A educação indígena e o tupi guarani como processo integratório na recuperação da memória histórica e no fortalecimento da cidadania nacional.

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Joaquim José Marques Mattar[1]
 
 
            O Título VIII da ORDEM SOCIAL, Capítulo I, Disposição Geral da Constituição Federal em seu Art. 193 positiva que: “A Ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
 
            Como justiça social entende o pleno equilíbrio das forças que se operam numa sociedade em desenvolvimento. A educação indígena encontra-se supedâneo nos Artigos 214 e 215 da Constituição Federal de 1988:
 
[…] Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País. (grifo nosso). Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Parágrafo 1º. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros participantes do processo civilizatório nacional. (grifo nosso). [2]
 
            O inciso V do Art. 214 indica como um dos princípios constitucionais a “promoção humanística” como um dos fundamentos e objetivos do plano nacional de educação, que visam a “articulação e ao desenvolvimento do ensino” no país. A injustiça histórica com os povos e as comunidades indígenas torna-se patente por toda historiografia nacional.
 
[…] Mas ainda esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros aventureiros – só quando as circunstâncias o forçavam é que se faziam colonos. Acabadas as expedições, quando não acabavam mal, tornavam eles geralmente à sua vila e aos seus sítios de roça. [3]
 
            O povo brasileiro congrega em sua gênese étnica sangue indígena, já que aqui estavam antes dos brancos. A negação covarde da (des) valorização descendente e racial que foi estabelecida pela propaganda burguesa e colonial, encravou de forma espúria na consciência nacional, marcando inclusive até os dias de hoje uma discrepância no texto constitucional, quando em Capítulo separado (Capítulo VIII, “Dos Índios”), encontramos uma ‘salvaguarda de direitos’, como se pudéssemos dentro de todo o Sistema Constitucional estabelecer uma segregação de raça, credo e cor vedados pelo próprio Texto Maior, mesmo levando em consideração a boa-fé na salvaguarda de direitos. O que se discute no presente trabalho é a continuidade de um ‘mantra de segregação social’, como se a raça indígena estivesse apartada de todo o contexto do povo brasileiro, já que a Lei Maior, veda a distinção ‘ipses literis’. 
 
            Senão, vejamos o conflito existente: A hermenêutica jurídica nos ensina que devemos interpretar o todo sem eliminarmos as partes, já que todo o sistema jurídico-constitucional se torna uno e indivisível na visualização do caso concreto. É vedada veementemente por toda a Lei Maior, qualquer discriminação, já que estamos falando de ser humano na ordem constitucional estabelecida. A promoção humanística prevista pelo legislador pátrio, renega em sentido lato, qualquer diferenciação entre brancos, índios e negros, vez que, a nação recebe em seu ‘seio’ a indissociabilidade semântica pela igualdade de todos, conforme proclama o Art. 5º da Constituição Federal de 1988:
 […] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade… [4]
 
            Os Direitos e Garantias Fundamentais reconhecem igualdade a todos. A igualdade pressupõe em último ratio nenhum tipo de desigualdade na manutenção dos direitos e dos deveres na ordem estabelecida. A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, salvo melhor juízo, dividiu o povo brasileiro em brancos, índios e negros no que concerne a cultura e ao direito de propriedade. As raças não podem ser discriminadas sob nenhum aspecto, a nosso ver, por isso, primo pela inconstitucionalidade dos Artigos 214, parágrafo 1º e 231 da Constituição Federal de 1988.
 
O Art. 214 positiva que “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, o Art. 231 assegura que:” São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Torna-se contraditório o texto constitucional conforme preleciona o Art. 232 – “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legitimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Ao mesmo tempo em que a lei o traz sob ‘Tutoria ou Custódia’ em apartado do processo civilizatório (Art. 232, parágrafos 3º, 6º e 7º.), seja nas questões relativas à intervenção majoritária do Estado no Direito de Propriedade das comunidades indígenas e negando-lhe os Direitos Relativos à Ordem Econômica e Financeira, coloca-os como ‘analfabetos ou analfabetos funcionais’, sonegando-lhes todos os Direitos e Garantias Fundamentais expostos no Art. 5º da mesma Lei Maior, promulgada em 05 de Outubro de 1988. Entende-se que o índio e o negro não estão inclusos na civilização brasileira, e sim, que são grupos de povos, com culturas diferentes das praticadas pela etnia existente no país. Qual seja? As culturas praticadas pelos brancos? A Educação dos Brancos? O interesse dos Brancos? Quais brancos? Os descendentes de portugueses, italianos, alemães, japoneses, espanhóis, os gregos e os demais estrangeiros nascidos no Brasil ou se naturalizados etc. Já que não estão discriminados no texto constitucional, mesmo como forma de respeito às culturas por eles praticados em território nacional, dado a mestiçagem e a matriz formal da complexidade étnica brasileira. O tema deve merecer maior atenção da doutrina do direito brasileiro.
 
