Efetividade e aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais

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RESUMO

A nossa atual Constituição, promulgada em 05 de outubro de 1988, nasceu após um longo período em que o Brasil foi governado pela ditadura militar. Foi fruto de uma árdua batalha decorrente de um processo de redemocratização que culminou na promulgação de uma nova Constituição, a qual não apenas estabeleceu um regime político democrático, como também propiciou um grande avanço no que se refere aos direitos e garantias individuais.

O constituinte de 1988, preocupado com o cidadão e com o princípio da dignidade da pessoa humana, dispensou todo um capítulo aos chamados direitos fundamentais, dentre os quais, entre outros, se encontram os direitos sociais. Tal categoria de direitos visa, na maioria das vezes, assegurar ao individuo uma prestação positiva do Estado para garantir-lhe a dignidade humana.

Apesar de consagrados na Lei Maior, na prática, os direitos fundamentais sociais têm sua eficácia e efetividade mitigados por vários entraves, entre eles, a falta de recursos estatal, o não preparo dos agentes políticos e a falta de conscientização da população.

O cidadão brasileiro precisa conscientizar-se de seus direitos e fazer jus a eles, não esperando apenas uma intervenção positiva do Estado, mas buscando, seja pela via administrativa ou judicial, os meios necessários para garantir-lhe o mínimo existencial.

PALAVRAS – CHAVE: direitos sociais; efetividade; eficácia

 

ABSTRACT

Our current Constitution, promulgated on October 5, 1988, was born after a long period in which Brazil was ruled by the military dictatorship. It was the result of an uphill battle due to a process of democratization that culminated in the promulgation of a new constitution, which not only established a democratic political regime, but also provided a major breakthrough with regard to individual rights and guarantees.

The 1988’s constituent, concerned with the citizens and the principle of human dignity, dismissed an entire chapter to the so-called fundamental rights, among which, among others, are social rights. This category of rights is, in most cases, provide the individual with a positive provision of the state to assure her human dignity.

Although enshrined in the Higher Law, in practice, fundamental rights have their social efficiency and effectiveness mitigated by several obstacles, among them the lack of state resources, not the preparation of political agents and the lack of public awareness.
Brazilian citizens need to become aware of their rights and do justice to them, hoping not only a positive intervention of the state, but searching, either through administrative or legal means necessary to guarantee him the existential minimum.

KEY – WORDS: social rights, effectiveness, efficiency

 

INTRODUÇÃO

Cada dia mais assente na doutrina e na jurisprudência é a discussão acerca dos inúmeros aspectos ligados aos direitos fundamentais. Tal contenda não se restringe ao mundo jurídico. Diante do alcance e importância desses direitos na atual sociedade, crescente é o número de conflitos que envolvem tal questão.

Os direitos fundamentais são fonte de preocupação de toda uma sociedade que luta, pela efetivação desses direitos, em especial dos direitos fundamentais sociais, já que esses, em geral, necessitam de uma atuação positiva do Estado para sua concretização.

De acordo com a teoria positivista, os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado. A expressão direitos humanos, por sua vez, guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal.

Pretende-se com o presente trabalho realizar uma ampla abordagem dos direitos fundamentais sociais no ordenamento pátrio, tidos como direitos a prestações, e os problemas que afetam a efetividade desses direitos. Depois faz-se necessária a apreciação do catálogo dos direitos fundamentais esculpidos em nossa Carta Magna. Por fim, chega-se ao foco do atual estudo: analisar os direitos fundamentais sociais no sistema jurídico nacional e as questões referentes à efetividade e aplicabilidade de tais direitos.

O estudo em tela tem por objetivo refletir sobre algumas dificuldades apontadas por doutrinadores e magistrados para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, inseridos na Constituição Federal de 1988. Cada um dos problemas será analisado com a tentativa de refutá-los mediante posições doutrinárias contemporâneas, a fim de se demonstrar a possibilidade de concretização dos mencionados direitos.

A efetividade dos direitos fundamentais sociais é um tema carente de estudos, de ajustes, de parâmetros que considerem as peculiaridades de cada Estado, de cada causa em particular. Apesar de o Poder Judiciário demonstrar sensibilidade e compromisso com a proteção jurídica desses direitos, com a realização dos comandos constitucionais, ele se ressente da falta de definição dos critérios a serem adotados durante o processo de construção das decisões. Assim, para causas idênticas, constata-se uma grande diversidade de fundamentos utilizados nas decisões judiciais, nas hipóteses de deferimento ou indeferimento da proteção judicial dos direitos fundamentais sociais.

Assim, o atual trabalho não pretende esgotar todas as possibilidades acerca da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Busca-se apenas contribuir, de maneira singela, para buscar encontrar formas de garantir que tão importantes direitos sejam de fato respeitados e efetivados.

 

1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

1.1 O que são os direitos sociais?

Com o avançar da sociedade, os chamados direitos de primeira geração, negativos, de defesa, já não bastam mais para proteger os indivíduos. É necessária uma atuação estatal capaz de garantir a sociedade uma verdadeira igualdade material, não apenas formal, ou seja, o direito vigente normativo, começa a sofrer pressão da sociedade alijada de sua elaboração que pretende impor a necessidade de elaboração de novas leis com aspectos mais amplos sociais.

Desse modo começa a surgir campo para um “Direito Social”, o qual tem suas bases fundamentais nos aspectos sociais da Nação, tendo como diretrizes a proteção efetiva dos direitos primordiais do ser humano como: a vida, a dignidade, a integridade física, a consciência, a liberdade, entre outros. Começa então a existir uma dicotomia no Direito com grande evolução deste Direito Social emergente adaptando-se a nova ordem social. As normas deste novo Direito passam a existir em função das necessidades sociais, mostrando cada vez mais esta realidade concreta social, não sendo mais apenas normas impostas por alguns poucos encarregados da sua elaboração, muitas vezes desvinculados dos anseios e necessidades sociais, como outrora.

Na sua grande maioria, os direitos sociais dependem de uma atuação do Estado, razão pela qual grande parte dessas normas é de eficácia limitada.

Nas palavras de Josué Mastrodi, os direitos sociais são

direitos que só podem ser exercidos por meio do Estado, de atuações estatais visando à satisfação das necessidades dos homens. Sua característica principal é a necessidade de intervenção do Estado em seu favor, de modo a conferir eficácia e efetividade a tais direitos. Seriam direitos a receber prestações de serviços públicos pela sociedade e/ou pelo Estado, no sentido de conferirem igualdade concreta de oportunidades a todos os membro do grupo social.3

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 elevaram os Direitos Sociais ao nível de Direitos Humanos, de vigência universal, independentemente de reconhecidos pelas constituições, pois dizem respeito à dignidade da pessoa humana.

Até então, pouco ou quase nada se ouvia falar acerca dos direitos sociais. A Constituição de Weimar de 1919 inaugura uma nova fase no tocante aos direitos sociais. Consagrando os direitos econômicos e sociais como direitos fundamentais, a Constituição de Weimar dá início a um processo de constitucionalização dos direitos sociais, que se expandiu e refletiu na elaboração dos textos constitucionais dos países do ocidente desde então.

A Constituição de Weimar representou decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em todo o Ocidente, pois buscou formas de equilibrar o conflito ideológico entre o Estado liberal, em decadência, e o Estado social, em ascensão. A referida Constituição se voltou basicamente para a sociedade e não para o indivíduo, buscando reconciliar o Estado com a sociedade.

A importância desse texto constitucional é notável, vez que deu início a uma nova fase do constitucionalismo que é a fase do constitucionalismo social, tendo sido o primeiro texto constitucional que efetivamente concretizou, ao lado das liberdades públicas, dispositivos expressos, impositivos de uma conduta ativa por parte do Estado, para que este viabilize a plena fruição, por todos os cidadãos, dos direitos fundamentais de que são titulares.

