Direitos de personalidade e sua tutela constitucional: a contribuição de pietro perlingieri

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Sumário: Introdução. 1. Direito à saúde. 2. Biodireitos. 3. Direito ao sepulcro familiar. 4. Direito moral do autor. 5. Direito à privacidade: correspondência, retificação, sigilo e a Administração Pública. 6. Direito à educação e liberdade de pensamento. Conclusão.

 

Resumo: O abismo entre os ramos direitos público e privado deixa de existir quando a Constituição, regra suprema nos Estados Democráticos, passa a tutelar direitos de personalidade antes regidos apenas pelo Direito Civil. Por este motivo, o autor Pietro Perlingieri, aborda a questão do Direito Civil na legalidade constitucional e seus reflexos nos direitos essenciais das pessoas.

 

Palavras chave: Direitos de personalidade. Constititucionalização. Pietro Perlingieri.

 

Riepilogo: il divario tra settori pubblico e privato cessa di esistire quando la constituzione, la regola suprema degli Stati democratici, devono tutelare i diritti personali prima sol di diritto civile. Per questo motivo, l’autore Pietro Perlingieri, affronta la questione del diritto civile in diritto costituzionale e il suo impatto sui diritti fondamentali della popolazione.

 

Parole chiave: Diritti de la personalità. Constituzionalizazzione. Pietro Perlingieri.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto analisar parte da obra de Pietro Perlingieri e sua contribuição para o estudo do Direito Civil e suas conexões com o Direito Constitucional. Para tanto, parte do pressuposto que afirmar que a Constituição ocupa o lugar mais alto na hierarquia das fontes significa, sobretudo, que todo o ordenamento jurídico deverá ser interpretado à luz dos valores fundamentais. Justamente, como foi evidenciado, a norma existe e realiza a sua função unitariamente ao ordenamento, mudando o seu significado com o dinamismo do ordenamento ao qual pertence.

A concepção exclusivamente patrimonialista das relações privadas, fundada sobre a distinção entre interesses de natureza patrimonial e de natureza existencial, não responde aos valores inspiradores do ordenamento jurídico vigente. Isto porque. Abandonada a contraposição nítida entre privado e público, o problema da personalidade deve ser apresentado em relação ao ordenamento globalmente considerado e os valores protegidos pelo mesmo.

Nos dizeres do Perlingieri, na opinião de uma parte da doutrina, o advento da Constituição não teria mudado substancialmente o quadro da dicotomia público e privado, pois os direitos da personalidade continuariam a ser típicos: às hipóteses preexistentes deveriam ser acrescidas aquelas previstas em algumas disposições da Constituição italiana. Mas além disso, a proteção dos direitos invioláveis do homem podem ser criticados como normas de síntese, aquelas sem qualquer sentido, ou normas programáticas, as quais não seriam diretamente aplicáveis.

Ressalta o autor, outrossim, que a personalidade, portanto, não é um direito, mas sim, um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente exigência mutável de tutela.

Neste ponto, Perlingieri destaca que uma vez considerada a personalidade humana como um interesse juridicamente protegido e relevante para o ordenamento, a responsabilidade civil se estende também a todas as violações dos comportamentos subjetivos nos quais pode se realizar a pessoa (Perlingieri, 2008, p. 765).

A Constituição teria, assim, par o autor, um papel salutar. O respeito das normas inferiores à Constituição não é examinado apenas sob o ponto de vista formal, a partir do procedimento de sua criação, mas com base em sua correspondência substancial aos valores que, incorporados ao texto constitucional, passam a conformar todo o sistema jurídico. Valores que adquirem positividade na medida em que consagrados normativamente sob a forma de princípios (2004, p. 9).

A proteção dos direitos de personalidade, nos dizeres do mestre italiano deve ser integral. Isto porque para ele “Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas” (idem, p. 156). Mas é importante que se ressalte que a solução normativa aos problemas concretos não se pauta mais pela subsunção do fato à regra específica, mas exige do intérprete um procedimento de avaliação condizente com os diversos princípios jurídicos envolvidos (1999, p. 81).

