Desdobramentos jurídicos da resolução nº 5/2012 do senado federal do Brasil

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 Resumo: Com a promulgação da Resolução 5/2012 pelo Senado Federal, várias foram as implicações de ordem legal originadas através do referido ato. Assim, busca o presente trabalho apresentar aos estudantes e profissionais da área jurídica as aludidas implicações. Para tanto será feita uma breve abordagem histórica da antijuridicidade do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, evidenciando a origem de sua repreensão, até chegar aos dias atuais; em seguida, será analisado o instituto da substituição processual do artigo 44 do Código Penal, com a apresentação de seu conceito, espécies, requisitos para concessão, até chegar ao instituto da substituição processual quanto à Lei de Drogas propriamente dita; será apresentado ainda um breve esboço sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que motivou o Senado Federal a promulgar a Resolução nº 5/2012; ao final, serão apresentadas as implicações jurídicas oriundas da referida resolução, demonstrando que seus efeitos legais, possuem muito mais além do que se imaginam, tais como a possibilidade de concessão de liberdade provisória ao autor de tráfico privilegiado e a possibilidade de se fixar o regime aberto àquele que praticar o aludido delito.

Palavras-chaves: Tráfico privilegiado; Julgamento Supremo Tribunal Federal; Resolução do Senado Federal; Substituição processual; Liberdade provisória.

Abstract: With the promulgation of the Resolution 5/2012 by the Senate, there were several with legal implications arising within this act. Thus, this paper seeks to introduce students and professionals in the above-mentioned legal implications. To achieve this, this article will brief a historical approach of the not legality of the crime of smuggling of narcotics, showing the origin of his rebuke, until the present day, then the institute will be considered the replacement procedure of Article 44 of the Penal Code, with the presentation of its concept, species, conditions for granting, until the Office of the replacement procedure on the Drug Law itself, will be presented later a brief outline on the decision of the Supreme Court that led the Senate to promulgate Resolution No. 5/2012; at the end, will present the legal implications arising from this resolution, demonstrating that its legal effects, have much more than you imagine, such as the possibility of granting bail to the author of trafficking and the possibility of privileged fix the system open to him to practice the aforementioned offense.

Keywords: Traffic privileged; Supreme Court Judgment; Resolution of the Senate; Replacement procedure; Freedom provisional.

  1. Introdução

Liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem.
(Barão de Montesquieu)

A citação alhures reflete o pensamento que se prevaleceu quando do julgamento do habeas corpus nº 97.256/RS perante o Supremo Tribunal Federal, em que restou reconhecida em controle difuso a inconstitucionalidade de parte da Lei nº 11.343/2006, no que se referia a impossibilidade de substituição da pena.

Antes do referido julgamento, muito se discutia acerca da possibilidade ou não de se aplicar ao delito de tráfico de drogas o regramento contido no artigo 44 do Código Penal4, vez que quando da prática do crime de tráfico de drogas o agente não utiliza da violência ou grave ameaça.

Não obstante o agente não aplique violência ou grave ameaça quando da prática do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, a Lei nº 11.343/2006, continha em seus artigos 33, §4º5 e 446, a vedação expressa da substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direito.

O Senado Federal aprovou, nos termos do artigo 48, inciso XXVIII, de seu Regimento Interno, em 15 de fevereiro de 2012, a Resolução nº 5/2012, que nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, suspendeu a execução em parte do §4º, do artigo 33, da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006.

O objetivo deste artigo é, justamente, apresentar aos operadores do direito as implicações jurídicas originadas com a promulgação da aludida Resolução, mormente considerando os seus efeitos erga omnes e ex tunc.

Desta feita, neste artigo, analisa-se o assunto através de uma pesquisa que enfocará a forma qualitativa, através de fontes bibliográficas e com procedimentos não-experimentais e monográficos. O método de abordagem indutivo, também, na medida em que, partiu-se de dados suficientemente comprovados para se chegar a uma verdade geral.

O presente artigo, por fim, divide-se em: uma breve abordagem histórica da antijuridicidade do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, evidenciando a origem de sua repreensão, até chegar aos dias atuais; em seguida, será analisado o instituto da substituição processual do artigo 44 do Código Penal, com a apresentação de seu conceito, espécies, requisitos para concessão, até chegar ao instituto da substituição processual quanto à Lei de Drogas propriamente dita; será apresentado ainda um breve esboço sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que motivou o Senado Federal a promulgar a Resolução nº 5/2012; ao final, serão apresentadas as implicações jurídicas oriundas da referida resolução, demonstrando que seus efeitos legais, possuem muito mais além do que se imaginam, tais como a possibilidade de concessão de liberdade provisória ao autor de tráfico privilegiado e a possibilidade de se fixar o regime aberto àquele que praticar o aludido delito.

2. Historicidade sobre a antijuridicidade do tráfico de drogas:

Inicialmente precisamos compreender como surgiram as crenças e conceitos que moldaram a visão de povos e autoridades durante séculos sobre as substâncias entorpecentes, quem as comercializava e quem as consumia.