Pergunta-se: Quais os representantes legais dos índios que vivem em comunidade sem educação e sem que nós conheçamos sua língua e sua cultura, sonegados no direito de informação, estando tolhidas sua liberdade de cidadão? Como o índio será representado de forma segura, sem que seja argüida de ambas as partes suspeição em Juízo? Dá-se pela Lei o direito de atuar jurisdicionalmente em favor de seus direitos e sonega-lhes o direito de compreender em que processo civilizatório estão inseridos?
 
            Dado a notória discrepância das normas constitucionais acima especificadas em sentido formal e material e na sua formação semântica, houve assim, uma discriminação indireta em face de não citação do ‘respeito às demais culturas de outros povos e/ou grupos que compõe o dito e metafísico processo civilizatório’.    
 
            Darcy Ribeiro entende que “O Processo Civilizatório é uma revisão crítica das teorias da evolução sociocultural e a proposição de um novo esquema da evolução humana, elaborado com o propósito específico de estabelecer categorias classificatórias aplicáveis ao estudo da evolução dos povos americanos do passado e do presente”. [5]  O negro e o índio compõem a nação brasileira, e assim, não há como demarcar espaços territoriais e/ou estabelecer regras para manifestações culturais de forma apartada, já que, não se deve estabelecer distinção de raça, cor ou credo, dentro dos princípios constitucionais da igualdade. Uma teoria pressupõe uma proposição de evolução sociocultural de todos os segmentos da sociedade moderna brasileira, e a educação é a porta de entrada para a descoberta do ‘Eu’ na preservação dos princípios da liberdade, ser capaz de decisão, seja pela maioridade civil, seja pelo entendimento lúcido da realidade que se impõe, não estando sob a guarda tutorial de outros, que em última instância, salvo melhor juízo, entende-se como auto-suficiência na condução da vida.
 
            Para entendermos melhor a linha de raciocínio é necessário buscarmos a gênese da palavra discriminação: do Lat. Discrimatione S.f., acto ou efeito de discriminar; separação; distinção; diferenciação; destrinça; discernimento; marginalização devido à diferença, de raça, por exemplo.[6] (grifo nosso). A separação como forma de condução de se assegurar direitos e deveres na ordem estabelecida no que concernem à raça negra e indígena, suscita uma distinção e uma marginalização no que tange a diferença da raça (cor negra e amarela), criando uma distinção improcedente, destoando da sistematização do texto constitucional, ferindo frontalmente os Artigos 1º, incisos II e III; 3º. , I e III e 5º, caput, incisos I e X.
 
            A intimidade sendo inviolável como direitos e garantias fundamentais, o tratamento apartado dado aos povos indígenas e as denominados em nosso território afro-brasileiros, destoa dos fundamentos étnicos estabelecidos como princípios de respeito à dignidade humana, na manutenção de um erro histórico no próprio processo civilizatório: a usurpação das terras e o genocídio dos povos indígenas; e a matança e escravidão dos povos negros, na construção do legado construído pela civilização branca, denominado históricamente pelo processo de construção do ‘Novo Mundo’.
 