Tal tema não mereceu durante muito tempo o destaque dado ao capítulo dedicado aos direitos e garantias individuais e coletivos na atual Lei Maior brasileira. Os direitos sociais previstos na atual Constituição Federal, compreendidos como garantias alcançadas ao longo do tempo e da história, nem sempre foram previstos nas Cartas Magnas anteriores, pelo menos não na sua extensão atual. A incorporação gradativa desses direitos ao ordenamento jurídico positivo, através das conquistas sociais e políticas, tornou o rol de direitos sociais dinâmico e aberto (sujeito a novas ampliações).

No Brasil passam a ter dimensão constitucional com a Constituição de 1934, sendo paulatinamente incrementados e estruturados nos textos seguintes até a atual disciplina existente na carta de 1988.

No Brasil observamos grandes avanços nesta área, pois já há em nossa Constituição Federal muitas normas de caráter social, como: art. 1º, II, III e IV, que mostram como fundamentos do Estado democrático o direito a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; art. 3º, I, III e IV, que constituem como objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e a redução da desigualdade social, bem como a promoção do bem comum e a proibição da discriminação; art. 5º, que garante os direitos individuais; art. 6º e 7º que dizem respeito aos direitos sociais, incluindo a proteção da saúde e do trabalhador assim como dos desamparados, entre outros artigos esparsos pelo texto constitucional que serão objeto de análise logo em seguida.

 

Quando falamos em direitos fundamentais sociais, especialmente aqueles exigentes de uma atuação positiva do poder público, nós falamos de constituição, falamos de democracia, de igualdade, de separação de poderes, em síntese, falamos do Estado de Direito.4

Houve o tempo em que se negava a autonomia dos direitos sociais. Estes direitos eram vistos apenas como secundários em relação aos direitos individuais, não possuindo o devido respaldo, tanto jurídico quanto político. Hoje, graças a uma série de lutas e vitórias, não se tem mais tal discriminação. Aos direitos sociais é reconhecida sua autonomia e importância, não havendo qualquer diferenciação, no tocante a este ponto, quanto aos demais direitos fundamentais.

Por isso, o constituinte brasileiro foi bastante feliz ao positivar, junto com os demais direitos fundamentais, os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, que são inegavelmente instrumentos de proteção d concretização do principio da dignidade da pessoa humana, pois visam garantir as condições necessárias à fruição de uma vida digna. Portanto, os direitos sociais são, à luz do direito positivo-constitucional brasileiro, verdadeiros direitos fundamentais, tanto em sentido formal (pois estão na Constituição e têm status de norma constitucional) quanto tem sentido material (pois são valores intimamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana).5

A própria denominação dada ao Estado brasileiro como Estado Democrático e Social de Direito já demonstra a preocupação cada vez mais latente acerca da positivação e efetivação dos direitos sociais. O Estado nacional passa a agir cada vez mais no intuito de atender as necessidades dos cidadãos. A figura distante do Estado, que deve se abster para não influenciar a vida dos indivíduos já não vigora mais.

A Constituição Federal de 1988 consagrou explicitamente os direitos sociais como direitos fundamentais, reconhecendo-lhes um capítulo próprio, inserido dentro do título “dos direitos e garantias fundamentais”. De fato, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma inovação de relevo, uma vez que, desde a Constituição de 1934, os direitos sociais eram enquadrados no título referente à ordem econômica e social.

No Texto Constitucional de 1988, os Direitos Sociais são tratados no Capítulo II do Título II, destinado aos Direitos e Garantias Fundamentais. Pode-se extrair da atual Constituição Brasileira os direitos sociais (arts. 6º a 11 da CF/88) e sua implícita inserção na ordem social (arts. 193 a 232 da CF/88) apesar de estarem graficamente separados.

A amplitude dos temas inscritos no art. 6º da Constituição deixa claro que os direitos sociais não são somente os que estão enunciados nos artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11. Eles podem ser localizados, principalmente, no Título VIII – Da Ordem Social, artigos 193 e seguintes.6

Vale ressaltar, que os direitos fundamentais sociais na Constituição brasileira estão longe de formarem um grupo homogêneo no que diz respeito a seu conteúdo e à forma de sua positivação. O constituinte não seguiu, na sua composição, nenhuma linha ou teoria específica, mas acabou criando um capítulo bastante contraditório no tocante à relação interna dos direitos e garantias.

O Poder Constituinte de 1988 acabou por reconhecer, sob o rótulo de direitos sociais, um conjunto heterogêneo e abrangente de direitos (fundamentais), o que, sem que se deixe de admitir a existência de diversos problemas ligados a uma precária técnica legislativa e sofrível sistematização acaba por gerar conseqüências relevantes para a compreensão do que são, afinal, os direitos sociais como direitos fundamentais.7

Além de o constituinte ter positivado os direitos sociais como direitos fundamentais, pode-se inferir, ainda, que a fundamentalidade de tais direitos decorre também de sua relação com os valores e objetivos consagrados no texto constitucional (art. 1º e 3º), com especial referência à dignidade da pessoa humana, como dito alhures.

De acordo com a doutrina tradicional, os direitos sociais, dada sua extrema importância, foram merecedores de capítulo específico na Constituição Federal de 1988, são típicos exemplos de direitos de prestação (direitos fundamentais de segunda geração).

Porém, embora possam apresentar em sua grande maioria uma noção de direitos de prestação, reclamando uma postura ativa do Estado, os direitos sociais vão além dessa classificação para também incluir em seu bojo as chamadas “liberdades sociais”, de cunho eminentemente negativo ou de defesa. É o que aponta Ingo Wolfgang Sarlet:

Percebe-se, com facilidade, que vários destes direitos fundamentais sociais não exercem a função precípua de direitos a prestações, podendo ser, na verdade, reconduzidos ao grupo de direitos de defesa, como ocorre como direito de greve (art. 9º, da CF), a liberdade de associação sindical (art. 8º, da CF), e as proibições contra discriminações nas relações trabalhistas consagradas no art. 7º, incs. XXXI e XXXII, de nossa Lei Fundamental.8

Desta forma, os direitos fundamentais sociais não se restringem a uma dimensão positiva e prestacional do Estado, não sendo correto afirmar, portanto, que todo direito social corresponde a um direito de prestação e, tampouco, que todo direito de prestação equivale a um direito social.

Outra característica dos direitos sociais é a relevância do conteúdo econômico, pois demandam recursos públicos disponíveis para que sejam concretizados. Para que o Estado assegure o acesso à saúde e à educação, por exemplo, é necessário que haja recursos financeiros que o possibilitem agir. São direitos que estão subjugados à conjuntura econômica. Assim, enquanto os direitos de defesa visam, basicamente, proteger o indivíduo das ingerências em sua autonomia pessoal, os direitos sociais prestacionais visam uma prestação de natureza fática, sempre dependente da análise dos recursos disponíveis.

 

1.2 Os direitos fundamentais sociais como cláusulas pétreas

Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 é classificada como uma constituição rígida no tocante à sua imutabilidade. Em outras palavras, vale afirmar que a nossa Lei Maior “exige para sua alteração um critério mais solene e difícil do que o processo de elaboração da lei ordinária”.9

No entanto, no afã de garantir uma maior proteção ao cidadão brasileiro e visando dotar o ordenamento nacional de maior segurança jurídica, o constituinte de 1988 optou por revestir algumas normas da Constituição Federal, consideradas fundamentais para a mantença da estrutura democrática estatal, com um grau de imutabilidade. São as chamadas cláusulas pétreas.

O § 4, art. 60 da Carta Magna, prevê, entre outros direitos, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Vê-se, pois, mais um exemplo da preocupação do constituinte acerca dos direitos fundamentais.