A Igreja Católica criou o conceito de pecado, que procurava descrever o uso de substâncias entorpecentes como um desvio moral do homem, e para sua correção seria necessário estabelecer uma punição.

Assim aqueles que vendiam e ou usavam drogas eram tidos como pecadores, malandros, vagabundos, em suma, eram um mal, ou melhor, dizendo um instrumento do mal aqui na Terra. Precisavam, portanto ser castigados para que expiassem os seus erros.

Com o advento do Estado, este passou a tutelar a jurisdição, motivo pelo qual, a terminologia antiga foi alterada, contudo o enfoque continuou o mesmo, ou seja, severa repressão a usuários e vendedores de drogas.

Em nosso país não foi diferente, e pedindo vênia ao nobre Professor Roberto Portugal Bacellar (2003), pode-se dizer que:

A legislação, desde as Ordenações Filipinas (1603), passando pelo Código Criminal do Império (1830), pelo Regulamento de 1851, pelo Código Penal de 1890, por dezenas de decretos, pelo Código Penal de 1940, pela Lei 5.726/71, até a Lei 6368/76, com pequenas modificações posteriores sempre transmitiu a idéia de que era necessário estabelecer uma ‘guerra contra as drogas’.

Os usuários de substâncias entorpecentes eram tratados pela Lei nº 6.368/76 como criminosos, cuja pena cominada para o delito era detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos e o pagamento de multa, conforme se observa no artigo 16 da referida lei.

A pena privativa de liberdade se justificava, pois os consumidores de drogas eram tidos como os grandes incentivadores para que este mal continuasse a existir, já que enquanto houvesse demanda, a oferta continuaria.

Além disso, a privação da liberdade ainda era vista como o grande meio punitivo e educador, tanto para o apenado quanto para a própria sociedade, assim a própria Lei nº 6.368/76 já desempenhava o papel de prevenção e repreensão ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.

Com o progresso cultural e a reforma da parte geral do Código Penal, ocorrida no ano de 1984, uma mudança importante sucedeu, qual seja, a compreensão de que o cárcere não era em muitos casos a medida repressora-socializadora mais adequada, devendo ser substituído por outras formas de penalidade que igualmente cumpririam seu papel de gerar uma correção eficiente.

Em 1988 a Constituição Federal alterou drasticamente o nosso ordenamento jurídico, estabelecendo uma série de normas e princípios que deveriam ser seguidos pelo direito penal em um Estado Democrático de Direito.

Dentre estas inovações surgiu a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) que inovou ao possibilitar através dos institutos da suspensão condicional do processo (sursis processual) e da transação penal, que o usuário de drogas pudesse cumprir penas restritivas de direitos, e não mais a reprimenda corporal que outrora era aplicada.

Nova despenalização ocorreu com o advento da Lei nº 10.259/01, que considerou como delitos de menor potencial ofensivo todos aqueles que fossem punidos com pena restritiva de liberdade de até 02 (dois) anos, cuja competência para julgamento passou a ser dos Juizados Especiais Criminais.

A mudança definitiva veio com a Lei nº 11.343/06 que criou a política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e de reinserção social do usuário, aplicando medidas educativas e restritivas de direitos para aqueles que fossem pegos usando drogas. Foi criado o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas que tem dentre os seus objetivos a criação de uma ampla rede de pesquisa sobre o uso de drogas no país, além da formação de profissionais capacitados e a destinação de locais para tratamentos. A doutrina diz que foi adotado o modelo Europeu cujo enfoque é a prevenção de danos.

No que tange ao trafico de drogas aconteceu o inverso, ou seja, a Lei nº 11.343/06 aumentou as penalidades para o traficante se a comparar com a Lei nº 6.368/76. Aqui seguiu-se a política norte-americana de endurecimento da repressão para aqueles que comercializam ou de qualquer forma contribuem para a venda de substâncias entorpecentes.

A antiga Lei de drogas punia diversos tipos de comportamentos com a mesma pena, como exemplo temos que o traficante de drogas, traficante de matéria prima, quem induzia outro a usar, ou aquele que fornecia imóvel para o tráfico eram apenados de 03 (três) a 10 (dez) anos, com o advento da nova Lei cada comportamento foi devidamente equacionado e recebeu penas diversas obedecendo ao princípio da proporcionalidade.

A Lei nº 11.343/06 trouxe novos tipos penais como o artigo 37 que trata dos informantes, o artigo 39 que pune aqueles que conduzem aeronave ou embarcação após o consumo de substâncias entorpecentes, fora os presentes exemplos, é possível encontrar outros mais, o que foge ao foco do presente artigo.

Dando continuidade aos estudos, e seguindo a lógica dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e do direito a individualização da pena o legislador criou tipos penais mais benéficos na Lei nº 11.343/06, como o §3º, do artigo 33 que dispõem sobre o compartilhamento de drogas entre familiares e o §4º, do artigo 33, denominado de tráfico privilegiado, onde a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).

