Um olhar para as nossas riquezas biodiversas: riscos e desafios para evitar a Biopirataria no Brasil

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Resumo

Este artigo trata da biopirataria e da perda da biodiversidade brasileira. Demonstra a biopirataria como uma prática ilegal que extravia para o mundo afora as riquezas ambientais da flora, das águas, da fauna e de nossos conhecimentos tradicionais locais. Enfatiza ainda o possível enfraquecimento da soberania territorial tendo em vista a não efetiva fiscalização e proteção de nossas riquezas. Elenca os desafios da perda de um imprescindível patrimônio genético e tradicional, ainda longe de ser mensurável do ponto de vista econômico, mas que já é explorado pelos “olhos grandes” da ganância internacional.apresenta também alguns desafios a serem superados para proteção de tais riquezas.

Palavras-chaves: biodiversidade. Riqueza. Patrimônio. Fiscalização.

Abstract

This article is about biopiracy and the loss of biodiversity in Brazil. Demonstrates biopiracy as an illegal practice that strays into the world the riches of the environmental flora, water, fauna and traditional knowledge of our locations. It further emphasizes the possible weakening of territorial sovereignty in order to ineffective supervision and protection of our wealth. It lists the challenges of a loss of vital genetic resources and traditional, yet far from measurable economic point of view, but that is already exploited by the big eyes” of greed internacional.apresenta also some challenges to be overcome to protect such riches..

Keywords: biodiversity. Wealth. Heritage. Supervisory Board

Introdução

Este artigo trata da Biopirataria no Brasil, aspectos gerais e conceituais. Apresenta a biopirataria como prática ilegal que extravia para o mundo afora as riquezas ambientais locais, é um mal que abate e enfraquece cada vez mais o Brasil e que termina ignorando sua soberania territorial, incluindo-se a perda de um imprescindível patrimônio genético e biosférico, ainda longe de ser mensurável do ponto de vista econômico, mas que já é explorado pelos “olhos grandes” da ganância internacional. Analisa também os interesses e contextos de desenvolvimento da biopirataria, ou seja, ela não é não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna, mas principalmente, a apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. Num terceiro momento o texto aborda a legislação brasileira de combate a biopirataria, e enfatiza os principais instrumentos aptos a promover a proteção da biodiversidade, garantindo sua conservação. Nesse contexto, um dos principais aspectos refere-se à regulamentação da biotecnologia, garantindo seu desenvolvimento dentro dos padrões de sustentabilidade ambiental. Traz ainda alguns aspectos da biopirataria no Brasil, os desafios e perspectivas, desafios que mesmo com dispositivos legais e o amparo da justiça o Brasil enfrenta um sério problema com relação à preservação de sua vasta biodiversidade. Por fim, apresenta algumas perspectivas no campo da preservação e do uso sustentável da biodiversidade e algumas observações a título de considerações finais.

  1. A Biopirataria no Brasil: aspectos gerais e conceituais

O termo biopirataria foi lançado em 1993 pela Organização Não Governamental Fundação Internacional para o Progresso Rural (Rafi), hoje ETC-Group, e refere-se ao fato de recursos biológicos (fauna e flora) e até mesmo conhecimento indígena serem recolhidos e patenteados por empresas multinacionais e instituições científicas, ao mesmo tempo em que as comunidades que, durante séculos, usaram esses recursos e geraram esses conhecimentos, não tem qualquer participação nos lucros decorrentes deste processo. A biopirataria está classificada na Lei de Crimes Ambientais brasileira como crime contra a fauna e a flora (FIORILLO, 2004).

A autora indiana Vandana Shiva (2001) classificou a biopirataria como a segunda chegada de Colombo. Segundo ela, o movimento de apropriação é semelhante ao saque de recursos naturais realizado na época das descobertas. E a autora segue afirmando que as patentes de hoje têm uma continuidade com aquelas concedidas a Colombo. Os conflitos desencadeados pelo tratado do GATT (Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, na sigla em inglês), pelo patenteamento de formas de vida e de conhecimentos indígenas e pela engenharia genética, estão assentados em processos que podem ser resumidos e simbolizados como a segunda chegada de Colombo.

2. A Biopirataria : interesses e contextos

Para Edward Wilson (1994) com o desenvolvimento da biotecnologia começou-se a observar a importância da diversidade de vida para o desenvolvimento dos mais variados produtos, principalmente os farmacológicos.

