A legitimidade dos tipos penais abstratos sob a ótica da sociedade do risco

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Resumo:

A legítima aplicação do direito penal faz-se de suma importância no contexto de um Estado Democrático de Direito, com o objetivo de evitar as arbitrariedades do Estado. Nesse universo da aplicabilidade do direito penal encontra-se a utilização de um instrumento de proteção por parte desse ramo do direito, os chamados tipos penais abstratos, os quais estão sendo utilizados frequentemente pelo legislador e possuem sua legitimidade questionada por alguns autores, principalmente aqueles que incorporam a Escola de Frankurt. O mais importante antes de formar um pensamento sobre esse assunto, é entender a sociedade que dá origem ao uso mais freqüente da tipificação abstrata, a sociedade do risco, onde a insegurança social se faz presente fortemente. Com esse entendimento facilitará o estudo dos tipos penais abstratos e a formulação de um posicionamento que evite declarações totalmente pró ou totalmente contra a esses tipos, surgindo, assim, um pensamento defensor de garantias ao cidadão contra o Estado, mas ao mesmo tempo uma reinterpretação dos princípios de um direito penal clássico, adequando-os ao uso dos tipos penais abstratos para a proteção antecipada dos bens jurídicos penais.

Palavras – Chave:

Sociedade do risco. Direito Penal. Bens jurídicos coletivos. Tipos penais abstratos. Legitimidade.

Resumen:

La legítima aplicación del derecho penal se hace de gran importancia en el contexto de un Estado Democrático de Derecho, con el objetivo de evitar las arbitrariedades del Estado. En este contexto de aplicabilidad del derecho penal se encuentra la utilización de un instrumento de protección por parte de este ramo del derecho, los llamados tipos penales abstractos, los cuales están siendo utilizados frecuentemente por el legislador y poseen su legitimidad cuestionada por algunos autores, principalmente aquellos que incorporan la Escuela de Frankurt. Lo más importante antes de formar un pensamiento sobre ese asunto, es comprender la sociedad que da origen al uso más frecuente de la tipificación abstracta, la sociedad del riesgo, donde la inseguridad social se hace presente fuertemente. Con ese entendimiento facilitará el estudio de los tipos penales abstractos y la formulación de un posicionamiento que evite declaraciones totalmente a favor o totalmente en contra a eses tipos, surgiendo, así, un pensamiento defensor de garantías al ciudadano contra el Estado, pero al mismo tiempo hay una reinterpretación de los principios de un derecho penal clásico, os adecuando al uso de los tipos penales abstractos para la protección anticipada de los bienes jurídicos penales.

Palabras – Llave:

Sociedad del riesgo. Derecho penal – bienes jurídicos colectivos – tipos penales abstractos – legitimidad

Sumário:

Introdução. 1. O Direito Penal e a sociedade do risco. 1.1. Princípio da Precaução. 1.2. A expansão do Direito Penal na sociedade do risco. 2. Os bens jurídicos: objetos de proteção penal. 2.1. Breve referência evolutiva da teoria do bem jurídico. 2.2. Funções dos bens jurídicos. 2.3. Os bens jurídicos transindividuais. 3. Os tipos penais de perigo abstrato. 3.1. Tipos de perigo. 3.2. Espécies de tipo de perigo. 3.2.1. Tipos de perigo comum e de perigo individual. 3.2.2. Tipos de perigo concreto e de perigo abstrato. 3.3. Teorias acerca do conceito dos tipos penais abstratos. 3.3.1. Teoria da presunção de perigo. 3.3.2. Teoria da equiparação à imprudência. 3.3.3. Teoria da lesão à segurança na disposição dos bens jurídicos. 3.4. Breve análise dogmática dos tipos penais abstratos. 3.5. Crimes de cumulação, de preparação e delitos de perigosidade concreta: modalidades dos tipos penais abstratos. 4. A sociedade do risco, os tipos penais abstratos e os bens jurídicos transindividuais. 4.1. A proteção penal realizada pela tipificação abstrata. 4.1.1. O meio ambiente e o direito penal. 4.1.2. A ordem econômica e a tipificação abstrata. 4.1.3. As organizações criminosas e a proteção penal. 5. A legitimidade dos tipos penais abstratos. 5.1. Posicionamento contrário aos tipos penais abstratos: princípio da lesividade e a Escola de Frankfurt. 5.2. O posicionamento favorável e o rechaço à utilização de “falsos” bens jurídicos coletivos pelos autores contrários aos tipos penais abstratos. 6. Tomada de postura. 7. Conclusão. 8. Referências bibliográficas

Introdução

As mudanças sociais, econômicas e políticas que ocorreram fruto de um grande desenvolvimento industrial, afetaram todas as ciências e o direito não se vê livre desse fenômeno. Esse novo paradigma social é caracterizado pelo constante sentimento de risco, o qual afeta toda humanidade, sendo denominado de sociedade do risco. A mais importante conseqüência dessa sociedade está na disseminação da insegurança, a qual incide diretamente no direito, mais precisamente no direito penal.

O direito penal, responsável por proteger os valores essenciais ao convívio humano, chamados de bens jurídicos penais, sofreu profundas alterações, sendo evidente o seu aspecto expansionista. Todo esse contexto de expansão penal contribuiu para o aumento no número de bens jurídicos coletivos, além de proporcionar uma alteração referente ao instrumento penal usado para combater a insegurança e proteger os novos interesses sociais. Os tipos penais abstratos passam a adquirir grande importância, pois eles tentam resgatar a paz e segurança social antecipando a proteção penal.

Devido a essa característica dos tipos penais abstratos, a antecipação de tutela sem uma efetiva lesão do bem jurídico, é que são formados os argumentos contrários à legitimidade dos mesmos. Para uma melhor elucidação sobre os posicionamentos acerca da legítima aplicação desses tipos abstratos, faz-se necessário uma exposição do que vem a ser essa ferramenta penal e como ela é colocada pelo legislador no ordenamento jurídico. Além disso, é de notória importância o estudo dogmático dessa tipificação abstrata, uma vez que a dogmática é responsável por sistematizar as idéias em âmbito penal, dando a oportunidade de um melhor entendimento sobre assuntos que envolvem o direito penal, nesse caso, a legitimidade dos tipos abstratos.

Toda essa apresentação do que vem a ser esse instrumento do direito penal, o qual ganha destaque com a sociedade de risco, combinado com a crítica e posteriormente com a aceitação de alguns autores à aplicabilidade dos tipos penais abstratos, mostra-se de suma importância para a formação de uma opinião fundamentada em argumentos fortes advindos de uma interpretação dos novos anseios sociais, sem deixar de considerar os limites de uma legítima aplicação penal por parte do Estado.

Apresenta-se, portanto, um estudo político criminal, onde a dogmática penal exerce sua influência na análise da aplicabilidade dos tipos em questão. Tendo, o trabalho aqui apresentado, o objetivo de esclarecer o que vem a ser esse novo panorama social, além de proporcionar a criação de um ponto de vista que não se adéqüe a posições extremadas de legitimidade ou ilegitimidade de tais tipos, buscando assim o melhor para o convívio social em um Estado Democrático de Direito.

  1. O direito penal e a sociedade do risco

A expressão “sociedade do risco” que compõe o título desse tópico é utilizada para denominar um modelo de sociedade específico – apesar do risco sempre acompanhar a trajetória humana em outros tempos e modelos sociais – que está em formação após o grande desenvolvimento industrial verificado no planeta, o qual influenciou diversas áreas além da economia, como no âmbito social e político. A sociedade contemporânea evolui de forma muito rápida e da mesma forma os riscos sociais acompanham tal crescimento 3. Portanto, verifica-se que essa sociedade de risco surge automaticamente com a maior produção e industrialização mundial. No entanto, para melhor compreendermos essa sociedade faz-se necessário uma pequena explicação de como eram os riscos na sociedade pré-industrial.