A Lei Maior consagra o regime jurídico privilegiado dos direitos fundamentais. Como ensina Sarlet,

os direitos fundamentais – para que tenham assegurada uma posição preferencial e privilegiada – devem estar blindados contra uma supressão ou um esvaziamento arbitrário por parte dos órgãos estatais, em outra palavras, pelos poderes constituídos, além de terem sua normatividade plenamente garantida, o que implica o reconhecimento de uma dupla fundamentalidade formal e material.10

O constituinte de 1988, já no preâmbulo da Carta Magna ressalta a importância e o caráter social do atual Estado de Direito ao proclamar que seria instituído um “Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…”. (grifos nossos)

Ademais, não há na CF/88 regra ou preceito que possibilite distinguir claramente os direitos individuais dos direitos sociais. Tampouco há diferenciação expressa dos chamados direitos de defesa para os direitos à prestações. Na verdade, tais direitos se equivalem, se complementam, não sendo possível pensar que o legislador faria preferência por um ou outro. Ambos são essenciais e fundamentais.

Convém, aqui, trazer as palavras de Sarlet,

Não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a idéia de que constituímos um Estado democrático e social de Direito, o que transparece em boa parte dos princípios fundamentais, especialmente no art. 1º, incisos I a III, assim como no art. 3º, incisos I, III e IV.11

Conclui George Marmelstein que “todos os direitos fundamentais são protegidos pela ‘garantia de eternidade’ e não apenas os previstos no artigo 5º da Constituiçao”.12

Por fim, cumpre ressaltar que o que a norma do art. 60, §4 veda é a diminuição ou abolição dos direitos fundamentais. Não há qualquer óbice em emenda à constituição que vise majorar o número destes direitos

Neste ponto, é necessário também tecer alguns comentários acerca do § 1º, do art. 5º da CF/88 que prevê que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Há quem defenda que tal norma não se estende aos direitos fundamentais sociais presentes no art. 6º e seguintes, já que encontra-se inserida no final do art. 5º. Porém, tomando como referência a análise acima, acerca das cláusulas pétreas, chega-se a conclusão de que tal posicionamento é equivocado.

Em que pese a localização topográfica do dispositivo, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica de toda a Lei Maior, conclui-se facilmente que os direitos fundamentais tanto estão abrangidos como cláusulas pétreas, como também possuem aplicação imediata.

À guisa de conclusão, já que tal tema será revisitado no próximo capítulo, que trata da questão da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais sociais, deixamos as palavras de Sarlet, que defende que

… há como sustentar a aplicabilidade imediata (por força do art. 5º, § 1º, de nossa Lei Fundamental) de todas as normas de direitos fundamentais constantes do Título II da Constituição (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais. É preciso enfatizar, que a extensão do regime material da aplicabilidade imediata dos direitos fora do catálogo não encontra qualquer óbice no texto constitucional, harmonizando, além disso, com a concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais.13

 

1.3 Titularidade dos direitos sociais

Outro ponto que merece destaque quando se fala de direitos fundamentais sociais é a questão acerca da titularidade destes direitos. Titular seria o individuo ou sujeito que tem a capacidade para exercer determinado direito. “Titular do direito, notadamente na dimensão subjetiva dos direitos e garantias fundamentais, é quem figura como sujeito ativo da relação jurídico-subjetiva”.14 Teceremos nas linhas a seguir, ainda que resumidamente, algumas considerações acerca da titularidade dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais.

Num primeiro momento, pode-se dizer que a titularidade dos direitos fundamentais pertence a todo e qualquer ser humano. Tal fato independe da cor da pele, da opção sexual ou da orientação política. Basta ser pessoa para fazer jus aos direitos fundamentais. Atualmente, já cogita-se falar em pessoas jurídicas e animais como titulares de direitos fundamentais.15

A CF/88, ainda que implicitamente, adotou o principio da universalidade. Tal princípio consagra o pensamento de que a pessoa, pelo simples fato de ser pessoa, é titular de direitos e deveres fundamentais. No entanto, em que pese tais regramentos, alguns direitos podem ser delimitados ou até mesmo suprimidos em razão do caso concreto ou em razão da nacionalidade.

O caput do art. 5º da Lei Fundamental assegura que os direitos e garantias fundamentais são garantidos aos “brasileiros e aos estrangeiros residentes no país”. Vê-se pois que a própria constituição restringiu a titularidade dos direitos fundamentais aos brasileiros, não existindo diferenciação entre os natos e os naturalizados, e aos estrangeiros que fixem residência em território nacional.

Outrossim, deve-se fazer uma ressalva quanto a interpretação restritiva deste dispositivo. Estrangeiros, mesmo que não residentes no país, na condição de turistas, por exemplo, também devem ter seus direitos fundamentais respeitados quando estiverem sob a jurisdição brasileira.

Deve-se também ter em mente a necessidade de uma análise caso a caso, principalmente quando do conflito de duas normas fundamentais. A ponderação do caso concreto quando estiverem frente a frente dois direitos fundamentais é que levará ao aplicador da lei a “optar” por determinado direito em detrimento de outro, a depender da situação fática.

No tocante aos direitos sociais, surge a controvérsia quanto à titularidade individual ou coletiva destes direitos. Antes disso porém, devemos fazer remição à lição de George Marmelstein que pondera que “todas as pessoas podem ser titulares dos direitos sociais. No entanto, o Estado somente é obrigado a disponibilizar os serviços de saúde, educação, assistência social etc. para aqueles que não tem acesso a esses direitos por conta própria.”16

Assim como os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais também destinam-se à todas as pessoas, fazendo ainda menos sentido, nesse caso, cogitar-se qualquer diferenciação entre brasileiros, estrangeiros residentes ou não residentes.

Os direitos sociais pertenceriam a toda a coletividade conjuntamente, devendo ser exercida pelo grupo que a detém. No entanto, tal posicionamento não deve prosperar, pois, em que pese o caráter coletivo destes direitos, na verdade, referem-se à pessoa individualmente considerada, e é esta pessoa que em última circunstância deve ser definida como a titular do direito.

José Felipe Ledur tece os seguintes comentários sobre o assunto:

No caso dos direitos sociais, embora em causa esteja na preocupação com o indivíduo como pessoa, assume relevo a condição da pessoa na sua relação com a comunidade, ao passo que nos direitos coletivos, o que sobressai é o conceito de grupo social ou entidade, sendo a coletividade em si que assume a posição de titular, isto é, de sujeito de direito fundamental.17

Assim, é de se ressaltar que os direitos individuais podem, e em certos casos, até devem ser exercidos coletivos, mas, em sua essência, os verdadeiros titulares são os indivíduos individualmente considerados.

Os direitos sociais são direitos cuja titularidade é exercida individualmente – pois são as pessoas, e não os grupos sociais, que podem efetivamente ser compreendidos como sujeitos de direitos. Não obstante, o exercício dos direitos sociais, bem como a forma de sua promoção e garantia, por se tratar de direitos em dimensão positiva (de inclusão), em geral se procedem de modo coletivo.18

Findo a apresentação e os temas mais controversos e importantes acerca dos direitos fundamentais sociais, passa-se à análise da eficácia e efetividade destes direitos, matéria esta que constitui o cerne de nossos estudos.

 

2. A EFETIVIDADE E APLICABILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

Depois de uma análise do sistema nacional e dos direitos fundamentais deve-se fazer um mergulho acerca de matéria que tem causado grande controvérsia sobre o tema e que se trata do cerne deste estudo: a questão a respeito da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, em especial, dos direitos fundamentais sociais.

Não basta ter tais direitos esculpidos em nossa Constituição e fazer de tais dispositivos “letra morta”. É necessário criar mecanismos e meios de tornar tais direitos exeqüíveis, exigíveis e, por fim, efetivados. É necessário propiciar maneiras para que a população nacional possa fruir os direitos que a nossa Lei Maior nos garante.

