A nova regra de inquirição de testemunhas no processo penal brasileiro: uma análise interpretativa à luz da garantia constitucional do sistema acusatório

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Resumo

A lei 11.690, de 09 de junho de 2008, instituiu o sistema de inquirição direta de testemunhas, com a alteração do artigo 212 do Código de Processo Penal brasileiro. O artigo analisa as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais acerca dos efeitos do descumprimento da nova regra de oitiva de testemunhas, sob a ótica da garantia constitucional do sistema processual acusatório.

Palavras-Chave: Processo Penal; Prova Testemunhal; Inquirição Direta; Nulidade; Sistema Acusatório; Devido processo legal.

Riassunto

La legge del 9 giugno 2008, 11.690, istituì il sistema di esame diretto dei testimoni, con l’emendamento all’articolo 212 del codice di procedura penale. L’articolo analizza le interpretazioni dottrinale e giurisprudenziali circa gli effetti di non conformità con la nuova regola di oitiva di testimoni, dal punto di vista della garanzia costituzionale del sistema processuale contraddittorio.

Parole chiave: Procedura Penale – La prova testimoniale – Domande dirette – Nullità – sistema accusatorio – Processo giusto.

Abstract

The law of June 9, 2008, 11,690, instituted the system of direct examination of witnesses, with the amendment to article 212 of the code of criminal procedure. The article analyzes the jurisprudential and doctrinal interpretations about the effects of non-compliance with the new rule of oitiva of witnesses, from the perspective of constitutional guarantee of adversarial procedural system.

Key words: Criminal Procedure – Oral testimony – Direct Examination – Nullity – Adversarial system – Due process of law. 

Sumário: 1. Notas introdutórias; 2. Os sistemas processuais e a realidade brasileira; 3. A divergência jurisprudencial sobre os efeitos da inobservância do artigo 212 do Código de Processo Penal; 4. Considerações finais; 5. Referências.

1. Notas introdutórias

No ano de 2008, o processo penal brasileiro passou por uma reforma parcial na sistemática de provas. Em 09 de junho do referido ano foi promulgada a lei 11.690, que alterou toda a dinâmica da inquirição de testemunhas em audiência instrutória, bem como o comportamento do magistrado nesse ato jurídico. A nova redação dada pela lei ao artigo 212 estabeleceu o sistema de inquirição direta das testemunhas como regra geral do procedimento penal, uma vez que essa forma de oitiva já era aplicada nos procedimentos do Tribunal do Júri, afastando, assim, por completo o dito sistema presidencialista de inquirição de testemunhas.

A alteração legislativa condiz com o posicionamento doutrinário e dos profissionais do direito pátrio, que, há muito, apontavam os problemas e as imperfeições do sistema de inquirição indireta, bem como trouxe uma maior celeridade à instrução processual, em harmonia com o preceito constitucional da duração razoável do processo.

Antes da reforma de 2008, a audiência de oitiva de testemunhas do processo penal era realizada sob a ótica do sistema presidencialista, ou de inquirição indireta, no qual as partes direcionavam suas perguntas ao juiz, que, após um juízo de adequação, as retransmitia a testemunha. Na antiga redação era facultado ao juiz formular perguntas a testemunha em qualquer momento da audiência. Dessa forma, cabia ao magistrado o papel de protagonista na inquirição da testemunha, não apenas iniciando a oitiva e deixando às partes somente a função de suprir as lacunas restantes, bem como, sendo o único que podia dirigir as perguntas à testemunha.

Entretanto, com a nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, o método de inquirição brasileiro aproximou-se do adversarial system norte-americano, possibilitando às partes realizar suas perguntas diretamente à testemunha, primeiro a parte que arrolou (direct-examination), e em seguida a outra parte deverá realizar sua arguição (cross-examination).1 Há uma inversão na autuação do juiz na inquirição de testemunhas, que passa a possui caráter complementar, ocorrendo em um momento posterior às formulações de perguntas das partes.

Em que pese todas as vantagens trazidas pelo sistema de inquirição direta, muitos magistrados demonstram certa resistência na adoção do sistema de inquirição direta de testemunhas, persistindo na condução da instrução probatória sob a ótica do retrógrado sistema presidencialista. Decorridos quase três anos da vigência da referida reforma, não há, tanto na doutrina quanto nos tribunais, uma interpretação uniforme acerca do real significado da nova redação do artigo 212 do código processual. Enquanto uns alegam que a lei 11.690/08 nada alterou à exegese do texto anterior à reforma, outros afirmam que o desrespeito à nova redação do artigo origina nulidade relativa, ou ainda, há os que defendam a nulidade absoluta do processo.