            O tratamento constitucional ao distinguir na ordem estabelecida brancos, índios e negros, cria-se uma ‘ruptura na consciência interpretativa’, fruto da elaboração das Constituições Liberais, que subjugam ricos e pobres no ‘Corpo da Nação’.  
[…] No reinado de D. João III – início da colonização do Brasil e do processo civilizatório na Colônia de Exploração – os Jesuítas foram chamados para a Universidade de Coimbra. Portugal se afasta do movimento científico europeu do século XVII, porque, como já foi mencionado, reagiu face à eclosão da reforma protestante. O ensino dos Jesuítas quebrou com a tradição científica em Portugal (de espírito pragmático e empírico), o que produziu uma regressão no ensino. Os jesuítas tornaram-se os "donos do saber", e este se converteu em erudição livresca, isto é, em mera imitação servil do classicismo. Na parte especulativa, propagavam de modo autoritário as doutrinas de Aristóteles e as humanidades clássicas. O humanismo renascentista foi abafado, o que representou um retrocesso para Portugal e Espanha, já que ele trazia consigo a possibilidade de novas concepções da filosofia natural. Com os jesuítas no comando a cultura filosófica portuguesa adormeceu no comentário teológico e a influência jesuítica fechou Portugal à renovação científica. O ensino dos jesuítas era um ensino que prezava pela retórica, pelo gramaticismo, pelo formalismo e pela erudição livresca. Transmitiram ao Brasil Colonial um humanismo anacrônico, de base erudita e de tendência dogmática. Os métodos de ensino não foram renovados, sendo que as questões eram reduzidas na obrigatoriedade do texto e na escravização ao já conhecido. Assim, os jesuítas afastaram Portugal das correntes modernas e toda preocupação do séc. XVII volta-se para a renovação da escolástica. No campo do Direito, no início do processo civilizatório, o Brasil herdou o pensamento jurídico da escolástica ibérica. Não "importamos" as idéias nominalistas de um Scoto ou de um Guilherme de Ockam, pois elas representavam uma ameaça à igreja católica apostólica romana. Também não herdamos o espírito do humanismo renascentista, que trazia consigo a possibilidade de desenvolvimento de novas concepções baseadas na filosofia natural. Portanto, com a Reforma Protestante, Portugal se fechou para o movimento científico europeu. [7]
           Para nós, que olhamos sob o prisma das relações entre dualidades, por isto a Terra tem-se transformado, crescentemente, em um campo de luta, em que se digladiam, de um lado, a intransigência, e suas aliadas: o mercado e a desordem natural; e, de outro lado, a razão e suas forças principais: o planejamento e a ordem construída. Este é o fenômeno. É a civilização. Não é a globalização.
Diferentemente do que tem sido propagada, a prevalência das mesmas teses no mesmo espaço e a sua luta tem explicitado, crescentemente, as dualidades primitivas das sociedades humanas: a do centro com a periferia, e a da barbárie com a cultura. Entretanto, é de fundamental importância o entendimento que estes contrários sempre formam uma única unidade. Existe permanentemente uma unidade dos contrários.
Esta é a verdadeira explicação porque a disputa desse espaço, que é finito, que é limitado, tem sido feita, nos últimos quatrocentos anos, com muito maior vigor e rapidez, pelas partes que compõe o todo. Entretanto, chegar-se a este estágio no processo civilizatório requereu um permanente embate do homem com o universo. A conquista é uma ação de cooptação. Mas também é a afirmação de uma dominação. Há uma tese original – o homem – mas, também, há a sua antítese – o universo. Um para o outro. 
A mediação entre esses contrários foi, até a época das luzes, o trabalho; hoje é a ciência. As contradições permanecem intocadas. Nem o trabalho, nem a ciência desvelam o ignoto. As perguntas iniciais permanecem sem respostas. Entretanto, é inegável que o homem se aproximou do Absoluto, desde que se levantou sobre as patas posteriores e andou em alguma planície deste, na época, para ele, imenso planeta. E isto se tornou possível porque assumiu a posição de ordenador de seu contraditório: a natureza – materialização primeira do universo. O homem desde que racionalizou se inconformou. E desde que se inconformou, defrontou-se com a intransigência. 
As razões desta aproximação com o Absoluto são várias. Uma, no entanto, é unânime, em todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua acompanhante permanente, a vida política. E estas têm como sua última criatura: o Estado-Nação. É deste Estado-Nação que estamos falando dentro da concepção do Universo (Macrocosmo) e da Constituição (Microcosmo Jurídico). O Estado-Nação da República Federativa do Brasil, que vem envergando uma dívida histórica com os índios (genuinamente brasileiros), que estão pela lei e pelos bons costumes, apartados do processo civilizatório nacional.