A Constituição Federal de 1988 teve uma grande preocupação especial quanto aos direitos sociais do brasileiro, quando estabelecendo uma série de dispositivos que assegurassem ao cidadão todo o básico necessário para a sua existência digna e para que tenha condições de trabalho e emprego ideais.

 

2.1 A aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais e a eficácia dos direitos fundamentais sociais

Em razão das características dos direitos sociais, vistos em sua maioria como direitos a prestações, sua eficácia não depende apenas de sua positivação na seara constitucional, demandando, além disso, diversas outras medidas que acabam por mitigar sua efetividade. Buscaremos, nas linhas a seguir, traçar alguns desses problemas, e na medida do possível, algumas soluções, que busquem minimizar as dificuldades acerca da eficácia e efetividade dos direitos sociais como direitos à prestações.

Não se pode negar que o comando inserto no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, deve ser interpretado de forma extensiva para alcançar todo o sistema dos direitos fundamentais, impedindo que algumas categorias, tais como os direitos sociais de prestação, que dependem de uma atuação positiva do Estado, se tornem letra morta no texto constitucional.

O que se pode perceber é que muitas das normas referentes aos direitos sociais não são observadas como imediatamente aplicáveis, devido à imprecisão com que foram elaboradas e ao objeto de seus comandos, demasiadamente abertos. Surge, então, o problema da eficácia de tais normas.

Quando se fala de eficácia das normas que definem os direitos fundamentais sociais, deve-se ter em mente que existem dois tipos distintos de eficácia considerados pela doutrina. Pode-se então diferenciar a eficácia jurídica da eficácia social. A primeira, segundo José Afonso da Silva, seria a que

Designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia jurídica diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Possibilidade e não efetividade.19

Já a eficácia social da norma seria sua real obediência e aplicação aos fatos. Estaria mais ligada à questão da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Para Luís Roberto Barroso

A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.20

Observa-se que ambas as questões são importantes quando se fala da aplicação dos direitos fundamentais sociais. Cumpre observar também que, embora situados em planos distintos, as duas formas de eficácia se completam, sendo ambas importantes para a caracterização e efetividade dos direitos sociais.

José Afonso da Silva aborda o tema da seguinte maneira

O problema que se coloca agudamente na doutrina recente consiste em buscar mecanismos constitucionais e fundamentos teóricos para superar o caráter abstrato e incompleto das normas definidoras de direitos sociais, ainda concebidas como programáticas, a fim de possibilitar sua concretização prática.21

Sendo assim, uma norma que não produz efeitos jurídicos (não tem aplicabilidade) por faltar regras que a discipline ou atos que a torne viável, e assim, consequentemente, não terá aplicação no campo fático, ou seja, não terá nenhuma efetividade.Não basta apenas reconhecer o direito é preciso fundamentalmente torná-lo eficaz (juridicamente e socialmente).

Por tratar-se de direitos sociais de cunha prestacional, a eficácia plena de tais normas depende de concretização legislativa, o que não quer dizer que tais normas não possuam, ao menos, certo grau de eficácia. Porém, o próprio constituinte tratou de minimizar esta questão, ao organizar um Título próprio na Constituição Federal, denominado “da Ordem Social”, no intuito de estabelecer regras para a concretização dos direitos explicitados no art. 6º.

A norma inserida no art. 5º, § 1º, da CF/88, impõe ao órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais sociais. Tal imposição atinge também o Poder Judiciário, que tem o dever de prezar pela estrita aplicação da Constituição Federal, assegurando, no caso concreto, a máxima efetividade destas normas.

Ingo Wolfgang Sarlet leciona que

Os direitos fundamentais sociais de cunho prestacional sempre estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos, já que não há mais praticamente quem sustente que existam normas constitucionais (ainda mais quando definidoras de direitos fundamentais) destituídas de eficácia e, portanto, de aplicabilidade. Estas normas (por mais programáticas que sejam), são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa.22

Assim, verifica-se a necessidade de se garantir aos direitos sociais prestacionais a máxima eficácia possível. Não cabe somente ao legislador ordinário tal tarefa. A própria sociedade e principalmente, o Poder Judiciário, na análise do caso concreto, deve-se atentar para tal fato, afim de que os direitos consagrados pela Lei Maior não sejam desrespeitados. Conclui-se o tema com as palavras do prof. Sarlet,

A eficácia (jurídica e social) dos direitos fundamentais sociais deverá ser objeto de permanente otimização, na medida em que levar a sério os direitos (e princípios) fundamentais corresponde, em última análise, a ter como objetivo permanente a otimização do princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, a mais sublime expressão da própria idéia de Justiça.23

 

2.2 A questão acerca da Reserva do Possível e a garantia do Mínimo Existencial

A efetiva concretização dos direitos sociais prestacionais encontra grande obstáculo na escassez de recursos. A expressão “reserva do possível” é utilizada largamente na doutrina para identificar o fenômeno da limitação de recursos frente à necessidade de aplicação dos mesmos para concreção dos direitos sociais.

Há de se considerar que, em se tratando de direitos a prestações positivas do Estado, a efetividade dos direitos sociais, independentemente da eficácia jurídica que se atribua aos dispositivos constitucionais, encontra obstáculos, por vezes intransponíveis, na carência de recursos financeiros para a sua implementação.

Certamente é a assim designada ‘reserva do possível’, que, por sua vez, diz respeito a uma série de outras ‘resistências’ aos direitos sociais como direitos subjetivos, que tem sido o pivô da maioria das discussões, que vão desde a delimitação do conteúdo em si da reserva do possível, até os limites da atuação jurisdicional nesta matéria, designadamente quando esta esbarra em escassez de recursos, limitações orçamentárias e obstáculos de outra natureza.24

A escassez de recursos exige dos poderes constituídos que façam opções entre as destinações possíveis e, quem sabe, opções entre determinadas medidas para a garantia de direitos sociais em detrimento de outras que também teriam o sentido de realizá-los, sendo que, com isso, podem mostrar-se, na prática, pelo menos em algum grau, excludentes. Tem-se, por isso, destacado que a efetividade dos direitos sociais está sob a “reserva do possível”. De nada adianta, concretamente, o texto constitucional estender-se na proclamação de numerosos direitos de cunho social se inexistem meios para a sua realização.

A efetividade dos direitos fundamentais, em especial os direitos sociais, demanda “um custo” dos recursos do Estado. Este “custo”, muitas das vezes, não pode ser arcado pelo Estado. E aqui vários outros fatores devem ser levados em consideração, como o atual nível de desenvolvimento do Estado, o orçamento público, a disponibilização de recursos para cada área específica, entre outros. Em suma, depende da conjectura econômica e da disponibilização de recursos por parte do Estado.

De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a ‘reserva do possível’ passou a traduzir a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.25

Percebe-se que a limitação de recursos opera um autêntico limite fático à efetivação dos direitos sociais. Observa-se então que nem todos direitos positivados e consagrados no ordenamento constitucional pátrio poderão de fato ser efetivados e garantidos a todos os brasileiros. Neste ponto é necessária uma análise a partir dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para resolver a questão.

Deve haver uma ponderação entre os recursos investidos e os direitos sociais efetivados. É necessário destinar os recursos existentes para a concretização de direitos que, no caso concreto, careçam de maior efetividade. Mais do que isso, possibilitar a aplicação dos direitos sociais especialmente para quem precisa.

Sendo a dignidade da pessoa humana o valor fundamental da República Federativa do Brasil, percebe-se que os direitos sociais que representam o núcleo material da dignidade deverão possuir prioridade na destinação orçamentária. Esse núcleo, que é chamado de “mínimo existencial”, deverá ser efetivado pelo Estado, entregando ao titular do direito condições materiais para uma existência digna, sob pena de se afetar a legitimidade do poder estatal.