 

1. DIREITO À SAÚDE

Tem se percebido que, nos últimos anos, a Constituição conquistou, verdadeiramente, força normativa e efetividade. Os tribunais tem se esforçado em consagrar tais direitos de maneira bastante ativa. As normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação a atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais.

Destarte, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial especifica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações a Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço de saúde.

Na obra de Perlingieri resta claro que a ordem jurídica nacional protege o ser humano, não só no interesse do próprio indivíduo, mas também no interesse da sociedade, como imprescindível fundamento de unidade do ordenamento jurídico, o respeito à dignidade da pessoa humana e à observância dos direitos fundamentais arrolados na Constituição (1999, p. 54).

A proteção do menor, do idoso, do portador de necessidades especiais e outros grupos hipossuficientes, com relevante destaque pela tutela que tem ganhado nas Cartas Constitucionais, é um exemplo deste novo perfil do Direito Civil, cada vez mais constitucionalizado e sensível com a proteção da pessoa humana.

 

2. BIODIREITOS

Perlingieri se preocupa com os casos relacionados com a inseminação artificial e manipulação genética, que aqui serão genericamente considerados biodireitos. A consagração italiana da Lei de Procriação Assistida, editada em 2004, abriu um leque de hipóteses que foram analisadas pelo autor.

Para o autor, existe um patrimônio genético, o qual não é mais indiferente em relação às condições de vida nas quais a pessoa opera. Conhecê-lo significa não somente impedir o incesto e possibilitar a aplicação dos impedimentos matrimoniais ou prever e evitar enfermidades hereditárias mas, responsavelmente, estabelecido o vínculo entre o titular do patrimônio genético e sua descendência, assegurar o uso do sobrenome familiar, com sua história e sua reputação, garantir o exercício dos direitos e deveres decorrentes do pátrio poder, além das repercussões patrimoniais e sucessórias (1999, p. 177).

A garantia destes conhecimentos e informações, como nome, parentesco, registro civil e outros direitos da personalidade (2008, p. 832), segundo o autor, gera os efeitos jurídicos constitutivos, modificativos ou extintivos da relação para individuar o mesmo conceito de outro ângulo visual. Por vezes o ato se exaure na produção de um só efeito, já em outras produz uma multiplicidade de efeitos. Nesta hipótese, é preciso verificar se todos os efeitos contribuem do mesmo modo para a qualificação do fato ou se entre eles devem ser distinguidos aqueles que determinam a função prático-jurídica (efeitos essenciais) daquele fato dos outros que para isso não contribuem (efeitos não-essenciais). Entende o renomado autor que a autonomia é a atuação não somente de direitos subjetivos, mas também de deveres de solidariedade. Solidariedade não somente econômica, mas também social e familiar (1999, p.17-19).

 

3. DIREITO AO SEPULCRO FAMILIAR

Na sua obra, o mestre italiano ressalta que os bens jurídicos que ingressam como objetos no cenário dos direitos da personalidade são, pois, de várias ordens, divididos em: a) físicos, como: a vida, o corpo (próprio e alheio); as partes do corpo; o físico; a efígie (ou imagem); a voz; o cadáver; a locomoção; b) psíquicos, como: as liberdades (de expressão; de culto ou de credo); a higidez psíquica; a intimidade; os segredos (pessoais e profissionais); e c) morais, como: o nome (e outros elementos de identificação); a reputação (ou boa fama); a dignidade pessoal; o direito moral de autor (ou de inventor); o sepulcro familiar.

Segundo Perlingieri, a proteção ao direito ao sepulcro familiar tem como fonte a autonomia negocial, de forma que, especialmente na sua extensão, deve responder a um juízo de valor. O arbítrio do disponente do sepulcro familiar encontra limites nos valores expressos pelo ordenamento (2008, p. 837), devendo excluir, como critério para a consagração deste direito, a ideia singela de que a família advém apenas da relação “iure sanguinis”, acrescentando-se, também a família adotiva.