Nesse ponto, cabe destacar a divergência entre as 6ª e 5ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referente ao efeito jurídico acarretado pela violação das regras contidas no artigo 212 do Código de Processo Penal, a última entendendo ser hipótese de nulidade absoluta do processo, e a primeira de mera nulidade relativa. De fato, a ausência de posicionamento uniforme, tanto na doutrina quanto na jurisprudência do Tribunal Superior resulta em uma incerteza acerca da aplicação da lei processual penal, bem como em uma inequívoca insegurança jurídica, considerando que casos semelhantes, submetidos ao mesmo órgão jurisdicional, tem sido objeto de julgamentos divergentes.

2. Os sistemas processuais e a realidade brasileira

A antiga redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1941, dispunha que “As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da partes, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida”.

O sistema, então vigente, era o de inquirição indireta de testemunhas, também conhecido como presidencialista de inquirição ou do exame judicial, no qual cabia ao magistrado o controle e a condução de todos os atos da instrução pertinentes à colheita da prova. O legislador optou por um modelo indireto de inquirição, onde as partes formulavam seus questionamentos ao juiz, que avaliando sua conveniência e a sua pertinência, retransmitia as perguntas às testemunhas. Nesse sistema, o juiz é a figura central da oitiva das testemunhas, pois além de dar início à inquirição é o único que dirigia perguntas às testemunhas, restando às partes apenas a função de suprir as lacunas deixadas pela inquirição do magistrado.

A lei nº 11.690/2008 deu nova redação ao artigo 212 do Código de Processo Penal, que passou a dispor

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. 2

Diante da atual redação, é possível concluir pela adoção da inquirição direta de testemunhas pelas partes, através do cross-examination, denominado exame cruzado pela doutrina nacional, abolindo-se o sistema presidencialista. Na nova sistemática o juiz não é mais o principal responsável pela oitiva das testemunhas: a ele foram concedidas as funções de controle de audiência e de complementação da inquirição sobre os pontos não esclarecidos, através das perguntas formuladas pelas partes.

Cabe ressaltar, que no procedimento do Tribunal do Júri, mesmo antes da reforma de 2008, já era adotado o sistema de inquirição direta de testemunhas, em que as partes já podiam formular diretamente seus questionamentos às testemunhas. A grande inovação da lei 11.690/2008, como já afirmado, foi estabelecer o exame cruzado como modelo de inquirição como regra geral do sistema processual penal brasileiro.

José Barcelos de Souza3, afirma que o sistema de inquirição adotado no Brasil apesar de inspirar-se e em muito se aproximar do instituto cross-examination dos ordenamentos jurídicos do common law, o modelo instituído pela lei 11.690/2008 não corresponde exatamente ao cross-examination norte-americano, tendo em vista que foi adotada uma versão mitigada do instituto, concedendo ao juiz poderes de inquirição. Enquanto no sistema norte-americano o juiz tem apenas a função de presidir e controlar a audiência, foram conferidos ao magistrado brasileiro, além dessas duas funções, poderes inquisitórios para complementar a inquirição realizada pelas partes nos pontos em que considere que não foram satisfatoriamente esclarecidos. Esses poderes de complementar a inquirição das testemunhas são denominados pela doutrina de poderes integrativos4.

A sistemática adotada na reforma acerca dos poderes integrativos dos juízes assemelha-se a do Código de Processo Penal Italiano, que no artigo 506 prevê poderes de determinar novos temas de prova ou temas de prova mais amplos, bem como formular novas perguntas.5 Dessa forma, o exame cruzado à brasileira, expressão utilizada por Marcellus Polastri6, aproxima-se mais do modelo de inquirição do Código de Processo Penal Italiano, do que do cross-examination norte-americano, pois tanto o ordenamento jurídico brasileiro, quanto o italiano, adotaram versões mitigadas do cross-examination, reproduzindo somente algumas das suas regras e adequando outras à estrutura de seus ordenamentos.

Além da análise simplista quanto à alteração dos sistemas de inquirição de testemunhas, do indireto ao direto, faz necessária análise do sistema processual que o respalda: sistema processual inquisitivo ou acusatório.