3. Substituição processual (artigo 44 do Código Penal)

Prescreve o artigo 44 do Código Penal que as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as penas restritivas de liberdade em determinados casos, contudo, antes de descrever os casos em que ocorrem a aludida substituição, mister se faz conceituar as Penas Restritivas de Direito.

As Penas Restritivas de Direito estão contidas quanto à conversão, prestação, interdição e limitação, na seção II, do art. 43 ao art. 48 do CP, na qual se encontram as modalidades e requisitos que perfazem de grande utilidade ao ensejo jurídico penal.

Conforme menciona o renomado autor Guilherme de Souza Nucci (2007) em sua concepção a respeito de tal matéria, vêm salientar que,

as penas restritivas de direito são penas alternativas expressamente previstas em lei, com o fim de evitar o encerramento de determinados criminosos, autores de infrações penais consideradas mais leves, promovendo-lhes a recuperação através de restrições a certos direitos.

Já na concepção do renomado doutrinador Rogério Greco (2008) a respeito das penas restritivas de direito traz a seguinte compreensão que,

por mais que se discuta, ainda não fora achado outro meio que possa substituir a pena privativa de liberdade cominada em algumas penas graves, aonde esse estágio de resolução de conflitos ainda esta muito distante ou, talvez, nunca chegará. Sendo assim de fundamental importância, encontrar soluções que atinjam o cidadão delinqüente de menor forma possível. Contudo podemos substituir a pena de prisão por alternativas, evitando o sistema carcerário com relação aos presos que cometeram pequenos delitos e que se encontraram misturados com delinqüentes perigosos.

Nas penas restritivas de direito quanto a sua aceitação pode-se averiguar que existe posições divergentes, sendo uma a favor e outra contra seu uso jurídico, na qual assim, para a corrente a favor, a prisão seria considera como um fracasso, pois segundo esta concepção o deliquente que comete um crime de menor potencial ofensivo ao ficar com aquele que tivesse precedentes de alta periculosidade assim interferiria no convivio sócio educativo dos demais, e além disso pode-se análisar atualmente, que o sistema carceirário está abalroado de pessoas, de forma que não caberia todos que cometecem ilicitos pequenos ou graves no mesmo local.

O mesmo doutrinador, apresenta ainda em seu estudo um posicionamento contrario ao uso da pena restritiva de direito busca, in verbis:

Ralf Dahrendorf, criticando o raciocínio das penas substitutivas, assevera:

Uma teoria penal que abomina a detenção a ponto de substituí-la totalmente por multas e trabalho útil, por ‘restrições ao padrão de vida’, não só contém um erro intelectual, pois confunde lei e economia, como também está socialmente errada. Ela sacrifica a sociedade pelo indivíduo. Isso pode soar a alguns como incapaz de sofrer objeções, até mesmo desejável. Mas também significa que uma tal abordagem sacrifica certas oportunidades de liberdade em nome de ganhos pessoais incertos. Ser gentil com infratores poderá trazer à tona a sociabilidade escondida em alguns deles. Mas será um desestímulo para muitos, que estão longe do palco criminoso, de contribuir para o processo perene de liberdade, que consiste na sustentação e na modelagem das instituições criadas pelos homens.

Enfim a pena restritiva de direito foi incluída ao ordenamento jurídico penal, através da evolução do direito penal e a aplicação da pena. Pena esta que tem como utilidade a privação total ou parcial de um bem jurídico posto pelo estado através da ação penal ao autor do delito, perseguindo um fim condizente com os ditames democráticos e constitucionais, uma vez que o estado assim deva ocorrer a tal penalidade quando a conversação não se possa obter outros meios de reação. Ademais, ao longo do tempo o estado evoluirá de uma concepção de que a pena possuía apenas o propósito de punir para uma finalidade de prevenção geral para toda sociedade, de modo assim que a dignidade humana influenciou a pena a ter um caráter de ressocialização, reintegrando o delinqüente no convívio social.

3.1. Espécies de Penas Restritivas de direitos

As Penas restritivas direito são alternativas às privativas de liberdade na busca de punir e ressocializar os condenados, onde suas modalidades de espécies estão elencadas no art. 43 do Código Penal, por força do art.1º da lei 9.714/98 que trata das 05 (cinco) modalidades:

I – Prestação pecuniária – consiste no pagamento em dinheiro a vitima ou a seus dependentes, importância que é fixada pelo julgador tal como dispõe o art. 45 do Código Penal;

II – Perda de bens e valores – consiste no confisco de bens e valores pertencentes ao condenado conforme autoriza a Constituição Federal no art.5º, LXVI, onde é transferido ao fundo penitenciário Nacional, evitando o cárcere, correspondente ao montante do prejuízo causado ou o proveito obtido com a prática, podendo ter destinação diversa, em decorrência do art. 45, §3º, do Código Penal;

III – Prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas – consistem na atribuição aos condenados de tarefas gratuitas, devendo ser prestada junto a entidades assistenciais em geral, com o intuito de reeducá-lo;

IV – Interdição Temporária de direitos – consiste em impedir o exercício de determinada função ou atividade por um período determinado, função essa de exercício privado ou público, bem como suspensão de dirigir, ou proibição de freqüentar lugares;

V – Limitação de fim de semana – consiste em retirar do condenado o simples lazer, obrigando-o a ficar em albergues ou estabelecimentos cogeneres, proferindo palestras educativas e cursos.

