datação traz como única conseqüência prática a ampliação real do prazo de apresentação.

Diante do exposto, me reservo no direito de transcrevê-la em parte, só a título de ilustração a posição jurisprudencial retro informada:

“A prática comercial de emissão de cheque com data futura de apresentação, popularmente chamado de pré-datado, não desnatura a sua qualidade cambiariforme, representando garantia de divida com a conseqüência de ampliar o prazo de apresentação.”

A propósito, está se desenvolvendo o entendimento de que o comerciante, ao aceitar pagamento com cheque pós-datado, assume a obrigação de não fazer3, consistente em abster-se de apresentar o titulo ao banco antes da data estabelecida com o consumidor, de forma que o descumprimento dessa obrigação acarretaria o dever de indenizar o consumidor, como já fora exposto.

Alias, essa foi a conclusão que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, reconheceu o dever de indenizar o consumidor que teve seus cheques pós-datados apresentados antes do prazo, entendendo que o comerciante, ao aceitar pagamento nestas condições assume obrigação de não apresentar o cheque antes da data objeto do acordo. E neste sentido foi o entendimento do tribunal de Alçada de Minas Gerais:

INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CHEQUE PRÉ-DATADO – APRESENTAÇÃO PREMATURA PELO ESTABELECIMENTO COMERCIAL – “Importa dano moral o comportamento do estabelecimento comercial que, descumprido o acordo firmado com o consumidor apresenta para o saque cheque pré-datado cujo pagamento estava programado para data posterior” (TAMG – 3ª Câmara Cível – Apelação 233417-0 – BH – Rel. Juiz Dorival Guimarães Pereira – v. u. – J. 02.04.97).

Não obstante, o cheque pós-datado é contrato com data certa. O costume estabeleceu de forma inexorável o cheque como sendo contrato, não podendo o saque ser operado antes da data escrita para apresentação. Deste modo, a cobrança antecipada fere o acordo estabelecido na causa subjacente que ordenou a sua emissão.

Ademais, em se tratando de relação de consumo, é conveniente adentrarmos em dois elementos básicos formadores na configuração consumerista, quais sejam, consumidor e fornecedor, deste modo, onde presentes se encontram tais elementos, há uma relação contratual avençada no que tange à vinculação de que o pós-datado será descontado na data futura, podendo haver ressarcimento de prejuízos, caso venha ser descumprido a obrigação.

Portanto, o beneficiário eu desrespeitar o pactuado e apresentar antes da data aprazada, descumpre a obrigação assumida, devendo ressarcir ao emitente pelos danos causados, já que tal acordo quando firmado, toma sentido jurídico.

1.5 – Da legalidade do cheque pós-datado

Atualmente, não há como negar que o cheque o pós-datado é o principal instrumento de crédito utilizado nas vendas a prazo, a lei brasileira não o contempla. É considerado uma expressão de costume comercial, pois, o uso em termos de Direito Comercial é mera repetição de fatos da mesma natureza.

Tal pratica resulta em acordo entre o beneficiário e o emitente, acordo este centrado na confiança, mas cacere do enquadramento legal.

Partindo dessa premissa que p cheque pós-datado, não tem previsão legal, mas que se estabiliza como documento negocial vastamente utilizado, surge a premente necessidade de determinação de regras sobre a utilização do mesmo, criando-se um instituto próprio, distinto do cheque comum, regulamentando-se que o cheque será pago somente na data constante do titulo, coibindo deste modo o uso indevido e indiscriminado do cheque. Sendo assim, há necessidade de uma regulamentação normativa para que as relações de consumo onde há emissão de cheque pós-datado. Destarte, seria o cheque pós-datado entendido como ordem de pagamento à vista? Nas relações de consumo não deve ser observado o art. 32 da Lei 7357/85, uma vez que o comerciante e consumidor estabelecem entre si um contrato tácito de pagamento parcelado da obrigação contraída.

A propósito, Fábio Ulhoa Coelho4 ensina que:

“O ideal seria a legislação consumerista disciplinar as relações entre o consumidor e o fornecedor marcadas pela adoção de cheques pós-datados, de modo a retirar a liquidez do título apresentado anteriormente à data que consta como de sua emissão.”

Destarte, o consumidor estaria tutelado sem se comprometer a coerência da lei, uma vez que o instituto jurídico necessita da positivação no ordenamento jurídico pátrio.

Sendo assim, percebe-se que a forma pós-datada não traz prejudicialidade ao instituto do cheque. O que ocorre é uma anormalidade jurídica compensada pela aceitação por integral da sociedade. Não há repúdio legal que faça a forma pós-datada de ser extirpada do ordenamento pátrio, uma vez que ela já está totalmente incorporada pelo uso e costume comercial e principalmente nas relações consumerista onde a movimentação do crédito se perfaz basicamente pela datação futura do cheque.