Não há referência expressa, nem na Constituição Federal ou na legislação brasileira quanto à adoção deste ou daquele sistema processual. No cotidiano forense brasileiro, é comum a afirmação que o sistema brasileiro é o acusatório, primeiro, pelo simples fato de o juiz ou o tribunal não poder iniciar o processo penal de ofício e porque as partes debatem durante o processo, em contraditório, e se afirma a ampla defesa.7 E em segundo, porque desde a promulgação da Constituição Federal em 1988 o direito fundamental do devido processo legal,8 bem como o princípio de divisão de funções de julgar e acusar mediante o princípio da privatividade da ação penal pública pelo Ministério Público e da ação penal privada pelo ofendido ou de seus representantes, respaldam a adoção do sistema processual acusatório.

Entretanto, culturalmente, o princípio inquisitivo domina claramente no Brasil. A antiga redação do artigo 212 do CPP, que estabelecia o sistema presidencialista de inquirição, exemplifica perfeitamente o princípio inquisitório do processo penal brasileiro.

Mesmo após a reforma parcial de 2008, vários dispositivos do Código de Processo Penal brasileiro ainda perpetuam a orientação inquisitiva, como, por exemplo, o artigo 156 que possibilita ao magistrado, se tornando prevento para o julgamento da lide, ordenar de ofício a produção antecipada de provas.9

Uma justificativa usada para implantação e manutenção desse sistema seria a busca da verdade real, material pelo magistrado, não importando que, para obtê-la, possíveis violações aos direitos das partes acontecessem. Com o entendimento contrário, Denilson Feitoza critica a busca pela utópica verdade real no processo

O sistema inquisitivo afirma a crença absoluta de se poder atingir, por meio do processo penal, a “verdade real”, a verdade do que “realmente” aconteceu. Se o juiz atingisse essa “verdade real”, ele poderia julgar como Deus onisciente e fazer a suprema e divina Justiça.

Para se atingir essa “verdade real”, “tudo” pode ser feito, qualquer meio pode ser utilizado. Não importa a condição humana, quando confrontada com a condição divina. Atingida a “verdade real absoluta”, a suprema e divina Justiça será feita, e, então qualquer meio será terá válido a pena e simplesmente não poderemos ignorá-la, a verdade real absoluta!10

Dessa forma, a divergência da interpretação do artigo 212 do Código de Processo Penal, atualmente, é entre o princípio acusatório de natureza constitucional e o princípio inquisitivo de natureza cultural. O contexto legislativo fornece pistas para uma interpretação teleológica, indicando uma ruptura do sistema anterior pela lei 11.690/2008 no que diz respeito ao procedimento de inquirição de testemunhas. A Senadora Ideli Salvatti apresentou emenda modificativa ao texto original do projeto, com a justificativa de que o juiz deveria ter primazia por ser o destinatário da prova, sugerindo

Art. 212. Após a inquirição inicial do juiz, as perguntas serão formuladas, sucessivamente, pelo acusador, assistente e advogado do réu, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (grifamos)

Entretanto, a emenda foi rejeitada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que acompanhou o relator do projeto de lei no senado, Senador Mozarildo Cavalcanti, que advertiu

Todos os projetos de lei da chamada Reforma do Código de Processo Penal estão fundados no modelo acusatório, reconhecidamente o mais apto à consecução de um processo penal não apenas ético, mas igualmente mais simples célere, transparente e desburocratizado, trazendo maior eficiência e atacando a impunidade.

Temos agora, portanto, oportunidade de ouro para romper com nossa cultura jurídica e raiz inquisitiva, tornando clara a opção pelo modelo acusatório puro.

Sucede que, para impedir que a doutrina e jurisprudência continuem interpretando a lei nova com a mentalidade antiga, cremos ser indispensável radicalizar a redação de alguns dispositivos da presente proposição, de modo a não deixar qualquer margem para uma interpretação salvacionista de cunho inquisitivo. […]

Dito isto, temos que as emendas apresentadas devem ser todas rejeitadas justamente por – em nosso modesto entender – não contribuírem para a adoção de um sistema acusatório que se pretende efetivo e livre de ranços inquisitivos pelo Brasil.

Como exemplo, podemos citar a Emenda n. 7 que busca preservar a inquirição inicial do juiz quando da oitiva das testemunhas, sob o fundamento que o destinatário primeiro da prova é o juiz, olvidando o fato de que o processo penal moderno é um processo de partes, em que a prova do crime incumbe essencialmente ao Ministério Público, não cabendo ao juiz, portanto, senão supletivamente à atividade das partes, qualquer iniciativa probatória.

É exatamente o que assegura, em sua redação atual, o parágrafo único do novo art. 212, do CPP: Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.11 (grifamos)

Com a rejeição da emenda infere-se que a intenção foi justamente estabelecer que a prerrogativa das partes perguntarem primeiro. A vontade do legislador não é decisiva para a interpretação da lei, a qual ganha vida própria ao ser promulgada, deve ser levada em consideração como ponto de partida.