Importante ressaltar que as referidas penas deverão ser observadas pelo magistrado ao prolatar uma sentença condenatória, e se for o caso deverá se proceder na competente substituição da pena privativa de liberdade por uma outra espécie de pena (artigo 59, IV, do Código Penal) ou pelo sursis.

Como já mencionado anteriormente, as penas restritivas de direitos são autônomas (e não acessórias) e substitutivas (não podem ser cumuladas com penas privativas de liberdade); também não podem ser suspensas nem substituídas por multa.

Insta salientar que as penas restritivas de direito foram paulatinamente introduzidas como uma alternativa à prisão. Seu campo de atuação foi significativamente ampliado pela Lei 9.714/98.

3.2. Requisitos para concessão das penas restritivas de direitos

As penas restritivas de direito não podem substituir a pena privativa de liberdade em toda e qualquer ocasião, além disso, as penas restritivas de direito terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (artigo 55 do Código Penal). Para que seja aplicada é necessário que sejam observados alguns requisitos e que seja cumulativa conforme os requisitos legais do artigo 44 Código Penal. Exitem assim duas regras que podem ser analisadas para a substituição de pena privativa de liberdade para restrita de direito, sendo estes requisitos objetivos (artigo 44, incisos I e II) e subjetivos (artigo 44, inciso III).

Quanto ao primeiro requisito para a substituição é a de que a pena em concreto aplicada pelo juiz não seja superir a 04 (quatro) anos, desde que não haja violência ou grave ameaça à pessoa, ou, qualquer que seja a pena aplicada, em se tratando de crime culposo. Como também, a não reincidência em crime doloso, pois pode não ter ainda o resultado da condenação, sendo o criminoso tecnicamente primário.

Já no segundo requisito é relativo às circunstâncias do delito que tratam sobre:

Culpabilidade – Trata-se da reprovação social que o crime e o autor do fato merecem;

Atencedentes – Trata-se de tudo que existiu ou aconteceu no ambito penal ao agente antes da prática de um fato criminoso, ou seja, sua vida anterior em matéria penal. Resaltando que somente condenação com trânsito julgado pode ser considerado para se valorar negativamente este quesito;

Conduta Social – é o papel da pessoa na comunidade, inserido no contexto de trabalho, à vida familiar, vizinhança, etc. Tal circunstância assim não se confunde com os antecedentes sociais do condenado e, caso não fique comprovada a má conduta social do réu, esta deverá ser considerada boa;

Personalidade – é o conjunto de caracteristicas exclusivas da pessoa, devendo ser lembradas suas qualidades morais, a sua boa ou má índole, bem como sua agressividade e incompatibilidade em relação à ordem social e temperamento;

Motivos do crime – são os precedentes que levam a ação criminosa, onde tal motivo cuja forma dinâmica ou móvel, varia de indivíduo para indivíduo, seguindo assim algum interesse, ou, sentimento específico da pessoa, podendo até mesmo está relacionado com o consciente ou inconsciente do mesmo, de modo que a motivação determina o que levou o agente a delinqüir, portanto sua conduta será mais ou menos reprovável;

Circunstâncias do crime – são os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolva o delito. Quando previstas devem ser formadas pela análise e pelo discernimento do juiz;

Consequências do crime – consiste no mal causado pelo crime, podendo causar diminuição no patrimônio da vítima, ou, dano aos sofrimentos físicos e morais da vitima;
Do comportamento da vítima– consiste na forma de agir, da vitima que pode levar ao delito, podendo ela contribuir ou facilitar para o criminoso;

Assim o mais comum é a conversão na sentença condenatória, seguindo os parâmetros do artigo 44 do Código Penal, e, além disso, existe a possibilidade durante a execução da pena conforme o artigo 180 da Lei de Execução Penal e artigo 77 do Código Penal.

3.3. A substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos quanto à Lei de Drogas

A respeito de tal matéria em discussão, importante transcrever os ensinamentos esposados na doutrina do iluminado doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2007):

não cabe pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por falta do requisito objetivo: a pena é superior a quatro anos ou o delito é cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. A única exceção mais freqüente ficava por conta do tráfico ilícito de entorpecentes, cuja pena mínima era de três anos e não seria cometido violentamente. Se fosse levado em consideração somente este requisito, nada impediria a substituição, não se podendo nem se devendo confundir a aplicação de pena restritiva de direitos em lugar da pena de liberdade com o regime de cumprimento de pena. Porém, a questão quase perdeu o interesse com a edição da nova lei de tóxicos (lei 11.343/06). A pena mínima para o tráfico propriamente dito (art.33 CP) foi elevada para cinco anos, ultrapassando o limite fixado pelo art.44, I, do CP. Porém, ainda que se cuidasse de tentativa, cuja pena ficasse abaixo dos quatros anos, não caberia a aplicação de pena alternativa por expressa vedação estabelecida pelo art. 44 caput, parte final, da lei de drogas. Quanto à figura do tráfico ilícito de entorpecentes, com causa de diminuição de pena, também não há viabilidade para a substituição por pena alternativa, nos termos do § 4º do art. 33 da lei de drogas (nos delitos no caput § 1ª, deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa).

