Breve escorço sobre a origem do instituto fraude de execução

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De plano, mister esclarecer que, apesar de se tratarem de institutos diferentes, o que oportunamente será apresentado de maneira mais detida, a Fraude Contra Credores e a Fraude à Execução possuem origens comuns.

E não seria diferente, vez que conforme apresenta o renomado Yussef Said Cahali a Fraude à Execução é uma espécie do instituto Fraude Contra Credores, “… o instituto da fraude à execução constitui uma “especialização” da fraude contra credores.”4

Não obstante a Fraude à Execução ter surgido da Fraude Contra Credores, como é sabido, com ela não se confunde, tendo em vista que assume características peculiares advindas da própria especialização.

No entanto, impossível negar a origem histórica comum. Assim, será apresentada breve explanação da mencionada origem comum no direito romano, no direito comparado e no direito das ordenações, nos moldes dos ensinamentos do ilustre professor mencionado.

Após, será relatado um breve estudo evolutivo do instituto da Fraude à execução no direito pátrio.

 

1.1 No direito romano

Inúmeras literaturas especializadas abordam a presente temática sobre diversos aspectos, assim, imbuído no foco do trabalho, a questão será analisada de maneira mais objetiva.

Nessa perspectiva, é de se aquilatar que os mecanismos de salvaguarda dos direitos creditórios passaram a ter destaque a partir do abandono à fase da manus iniectio, ou seja, da fase legal em que a execução recaia sobre o próprio corpo do devedor.

Assim, surgiu o que se convencionou a chamar de missio bona debitoris rei servandae causa, que simplificadamente consistia na concessão pelo pretor, uma vez provocado pelo credor ou credores, da imissão na posse dos bens do devedor, que a partir de então responderiam diretamente pelos débitos deste.

Mais adiante, o instituto foi aperfeiçoado e aos bens do devedor era nomeado um curador, que possuía a responsabilidade de administrar tais bens com o propósito de venda e, ao final, com o resultado da venda, realizar o pagamento dos créditos.

No entanto, foi percebido que tal instituto ainda era falho, vez que não eram todos os bens repassados à responsabilidade do curador, mas somente aqueles necessários ao pagamento do débito ora cobrado, o que possibilitava o devedor de dispor do restante de seus bens em detrimento de outros credores, por exemplo.

Desse modo, no direito romano clássico, segundo Solazzi e Betti, existiriam três expedientes postos à disposição do credor, para a defesa preventiva de seu crédito.

  1. uma actio pauliana poenalis, com prévio arbitratus de restituendo (D. 22, 1, frag. 38, § 4º), que nascia do ilícito constituto da fraus creditorum, ilícito pretoriano que dava lugar a uma ação para se obter uma reparação pecuniária. O devedor demandado podia liberar-se restituindo o quanto tivesse sido pedido com o arbitramento. A natureza poenalis da actio não constituiria obstáculo à possibilidade da restituição;

  2. um interdictum fraudatorium (D. 42, 8, 10 pr.), que representava um meio de recuperação do bem desfalcado do patrimônio do devedor, condicionado à pronúncia do magistrado (provimento administrativo em sentido lato); e havia, finalmente,

  3. uma restitutio in integrum, provimento rescidendo proferido pelo magistrado, que tolhia de efeitos o ato de disposição ao menos no âmbito do direito pretoriano; e, no pressuposto de uma precedente missio in bona competia ao curador bonorum ou, segundo outra corrente de opinião, à própria coletividade de credores. Com base no provimento restituitório, atribuía-se aos credores um iudicium rescissorium, que lhes assegurava, ao menos no âmbito do direito pretoriano, a represtinação do direito subjetivo garantido pelo patrimônio do devedor.5

Do apresentado se abstraí com clareza características da atual ação revogatória, sobretudo, quando se aprecia a alínea a e b, que surge da junção e aprimoramento destes dois institutos romanos, ou seja, da propositura de uma ação reparatória pecuniária com possibilidade da recuperação do bem desfalcado do patrimônio do devedor.

