Sumário: 1. Acesso à Justiça e meios alternativos de resolução de conflitos. 2. Serviço de Mediação familiar. 3. Referências Bibliográficas.
1. Acesso à Justiça e meios alternativos de resolução de conflitos.
O termo “acesso à justiça”, como o mais básico dos direitos humanos
[1], pode ser entendido como acesso ao Poder Judiciário. Tal concepção deve ser compreendida dentro de uma visão mais abrangente, ou seja, de ingresso ao Judiciário e a uma ordem jurídica socialmente justa
[2]. Nos dizeres de Rodrigues, “acesso a uma ordem determinada de valores e de direitos fundamentais para o ser humano”
[3], no qual “não se esgota no acesso ao judiciário e no próprio universo do direito estatal”
[4], até mesmo porque nem todas as formas de resolução de conflitos passam necessariamente pelo acesso à jurisdição diante da existência de meios alternativos ou extrajudiciais de resolução de conflitos.
Contemporaneamente, o acesso à justiça sofre restrições de caráter geral e específico. Exemplos do primeiro tipo de restrição são os obstáculos de ordem econômica, sócio-cultural e psicológicos que atingem a todas as classes, principalmente as mais desfavorecidas. As restrições de caráter específico estão relacionadas à estrutura normativa e procedimental do Direito e da própria estrutura atual do Poder Judiciário.
No caminho pela busca de soluções práticas para resolver os problemas que barram um efetivo acesso à justiça foram realizadas no Brasil uma série de mudanças que visaram não só a revisão do sistema legal e institucional, com também a criação de novos instrumentos jurídicos, principalmente, com o advento da CRFB/88 que, por exemplo, inseriu mecanismos para a defesa dos direitos individuais, difusos e coletivos, criou juizados especiais e defensorias públicas,
[5] entre outros.
Além destas inovações, houve também a criação e alargamento dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos, considerados procedimentos alternativos ao Poder Judiciário
[6], tais como a arbitragem
[7], mediação
[8] e conciliação
[9].
Atento a estas mudanças, o Judiciário brasileiro começa aos poucos a incentivar a utilização destes mecanismos alternativos de resolução de conflitos. O projeto de Mediação Familiar é um exemplo que vem demonstrar esta mudança.
3. Serviço de Mediação Familiar
O Tribunal de Justiça Catarinense através da Resolução n. 11/2001-TJ, instituiu em setembro de 2001, o serviço de mediação familiar a partir da implantação do projeto piloto nas Varas de Família do Fórum da Capital, com objetivo de avaliar tais práticas para estendê-las às demais comarcas do Estado.
[10]
A finalidade do projeto é justamente validar a mediação familiar como um método alternativo e não adversarial de resolução de conflitos, mais célere, acessível e menos burocrático e traumático para a resolução de questões familiares
[11], baseado na cooperação e no diálogo entre as partes. Desta forma, consiste num meio de resolução de conflitos no qual os casais interessados solicitam ou aceitam a intervenção confidencial de uma terceira pessoa imparcial e qualificada, sendo que as tomadas de decisão em busca da solução são exercidas pelas próprias partes. O papel do mediador é apenas de facilitar a discussão entre os cônjuges.
[12]
O Serviço de Mediação Familiar (SMF) visa atender, mais especificamente, os conflitos familiares relacionados à separação, ao divórcio, à guarda de filhos, à regulamentação de visitas, pensão alimentícia, dissolução de sociedade de fato, divisão de bens, regulamentação de visitas, guarda e modificação de guarda e investigação de paternidade. Esse serviço também poderá ser aplicado nas Varas da Infância e Juventude nos casos de disputa de guarda entre pais, avós ou responsáveis, familiares de crianças abrigadas e outros.
[13]
O projeto tem por objetivo geral implantar e expandir a mediação para as Varas de Família e Casas da Cidadania do Estado, podendo ser utilizado nas Universidades ou outras instituições congêneres, mediante convênio firmado com o Poder Judiciário. Dentre seus objetivos específicos estão o de: divulgar a mediação familiar, como meio consensual de pacificação dos conflitos; implantar a mediação interdisciplinar, com mediadores familiares treinados das áreas da psicologia, sociologia, direito e áreas afins; incentivar os procedimentos conciliatórios e a conveniência de um acordo, evitando conflitos familiares litigiosos e traumáticos; proporcionar à população beneficiária da Justiça gratuita o acesso a um serviço de mediação familiar que efetivamente contribua para a solução de conflitos; oferecer aos casais que estão se separando um método estruturado de resolução de conflitos mais humana e acessível, considerando não só os aspectos jurídicos de um conflito conjugal, mas essencialmente os relacionais, sociais e psicológicos e promover a capacitação e treinamento dos mediadores familiares.