Quando se faz uma análise da antiguidade humana verifica-se a presença de riscos ligados a causas predominantemente naturais, onde a resolução dos problemas advindos de tais situações era realizada não com normas jurídicas e sim com pedidos aos Deuses. Já na Idade Moderna, mais precisamente com o Renascimento, nota-se um processo de protagonização do homem diante da natureza, tendo aquele consciência, a partir da racionalidade, de que poderia expandir seus domínios e prever alguns riscos de sua expansão e organizar esse paradigma sob a proteção de algumas normas.4 Contudo, com o passar dos anos, após as revoluções industriais,que ocasionou, como dito, grandes transformações econômicas, sociais e políticas, a relação entre homem e risco deixa de ser previsível e passar a ter um caráter de imprevisibilidade, fazendo com que novas questões viessem a tona para serem resolvidas, gerando um sentimento de insegurança coletiva na humanidade.

Na sociedade de risco os perigos se tornam, como as forças produtivas, mais avançados e se concretizam em diversas atividades, como por exemplo no desenvolvimento de energia nuclear, na fabricação de agrotóxicos, os quais tem conseqüências diretas para os seres humanos, plantas e animais, dentre outras inúmeras situações. Diante desse contexto, com riscos cada vez mais poderosos, a sociedade para a adquirir um aspecto negativo e inseguro 5. Os perigos produzidos afetam o globo como um todo e ainda não foram aceitos por algumas nações (exemplo dos Estados Unidos que não ratificou o Protocolo de Kyoto), devido ao fato de que esses mesmos riscos que amedrontam toda a humanidade são usados como objetos pelo capitalismo para aumentar os lucros e produtividade. Reforçando a tese de “sociedade catastrófica” é importante salientar que a situação pode piorar, visto que os riscos não se apresentam a uma ou duas nações, e sim a todas, inclusive aos países ricos, portanto, tem um efeito reflexivo6.

Esse novo paradigma social faz com que a comunidade global clame por mudanças, visto que, como dito, a insegurança alastrou-se de uma forma muito rápida. O direito, como responsável por normatizar e regulamentar as relações sociais sofreu inúmeras modificações, destacando-se as mudanças ocorridas no âmbito do direito penal, principalmente no que tange a efetividade da aplicação das normas de lesão ou de resultado7.

Um fenômeno evidente cotidianamente é a expansão do direito penal, assunto tratado pelo autor Jesús-María Silva Sánchez , que será explicitado de forma suscinta, mostrando as ligações entra a sociedade de risco e tal expansão penal. Ainda dentro das mundanças em âmbito penal, fica claro a presença de normas que privilegiam os tipos penais abstratos, que promovem a antecipação da tutela penal a fim de controlar o sentimento de insegurança social. Outro mecanismo que auxilia o direito penal em sua atuação sobre os riscos é o princípio da precaução, o qual direciona a aplicação penal para uma melhor efetividade.

Por fim, outro acontecimento que se contextualiza com a sociedade de risco, a expansão do direito penal e com as normas de tipos abstratos, é os bem jurídicos transindividuais, os quais passam a ter suma importância nesse novo paradigma, visto que muitos riscos imprevisíveis estão ligados a eles. No decorrer desse trabalho será destinado um espaço para uma maior elucidação do que vem a ser bens jurídicos e esses de caráter transindividuais.

2.Princípio da Precaução

A forma social vigente estruturada, como visto, em uma base de muito progresso, mas também composta de muita insegurança, sendo esse último aspecto reafirmado pela falta de controle e previsão de grandes riscos, como por exemplo guerras, variações climáticas, epidemias, dentre outros fatos e acontecimentos, exige maneiras de resgatar a segurança por completa ou o máximo possível. Diante disso, como o direito penal tem um caráter de dirimir as questões sociais, com a finalidade de promover a segurança e a paz social, ganha, portanto, grande relevância sua atuação em meio a esse mar de riscos advindos com o progresso industrial. Além disso, o direito como um todo tem origem nas organizações sociais, tendo ele então a missão de solucionar os impasses que afetam o meio onde se aplica, para que o próprio direito não venha a sofrer as sérias mudanças negativas, que a sociedade de risco traz consigo8.

O legislador ao se deparar com a atual conjuntura social, tenta, algumas vezes de forma acertada e outras erroneamente, dirimir esse contexto estudado, com a elaboração de leis que proíbem ou limitam algumas atividades, como por exemplo em relação à emissão de gases na atmosfera, fabricação de medicamentos, biotecnologia, dentre outras atividades que se tornam corriqueiras em meio ao progresso. Porém, essa tentativa de contornar os riscos sociais não é uma tarefa muito fácil, a qual necessita de uma administração sobre os mesmos 9. No entanto, essa administração aqui proposta torna-se difícil ao passo que os riscos passam a não serem conhecidos, como ocorre na sociedade atual, em que a ciência perde o controle dos mesmos. Nesse caso, surge a opção pelo princípio da precaução.

Faz-se necessário uma breve diferença entre o princípio da prevenção e o princípio da precaução. O primeiro refere-se a situações onde o risco pode ser constatado anteriormente a pratica da ação a que se relaciona. Esse princípio, portanto, é utilizado em casos onde o dano derivado de certa atividade pode ser alertado com antecedência, visto que os riscos já foram estudados. Já o princípio da precaução é aplicado aos casos onde o desconhecimento dos possíveis danos e riscos prevalecem sobre uma determinada atividade, sendo ele, então, extremamente importante para a atualidade vivenciada pela população e pelo próprio direito, em meio à sociedade de riscos10. O princípio da precaução é usado para combater e diminuir os riscos que a ciência não acompanhou com o mesmo ritmo do seu crescimento. Essa ferramenta para a retração dos riscos deve atuar em diversas áreas, como as já citadas anteriormente, biotecnologia, meio ambiente, produção de medicamentos, dentre outras.

Em relação á aplicação concreta desse princípio verifica-se a importância de determinar quando ele e suas medidas restritivas podem, com efetividade, dirimir as situações que colocam a prova tal aplicação. Para sua incidência em determinado caso concreto faz-se necessário, além do risco não ser conhecido cientificamente, a presença de uma forte suspeita da ocorrência de um risco que pode afetar gravemente as pessoas envolvidas na situação ou até mesmo terceiros 11.

O princípio da precaução tem como instrumento de atuação o tipo penal abstrato, que será devidamente e oportunamente esclarecido nesse trabalho, mas que de uma forma adiantada, prevê a proibição de uma conduta sem o efetivo resultado naturalístico. Esse fato evidencia a presença do direito penal, com seus mecanismos de imputação, no contexto atual, como responsável por trazer, pelo menos em parte, a segurança social.

Finalizando, como forma de dar concretude ao que aqui se expõe sobre o princípio da precaução, colocaremos a Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança), que traz, explicitamente, em seu artigo primeiro o princípio da precaução aqui tratado. Segue-se o artigo primeiro da referida lei “Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismo de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.”

3. A expansão do direito penal na sociedade do risco

A sociedade pós-industrial é caracterizada, como visto anteriormente, por um sentimento de insegurança, o qual toma conta de toda comunidade. O sentimento mencionado faz com que a política criminal adote uma nova postura frente à demanda social que clama por segurança e controle das situações tidas como fontes de riscos. É nesse clima que a expansão do direito penal nasce, sendo visto, esse ramo do direito, como o responsável por trazer, pelo menos simbolicamente, a paz social. Essa tendência expansionista não é característica de um ou dois países e sim da maioria dos ordenamentos jurídicos, que adotam uma tipificação em massa, criam novos bens jurídicos, antecipam a tutela penal por meio de tipos abstratos, tudo isso buscando, através do direito penal, uma possível tranqüilidade.12

A industrialização, uma revolução que vem ganhando espaço desde o século XVIII, é considerada a mola propulsora não somente da sociedade de riscos, mas também da expansão penal, por proporcionar o fenômeno da globalização, que hoje é considerado um impulsionador dessa grande aplicabilidade do direito penal. A globalização auxilia o fortalecimento de uma cada vez maior integração supranacional e esses dois movimentos analisados conjuntamente confluem para a aparição de novos riscos e conseqüentemente de mais delitos. Essa característica de dinamizar e criar, que esses dois fenômenos possuem, faz com que eles sejam considerados aceleradores da expansão do direito penal.