Adquire-se, acrescenta, o direito ao sepulcro quando se determina a pertinência do grupo. Por sua natureza muito peculiar – que não se presta a ser incluída nas categorias tradicionais – e por seu fundamento preponderantemente pessoal, ele poderá ser reclamado em vida pelo próprio titular, e após a sua morte, pelos seus parentes mais próximos.

 

4. DIREITO MORAL DO AUTOR

Ressalta Perlingieri que o direito dito moral de autor é pessoal e intransmissível mesmo na hipótese de morte. Assim, para ele, os familiares em questão assumem relevo de direito próprio e não de sucessores. A eles compete o direito independentemente da sua qualidade de herdeiros tais parentes, desta forma, não podem transmitir tais direitos aos seus posteriores herdeiros. Trata-se, assim, de um interesse não patrimonial pelo qual somente impropriamente pode se falar de transferência. A avaliação do prejuízo entre o de cujus e cada parente legitimado pode ser, em concreto, diversa, podendo cada um deles exprimir exigências e motivações não coincidentes.

O direito moral do autor, nos dizeres do civilista italiano, não é um direito coletivo. Sua natureza existencial exclui que sore ele possa ter razão a maioria, ao ponto de impedir a qualquer um dos componentes do grupo o efetivo exercício do poder. E isso, com mais razão, se se pondera que a maioria poderia estar condicionada por interesses de natureza patrimonial e hereditária.

 

5. DIREITO À PRIVACIDADE: CORRESPONDÊNCIA, RETIFICAÇÃO, SIGILO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os herdeiros ao protegerem seus direitos, fazem-no tutelando direito próprio e não de outrem. Isto ocorre porque na fase sucessiva à morte do representado, a lei exprime uma específica hierarquia dos parentes legitimados a manifestar seu consentimento: primeiramente o cônjuge e os seus filhos , por fim, os ascendentes e os descendentes ate o quarto grau (nos dizeres da Lei Civil italiana).

Protege-se, assim, o mau uso da imagem bem como o escopo da divulgação, que deverá ser adequado aos interesses dos familiares, a boa-fé, o caráter informativo e fica vedado qualquer objetivo publicitário ou comercial sem que haja expressa anuência dos sucessores (2008, p. 853). Aqui importante ressaltar, nos dizeres de Perlingieri, que a liberdade de imprensa como função e exercício de um direito individual (o de informação e transparência presente nas democracias), não pode ser alegado para sustentar desrespeito a estes outros ditames igualmente protegidos pela Magna Carta (1999, p. 10).

Em igual sentido tutela-se o sigilo de correspondência pessoal e confidencial, que tem status de garantia constitucional, tanto na Itália quanto no Brasil. O autor é rigoroso ao aduzir que tal direito não se estende sequer ao cônjuge que atesta a fidelidade do outro, ou do pai relativamente ao filho.

Já a retificação pode ser percebida quando o responsável por fazer inserir na publicação uma informação equivocada, deverá corrigi-las utilizando dos mesmos meios que outrora utilizara erroneamente, sob pena de sanções penais. Isto ocorre já que a lei de imprensa italiana também pune severamente aquele que desrespeita os direitos de personalidade alegando exercício do direito midiático.

Há, no entender do autor, um direito à correta informação. Lembra Pietro Perlingieri que a atividade informativa nunca é culturalmente neutra e nem é uma atividade em si mesma. Ela é constitucionalmente garantida para que contribua, do mesmo modo que qualquer outra atividade, para o desenvolvimento do homem e para sua efetiva participação na vida comunitária. O direito de manifestar o próprio pensamento e a liberdade de imprensa não são posições autônomas que tem justificação na Constituição, mas tem relação com o respeito aos direitos invioláveis e os deveres inderrogáveis (2008, p. 865).