Em que pese todos os benefícios do sistema de inquirição direta de testemunhas, bem como a intenção do legislador brasileiro em romper com o antigo sistema de oitiva de testemunhas, parte da doutrina defende a continuidade do sistema presidencialista. Segmento da doutrina brasileira, acompanhada de parcela de magistrados, entende que a alteração trazido pela lei 11.609/2008 reafirmou, com novas palavras, a mesma lógica pretérita, ou seja, a nova redação do artigo 212 é vista como “nova roupagem para velhos paradigmas”.12 Neste sentido Guilherme de Nucci13 afirma

Porém, há de se ressaltar o seguinte: foi alterado, apenas, o sistema de inquirição feito pelas partes. Nada mais. O juiz, como presidente da instrução e destinatário da prova, continua a abrir o depoimento, formulando, como sempre fez, as suas perguntas às testemunhas de acusação, de defesa ou do juízo. Somente após esgotar o seu esclarecimento, passa a palavra às partes para que, diretamente, reperguntem. Primeiramente, a acusação repergunta às suas testemunhas, para, na sequencia fazer o mesmo a defesa. Em segunda fase, a defesa repergunta diretamente às suas testemunhas para, depois, fazer o mesmo a acusação.

O doutrinador Fernando Capez entende que a inobservância da prerrogativa das partes inquirir diretamente as testemunhas constituiu mera irregularidade, ante a ausência de prejuízo.14

José Barcelos de Souza15 e Tourinho Filho16 também se posicionam pela defesa do sistema presidencialista, afirmando que esse garantiria um ambiente saudável para o desenvolvimento da instrução. Alegam, ainda, que as partes com o uso da oratória poderiam induzir, positiva ou negativamente, as respostas das testemunhas.

Com o entendimento contrário, Nereu Giacomolli e Cristina Carla di Gesu17 defendem a nulidade absoluta, por ofensa ao princípio do devido processo legal

A formulação de perguntas pelo magistrado, antes das partes, ultrapassa a mera irregularidade da metodologia da inquirição, pois o defeito atinge uma formalidade essencial, por não ter sido observado o devido processo legal, no plano formal (ordem de inquirição) e material (vício substancial, por ofensa ao contraditório e a distribuição das funções entre os sujeitos processuais). A inversão das perguntas ou a inquirição inicial do magistrado invalidam o depoimento e vedam a sua utilização no processo, pois a inutilizabilidade é uma forma de invalidade dos atos processuais (Lozzi, 2007, p. 193). A utilização dos depoimentos defeituosos, no julgamento, contaminam o decisum, o qual há de ser desconstituído e, em cada caso penal, há de ser verificado o desdobramento causal do ato viciado, nos seguintes atos processuais, pois poderá haver contaminação dos atos processuais subsequentes. (…)

Portanto, o vício ou de efeito na metodologia da inquirição, invalida o ato processual e veda a utilização do depoimento no processo. O veredicto condenatório que utiliza tais depoimentos não produz efeitos, é ineficaz (Lopes Jr., 2009, p. 395). Para os que defendem a existência de nulidade absoluta e relativa no processo penal, o ato sentencial condenatório se reveste de nulidade absoluta.

Como se pode observar, a doutrina nacional não possui entendimento como sobre a aplicação do artigo 212 do Código Processo Penal, refletindo assim na jurisprudência. Tem sido bastante comum a inobservância da nova regra de inquirição por parte de magistrados em todo o território nacional, o que suscitou uma discussão acerca das consequências dessa inobservância, questão que passaremos à análise a seguir.

3. A divergência jurisprudencial sobre os efeitos da inobservância do artigo 212 do Código de Processo Penal

Como um reflexo da divergência doutrinária, a divergência jurisprudencial em relação ao artigo 212 do Código de Processo Penal ainda persiste, mesmo após 3 anos da vigência da nova redação.

O ponto crítico na divergência jurisprudencial consiste na análise dos efeitos atribuídos no desrespeito a nova regra de inquirição de testemunhas instituída pela lei 11.690/2008. Muitos magistrados entendem que não houve alteração substancial no artigo 212 do Código de Processo Penal, entendendo pela manutenção da inquirição indireta do sistema presidencialista, ou não observam a ordem da oitiva.