[14]
Desta forma, o serviço se caracteriza por ser uma intervenção multidisciplinar, sendo a equipe de trabalho formada por um coordenador (Juiz da Vara da Família a ser definido), uma coordenação técnica (pessoa responsável pelo projeto) e uma coordenação local (assistente social ou técnico com nível superior que atue como mediador familiar e que seja serventuário da justiça ou ainda um professor universitário). Além disso, o projeto contará com a participação de técnicos do Judiciário com nível superior, assistentes sociais do Judiciário, estagiários do curso de direito, psicologia, serviço social e voluntários dessas áreas
[15] que deverão ter formação em mediação familiar e treinamento específico para atuarem no projeto.
[16]
O local de funcionamento do serviço de mediação familiar acontecerá nos Fóruns, Casas da Cidadania ou Universidades, diariamente ou em dias alternados. O espaço físico necessário deverá contar com uma sala com dois ambientes no mínimo, sendo um para a recepção e outro para as sessões de mediação. Esta sala deve ainda ser equipada com computador, mesas redondas ou cadeiras com suporte para escrever, quadro com pincel atômico ou flipchart, armários e material de expediente.
[17]
O atendimento será realizado pela equipe multidisciplinar e contará com o apoio de advogados que permaneçam como plantonistas no setor prestando esclarecimentos e orientações jurídicas quando solicitados e, peticionando homologação judicial dos termos de acordos já redigidos.
[18]
Quanto ao procedimento da mediação, este tem início geralmente quando o próprio casal ou um dos cônjuges procura o fórum para obter informações acerca da ruptura conjugal e as questões de família a elas relacionas. Antes de falar com um advogado, é informado pela secretária do projeto ou outro secretário do fórum sobre a existência do serviço de mediação familiar. Aceitando ser atendido pelo projeto, este se encaminha até o local no qual está o serviço. Neste local é feita uma triagem a partir do qual se realizam os encaminhamentos devidos a cada caso, quer para mediação ou para outros serviços de apoio.
No caso de mediação será exposta à proposta do serviço e em havendo concordância da pessoa, será agendada uma data para a primeira sessão, com indicação do horário, nome do mediador e preenchimento de um formulário de inscrição. Na hipótese de a reclamação proceder apenas de um cônjuge, o outro será informado sobre o atendimento por correspondência específica, emitida pelo setor, que será entregue pelo próprio cônjuge reclamante.
No tocante aos acordos, estes serão redigidos pelos mediadores de acordo com os termos elaborados pelas partes. Após este processo, o acordo é levado ao conhecimento do advogado, o qual o analisará na frente das partes e peticionará a homologação, agendando-se no serviço de mediação a data de audiência
[19].
Salienta-se que a maior parte das mediações ocorre em casos extrajudiciais, embora haja casos em que a mediação familiar possa funcionar em processos em trâmite. Nestas hipóteses, o juiz ao receber o processo poderá antes ou depois da audiência conciliatória, encaminhar as partes ao serviço de mediação familiar, suspendendo temporariamente o processo judicial. As partes então, participam de uma primeira sessão de informação sobre o procedimento da mediação podendo aceitar ou não a intervenção do mediador. No caso de aceitação e proferimento de acordo, este será levado a termo e encaminhado ao juiz. Entretanto, no caso de não aceitação do casal, o mediador informará ao juiz e o processo seguirá curso normal.
[20]
Atualmente, o projeto de mediação familiar se encontra implantado em mais de 24 comarcas do Estado de Santa Catarina, haja vista a avaliação positiva realizada pelo Tribunal de Justiça do projeto piloto inicial
oas te ss, totalizando uananl, .[21]
4. Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
CAPPELLETTI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
RODRIGUES, Horácio. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1996, p. 161-186 e 235-280.
SILVA, Larissa Tenfen. Cidadania e acesso à justiça: a experiência florianopolitana do juizado especial cível itinerante. Revista Seqüência, Florianópolis ,v. 48, Julho de 2004, p. 73-89.
SILVA, Roberto Faustino da. Curso de mediação e arbitragem. Florianópolis, mimeo, s/d.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Resolução n. 11/01: dispõe sobre o Serviço de Mediação Familiar. 20 set./2001.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Serviço de Mediação Familiar. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/serv_mediacao.htm.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Implantação de Serviço de Mediação Familiar. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/implantacao.htm.
ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base. TJSC: Florianópolis, 2004.
_______. Projeto de Mediação Familiar. Formação de base. TJSC: Florianópolis, 2001.
WOLKMER, Carlos Antônio. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito. São Paulo: Alfa-Ômega, 1994.
[1] Cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 12.
[3] RODRIGUES, Horácio. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994
, p. 28.
[5] Vide SILVA, Larissa Tenfen. Cidadania e acesso à justiça: a experiência florianopolitana do juizado especial cível itinerante.Revista Seqüência, Florianópolis ,v. 48, Julho de 2004, p. 73-89.
9 WOLKMER, Carlos Antônio. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito. São Paulo: Alfa-Ômega, 1994, p. 255-311.