A Administração Pública também deve tutelar a privacidade, pois no seu múnus público deve resguardar o sigilo de dados pessoais e outras informações que interessem apenas ao seu titular. Da mesma forma que deve garantir transparência nas informações coletivas ou que interessem à coletividade, deve preservar o direito individual daquele que confia sua intimidade à Coisa Pública e que, por isso, não pode ser exposto ao ridículo ou à devassa de curiosos.

A luz da normativa de tutela dos dados pessoais, o interesse à privacidade, em relação ao gerenciamento das informações no âmbito da atividade das administrações públicas, não se configura mais ou, pelo menos, não tão só, como um limite negativo ao direito ao acesso, mas também como título para a participação no procedimento

 

6. DIREITO À EDUCAÇÃO E LIBERDADE DE PENSAMENTO

As Repúblicas, como ressalta P. Perlingieri, sobretudo as democráticas, devem pautar-se por garantir aos seus cidadãos acesso à educação integral e de qualidade, como forma de inserção do sujeito nos direitos de personalidade. Destarte, o tema educação, entendida como meio de instrução e formação profissional, deve ser livre, garantindo ao educando o direito de fazer suas próprias escolhas de forma livre, contribuindo para o progresso da sociedade (1999, p. 45).

As Cartas Constitucionais italiana e brasileira asseguram aos genitores o dever de educarem seus filhos. No entanto, isto deve ser assegurado materialmente por políticas públicas estatais, consideradas republicanas por Perlingieri, que assegurem o exercício destas prerrogativas-deveres. É sabido que a educação não se esgota nas horas de trabalho escolar, mas é percebida de maneira ampla e extensa, devendo-se associar o papel indispensável da família mas uma obrigação de controle e tutela que parta do Estado, que persiste até mesmo após a maioridade civil até que os filhos possam completar seus estudos (2008, p. 880).

Aqueles que não dispuserem de recursos para custeio de seus estudos, cabe à República a concessão de estudo gratuito que possa garantir o pleno acesso profissional no ambiente do trabalho. Dada essa diversidade de realidades, que reúne estudantes pobres e outros em diferente situação, somada ainda as peculiaridades regionais e outras, o sistema educativo deverá permitir uma pluralidade de ideias, culturas, organização e conteúdo para que possa atingir seu objetivo instrutivo e de formação de verdadeiros cidadãos.

Desta forma, até mesmo as escolas particulares, que não gozam de subsídios públicos, deverá adequar seus conteúdos a esta realidade que possibilite uma visão mais completa, humana e concreta dos fins de um Estado social e integrador.

 

CONCLUSÃO

Pietro Perlingieri demonstra em suas obras que a tutela dos direitos de personalidade gozam, na Itália, proteção constitucional que se assemelha à tutela dada no Brasil. Para o autor, com o amadurecimento das democracias e o conformação das sociedades em um ambiente protetivo que coloca o ser humano no ápice do sistema jurídico promove a constitucionalização dos direitos essenciais do sujeito, garantindo-lhe exercício e plenitude da personalidade.

O direito à família, nome, intimidade, privacidade, educação, instrução profissional dentre outros, serve de alicerce para a formação de um sujeito mais preparado para a vida em sociedade e para exercício de sua personalidade. O Estado deve, por outro lado, promover meios hábeis ao exercício e à concretização destas prerrogativas.

A antiga dicotomia entre o que é público e privado fica superado quando as Carta Constitucionais cada vez mais promovem ingerências em ramos antes reservados apenas à autonomia da vontade dos particulares, determinado que, nesta nova realidade, o Estado, a família, a sociedade e o particular devem participar de forma integrada para a promoção do ser humano, na busca da justiça.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Estudos em homenagem a Pietro Perlingieri In: Revista da Faculdade de Direito da UFU. Disponível em <www.revista.fadir.ufu.br/include/getdoc.php?

id=625&article=241 >, acesso em 20/01/2011.

PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. Napoli: ESI, 2004.

 Normas constitucionais nas relações privadas. In: Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 6 e 7, 1998/1999, pp. 63-64.

 O direito Civil na legalidade constitucional. São Paulo: Renovar, 2008.

Perfis do direito civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

Carlos Alberto Resende

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