Essa inobservância, que em um primeiro momento aparenta não gerar maiores repercussões, originou uma discussão que, atualmente, ainda repercute nos Tribunais Pátrios, principalmente nos Tribunais Superiores, acerca de suas consequências: enquanto uns argumentam que ante tal inobservância estar-se-á diante de uma nulidade processual absoluta, que prescinde de demonstração do prejuízo para o réu, pois há violação constitucional do sistema acusatório. Entretanto, outros defendem que se trata de um caso de nulidade relativa, argumentando que a inobservância da ordem de inquirição não altera o sistema acusatório nem viola a lei. Uma terceira corrente, por sua vez, afirma que essa inobservância não acarreta qualquer consequência, seja nulidade relativa ou absoluta, pois se trata de mera irregularidade processual sem o condão de viciar o processo.

De fato, é nas decisões dos Tribunais, em especial na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que essa divergência acerca dos efeitos do descumprimento do artigo 212 vem ganhando destaque, posto que entre as Turmas do Superior Tribunal de Justiça responsáveis pelo julgamento de causas criminais não entendimento unânime, acarretando uma enorme incerteza na aplicação da lei e uma falta de segurança jurídica nas decisões.

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que uma vez desrespeitado a ordem ou a forma de inquirição de testemunhas estabelecidos no artigo 212 do Código de Processo Penal, será possível, no máximo, gerar uma nulidade relativa, a qual para ser decretada, dependerá de demonstração inequívoca do prejuízo sofrido pela parte, em respeito ao princípio pas de nullité sans grief, expressamente previsto em nosso ordenamento no artigo 563 do Diploma Processual Penal. Vejamos

HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 514 DO CPP. CRIME INAFIANÇÁVEL. PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE OITIVA DE TESTEMUNHAS NÃO INDICADAS PELAS PARTES. ART. 212 DO CPP. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1. É sabido que o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, só admissível se emergente dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade delitivas, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que inocorre na espécie. 2. O paciente é acusado de, no exercício da função de inspetor de polícia civil no Estado do Rio de Janeiro, solicitar vantagem econômica indevida para não reprimir as ações voltadas à exploração do “jogo do bicho”. A denúncia narra a ocorrência de fato típico, não padecendo do vício de inépcia, pois satisfaz todos os requisitos do art. 41 do CPP, sendo mister a deflagração da persecução penal. 3. Noutro giro, improcede a alegação de nulidade por inobservância do rito previsto no art. 514 do CPP. Isso porque tal preceito somente é aplicável aos crimes funcionais afiançáveis. Na hipótese dos autos, imputa-se ao paciente o delito do art. 317, § 1º, do CP, chamado pela doutrina “corrupção passiva exaurida”. A sanção corporal cominada a tal infração é a estabelecida para a corrupção passiva – a saber, de 2 (dois) a 12 (doze) anos -, aumentada de 1/3 (um terço), não se lhe albergando, portanto, o instituto da fiança (art. 323, I, do CPP). 4. Improcede a sustentação de violação ao princípio acusatório, pois o ordenamento faculta ao juiz, de ofício, determinar diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, bem assim, ouvir testemunhas que não tenham sido indicadas pelas partes, desde que contribuam para o deslinde dos fatos. 5. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-examination, no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização. 6. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade relativa, por se tratar de simples inversão, dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente, para o esclarecimento da verdade real, sendo certo que, aqui, o interesse protegido é exclusivo das partes. 7. Ordem denegada.18 (grifamos)

O entendimento da 6ª Turma, que a simples inversão na ordem de inquirição não gera nulidade absoluta para o processo, decorre da análise sistemática do Código de Processo Penal que, por sua vez, manteve suas características inquisitivas, omitindo-se da análise constitucional do processo penal. Esse posicionamento também pode ser observado nos julgamentos do HC 133.65519 e HC 155.265.20

Já a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, a princípio posicionou-se de forma oposta, adotando o posicionamento que uma vez violada a ordem de inquirição das testemunhas, configuraria a nulidade absoluta, prescindindo de demonstração do efetivo prejuízo e de dilação probatória. Essa posição decorria do entendimento que o desrespeito do artigo 212 do Código de Processo Penal violaria o preceito constitucional do devido processo legal, corolário do sistema acusatório e  do princípio da dignidade da pessoa humana. Tal entendimento pode ser observado no julgado a seguir transcrito:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.690/08. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. 1. A nova redação dada ao art. 212 do Código de Processo Penal, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos. 2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade. 3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma. 4. Ordem concedida para anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212, do Código de Processo Penal.21 (grifamos)

Nesse, e nos demais julgamentos similares da 5ª Turma, sustenta-se a noção de que a violação de regras processuais acarreta uma violação do devido processo legal em seu âmbito formal, enxergando o processo como um verdadeiro sistema de garantias às partes. É dentro desse escopo que se toma a inobservância dos preceitos do artigo 212 do Código de Processo Penal, como uma violação a valores maiores, razão pela qual o prejuízo considera-se presumido, não existindo necessidade de sua demonstração para a decretação da nulidade.