Portanto, em tal concepção doutrinaria de respeitável Professor de Direito Penal, Dr. Guilherme Souza Nucci (2007) pode-se observar que a pena restritiva de direito fora vedada através do art. 33 nos termos do § 4º da lei de drogas quanto ao tráfico. Assim mesmo que a pena fosse aplicada abaixo dos quatros anos, não caberia a aplicação de pena alternativa por expressa vedação estabelecida pelo artigo, mais, recentemente o STF decidiu de maneira diferente tal questão, estabelecendo a mudança do art. 33 e 44. Nota-se, portanto assim que até mesmo o renomado autor já questionava tal questão em égide.

Ao final deste trabalho, será visto a suscita explicação quanto o julgamento e posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em debate, que assim julgou e encaminhou ao senado seu relato, para assim dar prosseguimento aos ditames jurídicos processuais quanto ao assunto em questão debatido.

Esse entendimento também encontra apoio no magistério de diversos autores (THUMS; PACHECO, 2007), (FRANZOI) e (CALLEGARI; WEDY, 2008), cujas lições, no tema, reconhecem possível a substituição, por pena restritiva de direitos, da pena privativa de liberdade imposta àquele que for condenado pelo crime de tráfico de entorpecentes, desde que satisfeitas as condições previstas no art. 44 do Código Penal, a despeito da proibição estabelecida pelo art. 44 da nova Lei de Drogas.

4. Decisão do STF que decreta a Inconstitucionalidade da Proibição de Conversão da Pena Privativa de Liberdade

Em 1 de setembro de 2010, foi declarada incidentalmente inconstitucional em decisão  definitiva do Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus nº 97.256/RS, a proibição da conversão em penas restritivas de direito, contida no §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006.

Em seu voto, o ministro-relator Ayres Britto salientou que o “processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado”. Em seu voto, manifestou ainda que “a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal” mais acertada para o caso concreto, reprimenda que deve ser “ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material”.

Também sustentou que as penas restritivas de direitos são, em seu cerne, uma alternativa para se evitar os efeitos negativos de uma sentença condenatória, que poderá se afastar de seu fim (punição/retribuição e ressocialização), existindo assim, outros meios de se alcançar a referida finalidade, ou seja, a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal.

Para o Supremo Tribunal Federal, “ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero”.

Com efeito, a Suprema Corte declarou incidentalmente a “inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos”, determinando assim que a Vara de Execução Penal procedesse ao exame da possibilidade de concessão do referido benefício (conversão da restritiva de liberdade em restritiva de direitos), consideradas as condições objetivas e subjetivas do caso concreto. De igual forma, o Supremo reconheceu que deveria ser suprimido, o óbice constante da parte final do art. 44 do mesmo Codex, que continha expressão análoga e vedava a conversão da pena privativa de liberdade como regra geral aplicável no âmbito da Lei Antidrogas.

Em uma análise pormenorizada do aludido julgado, percebe-se que esta decisão teve como fundamentos os seguintes argumentos:

1 – As normas constitucionais que restrinjam direitos e garantias individuais e coletivas devem ser aplicadas restritivamente pelo legislador infraconstitucional.

A sociedade brasileira vive hoje em um Estado Democrático de Direito, onde os direitos fundamentais e suas respectivas garantias estão positivados em nossa Carta Magna, e eles têm duas funções básicas, a primeira é proporcionar ao cidadão a necessária liberdade para o seu pleno desenvolvimento, e a segunda é emitir um comando de inércia para o Poder Público, já que este deve abster-se de agir, toda vez que houver a possibilidade da violação de um destes direitos.

Em se tratando de matéria penal e utilizando a ponderação de interesses, o legislador constituinte estabeleceu pontualmente de acordo com o delito praticado, e taxativamente a restrição de alguns direitos, sendo que tais normas devem ser interpretadas e aplicadas de forma contida pelo legislador ordinário. Assim é vedado que lei infraconstitucional imponha tratamento penal mais rigoroso do que o estabelecido na Magna Carta.

Em seu inciso XLIII artigo 5 o constituinte determinou que os crimes de tortura, tráfico e terrorismo são inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia, e estabeleceu que as mesmas restrições deveriam ser aplicadas aos delitos posteriormente definidos como hediondos por lei infraconstitucional.