10Arbitragem: é um procedimento relativamente informal no qual as partes conflitantes concordam em submeter suas divergências, de caráter patrimonial disponíveis, a julgadores ou árbitros externos, aceitando as determinações resultantes de seus pareceres técnicos (lei, usos, costumes, equidade, princípios, jurisprudência – previamente escolhido a critério das partes). As partes somente escolhem um árbitro de forma consensual que tem legitimidade para proferir um laudo final, não necessitando de homologação judicial e não sujeita a sentença a recurso. Idem, p.299-300.
11Mediação: é um processo de negociação no qual as partes envolvidas num conflito buscam chegar a uma solução de consenso, contanto com a ajuda de um mediador, terceiro imparcial, que não tem poder de decisão e que foi escolhido em comum acordo entre as partes. Este profissional trabalha os interesses e as inter-relações pessoais entre as partes, não propondo acordos e nem decidindo a questão. A mediação se constitui em procedimento confidencial. Cf. SILVA, Roberto Faustino da. Curso de mediação e arbitragem. Florianópolis, mimeo, s/d. Está em trâmite no Congresso Nacional o projeto de lei da Câmara n. 94, de 2002 que visa institucionalizar e disciplinar a mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos na esfera civil sendo que com isso, tal procedimento se tornará obrigatória no Brasil em certos momentos no âmbito do processo civil.
12 Entende-se por conciliação o processo pelo qual um terceiro imparcial, através da análise das posições das partes envolvidas num conflito, busca conduzir o processo na direção do acordo, opinando e propondo soluções junto às partes, sendo, entretanto, que não decide a questão, mas sim as pessoas envolvidas. Neste caminho, o conciliador busca trabalhar sobre as posições das partes e não tem por objetivo retomar a relação entre os conflitantes sendo tal ato confidencial. Idem, s/p.
[10] O projeto piloto foi avaliado durante um ano nas Varas de Família da Comarca da Capital, iniciada no ano de 2001. Atualmente, o projeto vem-se estendendo a algumas Comarcas do Estado. Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base. TJSC: Florianópolis, 2001, p.68.
[11] Idem, ibidem. Tal técnica não tem como objetivo desafogar o Judiciário por meio da celebração de acordos sob a aparência de por fim ao litígio, mas acaba tendo como efeito a diminuição da litigiosidade e a redução do número alarmante de processos. Idem, p. 69.
[12] ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base. TJSC: Florianópolis, 2001, p. 34. Neste processo, a figura do mediador familiar é de suma importância, pois os conflitos familiares são ligados a aspectos emocionais, relacionais, psicológicos e sociais, não sendo suficiente dentro deste contexto, o tratamento tradicional aos atendimentos dessas questões. Assim, o papel do mediador além de se voltar para o cuidado desses aspectos, preocupa-se com a satisfação das pessoas na resolução dos conflitos. De maneira geral, atribui-se ao mediador a função de favorecer uma comunicação direta e uma atitude de cooperação entre todos os envolvidos no conflito evitando a competição; estabelecer sua credibilidade como uma terceira pessoa imparcial, explicando o processo e as etapas da mediação; acompanhar os pais na busca de um atendimento satisfatório a ambos, visando aos interesses comuns e de seus filhos; encorajar a manutenção de contato entre pais e filhos após a separação; identificar as opções e não aconselhar as parte e, por fim, identificas as necessidade dos pais e de seus filhos advindas da separação. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Serviço de Mediação Familiar. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/serv_mediacao.htm.
[13]Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base, 2004, p.72.
[14] Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base, 2004, p.71-72. Os recursos para instituição do serviço de mediação familiar poderão advir de convênios firmados com órgãos governamentais e não governamentais.
[15] A implantação do serviço de mediação nas Varas de Família ou Casas de Cidadania deverá ser feito a partir do estabelecimento de parcerias com Universidades ou setores afins, uma vez que os técnicos do Judiciário na são em número suficiente para executar tais ações. Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base. 2004, p.85.
[16] O curso de capacitação dos mediadores é dividido em 2 etapas num total de 46 horas. A primeira etapa contempla um curso inicial de 16 horas sobre noções básicas sobre mediação, técnicas de mediação, noções básicas de direito de família entre outros. Após esta etapa inicial, o curso apresenta mais um módulo complementar no qual são aprofundados os temas sinalizados na primeira etapa, atingindo um total de 30horas.
[17] O ambiente das salas de audiência devem se constituir em espaços descontraídos, apropriados para o diálogo e desprovidos de autoridade.
[18]Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base, 2001, p. 54-55.
[19]Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base, 2001, p. 55.
[20] Cf. ÁVILA, Eliedite Mattos (Org). Projeto de Mediação Familiar. Formação de base, 2004, p.87.
[21] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Implantação de Serviço de Mediação Familiar. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/implantacao.htm.
1. Mestre em Direito pelo Curso de Pós-graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina. Professora da Faculdade Arthur Thomas e da Universidade Estadual de Londrina.
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