Esse entendimento diverso do adotado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deve-se, principalmente, em razão da 6ª Turma deste Colendo Tribunal entender, à luz de uma interpretação sistemática, que a nova redação do artigo 212 do diploma processual não estabeleceu uma ordem de inquiridores de testemunhas. Dessa maneira, ante a inexistência de uma ordem de inquiridores a ser observada, é plenamente legítimo que o Magistrado inicie a inquirição, o que não configuraria violação do artigo 212. Tal argumento é sustentado com base em ensinamentos de renomados doutrinadores, tais como Guilherme de Souza Nucci, que afirma que

O mais relevante é saber: absoluta ou relativa? E nesse ponto somos levados a defender enfaticamente seja a nulidade considerada relativa. Em outros termos, torna-se fundamental que a parte inconformada coma inversão (ex. o juiz começou a inquirição e depois passou a palavra às partes) demonstre qual foi o prejuízo daí advindo.22

Sustenta posicionamento semelhante Ronaldo Batista Pinto23, que entende que a tradicional ordem de inquiridores, com o juiz dando início às indagações, não foi modificada pela nova redação do artigo 212. Batista Pinto ressalta que mesmo que à primeira vista a novel redação passe a impressão de que cabe as partes iniciar a inquirição cabendo ao juiz apenas a complementação da oitiva das testemunhas, o caput desse mesmo artigo não deve ser entendido de tal forma. Tal entendimento, contudo, mostra-se minoritário na doutrina processual penal brasileira.

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sustenta que a inversão da ordem de inquiridores, por si só, não acarreta prejuízo, tendo em vista que a reforma processual penal de 2008 não suprimiu a possibilidade de o juiz efetuar perguntas – ainda que de acordo com o parágrafo único do artigo 212 do CPP os poderes de inquirição do juiz sejam subsidiários. Assim, a eventual não observância do diploma legal atingirá apenas os interesses das partes, podendo gerar, no máximo, nulidade relativa, pois tal inversão não violaria de qualquer forma o interesse público, devendo-se, portanto, comprovar-se o prejuízo da parte com a inversão da ordem de inquirição de testemunhas para que seja possível a decretação da nulidade do processo.

Ainda acerca do posicionamento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, é importante destacar que o referenciado órgão julgador parece ter adotado o entendimento de que o prejuízo sofrido pela acusação ou pela defesa deve ser inequivocamente demonstrado, não admitindo o argumento de que a simples condenação ou absolvição presume o prejuízo, pois para que seja reconhecida uma nulidade relativa, é imprescindível a demonstração concreta da lesão sofrida.

Dessa forma, o entendimento da 6ª turma é que a nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal não violaria a garantia constitucional do sistema acusatório, pois não altera a forma de inquirição das testemunhas, pois possibilita ao juiz continuar inquirindo as testemunhas, e a inversão da ordem seria uma mera irregularidade.

Em julgados recentes, é possível observar uma tendência de mudança no entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, passando a entender o desrespeito às regras do artigo 212 do Código de Processo Penal como nulidade relativa, pois esta não violaria o sistema constitucional acusatório. Neste sentido, está o julgado publicado no dia 1º de agosto deste ano, que concluiu que a simples inversão na ordem de inquirição não violaria o princípio do contraditório e ampla defesa

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CORRUPÇÃO DE MENORES. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.690/2008. EIVA RELATIVA. ARGUIÇÃO INOPORTUNA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos. 2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto. 3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente. 4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal cuida-se de vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno juntamente da demonstração da ocorrência do prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do art. 563 do Código de Processo Penal, ou seja, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada se não demonstrado prejuízo (Precedentes STJ e STF). 5. Constatando-se que a defesa do paciente permaneceu silente durante a realização do ato, vindo a arguir a irregularidade somente nas alegações finais, a pretensão do impetrante de invalidação da instrução criminal encontra-se fulminada pelo fenômeno da preclusão, já que eventuais nulidades verificadas em audiência deverão ser arguidas logo depois de ocorrerem, nos termos do artigo 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal. CORRUPÇÃO DE MENORES. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE. CRIME FORMAL. PRESCINDIBILIDADE DE PROVA DA EFETIVA CORRUPÇÃO DO MENOR. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. O entendimento firmado por esta Corte de Justiça é no sentido de que o crime tipificado no art. 1º da Lei nº 2.252/54 é formal, ou seja, para a sua caracterização não é necessária a prova da efetiva e posterior corrupção do menor, bastando a comprovação da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 anos (Precedentes STJ). 2. Ainda que assim não fosse, eventual conclusão em sentido contrário demandaria aprofundada incursão no acervo fático-probatório produzido nos autos, o que não se admite na via estreita do habeas corpus, em razão das peculiaridades que envolvem o seu rito célere. 3. Ordem denegada.24 (grifamos)