É preciso ressaltar que as infrações penais “para civis” estabelecidas no artigo acima citado são as mais graves de nosso ordenamento jurídico, e mesmo assim não está previsto como conseqüência a proibição da conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direito. A lei nº 11.343/06 ao estabelecer em seus artigos 44 e 33, §4º, a vedação da substituição das penas, entrou em choque com o que disciplina nossa Magna Carta, ao impor medida punitiva superior aquele explicitado no texto constitucional.

2 – O direito a individualização da pena prevista no inciso XLIV, artigo 5º da Constituição Federal 1988, deve ser obedecido nas fases legislativa, judicial e executiva, e não pode ser abolido por norma infraconstitucional.

Para Nélson Hungria (1949), a individualização significa “retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso”.

O legislador ao criar um tipo penal estabelece à(s) pena(s) levando-se em consideração qual é o bem jurídico tutelado e o quão ofendido ele foi. Na fase judiciária o juiz deve analisar os fatos concretos, frente à previsão normativa para o caso e decidir a pena a ser aplicada, o quantum e a forma de execução. Na fase executiva verifica-se como o condenado está se comportando frente à pena aplicada, quanto mais ressocializado estiver, maiores benefícios deve receber.

Em seu inciso XLVI, artigo 5º, da Constituição Federal 1988, estabelece: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

Percebe-se que por sua localização topográfica que antecede o rol das penas, este direito subjetivo deve ser aplicado a todos os delitos, cabendo ao legislador ordinário apenas estabelecer as condições para sua aplicabilidade, sendo que em nenhum momento a Magna Carta permitiu que qualquer um dos poderes aniquilasse o direito fundamental ali contido.

As leis devem estabelecer parâmetros balizadores para o juiz, este agindo com discricionariedade determinará qual espécie de pena é adequada para que se atinja o fim da retribuição e ressocialização.

A Lei nº 9.714/98 acrescentou a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, contudo, deve ser preenchida uma série de requisitos objetivos e subjetivos para que este benefício seja concedido.

No instante em que o legislador acrescentou no rol das penas a substituição processual, ele estabeleceu assim, que o réu tenha o direito, quando preenchido os requisitos objetivos e subjetivos a aplicação desta espécie de penalidade, cabendo ao juiz no caso concreto personalizar a sanção.

A lei nº 11.343/06 ao vedar em seu artigo 44 e artigo 33, §4º, a substituição por penas restritivas de direito, atenta contra o poder discricionário do juiz já que impede o seu livre exercício e viola o direito subjetivo do réu de ter sua pena personalizada.

A Constituição Federal quando trata do tráfico de drogas em momento algum estabelece um tipo específico de pena ou proíbe sua substituição por outra, novamente devemos frisar que o legislador ordinário em matéria penal, em hipótese alguma pode restringir direitos se o texto constitucional não o permitir expressamente.

3 – O legislador constituinte sopesando os direitos fundamentais com o interesse público buscou criar mecanismos para que no caso concreto o correto equilíbrio fosse encontrado entre estes dois princípios Em se tratando de direito penal, a criação das diversas espécies de sanções tem como objetivo permitir que o juiz possa no caso concreto utilizando a ponderação entre a dignidade da pessoa humana e a necessidade da paz social, estabelecer qual é a penalidade mais adequada.

A pena privativa de liberdade concretamente analisada representa um ônus muito grande ao réu submetido a ela, já que este tipo de sanção tende a deixar seqüelas psíquicas e físicas negativas que podem perdurar por toda a vida, por outro lado em muitos casos é a medida punitiva adequada para a ressocialização e a proteção da sociedade.

Em crimes de menor potencial ofensivo, cujos autores não representem perigo para sociedade, a pena privativa de liberdade não é a aplicação da justa medida, já que o ônus imposto ao agente é aplicado em um grau muito maior que o necessário para a prevenção-punição- ressocialização. Nesse sentido o juiz deve buscar entre as outras penas possíveis a que mais se adéqüe ao fim almejado, sendo que a substituição processual é uma das possibilidades.

Quando a Lei nº 11.343/06 veda em seu artigo 44 e artigo 33 §4º a substituição por penas restritivas de direito, deixando como única possibilidade ao magistrado a aplicação da pena privativa de liberdade, viola os princípios da dignidade humana, razoabilidade e proporcionalidade.

Após este estudo aprofundado do julgamento do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 97.256/RS, decisões posteriores acompanharam o mesmo entendimento adotado por escassa maioria pelo Pleno do STF e a questão acabou por ser pacificada.

Nesse diapasão, chegou-se ao seguinte entendimento “embora o Magno Texto Federal habilite a lei para completar a lista dos crimes hediondos, a ela impôs um limite material: a não-concessão dos benefícios da fiança, da graça e da anistia para os que incidirem em tais delitos”. Na lição jurisprudencial da Corte, “a própria norma constitucional cuidou de enunciar as restrições a ser impostas àqueles que venham a cometer as infrações penais adjetivadas de hediondas”. Sendo assim, prevaleceu o argumentou de que a aludida norma constitucional, deixou de incluir “nesse catálogo de restrições a vedação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos” 7.