Por outro lado, mesmo nas origens romanas já se observa também a preocupação do “legislador” em regular institutos, que no curso de demanda executiva procuravam proteger o interesse do credor em face das desavenças do devedor, o que nos traz ao raciocínio uma previsão, ainda que implícita e iminente, do instituto da Fraude à Execução.

 

1.2 No direito comparado

Quando se volta o olhar para o direito comparado, por exemplo, para a legislação civil espanhola – arts. 1291 e 1297 -, é observada a inexistência de figura assemelhada à Fraude à Execução.

No mesmo sentido, em regra, na legislação alienígena a Fraude à Execução não possui, como no direito brasileiro, autonomia.

Assim, não possui previsão específica tão pouco é prevista como matéria processual (de ordem pública), sendo vista e estudada, portanto, como um desdobramento da Fraude Contra Credores, fenômeno este que, a nosso ver, reforça a tese de que a Fraude à Execução é uma espécie da Fraude Contra Credores, vez que, conforme dito, noutras codificações sequer foram desmembradas.

Por outro lado, apesar de não existir uma disposição processual específica do instituto Fraude à Execução, no direito comparado também é tida por mais grave a alienação de bens com o intuito de fraudar vindoura execução, outro a ser mencionado exemplo reside na legislação portuguesa, tem-se:

Bem a propósito é a redação do n. 3 do art. 271º do CPC de Portugal:”3. A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso da acção estar sujeita a registro e o adquirente registrar a transmissão antes de feito o registro da acção.”6

Regramento aproximado possui o CPC brasileiro no §3º do seu art. 42, o qual dispõe que a sentença surtirá efeitos sobre o terceiro adquirente ou cessionário, ainda que não intervenha no processo.

No entanto, o código de processo civil pátrio não possui a segunda parte do estudado artigo do CPC português, regra que limita o alcance dos efeitos da sentença ao terceiro ao prévio registro da demanda junto aos cartórios de registros, exigência que, a nosso ver, é salutar, uma vez que sendo registrada a demanda os terceiros adquirentes não poderão alegar desconhecimento da litigiosidade da coisa e, portanto, eventual alegação de boa-fé será inócua.

 

1.3 No direito das ordenações

Na incipiente legislação brasileira, no denominado período das ordenações, dada as peculiaridades da época e, sobretudo, em face da ausência de uma codificação tanto sob o aspecto material quanto formal do direito coexistiam regras que já nos levava a vislumbrar a existência dos dois institutos, Fraude à Execução e Fraude Contra Credores.

Nessa perspectiva, a Fraude à Execução, no direito processual brasileiro, remonta às Ordenações Filipinas, vejamos o que o Prof. Yussef Said Cahali apresenta sobre o tema:

No direito processual brasileiro, a origem do instituto remonta às Ordenações Filipinas: ali, no Livro 3.º, Título LXXXVI, ao se cuidar “dos agravos das sentenças definitivas”, proibia-se a alienação de bens de raiz, durante a demanda, instituindo-se uma espécie de hipoteca judiciária sobre os bens do condenado ao pagamento de soma pecuniária. Assim, dispunha o § 14: “E o que tiver bens de raiz, que não valham o contido na condenação, não os poderão alhear, durante a demanda, mas logo ficarão hipotecados por esse mesmo feito e por esta Ordenação para o pagamento da condenação”.