O direito penal da globalização procura, sustentado na integração supranacional, combater os delitos que surgem desse novo panorama social de forma única. 13.Esse combate enfrenta algumas dificuldades para sua concretização, sendo a maior delas a incompatibilidade de questões constitucionais nas mais diversas nações. Isso ocorre devido à aceitação ou não, pelo ordenamento pátrio de cada país, de certos mecanismos de controle trazidos pelo direito penal. Um desses mecanismos penais, utilizados nesse contexto de riscos e expansão penal, é o tipo de perigo abstrato que passa a representar a técnica legislativa desse contexto social.14 Mas esses tipos precisam ser analisados frente à constituição de cada país, para que se possa admiti-los ou não em um determinado ordenamento. Tal análise de legitimidade será realizada nesse trabalho, mas antes faremos todo um caminho de conceituações de determinados assuntos, para que possamos apresentar argumentos prós e contras e assim as devidas conclusões.

Segue-se agora, no presente estudo, à análise dos bens jurídicos criados nesse panorama social de riscos e expansão penal.

4. Os bens jurídicos: objetos de proteção penal

Quando se analisa a intervenção penal efetuada pelo Estado é necessário o estudo da legitimidade desta ação. No contexto em que vivemos de um Estado Democrático de Direito, a legitimidade vem acompanhada de valores constitucionais como: dignidade da pessoa humana, democracia, liberdade, segurança, entre outros. Além disso, esses valores que embasam e limitam a legitimidade de uma ação penal por parte do Estado são fundamentados pelos bem jurídicos, que assumem uma posição central no contexto vivido, sendo eles o conteúdo material do injusto penal.

5. Breve referência evolutiva da teoria do bem jurídico

A teoria do bem jurídico não teve uma conceituação unânime desde seu nascimento, o qual se deu no século das luzes. O iluminismo tenta limitar o ius puniendi, ou seja, as arbitrariedades do Estado na aplicação do direito penal, formulando a teoria de que o delito deve partir de uma análise material, a qual seria o bem jurídico.

Depois do seu surgimento, vários autores tiveram diferentes entendimentos em relação ao bem jurídico. Feuerbach usa o bem jurídico para afastar o direito penal das imposições morais e religiosas. Binding afirma que o bem jurídico é dependente da vontade do legislador, portanto criado por este. Já Liszt afirmava que o bem jurídico atrelava-se às relações sociais e cabia ao legislador apenas o reconhecimento dos valores sociais defendidos. Depois a teoria do bem jurídico é negada na Alemanha nazista, que afirmava o delito não como uma ofensa a um bem jurídico, mas uma violação de deveres.15

Como visto a conceituação de bem jurídico trás consigo algumas divergências entre os autores. No entanto, observando a atual conjuntura social e jurídica, a qual se dá pela supremacia do Estado Democrático de Direito e de valores que elevem a dignidade da pessoa humana, o bem jurídico penal é conceituado como valores essenciais à convivência humana, como por exemplo a vida e a integridade física, os quais foram selecionados e protegidos pelo Direito, com o intuito de assegurar a paz social.

6. Funções dos bens jurídicos

O bem jurídico tem como função central a legitimação ou não de condutas lesivas, entende-se por condutas de efetiva lesão ou de exposição ao perigo do bem selecionado, tipificadas pelo legislador. No entanto em meio a essa função citada, o bem jurídico apresenta uma série de funções como por exemplo: selecionadora, crítica, humanizadora, interpretativa, dentre outras.

A função selecionadora é aquele referente à seleção de valores que realmente merecem uma proteção pelo direito penal, visto que são supremos no contexto social vigente. A função crítica refere-se ao trabalho dialético de verificação se certa conduta deve ser proibida ou não, e até mesmo realiza o importante trabalho de descriminalização de algumas condutas. A função humanizadora indica a importância do bem jurídico na manutenção da paz social, protegendo a sociedade de arbitrariedades. Por fim, a função interpretativa é aquela que auxilia o intérprete do direito, uma vez que por ela é possível verificar a existência ou não de um bem jurídico tutelado em determinada ação e de mensurar a lesividade ao bem em questão, portanto tem uma função prática.16

7. Os bens jurídicos transindividuais

Depois de conceituar e mostrar as funções dos bens jurídicos dentro do direito penal, reserva-se agora um espaço para uma análise dos bens jurídicos transindividuais. Esses bens diferem dos bens jurídicos individuais, porque neles os indivíduos não podem dispor dos mesmos sem prejudicar a coletividade, ou seja, o cidadão passar a não ter a disponibilidade do bem jurídico justamente por não ser possível a verificação do titular do bem. Enquanto que nos individuais a titularidade do bem jurídico é facilmente percebida 17.

Na sociedade do risco os bens transindividuais ganham relevância, visto que o surgimento dos novos riscos afeta a sociedade como um todo, ou seja, lesionam ou expõem a perigo bens que são considerados sociais. Como exemplos desses bens temos: meio ambiente, fé pública (crimes de falso), saúde pública, a ordem econômica, dentre outros.

A discussão não se trata da proteção ou não desses bens, porque é evidente a importância deles, e claro merecem uma atenção especial quanto a sua lesão ou possível dano. A questão fica confusa quando se trata dos mecanismos de proteção desses bens, sendo parte da doutrina contrária à aplicação do direito penal no âmbito dos bens transindividuais, como por exemplo a Escola de Frankfut, que terá seus argumentos devidamente explicitados em um tópico desse trabalho, e outra parte da doutrina que defende a aplicação do direito penal quando se refere à lesão desses bens e até mesmo protegendo-os de forma a evitar um possível dano, ou seja, coibir um dano em potencial. Essa última visão está em acordo com a expansão do direito penal, que afirma a necessidade de aplicação de tipos de perigo abstrato em relação a tais bens, visto que eles são dotados de uma importância social ímpar 18.

Para melhor elucidar como se dá essa proteção por meio de tipos de perigos abstratos proposta por parte da doutrina, passa-se agora para uma explicação do que vem a ser esses tipos característicos da sociedade de risco e da expansão penal, bem como a aplicabilidade deles pelo legislador.

8. Os tipos penais de perigo abstrato

A tipificação penal abstrata não é algo recente, sendo considerada instrumento do direito penal há muitos anos, porém esta ganha relevância dogmática e merecedora de um estudo aprofundado à alguns anos atrás19. O alavancar dessa espécie de tipo penal tem como protagonista a nova conjuntura social que vem se formando após a revolução industrial. Tal conjuntura que recebe o nome de sociedade de risco, explicada nos tópicos anteriores, apresenta como uma de suas ferramentas para o combate à insegurança os tipos penais abstratos.

Os tipos aqui mencionados é uma espécie dentro do grupo chamado tipos de perigo o que nos obriga, para a devida conceituação, um estudo desse grupo por inteiro, de forma sucinta, porém esclarecedora, a fim de entrarmos posteriormente em uma análise de legitimidade desses tipos penais abstratos.