Seguindo a mesma linha de outros julgados do pretório excelso foram lavrados para reiterar que:

pena privativa de liberdade no crime de tráfico de entorpecentes pode ser substituída pela restritiva de direitos, uma vez presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, em observância ao princípio da individualização da pena, sendo inconstitucional a vedação em abstrato à concessão do benefício8.

No âmbito do STF, percebe-se que a questão se encontra superada, mas vários Tribunais de Justiça no Brasil continuou aplicando a norma contida no referido parágrafo em sua integralidade. Inclusive, para o fim de rejeitar a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

5. Resolução 5/2012 do Senado Federal

O Senado Federal seguindo o regramento estabelecido no artigo 52, inciso X da Constituição Federal de 1988, suspendeu a execução, em parte da Lei nº 11.343/06, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, editando assim, a Resolução 5 de 2012, de 15 de fevereiro de 2012, na qual suspendeu a execução da expressão “vedada à conversão em penas restritivas de direitos”, contida no §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06.

A importância desta resolução reside no fato de que é ela quem passa a gerar o efeito erga omnes em nosso ordenamento jurídico no que tange a possibilidade de concessão de substituição processual no crime de tráfico privilegiado.

Assim, a partir do dia 16 de fevereiro de 2012, o Poder Judiciário quando for aplicar a Lei nº 11.343/06 no seu artigo 33 § 4º, não pode deixar de conceder o benéfico da substituição processual caso o réu preencha os requisitos objetivos e subjetivos legais.

Antes, mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, no sentido de declarar inconstitucional o referido trecho, muitos juízes e tribunais deixavam de aplicar o benefício legal, pois a determinação dos ministros valia apenas entre as partes (inter partes). Fato este que resultava em irreparável dano para todos aqueles que iam para o cárcere, sob o fundamento de um trecho de lei já declarada inconstitucional pela Suprema Corte.

Ressalta-se, contudo que a atitude dos magistrados e desembargadores era constitucional, já que lhes são garantidos a liberdade nas decisões desde que devidamente motivadas.

Para se entender as conseqüências da decisão do Senado é preciso compreender melhor o problema das drogas em nosso país.

Paradoxalmente, nunca houve tantos esforços empreendidos pelo Poder Público no sentido da prevenção e repressão ao uso e tráfico de drogas, contudo o problema só tem aumentado, chegando em muitas localidades a gerar um caos social.

É possível identificar que uma das causas está no modo como o Estado exerce seu poder repressor, já que se analisar os processos penais que tem como fato típico o tráfico de drogas, constata-se que os autores condenados através de sentença passada em julgado, em sua maioria, são pequenos traficantes, normalmente também usuários de drogas que utilizam muitas vezes da comercialização para manter o vício, tais indivíduos são facilmente “substituídos” e suas prisões não geram graves prejuízos aos grandes traficantes, já que em regra a quantidade apreendida com eles são pequenas, tratando-se aos narcotraficantes de mão de obra descartável.

O encarceramento do indivíduo enquadrado na figura do tráfico privilegiado, adequado aqueles agentes que são presos com pequena quantidade de drogas e não serem reincidentes, nem se dedicam a atividades criminosas, além de terem se mostrado inócuas ao combate as drogas, tal medida, gera violação ao princípio da dignidade humana, aumenta a lotação dos presídios e desvia os gastos públicos do seu real objetivo.

Assim, com o advento da resolução nº 5/2012 do Senado Federal estabelece que os magistrados deverão analisar o caso concreto para decidir qual a medida mais adequada para a punição/prevenção/ressocialização do criminoso. Desta forma, não existe mais a possibilidade destes apoiarem a fundamentação de suas decisões na pura e simplesmente na vedação contida no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, que por sua vez se baseava na gravidade em abstrato do delito.

Dando prosseguimento as conseqüências No direito penal a lei mais benéfica retroage para beneficiar todos aqueles que estão sendo processados ou foram condenados sob sua égide. Desta forma, caberá aos juízes na fase executória revisar quando necessário a penalidade aplicada, aplicando o benefício caso o réu tenha direito. Muitos sentenciados que estavam cumprindo pena atrás das grades devem ser liberados.

Conclusão

De uma análise do presente estudo, constata-se que a partir de 16 de fevereiro de 2012 não há que se falar em inaplicabilidade da substituição processual nos crimes de tráfico de drogas se o agente preencher os requisitos objetivos e subjetivos esposados no §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06.

Contudo, não se deve perder de vista as implicações indiretas oriundas da atual possibilidade de se promover a substituição processual no crime de tráfico, pois bem, a vedação outrora praticada tinha como escopo a hediondez do delito, motivo pelo qual restava prejudicada a concessão de liberdade provisória e substituição processual, dado ao maior rigor a ser despendido a estes delitos.