E dispondo, no mesmo Título, “Das Execuções, que se fazem geralmente pelas sentenças”, o § 16, referindo-se à execução de sentença condenando alguém por ação real, ou pessoal, ou para que entregasse coisa certa do devedor (§15), estatuía: “E se esse condenado maliciosamente deixou de possuir a cousa julgada, para se não fazer nela, se achada for em poder daquele, em que foi alheada, sem ser com ele outro processo ordenado, se foi sabedor, como a dita cousa era litigiosa ao tempo, que trespassada nele, ou se teve justa razão do saber. Porém, se o vencedor quiser somente a verdadeira valia dela, a qual não foi estimada na sentença, o julgador taxará a valia dela em conselho de pessoas, que tenham disso bom conhecimento, e poderá o vencedor jurar aos Santos Evangelhos sobre a valia dela até a dita taxação, e mais não, e segundo seu juramento será o réu condenado. E se o vencedor quiser haver, não somente a verdadeira estimação da cousa mas a dita afeição, e depois do juramento pode o juiz taxá-la, e segundo a taxação, assim condenará o réu e fará execução em seus bens sem outra citação da parte. E não sendo ao condenado achados bens desembargados, por que se faça a execução em tudo ou em que assim for condenado, seja preso, e não solto, nem possa fazer cessão, até que tudo entregue livremente, para se fazer execução desembargadamente”.”7

Portanto, do que se pode aferir é que já nas Ordenações Filipinas, determinados bens, os chamados bens de raiz, ficavam vinculados à demanda, constituindo-se numa espécie de hipoteca judicial que só seria desfeita com o pagamento do valor da condenação.

Ademais, é de se verificar ainda a possibilidade dos efeitos da sentença extrapolar as partes da demanda refletindo seus efeitos para aquele que adquiriu os bens do demandado, caso o adquirente já soubesse ou possuísse meios de saber da demanda aviada contra o devedor, que lhe venderá o bem ou os bens.

No entanto, a regulamentação legal do instituto Fraude à Execução no direito pátrio só pode ser vista efetivamente no Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850, o que será visto a partir de agora.

 

1.4 Positivação do instituto Fraude à Execução no ordenamento jurídico pátrio

A positivação legal do instituto, ou melhor, sua individualização, bem como sistematização se deu com o advento do Regulamento 737 de 1850, que disciplinou o Código Comercial, previsão que foi ampliada 40 (quarenta) anos depois às relações cíveis por meio do Decreto 763, de 19 de setembro de 1890.

Após, com o advento dos Códigos estaduais de Processo Civil, tais previsões foram reproduzidas, inclusive, no CPC de 1939, no seu art. 895, Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939.

No atual Código de Processo Civil, o instituto foi previsto inicialmente no inciso V, do art. 592, além de ter sido detalhado no art. 593 do mesmo digesto processual, primeiramente prevendo que os bens alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução respondem pelo processo expropriatório, ou seja, sua alienação não surte efeito perante a execução.

A posteriori estabeleceu que os bens alienados ou onerados quando sobre eles pender ação fundada em direito real ou quando ao tempo da alienação pendia sobre o devedor demanda capaz de reduzi-lo a insolvência, bem como, noutras eventuais hipóteses previstas em lei, presumir-se-ão alienados ou onerados em Fraude à Execução.

Pois bem, feita essa singela apresentação histórica do instituto se faz necessário a apresentação individualizada do instituto Fraude Contra Credores e, após, do instituto Fraude à Execução para, a partir de então, termos subsídios para diferenciá-los e, por fim, apresentarmos o instituto Fraude à Execução sob o viés do entendimento e perspectiva atual.

 

4 CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores – Fraude contra credores; Fraude à execução; Ação revocatória falencial; Fraude à execução fiscal e Fraude à execução penal. 4. ed., rev. e atual, São Paulo: RT, 2008, p. 62.

5 CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores – Fraude contra credores; Fraude à execução; Ação revocatória falencial; Fraude à execução fiscal e Fraude à execução penal. 4ª ed., rev. e atual, São Paulo: RT, 2008, p. 64.

6 DIDIER JUNIOR, Fredie & DA CUNHA, Leonardo José Carneiro & BRAGA, Paula Sarno & OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil – Execução -, v. 5, Salvador: Jus PODIVM, 2009, p. 308.

7 CAHALI, Yussef Said. Fraude Contra Credores – Fraude contra credores; Fraude à execução; Ação revocatória falencial; Fraude à execução fiscal e Fraude à execução penal. 4. ed., rev. e atual, São Paulo: RT, 2008, pp. 356 e 357.

Gustavo Kenner Alcantara

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