9. Tipos de perigo

Para uma melhor explicação do que vem a ser os tipos de perigo faz-se necessário uma análise do conceito de perigo. Temos como perigo a potencialidade de um fato ou ação ser causador, ou seja, ser o responsável por um dano, modificando assim o estado anterior. O perigo tem, portanto, um caráter fortemente objetivo, por tratar-se de situações reais, retiradas da realidade humana, porém também apresente aspectos subjetivos, por pautar-se na experiência do homem. Um fato é tido como perigoso quando se analisa a probabilidade de um possível dano (dano em potencial), sendo essa probabilidade um estudo sobre aquilo que realmente é relevante, escapando assim do fato improvável e eventual. Essa teoria da probabilidade é responsável por ajudar na legitimação dos tipos de perigo.20

Em contraposição aos tipos de perigo estão os tipos de dano/lesão, pois os primeiros são aqueles que tipificam a exposição de um bem jurídico penalmente tutelado ao perigo, não levando em consideração, portanto, a efetiva lesão de tal bem, é a tipificação de um comportamento. Os segundos, tipos de dano/lesão, têm como fundamento a efetiva lesão de um bem jurídico, sendo, portanto, essencialmente diferente dos tipos de perigo. Temos assim uma diferenciação pautada na afetação ou não de um bem tutelado pelo ordenamento jurídico, sendo chamados de tipos de dano potencial (perigo) e tipos de dano efetivo (dano).21

Outra importante característica dos tipos de perigo se refere ao dolo nos crimes dessa espécie. O dolo de perigo pauta-se na intenção do agente de atuar em perigo, não querendo este o resultado danoso, mas sim uma atuação que se aproxima do risco do dano (dano potencial). Como forma de dar concretude ao aqui exposto, temos como exemplo do artigo 130 do Código Penal que assim preceitua, “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado”. A vontade do agente nos casos onde se faz presente o dolo de perigo é, portanto, a situação de perigo e não no efetivo dano ao bem jurídico. É importante salientar que nem todo crime de perigo tem o dolo de perigo, podendo este crime ter o dolo de dano, como preceitua o parágrafo primeiro do mesmo artigo em questão, “Se é intenção do agente transmitir a moléstia” 22.

Ainda no que tange ao dolo de perigo, é necessário sua diferenciação da culpa consciente e do dolo eventual. Como visto, no dolo de perigo o único resultado que o agente planeja é o perigo (dano potencial) e na culpa consciente nem mesmo essa espécie de dano o indivíduo admite. O dolo de perigo difere também do dolo eventual porque nesse último o sujeito não age com a finalidade de produzir um risco/perigo, ele age independentemente dessa possibilidade, sendo sua ação mais importante que o risco ou o dano efetivo 23.

Por fim, o dolo de perigo auxilia no esclarecimento entre crime de perigo e crime tentado. A diferença dos dois institutos está no âmbito subjetivo, visto que o crime tentado apresenta-se com o dolo de dano e o crime de perigo com o dolo de perigo, salvo algumas hipóteses como o artigo 130, parágrafo primeiro, que se refere à transmissão de doença venérea na sua forma qualificada.

Depois dessa importante conceituação do que vem a ser o perigo e os tipos de perigo, passa-se agora ao estudo das espécies destes, focalizando na explicação do objeto de pesquisa desse trabalho, os tipos penais abstratos.

10. Espécies de tipo de perigo

Nesse tópico é exposto uma breve explicação das principais espécies dos tipos de perigo,com uma especial atenção aos abstratos, para que não ocorra uma confusão entre eles, auxiliando, assim, a interpretação de uma lei que prevê algum dos tipos aqui tratados.

11. Tipos de perigo comum e de perigo individual

Essa categoria de crimes de perigo pode ser explicada com base no sujeito passivo de tal delito, visto que nos crimes de perigo comum, tal sujeito é a coletividade em geral, sendo, portanto, indefinido o sujeito passivo. O autor do crime pode prejudicar e colocar em perigo uma quantidade muita grande de pessoas. Exemplo desses crimes é o incêndio, a explosão, a difusão de doença ou praga, todos previsto dentro do Título VIII da Parte Especial do Código Penal (capítulo I) 24.

Em caminho oposto ao dos crimes de perigo comum estão os crimes de perigo individual, os quais apresentam como sujeito passivo um indivíduo ou um pequeno número de pessoas, sendo, portanto, um sujeito passivo determinado. Como exemplo destes temos o abandono de incapaz, a omissão de socorro, dentre outros presentes como esses no Título I da Parte Especial do Código Penal (capítulo III) 25.

12. Tipos de perigo concreto e de perigo abstrato

Passemos agora para uma análise do que vem a ser os tipos de perigo concreto e de perigo abstrato, sendo eles duas espécies dos tipos de perigo, cada qual com suas peculiaridades.

O tipo de perigo concreto é aquela tipificação onde o perigo, de forma geral, deve fazer parte do tipo, compondo-o. Como por exemplo no artigo 250 do Código Penal, “Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio”. No entanto, nem sempre um crime de perigo concreto apresenta esse componente do risco no seu tipo, sendo necessária a apreciação no caso concreto do perigo trazido pela conduta em questão. Exemplo disso é o termo “temerária” no crimes de gestão temerária, sendo esta uma administração arriscada e que ultrapassa os riscos juridicamente permitidos, classificando-se assim, como um tipo de perigo concreto. Esses tipos apresentam a característica de serem materiais e não formais, sendo o risco em questão analisado a posteriori no caso concreto 26.

De forma diferente está a conceituação do objeto de estudo desse trabalho, os tipos de perigo abstrato. Esses tipos trazem proibições de determinadas condutas por elas apresentarem um risco próprio e por esse perigo estar incluído e fortemente ligado a tais condutas. Um exemplo pode trazer uma melhor elucidação desse conceito, sendo o tráfico de entorpecentes um deles. É de claro conhecimento que o tráfico de entorpecentes causa um grande mal ao bem jurídico saúde pública, sendo assim, esta ação de traficar tais substâncias, proibida por apresentar um risco que está conjunto a ela. Outro exemplo desses crimes de perigo abstrato é o artigo 289 do Código Penal, “Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro”, tal conduta apresenta um risco ao bem jurídico fé pública. A partir dessa breve conceituação temos outra peculiaridade dessa espécie de tipo, que é a verificação a priori do risco de determinada conduta, diferentemente dos tipos concretos que apresentam uma análise a posteriori do risco27.

13. Teorias acerca do conceito dos tipos penais abstratos

O tipo penal tratado nesse trabalho, tipo abstrato, apresenta algumas teorias que tentam conceituá-lo, tais como: teoria da presunção de perigo, teoria da equiparação à imprudência e a teoria da lesão à segurança na disposição dos bens jurídicos. Passamos agora a análise de tais teorias. 

14. Teoria da presunção de perigo

Nesse segmento de pensamento verificamos a ligação entre os tipos penais abstratos e a presunção, ou seja, sendo tais tipos elaborados quando se tem uma forte evidência que uma conduta pode ser prejudicial a algum bem jurídico. Essa ligação de presumir o perigo é tão intensa que se têm uma presunção absoluta, ou seja, iure et de iure, não se admitindo prova que pretende provar que a conduta não geraria um possível dano ao bem jurídico 28.

Essa teoria da presunção é criticada por não levar em consideração situações que mesmo tipificadas pelo legislador, não apresentam risco a nenhum bem jurídico por força de peculiaridades que possam estar presentes em determinado caso concreto. Tal crítica aponta para a queda dessa presunção absoluta, tendo assim um outro problema, pois a presunção seria relativa ocasionando o dever do réu de provar o contrário. O réu nesse caso deveria ficar com o ônus de provar as acusações contra ele, lesionando assim o princípio constitucional da presunção de inocência. Tendo, então, tal teoria essa parte débil em sua elaboração 29. 

15. Teoria da equiparação à imprudência

Essa teoria formulada para uma possível explicação do que vem a ser o conceito dos tipos abstratos, coloca essa espécie de tipo penal como uma forma de tipo imprudente. Os tipos penais abstratos passam a ser aqueles que apresentam normas que proíbem comportamentos baseado no dever de cuidado, tomando, assim, o homem médio como parâmetro para tal análise.