Como pode ser visto, ante as decisões conflitantes das Turmas julgadoras de matéria criminal do Superior Tribunal de Justiça, ainda não há uma real uniformidade na aplicação da lei processual penal, o que termina por gerar uma incerteza jurídica incompatível com o Estado Democrático de Direito. Mesmo com um sinal indicativo de possível uniformização no entendimento nesse Tribunal, a questão do descumprimento da ordem de inquirição prevista no art. 212 do Código de Processo Penal e suas consequências, se nulidade relativa ou nulidade absoluta, parece mesmo destinada a ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal, ante a estreita ligação do tema com o princípio constitucional do devido processo legal.

 

4. Considerações finais

A alteração na redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 11.690, de agosto de 2008, acabou com o sistema presidencialista de inquirição de testemunhas, até então vigente no direito processual penal brasileiro, substituindo-o pelo sistema de inquirição direta.

A reforma legislativa representou uma evolução na seara do direito probatório, uma vez que conferiu dinamismo e celeridade na coleta de provas, transferindo para as partes o papel principal durante a inquirição testemunhal. Resta evidente, assim, a intenção do legislador de prestigiar o direito constitucional à prova, decorrente do sistema acusatório, ao transferir para as partes a iniciativa de buscar, de forma direta, a verdade provável no processo.

Cabe destacar, ainda, que ao adotar o exame cruzado como regra geral para a oitiva das testemunhas, o legislador claramente inspirou-se no instituto do cross-examination, baseando-se, principalmente, no sistema jurídico norte-americano, mesmo que adotando uma versão mitigada do instituto, visto que no modelo americano o juiz não detém poderes de inquirição, sendo que na sistemática processual penal brasileira, estes foram preservados.

É bem verdade que, no cotidiano forense, não existe um sistema acusatório puro. Em todos os sistemas modernos processuais, os magistrados possuem um papel de gestão instrutória, com poderes relevantes para buscar provas de sua própria iniciativa. 25 A busca pela verdade real, que justifica o entendimento dos Tribunais em desrespeitar a ordem estabelecida pela nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal não pode, nem deve, motivar a supressão das prerrogativas das partes em construir a prova.

A reforma parcial de 2008, não eliminou completamente as tendências inquisitivas do Código de Processo Penal brasileiro. Mas uma análise sistemática, não apenas do diploma processual, mas de toda a estrutura legal e, sobretudo, das normas Constitucionais vigentes aplicáveis ao processo, possibilitariam uma solução ideal, ou seja, as garantias fundamentais das partes sendo vistas como um sistema de freios e contrapesos aos poderes instrutórios do juízo.

Neste sentido, pertinente é o pensamento de Denilson Feitoza26 que defende uma mudança da postura dos magistrados brasileiros

A solução se encontra na tomada de consciência da realidade forense e na decisão fundamental de se realizarem as normas constitucionais. (…)

O juiz brasileiro deve ter a coragem, a força moral e o senso crítico necessários para assumir sua “missão”, implementando a Constituição com a observância do princípio da supremacia constitucional, que lhe impõe e possibilita o reconhecimento da inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais que sejam incompatíveis com o princípio acusatório constitucional. A independência do Poder Judiciário e a sua legitimidade como poder dependem da efetiva realização das regras e princípios constitucionais.

Uma audiência de instrução que respeite a uma simples ordem de inquirição a testemunha, permitindo que as partes perguntem antes, e caso entenda necessário, o magistrado complemente a oitiva encerraria qualquer debate, dúvida ou possibilidade de recurso pela parte sucumbente.

Por tudo quanto já exposto, torna-se claro que a substituição do modelo presidencialista de inquirição pelo atual modelo de inquirição direta tornou a instrução penal brasileira mais adequada ao princípio do devido processo legal, corolário da Constituição Federal de 1988. O exame cruzado, ao conceder um maior prestígio às partes na produção da prova, que passam a serem as inquiridoras principais, termina por reforçar o direito fundamental do contraditório e da ampla defesa.