Portanto, é chegado o momento da legalização do cheque pós-datado, alterando-se a realidade jurídica hoje existente em prol da realidade cultural.

2 – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Com o advento da Lei n. 8.078 de 11/09/90 que entrou em vigor em 11/0391 – Código de defesa do Consumidor (CDC) – estabelece normas de proteção e de defesa do consumidor de ordem publica e interesse social. Destarte, vejamos como procede a aplicação do CDC nas relações de consumo onde há vinculação da oferta de um produto, bem ou serviço por meio de cheque pós-datado; sendo que tornou-se pratica usual de estabelecimento comerciais fazerem propaganda de seus produtos a serem adquiridos via cheques pós-datados.

Todavia, vale ressaltar que a informação ou publicidade da forma de pagamento perpetrada integra o contrato a ser celebrado.

Dispõe o art. 30 do CDC:

“Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”

Segundo Ada Pellegrini Grinover5, oferta é:

“O oferecimento dos termos de um negocio, convidando a outra parte a com eles concordar. Hoje, diversamente, a melhor doutrina e jurisprudência reconhecem ser ‘normal’ que se reconheça à publicidade em ‘valor contratual’, mesmo que o ‘documento publicitário precise que nada mais tem que um valor indicativo e que não se constitui em um documento contratual’. Tal reconhecimento equivale a um pleito de reforma do sistema clássico, formulando-se um novo conceito de oferta em melhor sintonia com o mercado de massa e com o Direito do Consumidor. Vê-se, então, que a oferta, nesse sentido moderno, abrange não apenas as técnicas de indução pessoal, como ainda outras mais coletivas e difusas, entre as quais estão as promoções de coletivas e difusas, entre as quais e são as promoções de vendas e a própria publicidade.”

Ocorre que o Código de Defesa do consumidor é taxativo e impõe sua eficácia, isto é, “prometeu, cumpriu”. Obrigando às técnicas persuasivas da publicidade e propaganda que provocam uma reação imediata ao consumidor em potencial. Porém se o comerciante recusar o cumprimento de sua oferta e apresentar o cheque antes da data acordada entre consumidor e fornecedor, é licito ao consumidor pedir indenização6 pela inadimplência da obrigação de não sacá-lo contratualmente assumida por meio de publicidade e pedir restituição do já pago mais perdas e danos7. Sem duvida não há como negar que o mercado rege-se pela oferta do comerciante em disponibilizar aos consumidores produtos, bens ou serviços pagáveis por vários meios dentre eles o cheque pós-datado, mas, ao anunciar pagamento com o supramencionado cheque deverá cumprir o vínculo contratual divulgado pelo estabelecimento. Até porque, o consumidor8 é hipossuficiente e na medida em que a publicidade influencia nada mais razoável que o Direito passe a lhe dar conseqüências proporcionais à sua relevância fática e é por isso que veio o Código de Defesa do Consumidor para regular e equilibrar as relações de consumo.

Nesta senda, Paulo Leonardo Vilela Cardoso9, discorre:

“Agora, o ordenamento, embora preservando as facilidades e benefícios econômico-operacionais que a publicidade traz aos empresários, impõe-lhes o dever de cumprir o prometido, além de reparar eventuais danos causados por suas atividades iniciativas. Desta forma, concluindo, se o comerciante informa ao consumidor que seus produtos e serviços podem ser adquiridos mediante a entrega de cheques pós-datados, fica, após a concretização da compra, imediatamente obrigado a apresentar o documento, na data combinada ao banco sacado, sob pena de ser responsabilizado civilmente pela quebra contratual.”

Portanto, a publicidade é necessária na economia de mercado, mas não podemos negar que infelizmente, aparece como nociva ao público.

2.1 – Os efeitos da pós-datação do cheque na relação consumerista

A pós-datação caracteriza-se pelo acordo de vontades, pelo contrato estabelecido entre o emitente e o bancário.

Desta forma, o cheque pós-datado está assentado na confiança do beneficiário, no sentido de que somente no dia combinado o título será apresentado ao banco, pois, no referido cheque reza-se o princípio da boa-fé, que é a condição sine qua non para o pleno e perfeito pacto celebrado, deste modo, entre os participantes da relação creditícia, por meio do cheque, acaba por existir uma simbiose de obrigações.