Como a teoria anterior, essa também apresenta algumas críticas, as quais questionam e colocam em xeque a questão de punir comportamentos que não estão de acordo com o dever de cuidado e não por estes representarem um perigo em potencial a um bem jurídico. Da forma como propõe a teoria da equiparação à imprudência, poderão existir alguns comportamentos que apesar de serem perigosos serão desconsiderados quanto a punição em âmbito penal, visto que foram de acordo com os padrões de cuidado social. Além disso, tal teoria apresenta-se apenas para delitos que afetem bens jurídicos individuais, sendo, desconsiderados os bens jurídicos coletivos, os quais ganham muita importância com o desenvolvimento social e a configuração da sociedade de risco 30. 

16. Teoria da lesão à segurança na disposição dos bens jurídicos

Na presente teoria busca-se uma conceituação dos tipos abstratos a partir de uma análise da segurança dos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. Essa teoria afirma ser necessário a proteção da segurança em dispor e desfrutar dos bens que os indivíduos possuem, sendo os tipos penais abstratos aqueles responsáveis por punir condutas que afetem a segurança, ou seja, condutas que promovam o sentimento de insegurança social 31.

Essa teoria também foi muito criticada no sentido de que não é todo sentimento de insegurança relativo a determinado bem jurídico que mereça a movimentação de todo aparato penal e conseguinte de um tipo penal abstrato. Além disso, essa teoria não apresentou grandes avanços em relação à teoria da presunção. 

17. Breve análise dogmática dos tipos penais abstratos

O direito penal como espécie mais grave de intervenção estatal na vida de um indivíduo não pode ser caracterizado por uma elaboração de conceitos longe da racionalidade e sistematização. Diante disso, a dogmática penal vem justamente para dar aos institutos penais coerência e unidade metodológica, a fim de auxiliar a legitimação da intervenção penal por parte do Estado32.

Os tipos penais abstratos, instrumento do direito penal do risco fruto do vigente paradigma social como colocado no início do presente trabalho, foi analisado por diversas correntes de pensamento dentro da dogmática penal. Tais tipos merecem esclarecimentos por parte do pensamento naturalista, neokantiano, finalista e também do funcionalismo.

Quando se fala em Positivismo Naturalista refere-se a uma base de pensamento que apresenta um direito penal sob o enfoque natural, ou seja, livre de valorações e de influência metafísica, desenvolvida no fim do século XIX. Têm-se como crime uma ação típica, antijurídica e culpável, sendo esses elementos do delito assim definidos: a ação é a exteriorização de movimentos corpóreos, a antijuridicidade é vista a partir de um aspecto formal e dá idéia de violação do direito e a culpabilidade é o elo psicológico do delito, sendo composta pelo dolo33. Esse entendimento formal do delito, onde o resultado naturalístico é de grande importância, faz com que os tipos penais abstratos não se adéqüem ao Positivismo Naturalista, devido à conceituação destes em tópico anterior, demonstrando que a efetiva lesão ao bem jurídico não é característica da tipificação abstrata.

O Neokantismo, outra frente de pensamento da dogmática penal, vem para complementar alguns conceitos trazidos pelo Positivismo Naturalista. O Neokantismo passa a estudar o delito a partir de conceitos valorados, saindo, portanto, daquele aspecto formal característico do Positivismo Naturalista e adotando o aspecto material em tais conceitos. Exemplo disso é a mudança da antijuridicidade como mera lesão ao direito para assumir, além disso, a contrariedade e lesividade social da conduta. Além dessas características, o neokantismo é conhecido por sua valoração fechada, retirando o influxo das mudanças sociais do âmbito do direito penal34. Nesse contexto dogmático os tipos penais de perigo abstrato possuem forte influencia normativa e atrela-se à teoria da presunção de perigo, sendo, portanto, tipos que possuem o perigo analisado apriorísticamente com base em um normativismo fechado35.

Com o intuito de modificar o pensamento introduzido pelo Neokantismo, o Finalismo busca a superação metodológica anterior, negando o dualismo existente entre ser e dever-ser e também se opondo ao mero desvalor do resultado. O Finalismo provoca profundas alterações nos elementos que compõem o delito, alterações essas embasadas por um pensamento que vê em toda ação humana uma finalidade específica. Essa corrente dogmática estrutura todo o delito considerando que a ação já nasce intencional, ou seja, dirigida a um fim. Diante disso, muda-se o desenho do tipo e da culpabilidade, colocando o dolo e a culpa no tipo, retirando-os, portanto, da culpabilidade. Outra característica do Finalismo é o trabalho dogmático desenvolvido através de estruturas lógico-objetivas, sendo ela a ação e a culpabilidade, evidenciando, assim, o estudo do ser, ou seja, o ontologismo presente fortemente nessa corrente. Esse aspecto ontológico e final da ação faz com que os tipos penais abstratos não se adéqüem à teoria finalista, visto que nos tipos abstratos não existe essa ação dirigida a um fim, e somente o mero atuar, ficando de fora dessa espécie de tipo penal a finalidade e a intenção em agir36.

Outra corrente dogmática no direito penal é o Funcionalismo, que ganha um impulso a partir dos anos 70 devido aos problemas dogmáticos colocados pelo Finalismo. Não existe apenas um Funcionalismo e sim diversos, sendo os de Roxin e o de Jakobs os mais estudados. Como característica dessa corrente verifica-se um afastamento das estruturas lógico-objetivas, ou seja, do estudo do ser (ontologismo) proposto pelo Finalismo. Além disso, a valoração neokatiana ganha destaque, porém sem aquele aspecto fechado. O Funcionalismo propõe o estudo da função do direito penal antes do estudo das próprias estruturas delitivas, evidenciando assim a relação desse ramo do direito com as mudanças sociais que caracterizam cada estágio do desenvolvimento humano. No que tange aos elementos do delito, o Funcionalismo não faz profundas alterações no que propõe o Finalismo, ficando, por exemplo, o tipo composto por seu lado objetivo e seu lado subjetivo, nesse último onde estão o dolo e a culpa37.

Quando se analisa o Funcionalismo de Jakobs, conhecido como sistêmico, faz-se necessário o estudo da teoria dos sistemas de Luhman, devido o fato de o autor funcionalista propor uma dogmática que se fundamenta na idéia de papel social. Esse pensamento afirma que cada indivíduo tem um papel e dever social, gerando na sociedade uma expectativa de que o cumpra. Quando ocorre a quebra dessa segurança cognitiva faz-se necessário a intervenção penal por parte do Estado. Em relação aos tipos penais abstratos, Jakobs coloca que a antecipação da proteção penal só é legitima na medida em que não ultrapasse o direito do cidadão e entre na esfera do direito penal do inimigo, sendo, portanto, legítimo os tipos penais abstratos que respeitam a esfera privada de cada cidadão38.

Tendo outro enfoque, no entanto fiel à importante delimitação da função do direito penal para a sociedade, Roxin desenvolve seu Funcionalismo amparado em idéias atinentes ao vigente Estado Democrático de Direito. Atentando-se para o fato de analisar, antes da estrutura do delito, questões como a legalidade estrita (princípio da legalidade), o comportamento tipificado deve, segundo o autor, estar plenamente descrito (princípio da taxatividade), dentre outros fatos que auxiliam a delimitação da função do direito penal e a garantia de preservação de uma política criminal que esteja de acordo com a democracia social.