À luz do princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado deve garantir as condições mínimas para que as pessoas possam se desenvolver e tenham chances reais de assegurar por si próprias sua dignidade. Esta é a idéia corrente de igualdade de chances ou igualdade de oportunidades.

Analisando a grande importância da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 e partindo do pressuposto de que é papel do Estado garantir aos indivíduos as condições mínimas de existência, observa-se, então, que o Estado não deve se limitar, como pensam alguns, a apenas se abster, anular, invalidar e tornar ineficazes atos que atentem contra a dignidade humana, mas, principalmente, promover esta dignidade através de condutas ativas.

Cumpre observar que os direitos que abrangem o mínimo existencial, em sua maioria, são direitos sociais prestacionais, provocando, justamente por isso, divergências quanto à sua eficácia.

George Marmelstein faz alusão à chamada “teoria do mínimo existencial”. Segundo o Autor,

De acordo com essa teoria, apenas o conteúdo essencial dos direitos sociais teria um grau de fundamentalidade capaz de gerar, por si só, direitos subjetivos aos respectivos titulares. Se a pretensão estiver fora do mínimo existencial, o reconhecimento de direitos subjetivos ficaria na dependência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, não podendo o Judiciário agir além da previsão legal.26

Tal teoria, porém, embora defendida por alguns autores pátrios, não encontra respaldo entre a maioria dos doutrinadores brasileiros. Definir o que seria esse “conteúdo do mínimo existencial” é tarefa bastante inglória. Seria impossível definir a priori quais as necessidades do cidadão bastariam para lhe garantir uma dignidade mínima de condições de vida. Assim, tal teoria ainda carece de maior fundamentação, uma vez que o próprio ordenamento nacional pátrio prevê uma orientação no sentido de garantir a máxima eficácia e efetividade dos direitos sociais.

O que se deve considerar quando se fala de “mínimo existencial” é a possibilidade de, no caso concreto, em razão da reserva do possível, o aplicador da lei assegurar a aplicação de um ou outro direito em detrimento de outro “menos importante”. Tal opção, porém, deve ser feita caso a caso, não existindo uma fórmula capaz de resolver todas as questões.

No entanto, a reserva do possível não pode servir de desculpa para a não efetividade dos direitos sociais. O Estado não pode argüir da reserva do possível para se recusar a prestar serviços de ordem social. Ingo Wolfgang Sarlet alerta para tal fato:

O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social.27

Está claro que o Estado não dispõe de recursos suficientes para garantir a todos os seus cidadãos todos os direitos sociais positivados no art. 6º da CF/88. Assim, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade devem sempre ser observados quando da aplicação das verbas existentes. Deve haver, em todos os casos, uma otimização da aplicação dos recursos disponíveis visando uma ampliação dos serviços ofertados aos cidadãos, especialmente aos mais necessitados.

Há autores que sustentam que tal problema pode ser minimizado com o pagamento de tarifas e taxas pelos particulares que planejem fazer uso dos serviços públicos disponíveis. Tal idéia merece prosperar, desde que, nesses casos também sejam observados os limites da razoabilidade e proporcionalidade. Deve-se cobrar de quem pode efetivamente dispor deste valor e sempre na medida em que os serviços lhe sejam contra-prestados.

Por fim, conclui-se que a reserva do possível, principalmente nos países de economia menos desenvolvida, opera como um obstáculo para a máxima efetivação dos direitos sociais a prestação. No entanto, tal constatação não pode servir como um entrave que permita ao Estado deixar de prestar serviços sociais básicos, principalmente os que dizem respeito ao mínimo existencial, que podem, até em ultima conseqüência, ser exigíveis pela via jurisdicional. Deve prezar sempre pela prevalência da vida e da dignidade da pessoa humana.

 

2.3 A efetividade dos direitos sociais

Assim como a aplicação, a efetividade deve ser entendida como espécie do gênero eficácia. Sendo intimamente vinculada à aplicabilidade (eficácia jurídica). Se confunde com a noção de eficácia social. Diferentemente da eficácia jurídica, o instituto da eficácia social analisa a real aplicação das normas fundamentais no plano dos fatos, ou seja, é a aplicação dos direitos fundamentais, na prática, o desempenho concreto de sua função social. Uma norma efetiva não é apenas aquela que tem possibilidade de gerar efeitos, mas aquela que realmente os gera.

Toda norma jurídica é feita para atingir determinados objetivos, por isso não se pode compreender um texto normativo fundamental sem levar em conta suas finalidades. Sendo assim, alcança-se o campo da eficácia social quando os objetivos buscados pela norma estão sendo realizados no plano das relações sociais.

Nesse ponto temos a lição de Konrad Hesse28, que propõe que a Constituição de cada Estado deve refletir a vontade política da sociedade para que possa ser aceita e dotada de eficácia e força normativa. A atual Lei maior foi promulgada numa época de ascensão da importância do Estado Social, em substituição ao Estado Liberal.

Os direitos sociais são direitos à realização de políticas públicas, ao conjunto de ações organizadas dos poderes públicos que permite aos cidadãos fruírem dos serviços públicos que lhes dão efetividade. Assim, os direitos sociais só podem estar garantidos quando o Estado desenvolve uma série de políticas de caráter universal. Um Estado que não apenas se baseia na abstenção, que não apenas reprime o indivíduo ou o agente público que viola os direitos de outros indivíduos, mas que promove uma série de ações por meio de seus agentes a fim de que os direitos sociais possam ser gozados pelos cidadãos.

Luis Roberto Barroso esclarece o tema:

A doutrina da efetividade: sua essência é tornar as normas constitucionais aplicáveis direito e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. Em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são eles, como regra, direta e imediatamente exigíveis do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico.29

A questão é saber de que maneira a efetividade dos direitos fundamentais sociais pode ser alcançada. Qual é o papel do Poder Judiciário nesse campo? Qual é a importância da participação popular nesse sítio? Qual a melhor maneira de se aplicar os recursos públicos? Essas são apenas algumas questões levantadas que podem ajudar a compreender a dificuldade em se tratar do tema. Assim, na medida do possível, buscaremos enfrentar tais questões nas próximas linhas.

Em um primeiro momento é importante verificar quem seriam os destinatários das normas de direitos sociais. Em outras palavras, qual seria o órgão estatal que deve ser responsável pela efetividade dos direitos prestacionais. A melhor doutrina leciona que a melhor resposta para tal questão para o equilíbrio do três poderes. Poder Legislativo, Executivo e Judiciário devem, dentro dos limites de suas competências, agirem conjuntamente para garantirem a efetiva concretização dos direitos sociais prestacionais.

De nada adianta o legislador criar normas que digam respeito aos direitos sociais, se o Poder Executivo não se esforça para fazer valer tais direitos e o Poder Judiciário, na aplicação da lei ao caso concreto, deixe de observar os postulados legais. É necessária ainda, uma grande conscientização e atuação dos órgãos do Poder Público, tanto da importância dos direitos fundamentais na atual sociedade, quanto da destinação suficiente de verbas públicas para a efetividade de tais direitos.

A chamada eficácia mínima revela-se na necessária garantia do chamado “mínimo existencial” de cada um dos direitos sociais, cuja eventual não-observância pelo Legislativo e pelo Executivo, viabiliza, inclusive, que o Judiciário o proteja, mediante provocação, com suporte direto na Constituição, determinando as medidas indispensáveis à sua preservação.

Não há que se dizer que tal prerrogativa do Judiciário, em casos excepcionais, viole o princípio democrático, pois o núcleo essencial dos direitos sociais está acima da própria vontade da maioria.