           O aluno do Ensino Fundamental vê o indígena como um ‘Ser distante’; um alienígena que vive nas matas. Os valores ensinados nos livros e nos apostilados estão adstritos a conhecimentos precários da real existência dos aborígines e dos seus direitos no reconhecimento definitivo e eficaz da Nação. 
           O ensino do Tupi Guarani no Ensino Fundamental é de extrema importância para o resgate histórico da dívida para com os ‘reais proprietários da terra’. A historiografia nacional relata que uma das razões da matança dos índios ocasionados pelos colonizadores era porque não entendiam a língua indígena, e a comunicação sendo prejudicada, era mais fácil matar do que entender o que eles diziam. 
[…] No Brasil, a exploração litorânea praticada pelos portugueses encontrou mais uma facilidade no fato de se achar a costa habitada de uma única família de indígenas, que de norte a sul falava um mesmo idioma. É esse idioma, prontamente aprendido, domesticado e adaptado em alguns lugares, pelos jesuítas, às leis da sintaxe clássica, que há de servir para o intercurso com os demais povos do país, mesmo os de casta diversa. Tudo faz crer que em sua expansão ao largo do litoral, os portugueses tivessem sido sempre antecedidos, de pouco tempo, das extensas migrações de povos Tupi e o fato é que, durante todo o período colonial, descansaram eles na área previamente circunscrita por essas migrações. [8]
            A língua Tupi Guarani inserida no ensino fundamental do país vem resgatar uma integração truncada pelo histórico da colonização portuguesa, holandeza e espanhola e que serviu de base para que os colonizadores conhecessem melhor a terra e seus amplos conhecimentos sobre os recursos ambientais existentes nas “Terras de Santa Cruz”.
            Se observarmos que em tempos de globalização da economia, o ensino do idioma Espanhol já é uma realidade para atender o intercâmbio cultural e mercadológico no Continente Americano. Mutatis Mutantis, a língua Tupi Guarani irá despertar nas novas gerações o interesse do aprofundamento da cultura indígena, o respeito pelas comunidades afastadas, à valorização de seus direitos, e mais, vai atender aos novos tempos da necessidade de conhecimento da biodiversidade nacional, impedindo que culturas alienígenas provindas da América do Norte e de outros países, tenham acesso primeiro aos mistérios de nosso tesouro ecológico e cultural, patrimônio da Nação e afirmação de Soberania.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, no Artigo 78, estabelece “… o desenvolvimento de programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os objetivos de: proporcionar aos índios, suas comunidade e povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; e garantir aos índios, suas comunidades e povos o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas”. (grifo nosso).  Até o fim da década de 1980, no Brasil, a formação escolar, para as crianças e jovens egressos das comunidades indígenas, esteve subordinada à perspectiva de integração ao processo de formação – político e cultural -, de um Estado Nacional, que tem numa língua única, no caso o português, um componente cultural central. As distintas tradições escolares que chegaram aos povos indígenas, na história do contato entre as populações nativas e os europeus e seus descendentes, desde as iniciativas dos pioneiros jesuítas, seguidos mais tarde por missionários de outras confissões religiosas, assim como no âmbito do Estado, pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio – SPI e, depois, pelas escolas da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, estiveram profundamente vinculadas ao integracionismo. Tais experiências escolares eram dirigidas por educadores não índios e seus currículos, processos pedagógicos, calendários etc., não deveriam se distinguir do paradigma da escola comum a que, em tese, tem acesso qualquer brasileiro. A partir da LDB de 1996, o caráter da educação para o conjunto das áreas do conhecimento e para cada ciclo escolar das escolas indígenas inseridas no Ensino Fundamental. [9]
[…] Entrega a tangapema ao matador. Ajoelha-se. Boca-Negra agarra na clava. Ergue-a no ar. E… Enquanto os índios, no pátio, têm olhos sôfregos na cena, os dois europeus, na oca de Caeté, vivem uma hora estuporante. Hora arrepiadora. Sacode-os emoção fortíssima.[10]
 