O Funcionalismo roxiniano além de firmar suas bases no Estado Democrático de Direito, levanta a idéia de um direito penal preventivo, pois seria mais eficaz combater a conduta antes da sua realização do que fazer qualquer espécie de juízo após o acontecimento do fato que fere o direito. Portanto, o direito penal não pode ficar preso ao sistema das penas e procurar medidas que ajudem a manter a integridade do modelo social vigente. Essa busca pela manutenção social exige um direito penal antenado às mudanças ocorridas nos últimos anos. A sociedade hoje é fonte de uma gama cada vez maior de atividades que geram riscos à mesma. Diante disso, Roxin propõe uma análise dos riscos que são juridicamente permitidos, por não proporcionarem efetivo dano à estrutura social, e até mesmo por ser de alguma forma útil, dos riscos que devem ser evitados e combatidos, os quais recebem o nome de juridicamente proibidos. Dentro desse contexto de riscos juridicamente proibidos, ou seja, que apresentam uma conduta excessivamente perigosa cabem os tipos penais de perigo abstrato, por eles auxiliarem nessa possível prevenção e antecipação da tutela penal39. 

18. Crimes de cumulação, de preparação e delitos de perigosidade concreta: modalidades dos tipos penais abstratos

Os tipos penais abstratos possuem fortes críticas em relação e sua legitimidade, uma vez que não é requisito de um tipo abstrato a efetiva lesão do bem jurídico. Tendo em vista essa discussão, que será tratada posteriormente nesse trabalho, segue-se uma apresentação de como eles são usados pelos legisladores modernos.

Podemos separar os tipos abstratos em três classes diferentes de delitos, que são: crimes de cumulação, de preparação e delitos de perigosidade concreta. Os delitos de cumulação, defendidos por Kuhlen, são destinados à proteção de bens jurídicos coletivos, como o meio ambiente, e caracterizam-se por proibir condutas que isoladas são aparentemente inofensivas, mas se somadas com outras, da mesma espécie, podem provocar uma profunda e efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, tendo como exemplo disso a poluição das águas 40. Para enfrentar o problema da legitimidade, esses crimes de cumulação devem ser firmados em casos onde não haja incertezas quanto ao perigo de determinada ação.

O segundo grupo de delitos tipificados abstratamente refere-se aos delitos de preparação, os quais proíbem condutas consideradas inofensivas, mas que combinadas com ações posteriores podem acarretar em uma efetiva lesão de um bem jurídico, o qual pode ser individual ou coletivo. Esse tipo de delito abstrato apresenta sérios problemas quanto a sua legitimidade, porque em alguns casos esbarrará em liberdades constitucionais, como a liberdade de expressão, porém em outros tem aplicabilidade legítima como no caso de produção de armas e munições por pessoas ou empresas não autorizadas41.

Finalizando temos os delitos de perigosidade concreta que tipificam condutas que produzem efeitos incontroláveis pelo agente. Esses delitos não se confundem com os tipos de perigo concreto, visto que o juízo de perigo nesses últimos é feito ex post, onde o perigo de dano é analisado posteriormente a conduta, e nos delitos de perigosidade concreta tal juízo é realizado ex ante. Como exemplo desses delitos apresenta-se a punição prevista para quem desrespeitar orientações do poder público que visam proteger a população de doença contagiosa 42.

19. A sociedade do risco, os tipos penais abstratos e os bens jurídicos transindividuais

Após discorrermos sobre a sociedade de risco e seus reflexos, tais como a expansão do direito penal, o princípio da precaução, dentre outros apresentados, o presente tópico visa o estudo conjunto e aproximado da sociedade de risco com a tipificação penal abstrata. O modelo social vigente guarda estreita ligação com os tipos penais abstrato, sendo esses um instrumento penal para o combate à insegurança social. Apresentaremos, portanto, a atuação desses tipos penais abstratos, característicos da sociedade do risco, na tutela penal dos interesses dos cidadãos.

20. A proteção penal realizada pela tipificação abstrata

O direito penal contemporâneo assumiu, com algumas críticas de alguns estudiosos como os pesquisadores da Escola de Frankfurt, uma posição de tutelar os novos interesses sociais advindos de um desenvolvimento social sem precedentes. Esse ramo do direito leva consigo a responsabilidade de promover a paz social e transformar a insegurança, que os riscos causados por todo esse crescimento mundial proporciona, em segurança e tranqüilidade para a população. Para atingir essa finalidade o direito penal tem recorrido ao nosso objeto de estudo desse trabalho, que são os tipos penais abstratos. Esses tipos penais são utilizados como forma de antecipar a tutela penal a fim de proteger os novos bens penalmente protegidos, como por exemplo os bens transindividuais, característicos da sociedade de risco. Como forma de demonstrar a utilização dessa ferramenta penal discorreremos sobre as infrações penais contra a ordem econômica, além de abordarmos a infrações contra o meio ambiente e o combate às grandes organizações criminosas. 

21. O meio ambiente e o direito penal

A tutela ao meio ambiente dispensa qualquer tipo de apresentação visto a importância dele para a preservação da vida humana na terra. Com o grande desenvolvimento industrial a sociedade passa a explorar cada vez mais desse meio que proporciona a vida terrestre. Grandes áreas são devastadas e a poluição é cada vez mais presente em todo o globo e em diferentes formas, como a sonora, a das águas e do ar. Além desses problemas de devastação tem-se hoje a preocupação com as gerações futuras, em deixar á elas condições ambientais de se desenvolverem equilibradamente sem prejudicar o seu crescimento e manutenção no planeta.

Devido aos vários problemas e preocupações citados e com o reconhecimento do meio ambiente como um bem jurídico que mereça uma proteção social mais efetiva, a sociedade do risco clama por uma intervenção penal com a presença de tipos penais abstratos. Essa intervenção abstrata se deve ao fato de que o perigo que se tem em uma conduta que prejudique o meio ambiente carrega consigo o perigo e o risco, sendo, portanto, uma conduta insitamente perigosa43. 

22. A ordem econômica e a tipificação abstrata

Outro fenômeno que aparece cada vez mais freqüente na sociedade de risco são os crimes contra a ordem econômica que por seu vulto prejudica uma gama de indivíduos e até nações inteiras. Esses crimes apresentam uma grande possibilidade de condutas que vão desde a má administração, lavagem de dinheiro, corrupção, dentre outras.

A ordem econômica devido a sua grande importância, dependendo da situação analisada, mundial merece uma proteção jurídica efetiva a fim de proporcionar uma maior segurança. No modelo social em que vivemos essa tranqüilidade é requerida pelos tipos penais abstratos, justamente por as condutas características desses crimes apresentarem um risco presumido para toda uma coletividade. Como exemplo da aplicação desse modelo tem a Lei 7.492/1986, dos crimes contra o sistema financeiro nacional, dentre outras que buscam a tutela da ordem econômica nacional44. 

23. As organizações criminosas e a proteção penal

O desenvolvimento e a globalização foram fenômenos que trouxeram muitos avanços, mas por outro lado, como demonstrado pelos crimes explicados nesse tópico, auxiliou na expansão do sentimento de medo e insegurança social. Atualmente esse medo é intensificado pela formação de grandes organizações criminosas, que com apoio do desenvolvimento de transportes e das comunicações, atuam em diversas atividades, como por exemplo o tráfico de drogas, pessoas, terrorismo, e em diversas áreas do mundo.

Essas organizações criminosas além de praticar os crimes descritos anteriormente afetam de uma forma a ordem econômica nacional, visto que os lucros de suas atividades são camufladas pela lavagem de dinheiro e aplicados em paraísos ficais. Em meio a essa situação fica claro a necessidade de uma proteção social e uma intervenção jurídica nessa questão. Tal intervenção apresenta-se hoje pelo direito penal e também como nos casos anteriormente apresentados, com o uso dos tipos de perigo abstrato, visto que o risco dessas atividades são inerentes e ínsitos à conduta 45.

24. A legitimidade dos tipos penais abstratos

A intervenção penal por parte do Estado é considerada a forma de punição mais severa praticada por este. Com isso devem-se criar mecanismos para limitar e direcionar a aplicação penal para casos que realmente necessitam dessa intervenção. Esses mecanismos já existem, como por exemplo os princípios que regem as relações penais, os quais buscam efetivar as garantias dos indivíduos no atual Estado Democrático de Direito e os bens jurídicos, que consagram valores essenciais para a convivência humana e são responsáveis pela legítima aplicabilidade do direito penal, ou seja, são importantes para determinarem se é necessário ou não a punibilidade 46.