Nessa linha de ideias e considerando que o direito à prova é um corolário lógico-jurídico dos direitos constitucionais ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, a inobservância a ordem de inquirição estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal, bem como a manutenção do sistema presidencialista, não devem ser considerados nulidades relativas, necessitando de prova de prejuízo, uma vez que seu desrespeito viola todo um sistema constitucional de garantias que a respalda.

5. Referências

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Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 155.265. João Carlos Pereira Filho e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Des. Conv. Celso Limongi. Brasília, 06 dez. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp ?numreg=200902342364&pv=000000000000>.

Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 188.349. Defensoria Pública do Distrito Federal e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Relator: Ministro Jorge Mussi. Brasília, 01 ago. 2011. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo /Justica/detalhe.asp?numreg=201001949315&pv=000000000000>.

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1 MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Nulidade na oitiva de testemunhas: por uma interpretação conforme do art. 212 do Código de Processo Penal. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 29, p. 99-115, dez. 2010.

2 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del3689Compilado.htm>.

3 SOUSA, José Barcelos de. Novas leis de processo: inquirição direta de testemunhas; identidade física do juiz. Boletim IBBCRIM. São Paulo, ano 16, n. 188, p. 14-15, jul. 2008. Disponível em: <http://ibccrim.com/site/boletim/ exibir_artigos.php?id=3686>.

4 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Provas – Lei 11.690 de 09.06.2008. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Org.). As Reformas no Processo Penal: As Novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma. RT, 2009. p. 288.

5 ITÁLIA. Decreto-lei nº 447, de 22 de setembro de 1988. Codice di procedura penale. Itália, 1988. Disponível em: < http://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1988-09-22;447!vig=>.

6 LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal. 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 502.

7 FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. Teoria, Crítica e Práxis. 7 ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 64.

8 A Constituição Federal estabelece no inciso LIV do artigo 5º que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.)

9 O artigo 156 do CPP dispõe que é facultado ao juiz “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes” e determinar no curso da instrução “a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante.” (BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del3689 Compilado.htm>.)

10 FEITOZA, op. cit., p. 65.

11 BRASIL, Senado Federal. Parecer nº 1.089/2007. Relator: senador Mozarildo. Brasília: 2007. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br>.

12 MACHADO, op. cit., p. 100.

13 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 473.

14 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 425.

15 SOUSA, José Barcelos de. Novas leis de processo: inquirição direta de testemunhas; identidade física do juiz. Boletim IBBCRIM. São Paulo, ano 16, n. 188, p. 14-15, jul. 2008. Disponível em: <http://ibccrim.com/site/boletim/ exibir_artigos.php?id=3686>.

16 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

17 GIACOMOLLI, Nereu José; DI GESU, Cristina Carla. Nova metodologia de inquirição das testemunhas e consequências de sua inobservância. Boletim IBBCRIM. São Paulo, ano 17, n. 201, ago. 2009. Disponível em: <http://www.metajus.com.br/textos_nacionais/texto-nacional20.html>.

18 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 147.634. Henrique Pereira Baptista e Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Og Fernandes. Brasília, 04 maio 2011. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200901815060&pv=000000000000>.

19 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 133.655. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Relator: Ministro Nilson Vital Naves. Brasília, 16 jun. 2010. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200900678666 &pv=000000000000>.

20 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 155.265. João Carlos Pereira Filho e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Des. Conv. Celso Limongi. Brasília, 06 dez. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200902342364&pv=000000000000>.

21 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 189.023. Maria de Fátima Zachia Paludo e Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministra Laurita Hilário Vaz. Brasília, 04 maio 2011. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201002001886&pv=000000000000>.

22 NUCCI, op. cit. p. 474.

23 PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: RT, 2008, p. 302.

24 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas corpus nº 188.349. Defensoria Pública do Distrito Federal e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Relator: Ministro Jorge Mussi. Brasília, 01 ago. 2011. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201001949315&pv=000000000000>.

25 Segundo Michele Taruffo, é possível observar o poder instrutório do juiz em procedimentos chineses, franceses, italianos, germânicos e, até mesmo, no norte-americano. Neste último, ao Magistrado é facultado intimar testemunhas não arroladas pelas partes, bem como peritos neutros. (TARUFFO, Michele. Investigación judicial y producción de prueba por las partes. Trabalho apresentado em Conferência em Beijing, China. Disponível em: <http://mingaonline.uach.cl/pdf/revider/v15/art10.pdf>.)

26 FEITOZA, op. cit., p. 66.

Margareth Vetis Zaganelli

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