Contudo, uma vez quebrado o pacto, poderá gerar efeitos jurídicos, tendo em vista que a apresentação do cheque antes do dia combinado, isto é, no dia em que avençou estar disponível determinada quantia em conta bancaria, pode ser que neste dia não tenha fundos disponíveis para a liquidez do cheque, ou ainda, que tenha suficiência de fundos no momento da apresentação, mas que aquela retirada antes da data estipulada estava destinada para outra finalidade.

É relevante ressaltar, que este fato constitui indubitavelmente quebra de pacto e gera efeitos na esfera penal e na esfera cível. Na esfera penal, quando o fato é antijurídico ocorre atipicidade ante a ausência da vontade do emitente e na esfera cível no momento em que ocorre a apresentação antes da data aprazada sem fundos disponíveis, gera indenização.

No âmbito do Direito Penal, que encontramos posicionamento jurisprudencial que aceita juridicamente a existência do cheque pós-datado e reconhece o seu aspecto de acordo extracambiário, ao aceitar como causa de descaracterização do crime de estelionato. Desta forma, protege o emitente do beneficiário que descumpre o compromisso comercial assumido e ainda tenta enquadrá-lo criminalmente.

Discorrendo sobre o cheque pós-datado, Fábio Ulhoa Coelho10 aduziu:

“O cheque pós-datado é importante instrumento de concessão de credito ao consumidor. Embora a pós-datação não produza efeitos perante o banco sacado, na hipótese de apresentação para liquidação, ela representa um acordo entre tomador e emitente. A apresentação precipitada do cheque significa o descumprimento do acordo.”

Destarte, o cheque supracitado poderá gerar efeitos para o tomador e emitente, contudo não produz efeitos perante o sacado.

Portanto, considerando que o cheque pós-datado é um contrato verbal em que figuram o emitente ai adquiri bens, produtos ou serviços e por outro lado, o tomador, o qual se compromete a não apresentar o título antes da data combinada, formando obrigações recíprocas, porém, havendo quebra deste pacto celebrado – quer sela pela ação voluntária de causar prejuízo a outrem ou pelo descumprimento da obrigação de não fazer, há conseqüências cíveis e penais, e aí as normas do CDC vem amparar e reprimir qualquer desavença que possa desequilibrar os termos contratuais no âmbito das relações consumeristas.

2.2 – Da ausência de legalidade do cheque pós-datado

No que concerne ao cheque pós-datado, este está amplamente inserido nos usos e costumes comerciais como instrumento de pagamento, contudo sem amparo legal.

O cheque pagável no futuro possui natureza de título de crédito desvirtuando a essência do cheque que é pagamento à vista. Todavia, a emissão não impede o tomador de apresentá-lo ao banco e este proceder ao pagamento, tendo em vista que o referido cheque possui a forma de cheque, mas não a matéria11.

Ademais, o cheque pós-datado possui natureza executiva e guarda suas peculiaridades enquanto título cambiário, contudo é irrelevante a aposição de data futura no título, haja vista que perante a Lei do Cheque como já fora dito há previsão legal que possa abranger o cheque retro informado criado pelo modismo comercial. Destarte, a construção do modelo de pós-datação se deu pelo advento de um costume comercial para facilitar o crédito aumentando a movimentação de riquezas. Neste raciocínio, é posicionamento do professor Fábio Ulhoa Coelho12, aqui transcrito:

“O cheque tem-se revelado, no mercado consumidor brasileiro, o instrumento mais ágil e apropriado à documentação do crédito concedido pelos empresários, fornecedores de mercadorias e serviços. Ao se parcelar o preço do fornecimento em duas ou mais vezes, tem-se preferido pela comodidade de ambas as partes, a entrega pelo consumidor de tantos cheques quantas forem as parcelas emitidas com data futura.”

Desta forma, deve-se ter a adequação dos anseios da sociedade, uma vez que vem de longa data o hábito de comerciantes colocarem seus produtos à venda para serem pagos com cheques pós-datados.

Portanto, o que se percebe, é que tanto os doutrinadores como os legisladores não têm ousado reconhecer e analisar de modo claro, a séria problemática nacional do cheque pós-datado. Desta forma, denota-se certa omissão por parte dos mesmos.

Diante das considerações delineadas, na lei especifica não há previsão do pós-datado embora se tornou um costume.

2.3 – Direito Comparado

O Tratado de Assunção (MERCOSUL), firmado em 1991, pelos governos do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, tem por objetivo a criação de um mercado comum, ou seja, a harmonização das leis.

A Lei brasileira mão contempla o cheque pós-datado, todavia outros países adotaram uma legislação especifica sobre o pós-datado. É o caso da Argentina e do Uruguai, porém a temática recebeu tratamento distinto.