Diante desses critérios para a possível atuação do Estado em âmbito penal, deparamos com a atual sociedade de risco, a qual provoca, como visto, uma expansão do direito penal, com o surgimento de novos bens jurídicos, sendo estes transindividuais, como o meio ambiente e a fé pública.Tais bens requerem, diante da grande relevância desses para a paz e segurança social, uma antecipação da tutela penal, sendo aplicado a eles uma tipificação abstrata, a qual não necessita de lesão nem de perigo concreto perante determinado bem 47. No entanto, essa aplicabilidade abstrata das normas penais não é de todo pacífica, tendo doutrinadores que se opõem a essa espécie de normas e outros que a defendem. 

25. Posicionamento contrário aos tipos penais abstratos: princípio da lesividade e a Escola de Frankfurt

O princípio da lesividade consiste em um mecanismo de limitação do ius puniendi, visto que segundo ele a intervenção penal deve acontecer em casos onde o bem jurídico penal foi lesionado e não meramente colocado em perigo48. Com isso mostra-se evidente o atrelamento entre esse princípio e os princípios da ultima ratio e da insignificância, que também atuam com o intuito de preservar o cidadão das severas medidas do direito penal.

Exposto o conceito e função do princípio da lesividade fica claro a razão pela qual ele é utilizado como argumento contra os tipos penais abstratos, já que esses propõem uma antecipação de tutela, devido determinadas condutas apresentarem consigo um perigo previamente observado. O argumento pautado no princípio da lesividade torna-se fundamental e de grande porte no Brasil, visto que aqui ele adquiri status constitucional, ficando, assim, amparado pelo texto da Constituição Federal de 1988.

Seguindo essa idéia de ilegitimidade da tipificação abstrata temos a Escola de Frankfurt, a qual tem como grande nome Hassemer. No entanto, não é somente ele que se destaca nas críticas a essa expansão penal, fruto da sociedade de risco, é importante apresentar estudiosos como Naucke, Luderssen e Peter-Alexis Albrecht, os quais também criticam os bens jurídicos transindividuais e a antecipação de tutela proposta pelos tipos abstratos 49.

Hassemer elabora seu pensamento sobre o direito penal definindo que esse ramo do direito é responsável pelo controle social, um controle institucionalizado o qual deve ter como fim a proteção de bens jurídicos. Porém, esse controle sobre bens jurídicos não deve-se pautar em qualquer bem, sendo necessário o caráter individual do bem e por meio de uma tipificação que pune a lesão ou o perigo concreto. Para esse autor o objeto de proteção dos tipos penais abstratos, os bens jurídicos coletivos, são muito gerais e extremamente amplos, não devendo o direito penal aderi-los ao seu campo de atuação, pois ao contrário sofrerá as críticas de um direito penal simbólico50 que visa na antecipação de tutela, por meio de tipos abstratos, uma pacificação que não deve ser realizada por ele.

Como resposta a esse direito penal simbólico fruto da sociedade do risco e que contribui, pelo uso de bens jurídicos coletivos e de tipos penais abstratos, para uma crise de aplicabilidade do mesmo direito penal, Hassemer propõe algumas alternativas, as quais segundo ele resolveriam essa ampliação penal. O autor primeiramente propõe a criação de um novo ramo do direito, o chamado direito de intervenção, dentro do qual estariam os tipos penais abstratos e os bens jurídicos coletivos. Esse novo ramo ajudaria a concretizar uma segunda idéia de Hassemer, que é a manutenção de um direito penal clássico, aquele que tem forte ligação com os princípios da lesividade e da ultima ratio, sendo este o responsável pela proteção dos bens jurídicos individuais através de tipos de dano e de perigo concreto 51.

Naucke, em apoio ao que preceitua Hassemer, afirma a necessidade de um direito penal que não sofra influência política, como se dá com a aplicação de tipos penais abstratos e bens jurídicos coletivos, devendo o direito penal, atentar-se ao crimes de dano. Naucke apesar de também propor a volta de um direito clássico e a criação de um direito de intervenção, que poderia solucionar esses novos problemas sociais, apresenta idéias nas quais a intervenção penal se daria apenas em casos de extrema relevância, onde os crimes dolosos seriam a base de todo o sistema, desprezando, ao âmbito penal, alguns crimes culposos. Diferentemente desses dois autores colocados até agora, Luderssen apresenta uma teoria que afirma a ilegitimidade de todo o direito penal, por ser toda e qualquer punição, dentre elas as firmadas em um tipo penal abstrato, um ato irracional e não concernente com as idéias de um Estado de Direito. Aproxima-se de Hassemer e Naucke na idéia de criação do direito de intervenção, o qual substituiria o direito penal completamente 52.

Por fim, faz-se necessário frisar que Peter-Alexis Albrecht também está de acordo com o pensamento que não vê legitimidade na aplicabilidade dos tipos penais abstratos, uma vez que segundo esse autor, o direito penal deve direcionar seus esforços a um número reduzido de casos, onde não cabe a aceitação também de bens jurídicos coletivos 53.

26. O posicionamento favorável e o rechaço à utilização de “falsos” bens jurídicos coletivos pelos autores contrários aos tipos penais abstratos

No outro lado da discussão estão os autores que defendem a aplicação de tipos penais abstratos. É comum a todos que compartilham essa posição o pensamento de que esses tipos abstratos não ferem o princípio da lesividade, uma vez que protegem antecipadamente bens jurídicos penais possuidores de uma relevância muito grande no atual contexto social, marcado por inúmeros avanços e um surgimento cada vez maior de novos riscos. Exemplo desses bens é o meio ambiente, que por sua natureza não necessita ser lesionado para demonstrar sua vital importância, sendo necessário uma antecipação da tutela, feita no caso pelos tipos abstratos, para proporcionar segurança e paz social 54.

Diversos autores defendem a aplicabilidade dos tipos penais abstratos, dentre eles temos Tiedeman, que diferentemente de Hassemer, enxerga o direito penal como grande protetor dos novos bens jurídicos, sendo a maioria deles transindividuais. Ele propõe uma revisão de alguns princípios do direito penal clássico, como por exemplo o princípio da subsidiariedade e o da ultima ratio, para que esse ramo do direito possa adequar-se à nova realidade social de riscos, protegendo antecipadamente os novos interesses. Outro autor favorável aos tipos abstratos é Kindhauser, o qual argumenta a necessidade de segurança em todos os aspectos da vida social. Para ele a segurança torna-se um bem jurídico que tende a proteger todos os outros, sendo ela protegida pelos tipos penais abstratos, visto que esses não deixam abalar esse sentimento basilar de todas as relações sociais 55.

Kuhlen também não fica ao lado de Hassemer, uma vez que atribui, como os outros autores aqui colocados, a missão do direito penal de regulamentar, pelos tipos penais abstratos os novos problemas advindos com a sociedade de risco. Os bens jurídicos transindividuais merecem um tratamento especial e uma antecipação de sua tutela, sendo que alguns crimes praticados contra tais bens, chamados por Kuhlen de delitos de cumulação, como explicados anteriormente, não apresentam a necessidade de provocar a destruição/lesão do bem jurídico, com por exemplo o meio ambiente, devido a suma importância dele e de outros penalmente protegidos 56.

Por fim, os autores que não aprovam os tipos abstratos fazem uso da criação de novos bens jurídicos transindividuais para escaparem da aplicação dos tipos penais abstratos, dando origem a diversos bens que muitas vezes não são coletivos já que possuem uma titularidade específica. O uso desses “falsos” bens jurídicos transindividuais é de grande equívoco, visto que se confunde os objetos de proteção penal, os bens jurídicos, e as ferramentas para essa proteção, que são as normas e nesse contexto social, as normas tipificadas abstratamente. Portanto, essa mistura de conceitos é muito criticada pelos defensores da legitimidade dos tipos abstratos 57.