Clèmerson Merlin Clève esclarece o tema com a seguinte lição:

Os princípios e objetivos constitucionais e os direitos fundamentais vinculam os órgãos estatais como um todo. Vinculam, evidentemente, o Poder Executivo, que haverá de respeitar os direitos de defesa, e ao mesmo tempo propor e realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. Vinculam o Legislador, que haverá de legislar para, preservando esses valores e buscando referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais, normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizando a atuação dos demais poderes. E, por fim, vincula também o Poder Judiciário que, ao decidir, há, certamente, de levar em conta os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais. 30

Neste ponto, deve acrescentar também os próprios cidadãos como responsáveis pela concretização dos direitos sociais prestacionais. Não podem estes cruzar os braços e esperar que o Estado faça tudo por eles. Seja através de maior participação democrática junto aos órgãos estatais ou mesmo até com o pagamento de taxas ou tarifas pela utilização do serviço público, quando for o caso, devem os particulares contribuírem para a efetivação dos direitos sociais, afinal, estes mesmo são os maiores interessados.

Vale ressaltar o importante papel do Judiciário na concretização dos direitos prestacionais seja através da superação das lacunas, da análise dos princípios, da técnica da ponderação de interesses e principalmente quando do julgamento de casos concretos que envolvam os direitos sociais.

Mais uma vez, Clève leciona sobre o assunto:

pode-se afirmar que o Judiciário, de certo modo, no quadro da Constituição brasileira de 1988, conquanto seja absolutamente necessário, evidentemente não é suficiente para a integral efetividade dos direitos sociais, daí a necessidade, repito mais uma vez, da democracia participativa e da atuação da população. Nada obstante, um Judiciário ativo é condição para a efetivação progressiva dos direitos constitucionais. Neste ponto cumpre, em determinadas circunstâncias, e para determinadas situações, defender um certo ativismo judicial (conseqüente e responsável) fortemente articulado do ponto de vista da consistência discursiva (motivação) e da riqueza argumentativa (convencimento). É nesse particular que haveremos, nos termos da doutrina constitucional de matriz germânica, de estabelecer uma distinção entre a dimensão objetiva e a subjetiva dos direitos fundamentais de natureza social.31

Tal matéria tem recebido cada vez mais atenção da doutrina e merece atenção especial quando se fala em efetividade dos direitos fundamentais. Pode-se usar a lição da Juíza do Trabalho Adriana Campos de Souza Freire Pimenta para adentrarmos ao assunto:

O Direito (no caso, leia-se jurisprudência) deve evoluir juntamente com a sociedade, o que significa assegurar a todos a efetividade das regras enunciatórias de direitos. O ideal seria que essas questões nem chegassem ao Poder Judiciário, ou seja, que nossa sociedade fosse capaz de garantir a todos a tal da existência digna. Mas, não é o que acontece: basta sairmos nas ruas para vermos que o objetivo constitucional ainda não foi atendido.32

Ao chegar no Judiciário qualquer demanda relativa aos direitos sociais, o juiz, mais do que nunca, deve redobrar sua atenção sobre o caso e usar todas as maneiras imagináveis de interpretação para dar a melhor solução possível ao litígio. É necessário que o magistrado pondere sobre as normas e princípios que regem à situação e decida de forma a proporcionar a toda a coletividade a fruição de todos os direitos, não apenas os fundamentais.

A já citada Adriana Pimenta alerta para tal fato da seguinte forma:

O magistrado, diante de causas em que se quer ver efetivado um direitos social, não deve sempre utilizar-se da dignidade da pessoa humana para deferir, simplesmente, o que é pedido, sem análise da questão coletiva que igualmente se coloca, pois o debate real vai muito além disso; passando pelas políticas públicas – cuja competência para o estabelecimento e escolha dos objetivos não é do Poder Judiciário – e indo, muitas vezes até o choque entre o direito fundamental social de um autor de ação e de toda uma coletividade.33

O que de fato deve ser exigido do Estado, e neste ponto o Judiciário deve atuar com pulsos firmes, é que os recursos existentes sejam destinados da melhor forma possível, buscando garantir ao individuo o máximo de direitos a que este faz jus. Deve haver uma distribuição racional e direcionada das verbas públicas.

Convém ressaltar ainda a importância da atuação do Ministério Público para garantir a efetividade dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Carta Magna. O parquet, no uso de suas atribuições, seja como fiscal da lei, seja como parte legítima, deve sempre promover as ações que lhe são próprias para proteger o cidadão, seja este individualizado ou mesmo em sentido difuso.

O Ministério Público, a quem o legislador constitucional conferiu poderes para adequadamente buscar a tutela dos interesses sociais indisponíveis, deve marcar sua atuação, sem perder o foco, na busca da implementação dos direitos consagrados no art. 6º da Carta da República. Poderá exigir do Poder Executivo o cumprimento de tais políticas, sendo que, na hipótese do referido Poder deixar de dar atendimento a tal reivindicação, ganhará, de forma adequada, a possibilidade de deduzir a correspondente pretensão perante o Judiciário.

Nesse contexto, ganhou relevo o papel das ações coletivas para a proteção dos interesses meta-individuais. Trata-se de um importante instrumento para a plena realização dos direitos sociais. A própria Constituição Federal confere capacidade postulatória ao Ministério Público para o ajuizamento de ações coletivas no caput do art. 12734, ao incumbir-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, estando incluída a possibilidade de ajuizamento de ações judiciais. A efetivação dos direitos sociais deveria ocorrer, prioritariamente, sob forma coletiva, mas isso não impede eventual demanda individual em casos extremos.

Cabe aqui transcrever a lição de Clemerson Merlin Clève

Um bom caminho para cobrar a realização progressiva desses direitos (porque são direitos de eficácia progressiva) é o das ações coletivas, especialmente, das ações civis públicas. Tratar-se-ia de compelir o Poder Público a adotar políticas públicas para, num universo temporal definido (cinco ou dez anos), resolver o problema da moradia, do acesso ao lazer, à educação, etc. É claro que, neste caso, emerge o problema orçamentário. Todavia, cumpre compelir o Estado a contemplar no orçamento dotações específicas para tal finalidade, de modo a, num prazo determinado, resolver o problema do acesso do cidadão a esses direitos. Desta forma, tratar-se-ia de compelir o Poder Público a cumprir a lei orçamentária que contenha as dotações necessárias (evitando, assim, os remanejamentos de recursos para outras finalidades), assim como de obrigar o Estado a prever na lei orçamentária os recursos necessários para, de forma progressiva, realizar os direitos sociais. E aqui é preciso desmistificar a idéia de que o orçamento é meramente autorizativo. Se o orçamento é programa, sendo programa não pode ser autorizativo. O orçamento é lei que precisa ser cumprida pelo Poder Executivo. O papel do Ministério Público, neste particular, é da maior importância. Incumbe a ele, como defensor dos interesses da sociedade, tomar as medidas necessárias para a adoção, pelo Estado, das políticas públicas voltadas à realização dos direitos fundamentais, em especial, dos direitos fundamentais sociais de caráter prestacional. O controle da constitucionalidade das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, igualmente, pode ser suscitado pelo Ministério Público.35

Porém, em que pese a importância do Poder Judiciário na efetivação dos direitos sociais, este não pode ser encarado como o único responsável por tão árdua tarefa. É preciso, neste ponto, que haja também um equilíbrio na atuação dos três Poderes da União, em que o Executivo e o Legislativo possuem tanta, ou até mais importância que o Poder judiciário.

É necessário uma maior conscientização dos agentes públicos e políticos quando da aplicação dos recursos públicos existentes. A atuação destes agentes devem ser pautados pelo princípios que regem a Administração pública, tais como a legalidade, impessoalidade, moralidade, proporcionalidade, eficiência, continuidade, razoabilidade, entre tantos outros. Qualquer ato que afronte tais princípios deve ser declarado nulo e o agente devidamente responsabilizado por ter agido contra o interesse público.