O Uruguai foi o precursor na regulamentação do instituto denominado “cheque de pago diferido”, pagável na data constante do título.

A doutora Eliane Maria Octaviano Martins13 comenta:

“(…) a Lei Argentina 24.45295, instituiu o “cheque de pago diferido registrado”, que consistem em nova espécie de cheque, nos moldes do cheque pós-datado, com regulamentações especificas, com duas modalidades de cheque em institutos distintos: o cheque comum, mantidas as suas características de ordem de pagamento à vista e o “cheque em pago diferido”, em talonário distinto, para ser pago a dias de vista, a contar de sua apresentação a registro em uma entidade financeira autorizada. Embora o registro perante a Instituição Bancária não garanta o pagamento, só impede a prática de cheques pós-datados, que desnaturalizam o cheque comum e coíbe as ações de má-fé. Destarte, o caráter dualístico do cheque é um instrumento de pagamento à vista e título de crédito a prazo. De certo modo, o cheque registrado argentino se assemelha a institutos criados pelas instituições bancárias brasileiras, com experiência frustrada com a credencial Ouro Branco do Brasil.”

Observa-se que não basta a simples imposição da norma jurídica, ela deve possuir aceitação social.

3 CONCLUSÃO

Analisando tudo o que já fora exposto, conclui-se que a fixação de data futura para a apresentação do cheque ao sacado não retira sua natureza cambiaria, uma vez que continuam sendo válidos seus requisitos e características, essencialmente os de ordem de pagamento à vista.

Por outro lado, conclui-se que entre o emitente e o beneficiário, temos um acordo extracambiário, um vinculo obrigacional no qual o beneficiário aceita o prazo pré-fixado no cheque e se obriga a apresentá-lo somente após seu termino, ou seja, na data aprazada, em virtude de pacto celebrado entre as partes, possui natureza contratual, protegida, também pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, vem de longa data o habito de estabelecimentos comerciais colocarem seus produtos para serem pagos com cheques pós-datados, assumindo obrigação de não fazer. Vale ressaltar que uma vez assumida essa obrigação toma sentido jurídico.

Destarte, o cheque pós-datado é juridicamente relevante, já que o não cumprimento de sua obrigação, isto é, a quebra deste pacto, gera efeitos jurídicos na esfera cível e penal e importa em lesão de direito, determinando o ressarcimento do dano causado pelo inadimplente.

Portanto, partindo-se destas análises, aliando-se a consagração e a necessidade de regulamentação e harmonização das leis, é chegado o momento do reconhecimento e disciplina legal do cheque pós-datado – impropriamente chamado de pré-datado, alterando-se a realidade jurídica hoje existente em prol da realidade cultural.

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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1 RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL CHEQUE PRÉ-DATADO. “A apresentação prematura de cheque a estabelecimento bancário, resultando em encerramento da conta do emitente, acarreta ao responsável obrigação indenizatória por dano moral, que deve ser fixada de acordo com a gravidade da lesão, intensidade da culpa ou dolo do agente e condições sócio-econômicos das partes.” (TAMG – 5ª Câmara Cível – Apelação Cível 190.931-9 – Rel. Juiz Aloysio Nogueira – DJMG 09.08.95).

2 COVELLO, Sérgio Carlos. Prática do cheque. 3, ed., São Paulo: Edipro, 1999. p. 32.

3 Obrigação de não fazer é aquela em que o devedor assume o compromisso de se abster de algum ato, que poderia praticar livremente se não tivesse obrigado para atender interesse jurídico ao do credor ou de terceiro.

4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1999. v. I, p. 435.

5 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 173-175.

6 A indenização neste caso corresponderá à perda do consumidor em virtude da antecipação do desembolso.

7 Conferir art. 35 do CDC.

8 Neste sentido, Vasconcelos e Benjamim destaca: “que o consumidor é sempre e inexoravelmente um mero espectador passivo do anuncio”. (VASCONCELOS E BENJAMIN, Antonio Herman de Código de defesa do consumidor, comentado pelos autores o anteprojeto. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 232).

9 CARDOSO, Paulo Leonardo Vilela. Cheque pós-datado. Revista Consulex, ano IV, n. 43, p. 32-33, jul. 2000.

10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2. ed., São Paulo: Saraiva: 1999.v. I, p. 434.

11 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Cheque pré-datado no Brasil: Revista Consulex: ano III, n. 25, p. 50-56, jan. 1999.

12 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 2. ed., São Paulo: Saraiva: 1999.v. I, p. 434.

13 MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Cheque Pré-datado: Enfoque Jurídico e Cultural. RJ n.º 254. 1998.

Ricardo Padovini Pleti

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