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação novas perspectivas abriram para o processo integratório na escola brasileira, desmistificando a própria concepção do processo civilizatório, inserindo o índio, não como um elemento isolado da sociedade brasileira, mas sim, como um indíviduo, sujeito de direitos na ordem estabelecida, onde todos são iguais perante a lei.
 
Esta diretriz de mão-dupla: os índios integrados no idioma português e os brancos integrados no idioma indígena são onde construiremos a ‘ponte real’ de brasileiros. A representação indígena vem sendo tratada com hostilidade pelo governo brasileiro, muito mais, que a representação negra, dado a negação do processo de integração que a sociedade brasileira impôs aos índios, num desleixo de entender que todos exercem os mesmos direitos e obrigações pela Constituição Federal de 1988, com total acesso aos bens e serviços, seja em saúde pública e no acesso democrático a educação e a convivência sadia, na integração da sociedade nacional, extirpando as desigualdades regionais.
Um dos estigmas mais ferozes no Estado Brasileiro é a negação do voto indígena, tornando-se de uma forma ou de outra desinteressante para a classe política nacional, que pensa nos benefícios que não serão auferidos nas urnas. A CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICA (Aprovada na primeira sessão plenária, realizada em
11 de setembro de 2001), em seu Artigo 9, assim se expressa:
[…] A eliminação de toda forma de discriminação, especialmente a discriminação de gênero, étnica e racial, e das diversas formas de intolerância, bem como a promoção e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas e dos migrantes, e o respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa nas Américas contribuem para o fortalecimento da democracia e a participação do cidadão. [11]
            Se os índios são considerados brasileiros, com todos os direitos atribuídos aos demais cidadãos, independentemente de raça, cor ou credo, é primaz que se repense que para assegurar direito pressupõe que este cidadão esteja apto a entender por si só, a raciocinar dentro dos parâmetros indicados pela imersão a que está submetido neste processo civilizatório, que em última instância é o espaço do Estado Brasileiro, e suas linhas construtivas mestras é o ‘Corpo da Nação’, com todas as oportunidades oferecidas a qualquer cidadão.
            Em outras palavras, a que se criar uma cumplicidade humana a tal ponto, que não haja segregação pela lei. O protótipo segregacionista está em não oferecer educação suficiente às denominadas minorias, eleitas pelo processo civilizatório e, tentar inseri-lás oferecendo defesa de direitos (Art. 232 da CF/88), se essa minoria não recebe do próprio Estado e da própria Lei, instrumentos eficazes para o exercício pleno de sua cidadania, ponto fundamental do Estado Democrático de Direito.
            O ponto culminante do presente debate está no tratamento educacional ofertado aos povos indígenas, excluindo-os do processo civilizatório e criando leis que eles desconhecem pelo não contato com a civilização branca, separados pelo prejuízo da língua (Tupi Guarani), criando um adestramento na língua portuguesa, sem que haja uma troca humana em sua língua pátria.
[…] Também conduzem a regressões os movimentos anti-históricos desencadeados por classes dominantes que, sentindo-se ameaçadas em sua hegemonia, submetem seus próprios povos a transfigurações intencionais de caráter involutivo. Isto foi o que se deu com a caricatura espartana da cultura grega, resultante de um projeto obsessivo de perpetuação do seu domínio sobre um contexto escravista. [12]
 
 
 O processo civilizatório impositivo dos brancos para com os índios e os negros denigre o sentimento solidário do texto constitucional, inibe o caráter de unificação nacional e descredibiliza de forma brutal toda concepção de sociedade justa, afirmada em todo o Sistema Constitucional Brasileiro, ferindo mortalmente todos os princípios basilares de uma sociedade humana, que elege como fator prioritário a dignidade da pessoa.
           
           
 
 
 
  
 


[1] É advogado, escritor e jornalista. Pós-graduado em Direito pela ITE – Instituição Toledo de Ensino. (Bauru-SP). MBA em Marketing Estratégico e de Negócios pelo CESD – Centro de Ensino Superior de Dracena (Dracena-SP). Mestre em Direito pela UNIMAR – Universidade de Marília (Marília-SP). Autor de “Um Exílio Sem Volta” (Roswitha Kempf Editores, 1987). “O Agente Construtivo – como liderar e ser liderado sem perder a liderança” (Reges Editora Universitária, 2005). “O Anjo da Água – História para crianças que os adultos deveriam ler” (Indie – Editora & Livraria, 2006). Autor catalogado na “Enciclopédia de Literatura Brasileira Afrânio Coutinho, Volume 2, ( Academia Brasileira de Letras/Ministério da Cultura/Global, 2001).
[2] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Marica Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes – 38º. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2006. – (Coleção Saraiva de legislação), p. 151.
[3] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1984, p. 68.
[4] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Marica Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes – 38º. Ed. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 5 – (Coleção Saraiva de legislação).
[5] RIBEIRO, Darcy. Testemunho. São Paulo: Siciliano, 1991, p, 82 e 86/87.
[7] Disponível em jus2.uol.com.br/doutrina/texto., pesquisado em 07/04/2008.
[8] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1984, p. 71.
[9] MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos." Educação indígena" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira – EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002.
[10] SETUBAL, Paulo. A bandeira de Fernão Dias. – São Paulo: Ed. Moderna, 1983, p. 151.
[11] Disponível em www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic, pesquisado em 07/04/2008.
[12] RIBEIRO, Darcy. O Processo Civilizatório: estudos de antropologia da civilização; etapas da evolução sócio-cultural. – Petrópolis: Vozes, 1979, p. 59.

Joaquim Jose Marques Mattar

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