Cabe ao Poder Legislativo definir as diretrizes orçamentárias do Estado e prezar pela melhor distribuição dos recursos disponíveis. Se tais recursos são insuficientes para garantir a plena efetividade dos direitos sociais, deve-se priorizar o que, em um dado momento, seja o mais precário. E deve-se também buscar atingir a parcela da população que mais carece de tais direitos. Neste mesmo passo, o Poder Executivo, possui o mesmo dever de prezar pela máxima efetividade dos direitos fundamentais, garantindo que os recursos disponíveis sejam aplicados da melhor forma possível.

Mostra-se necessário que o Poder Executivo promova, enquanto responsável pelos atos de administração do Estado, a elaboração das chamadas políticas públicas, traçando estratégias de atuação na busca da efetivação dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, etc. Também o Poder Legislativo, por meio das atividades de seus membros, sobretudo na elaboração e votação de projetos de leis (mormente de natureza orçamentária), possui papel fundamental na elaboração das políticas públicas.

Sobre o tema, Sarlet alerta

Os responsáveis pela efetivação de direitos fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência de proteção e promoção (em virtude da omissão plena ou parcial do legislador e administrador) causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar os critérios parciais da adequação (aptidão do meio no que diz com a consecução da finalidade almejada), necessidade (menor sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade no que diz com a relação entre os meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial dos direitos restringidos, mas também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de outros no sentido de ficar aquém de um patamar minimamente eficiente de realização e de garantia do direito.36

Deve buscar-se sempre um aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público. O cidadão deverá buscar um controle, as vezes até judicial, das opções orçamentárias. Na função administrativa ou executiva, restou evidente a especial preocupação do constituinte em assegurar participação popular na gestão das políticas públicas responsáveis pela implementação dos direitos sociais. Não sem razão, dado que há uma especial preocupação do Estado Democrático de Direito com a efetivação desses direitos (nos termos do preâmbulo constitucional) e, como já afirmado, porque servir de instrumento para adequar a atuação do Estado às principais e reais necessidades da população constitui uma das principais virtudes da participação popular.

Noutro diapasão, percebe-se que o orçamento pode servir de base para a maior efetividade dos direitos sociais prestacionais, na medida em que valorize as reais prioridades estabelecidas na Constituição e se comprometa cada vez mais com a promoção da dignidade da pessoa humana.

Ademais, o Estado Social deve dispor de uma série de poderes que lhe permitam controlar algumas variáveis fundamentais da economia, tais como a política monetária, a política industrial e a política de rendas, já que sem esses instrumentos o Estado terá menos condições de orientar o funcionamento da economia e promover o desenvolvimento.

Além do reconhecimento de que é necessário saber direcionar os recursos existentes para orçamentos que priorizem os direitos fundamentais é oportuno compreender, em ultimo lugar, que a efetividade desses direitos também depende de uma boa administração dos recursos disponíveis.

Nesse ponto devem-se condenar políticas públicas desconformes com as prioridades estabelecidas na Constituição, que desviam enormes verbas para questões manifestamente em desacordo com a efetivação dos direitos fundamentais.

Se os direitos sociais estão na CF/88 é porque são importantes e deve haver esforço de todos para sua efetivação. Direito é direito mesmo. Não é favor ou bondade de quem tem o poder, do prefeito, do deputado, do presidente ou do empregador. Qualquer pessoa (ou grupo de pessoas) pode e deve reivindicar os seus direitos, lutar por eles, para que sejam respeitados.

Não se pode esperar que o art. 6º faça tudo sozinho, de modo a evitar-se que o simbolismo seja usado para suavizar o clamor pela efetivação constitucional. A concretização da dignidade humana exige discurso e ação e, por isso, cumpre a atuação intensa do Poder Judiciário, Executivo e Legislativo, além da participação efetiva dos cidadãos para que os direitos sociais consagrados em nossa Lei Maior sejam de fatos efetivados.

Do direito à moradia não decorre uma pretensão à casa própria. Do direito ao lazer não deriva uma expectativa legítima à uma piscina. Do direito à alimentação não emerge uma obrigação do Estado de arcar com os custos de tudo o que o cidadão necessite comer. O que de fato deve ser garantido aos cidadãos é que esses possam ter amplo e irrestrito acesso aos meios que lhe garantam o mínimo para se viver dignamente.

Assim, se uma pessoa necessita de medicamentos e o Estado tem condições de fornecê-los, tal pretensão é legítima. Da mesma forma, do direito à educação decorre um dever do Estado de garantir a educação básica.

Não se defende aqui o mero assistencialismo. A função do Estado deve ser garantir os meios para que os cidadãos possam, por seus próprios esforços, alcançar uma condição digna de vida. Assim, se o cidadão, desde criança, tem acesso a um ensino fundamental de qualidade, se sabe que será atendido satisfatoriamente quando necessitar de atendimento médico e que não terá problemas para encontrar emprego, o sujeito torna-se “independente” do Estado e pode, segundo seus anseios, buscar, por ele mesmo, melhores condições de vida. Tais direitos podem até revestir-se de caráter assistencialista em um primeiro momento, mas deve haver programas que permitam ao sujeito no longo prazo custear a própria sobrevivência.

Ao Estado não se impõe apenas o direito de respeitar a vida humana, o que poderá até mesmo implicar a vedação da pena de morte, mas também o dever de proteger ativamente a vida humana, já que esta constitui a razão de ser da própria comunidade e do Estado, além de ser o pressuposto para a fruição de qualquer direito fundamental. Negar ao particular o acesso ao atendimento médico-hospitalar gratuito, ou mesmo o fornecimento de medicamentos essenciais, certamente não nos parece a solução mais adequada (ainda que invocáveis o princípio da reserva do possível e/ou da reserva parlamentar em matéria orçamentária). O mesmo raciocínio poderá ser aplicado no que diz com outros direitos sociais prestacionais básicos, tais como educação, assistência social e condições matérias mínimas para uma existência digna.37

A guisa de conclusão, cumpre ressaltar a importância da participação da população na busca da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Estado e sociedade devem se complementar. Não é tarefa apenas do Estado lutar pela efetivação dos direitos sociais, pelo contrário. Os maiores interessados em verem a concretização dos direitos prestacionais é a própria sociedade e assim, sua participação é fundamental para que os direitos sociais consagrados na Constituição Federal sejam de fato, efetivados.

A participação popular é da essência do conceito de Estado Democrático Social de Direito. Assume como o principal elemento distintivo deste último em relação aos modelos que o precederam como o Estado Liberal de Direito, mais preocupado com a limitação e repartição do poder político e com a vinculação do próprio Estado à lei do que com a titularidade dos direitos sociais ou legitimidade popular de seu exercício. A participação popular acresceu ao modelo liberal de Estado de Direito a preocupação com legitimidade do exercício do poder, impondo a superação da mera exigência de formal legalidade. Ela acrescentou novos meios (participativos) para a busca de soluções capazes de assegurar proteção e efetividade aos direitos fundamentais, em especial os sociais, fazendo o povo protagonista desse processo.

Constituía-se, desse modo, o Estado Democrático Social de Direito, mantidas as limitações do poder conquistadas com o Estado Liberal de Direito e a preocupação com a igualdade material (efetividade dos direitos sociais) própria do Estado Social, mas acrescidas de uma ampliação da participação do povo na escolha de seus representantes (sufrágio universal) e de um papel dele mais ativo no exercício do poder, em busca da igualdade material.

Conclui-se, portanto, que a participação da sociedade civil é extremamente importante nesse processo de efetivação dos direitos socioeconômicos. A sociedade organizada deve ajudar o Judiciário tanto no processo de tomada da decisão, fornecendo informações capazes de enriquecer a argumentação, quanto na fase de cumprimento das ordens judiciais, fiscalizando, monitorando, reivindicando ou até mesmo coordenando o processo de implementação das ações públicas determinadas pelos juízes.38

Segundo o principio da subsidiariedade, deve existir uma distribuição de encargos entre os órgãos estatais e a sociedade. Todos, sem exceção, são amplamente responsáveis pela concretização dos direitos fundamentais sociais. A importância do tema leva-nos a conclusão de que a plena efetivação dos direitos sociais, principalmente num Estado que carece de recursos e uma população que ainda não possui irrestrito acesso aos meios para a concretização de uma vida digna, deve ser uma luta de todos e só será alcançada com a conscientização da importância dos direitos sociais, num primeiro momento, e atuação efetiva do Estado e da sociedade, num segundo instante.