Reconhecer a substituição da pena restritiva de liberdade por restritivas de direito no denominado tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06), gera duas implicações fundamentais para a seara penal e processual penal, quais sejam: a) o reconhecimento de que aquele que pratica este delito não comete crime equiparado ao hediondo, e b) com a alteração das prisões por força da Lei nº 12.403/2011, em não sendo o tráfico privilegiado um crime equiparado ao hediondo, não obstante a supressão da vedação legal do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, torna-se possível a concessão da liberdade provisória àqueles que praticarem o aludido delito.

Várias são as justificativas para se afirmar que existe o afastamento da hediondez àquele que pratica o tráfico privilegiado, pois nos dizeres do douto juiz José Henrique Kaster Franco (2009):

I) “privilégio” não se harmoniza com “hediondez”. São conceitos incompatíveis, ontologicamente inconciliáveis. O legislador resolveu conceder uma diminuição de pena que varia entre 1/6 e 2/3, modificando consideravelmente a pena originária, pois entendeu que o tráfico privilegiado merece resposta penal mais branda, justamente porque o agente envolveu-se ocasionalmente com esta espécie delituosa, não registra antecedentes e não está a usufruir, diuturnamente, dos lucros desta empresa ilícita.

II) a pena mínima para o crime privilegiado é de 1 ano e 8 meses. Não é razoável que o tráfico privilegiado, cuja pena mínima é menor do que a pena mínima prevista para o furto qualificado ou para o porte de arma de uso permitido seja considerado crime hediondo. Se o tráfico privilegiado se revestisse de gravidade para justificar a hediondez, o legislador não daria vazão a tal disparidade na previsão da sanção.

III) o legislador, ao elencar os crimes hediondos e assemelhados a hediondo na Lei 8072/90 não previu a figura híbrida do tráfico privilegiado, assim como não o fez no caso do homicídio qualificado-privilegiado. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência, quase unânimes, ensinam que o homicídio qualificado-privilegiado não é crime hediondo, justamente porque a Lei 8.072/90 não se refere à figura mesclada, isto é, não se pode estender a lei para fazer hediondo um crime que ali não fora expressamente previsto.

Também por estes mesmos fundamentos, em não sendo o tráfico privilegiado equiparado ao crime hediondo, não há como promover a vedação da liberdade provisória ao referido delito, mormente que com o advento da Lei nº 11.464/2007, que além de disciplinar o regime de cumprimento de penas aos condenados por crimes hediondos e equiparados, não vedou a liberdade provisória e nem a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

De início havia entendimentos no sentido de que não seria cabível a concessão da liberdade provisória ao tráfico de drogas, diante da previsão trazida pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06. No entanto, acertadamente está prevalecendo a sua possibilidade, mormente se observar a alteração das prisões com a promulgação da Lei nº 12.403/2011, vez que na atualidade a regra é a liberdade, sendo o encarceramento exceção, ser analisado concretamente a sua necessidade.

Por fim, dizer que autor do delito de tráfico privilegiado não pratica crime equiparado ao hediondo gera outra implicação ao magistrado, agora, quando da prolação de sentença condenatória, ao analisar o regime a ser fixado para o réu, deverá observar o regramento contido no artigo 33, §2º, do Código Penal.

Deste modo, pode-se perfeitamente dizer que aquele que for condenado nas iras do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, poderá ter a sua pena fixada no regime aberto, pois o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 04 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal Brasileiro.

A resolução, enfim, além de promover a reafirmação da aplicação dos direitos humanos consagrados na Magna Carta e no ordenamento internacional, promove ainda a amplitude do direito constitucional à individualização da pena, de forma que se torna ainda uma medida eficiente para diminuir a superlotação das cadeias, favorecer os miseráveis e ressocializar aquele que, por um ato de desespero ou impensado, veio a cometer um delito, passível de solução, que não a segregação.

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4 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

§ 1º (VETADO)

§2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.

§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

5 Art. 33, §4o  Nos delitos definidos no caput e no §1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

6 Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

7 HC 106665/MG – Relator: Min. AYRES BRITTO. Julgamento: 05/04/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma. DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011.

8 HC 102663/RJ – Relator: Min. LUIZ FUX. Julgamento: 22/11/2011. Primeira Turma. DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011. No mesmo sentido: HC 105799/AM – Relator: Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 11/10/2011. Primeira Turma. DJe-217 DIVULG 14-11-2011 PUBLIC 16-11-2011; HC 107904/SC – Relator: Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 20/09/2011. Primeira Turma. DJe-193 DIVULG 06-10-2011 PUBLIC 07-10-2011; RHC 108011/RJ – Relator: Min. LUIZ FUX. Julgamento: 06/09/2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011. EMENT VOL-02599-02 PP-00269; HC 104275/RS – Relator: Min. LUIZ FUX. Julgamento: 03/05/2011. Primeira Turma. DJe-094 DIVULG 18-05-2011 PUBLIC 19-05-2011. EMENT VOL-02525-02 PP-00309.

Moacir Henrique Junior

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