27. Tomada de postura

A existência de uma sociedade de risco onde a insegurança social faz-se fortemente presente na vida dos cidadãos é sem dúvida inquestionável. Os indivíduos em meio a essa onda de descobertas e tecnologias buscam restaurar a segurança nas relações sociais. Com isso, o direito penal passa a ser esse caminho o qual tentará trazer novamente a paz social.

O direito penal nesse contexto de riscos e criação de novos bens jurídicos faz uso de uma ferramenta muito importante, os tipos penais abstratos. Esses tipos antecipam a tutela penal, garantindo assim uma maior proteção aos bens penalmente protegidos. Esses tipos penais possuem legitimidade, ao contrário do que pensam outros autores, já que o desenvolvimento social proporcionou a criação de bens jurídicos, como o meio ambiente e a fé pública, os quais não podem ficar presos a tipos de lesão, uma vez que o simples perigo, presumidamente analisado, em uma conduta já traz grandes prejuízos a esses objetos de proteção. Além disso, esses bens que necessitam de uma tipificação abstrata apresentam, devido a sua natureza, um difícil retorno ao estado anterior caso sejam efetivamente lesionados.

Em relação ao choque desses tipos abstratos com os princípios do direito penal clássico (lesividade e ultima ratio) evidência-se uma necessidade de reinterpretação desses princípios uma vez que a realidade social vem sofrendo profundas alterações. Portanto, não se pretende negar a grande importância desse pensamento clássico, justamente por ele proporcionar ao cidadão grandes garantias contra uma possível arbitrariedade do ius puniendi, e sim uma adequação às necessidades atuais.

Por fim, demonstrada a importância dessa tipificação abstrata faz-se necessário uma ressalva quanto a sua aplicação, a qual deve respeitar uma rigorosa técnica de elaboração legislativa, a fim de dar a esses tipos certa precisão para que não haja uma massa de tipos penais abstratos sem uma efetiva proteção de bens jurídicos o que não traria o sentimento de segurança clamado pela sociedade. 

28. Conclusão

O estudo desenvolvido nesse trabalho sobre os tipos penais abstratos na sociedade do risco nos permite apontar algumas conclusões. A sociedade tecnológica passa a buscar formas de equilibrar seu desenvolvimento com os riscos que tal fenômeno trás consigo. Dentro desse panorama o direito penal por ser um instrumento de controle social está sendo utilizado como meio para obter o equilíbrio mencionado. Diante disso, o anseio social por segurança é um dos componentes responsáveis pela expansão da aplicabilidade do direito penal por parte do Estado, o qual passa a recorrer aos tipos penais abstratos para atingir tal finalidade. Esses tipos penais são usados pelo legislador para obter uma proteção antecipada e em maior grau de alguns bens jurídicos, os quais passam a ter grande importância no meio social vigente. Exemplo desses objetos de proteção podemos citar o meio ambiente, a fé pública dentre outros.

Essas evidências, retiradas do presente estudo, apresentam um choque doutrinário em relação à legitimidade da aplicação dessa tipificação abstrata. Alguns autores defendem os princípios de um direito penal clássico, mais precisamente o princípio da lesividade, negando esses tipos abstratos,e outros adotam a tese de uma releitura do âmbito de aplicação desse ramo do direito, já que o modelo social sofreu mudanças, permitindo assim a aplicabilidade desses tipos penais abstratos.

Em suma, têm-se uma rica discussão quanto à legitimidade dos tipos penais abstratos, os quais vem sendo usados pelo legislador em diversas modalidades de delitos, como os de cumulação, de perigosidade concreta e por fim nos delitos de preparação.

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3 BECK, Ulrick. La sociedad del riesgo – Hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jiménez, Maria Rosa Borrás. Barcelona: Paidós, 1988. p. 25.

4 ZAPATERO, Luis Arroyo. Derecho y Riesgo. Revista Injuria, Ciudad Real, v. 8, p. 57-68, out./dez. 1995.

5 BECK, Ulrick. La sociedad del riesgo – Hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jiménez, Maria Rosa Borrás. Barcelona: Paidós, 1988. p. 30.

6 Ibid., p. 29.

7 MACHADO, Fábio Guedes de Paula; GIACOMO, Roberta Catarina. Novas teses dogmáticas jurídico-penais para a proteção do bem jurídico ecológico na sociedade do risco. Revista Liberdades, Brasil, n.2, p. 46, set/dez 2009.

8 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Principio de Precaucion, Derecho Penal y Sociedad de Riesgos. Revista General de Derecho Penal, Espanha, n. 7, p. 5, maio 2007.

9 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Principio de Precaucion, Derecho Penal y Sociedad de Riesgos. Revista General de Derecho Penal, Espanha, n. 7, p. 6, maio 2007.

10 Ibid., p. 9.

11 Ibid., p. 14.

12 SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do direito penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 30 e ss..

13 SÁNCHEZ, Jesús María. A expansão do direito penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 81.

14 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Principio de Precaucion, Derecho Penal y Sociedad de Riesgos. Revista General de Derecho Penal, Espanha, n. 7, p. 18, maio 2007.

15 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 31,32.

16 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 39.

17 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 171. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

18 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Principio de Precaucion, Derecho Penal y Sociedad de Riesgos. Revista General de Derecho Penal, Espanha, n. 7, p. 20, maio 2007.

19 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 50.

20 Ibid., p. 54.

21 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. Curitiba: Lumen Juris, 2008. p. 112.

22 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 63.

23 Ibid., p. 65.

24 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 81.

25 Ibid., p. 82.

26 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 68.

27 PUIG, Santiago Mir. Derecho Penal: Parte General. 7. ed. Buenos Aires: Bdef, 2005. p. 233 e 234.

28 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 61. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

29 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 63. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

30 Ibid., p. 69.

31 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 72. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

32 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. O desenvolvimento metodológico no Direito Penal, p. 51 e ss.. apud ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 88 E 89. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

33 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, v. 1, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 100.

34 MACHADO, Fábio Guedes de Paula; MOURA, Bruno de Oliveira; ALVES, Wesley Miranda. A (re)normativização do direito penal frente aos interesses difusos. Revista Curso de Direito Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, v. 34, p. 139-166, 2006.

35 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 102 e 103. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

36 Ibid., p. 105 e ss..

37 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 116 e 117. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

38 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 25.

39 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 128 e ss.. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

40 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 13.

41 ALVES, Wesley Miranda. Uma perspectiva integradora ao estudo do perigo abstrato. Uberlândia: FADIR/UFU, 2007. p. 228 e ss.. Originalmente apresentado como monografia de final de curso.

42 Ibid., p. 193 e 206.

43 SOUZA, Luciano Anderson. Expansão do direito penal e globalização, São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 143 e 144.

44 SOUZA, Luciano Anderson. Expansão do direito penal e globalização, São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 142 e 143.

45 Ibid., p. 148 e 149.

46 ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte Geral, Tomo I. 2.ed. Trad. Diego Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz, Garcia Conlledo Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 52.

47 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Principio de Precaucion, Derecho Penal y Sociedad de Riesgos. Revista General de Derecho Penal, Espanha, n. 7, p. 20, maio 2007.

48 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 93.

49 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 15.

50 HASSEMER, Winfried. Derecho penal simbólico y protección de bienes jurídicos. Trad. Elena Larrauri. Editorial Jurídica Conosur, 1995, p. 23-36.

51 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 17.

52 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 16 e ss..

53 Ibid., p. 23.

54 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos Crimes de Perigo Abstrato em Face da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 95.

55 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5 e 9.

56 GRECO, Luís. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 13.

57 Ibid., p. 93.

Allegato

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Ricardo Padovini Pleti

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