Ingo Wolfgang Sarlet conclui o tema com as seguintes palavras

A efetividade dos direitos sociais é um compromisso de todos, Estado e Sociedade, e o êxito na sua concretização pressupõe a superação de posturas maniqueístas e fundamentalistas, assim como o abandono do tão difundido jogo do ‘empurra-empurra’, que assola o cenário político nacional, mediante a sua substituição por uma lógica da cooperação e do diálogo.39

 

CONCLUSÃO

Chega-se aqui ao desfecho do presente estudo. Tentou-se, ao longo das linhas anteriores, demonstrar, após um diagnóstico dos direitos fundamentais elencados em nossa Lei Maior, como, cada dia mais, os direitos sociais prestacionais ganham importância no cenário nacional, e como as questões ligadas a efetividade e concretização de tais direitos é um problema de todos, que deve ser resolvido através da máxima cooperação entre todos os envolvidos.

Foram analisados os seguintes problemas: a carga eficacial das normas que tratam dos direitos sociais, pois há quem sustente que se tratam de meros dispositivos programáticos, sem eficácia; ainda no âmbito da eficácia desses direitos, outra dificuldade apontada é a efetividade do direito social pretendido pelo cidadão através da via judiciária, questionando-se a justicialidade dos direitos fundamentais sociais, isto é, se aqueles direitos podem ser exigidos perante o Poder Judiciário; mesmo quando os magistrados avançam, ao querer dar efetividade aos direitos sociais pleiteados, outro obstáculo se põe: qual o conteúdo desses direitos? Quais prestações podem ser exigidas da Administração Pública?

A visão dos juristas, isto é, a forma como interpretam os dispositivos constitucionais sobre direitos sociais, também se torna um entrave para a efetividade desses direitos, pois ainda estão vinculados à uma hermenêutica formal e individualista; tendo em vista que os direitos sociais são prestacionais, outra dificuldade que se impõe é a escassez de recursos frente à elevada necessidade de serviços que a Administração Pública tem que prestar; aliado a esse embaraço se encontra o novo modelo de Administração Pública, proposto a partir da década de 90, com o neoliberalismo, buscando um Estado mínimo, que passa a ter um papel mais regulatório do que de execução. Por fim, diante dessas dificuldades, pretendeu-se discutir sobre o planejamento estatal e a necessidade da participação popular nesse processo, justificando-se pela imprescindibilidade do orçamento público para realização dos serviços que instrumentalizam os direitos sociais.

Vê-se que essa é uma questão que atinge a todos, indistintamente, e por esse motivo, também deve ser causa da preocupação de todos.

O Estado nacional, dado o atual nível de desenvolvimento e a falta de recursos próprios de um país periférico, ainda é incapaz de garantir que os direitos sociais consagrados no ordenamento jurídico pátrio sejam de fatos respeitados e efetivados, garantindo à população um mínimo de dignidade para se viver.

O que não pode acontecer é jogar toda a culpa pela falta de concretização dos direitos fundamentais sociais nas mãos do Estado e crer que este é um problema apenas dele. Pelo contrário, os maiores afetados pela não efetividade dos direitos fundamentais sociais são os próprios cidadãos que acabam não tendo acesso a direitos que foram consagrados pelo constituinte.

Assim, cabe a todos a luta pela concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais. Cada um pode, através dos mecanismos que lhe foram assegurados, buscar formas de garantir que seus direitos sejam respeitados. Seja administrativamente, através da participação popular, judicialmente, pela conscientização na hora de se eleger determinado candidato. Todos são meios proporcionados aos cidadãos para que estes garantam seus direitos.

Por fim, ressalta-se que tal luta não é tarefa fácil e demanda a conscientização e participação de todos. É através dela que se pode obter a máxima efetividade dos direitos presentes em nossa Carta Magna.

 

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VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Dos direitos sociais na constituição do Brasil. Texto básico de palestra proferida em Madri, Espanha, na Universidade Carlos III, sob o patrocínio desta e da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, em 10. mar. .2003. disponível em: http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/dpr0027/velloso_carlos_dos_direitos_sociais_na_cf.pdf, acesso em 22. jul. 2010.

1 Advogada, Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia, Pós Graduanda em Direito Administrativo Público pela Universidade Federal de Uberlândia. Email: izabel.r.moreira@hotmail.com

2 Advogado, Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia. Email: lucas.c.teixeira@hotmail.com

3 MASTRODI, Josué. Direitos Sociais Fundamentais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 82.

4 CLÈVE, Clemerson Mèrlin. Desafio da efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 20. ago. 2010. p. 1.

5 MARMELSTEIN, George. Curso de direito fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 174.

6 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Dos direitos sociais na constituição do Brasil. Disponível em http://www.ufrnet.br/~tl/otherauthorsworks/dpr0027/velloso_carlos_dos_direitos_sociais_na_cf.pdf. acesso em 18 ago. 2010. p. 5.

7 SARLET, Ingo Wolfgang, Os direitos sociais como direitos fundamentais: seu conteúdo, eficácia e efetividade no atual marco jurídico-constitucional brasileiro. Cadernos da AMATRA IV – n.ª10. 2008. p.13.

8 SARLET, Ingo Wolfgang, Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº 1, 2001. Disponível em http://www.direitopublico.com.br, acesso em 20. jul. 2010. p. 18/19.

9 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 4.

10 SARLET, 2008. op. cit. p. 18.

11 Ibidem. p. 22.

12 MARMELSTEIN, 2008. op. cit. p. 266.

13 SARLET, 2008. op. cit. p. 20.

14 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 208.

15 Mais sobre o assunto em MARMELSTEIN, 2008. op. cit. p. 216. e ss e SARLET, 2009. op. cit. p. 222 e ss.

16 MARMELSTEIN, 2008. op. cit. pag. 219.

17 LEDUR, José Felipe. Direitos fundamentais sociais. Efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 87. apud SARLET, 2009. op. cit. p. 217.

18 MASTRODI. op. cit. p. 112.

19 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1999. p.112.

20 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a Efetividade de sua Normas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 83. apud SARLET, 2001. op. cit. p. 25.

21 SILVA, 1999. op. cit. p.140.

22 SARLET, 2001. op. cit. p. 32.

23 Ibidem. p. 40.

24 SARLET, 2008. op. cit. p. 25.

25 Ibidem. p. 28.

26 MARMELSTEIN, 2008. op. cit. p. 312.

27 SARLET, 2008. op. cit. p. 31.

28 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991.

29 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Constituição e efetividade constitucional. Coord. LEITE, George Salomão e LEITE, Glauco Salomão, Salvador: Editor Podium, 2008, p. 5-6, disponível em http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf, acesso em 03. set. 2010.

30 CLÈVE, op. cit. p. 3.

31 Ibidem. p. 7.

32 PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. A Judicialidade dos direitos sociais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 48, n. 78, p. 45-63, jul./dez. 2008. p. 56.

33 Ibidem. p. 58.

34 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

35 CLÈVE. op. cit. p. 9.

36 SARLET, 2008. op. cit. p. 33.

37 SARLET, 2001. op. cit. p. 36.

38 MARMELSTEIN, George. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 191. Disponível em http://direitosfundamentais.net. Acesso em 07. set. 2010.

39 SARLET, 2008. op. cit. p. 40.

Izabel Rosa Moreira

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