A biopirataria não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna, mas principalmente, a apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. Ainda existe o fato de que estas populações estão perdendo o controle sobre esses recursos (MILARÉ, 2004).

Atualmente, os biopiratas têm passaporte e se camuflam sob muitos disfarces: inocentes turistas, bem intencionados cientistas – com o aval governamental, mas propósitos indeclináveis. Em verdade, quando assim agem, todos não passam de verdadeiros mercenários do meio ambiente (WILSON, 1994).

Fazendo-se valer da carência social e econômica de mateiros, índios e matutos – gente que conhece com a palma da mão os mistérios e riquezas da natureza – buscam e orientam a exploração e o tráfico de mudas, sementes, insetos e toda a sorte de interesses nessa ampla biodiversidade. Ocorre que este conhecimento é coletivo, e não simplesmente uma mercadoria que se pode comercializar como qualquer objeto no mercado.

Em relação ao Brasil especialmente, Wilson (1994) argumenta que o descobrimento do potencial real de nossa enorme biodiversidade, a grande extensão territorial, a falta de recursos para fiscalizá-los, a escassez de recursos naturais no restante do mundo, aliados à falta de conscientização de sua importância científico-econômica estão facilitando a biopirataria. Aliás, a retirada de nossas riquezas naturais já vem desde o descobrimento, quando então se iniciou a evasão do nosso patrimônio.

Em decorrência da biopirataria, além da extinção de várias espécies conhecidas e outras que nunca se poderá conhecer, a lista de perigo de extinção é bastante longa. O desmatamento, as queimadas e a exploração agressiva do homem, diminuem as chances de sobrevivência de muitos bichos, além de exterminar com a flora, o solo e o que está abaixo dele (FIORILLO, 2004).

No Brasil, a floresta amazônica, em razão de sua biodiversidade peculiar acaba sendo o maior alvo da exploração estrangeira no que tange às suas espécies de fauna e flora, não sendo, porém, a única. A Mata Atlântica, por exemplo, possui enorme diversidade biológica, as regiões sul e sudeste recebem a maior parte do bolo de recursos para pesquisa e ensino e isso não é suficiente para criar uma ambiência de honestidade capaz de impedir que saiam de lá remessas ilegais de material biológico para o exterior.

Neste sentido, cumpre destacar que a floresta amazônica não pertence apenas ao Brasil, uma vez que abrange vários países vizinhos do Brasil (Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Suriname, Guiana e Guiana Francesa), sendo que as espécies não respeitam fronteiras. As mesmas espécies encontradas em território brasileiro também habitam esses países. Se não houver investimento em pesquisa para conhecer a biodiversidade existente na região, as nações desenvolvidas poderão se apropriar desse conhecimento por meio de associações com outras e não necessariamente com o Brasil.

A resolução do problema da biopirataria no Brasil depende principalmente de fiscalização mais eficiente das reservas naturais em todo o território nacional, especialmente na Amazônia, combatendo a retirada e venda de plantas e animais obtidos no ecossistema, e, principalmente, de investimento em conhecimento do patrimônio natural.

3.A Legislação brasileira que combate a biopirataria

O avanço das técnicas relacionadas à genética e a crescente utilização dos recursos naturais como matéria-prima pela biotecnologia trouxeram à sociedade o dever de fornecer instrumentos aptos a promover a proteção da biodiversidade, garantindo sua conservação. Nesse contexto, um dos principais aspectos refere-se à regulamentação da biotecnologia, garantindo seu desenvolvimento dentro dos padrões de sustentabilidade ambiental.

Ocorre que nos últimos anos, através do avanço da biotecnologia, da facilidade de se registrar marcas e patentes em âmbito internacional, bem como dos acordos internacionais sobre propriedade intelectual, as possibilidades para a biopirataria se multiplicaram.

A Constituição Federal, como expressão máxima dos princípios e valores que norteiam a conjuntura jurídica nacional, garante que o meio ambiente é bem de uso comum do povo (art. 225)1. A Convenção da Biodiversidade ratifica a soberania da Nação sobre os seus recursos naturais (art. 3°)2. O que acontece, na prática, é a apropriação ilícita do patrimônio genético brasileiro.

Destaca-se o fato de que muito embora a Carta Magna exija desde 1988 que o Poder Publico deva fiscalizar as entidades de pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, §1°, inc. II) e que a Convenção da Biodiversidade, em 1992, proponha que as partes controlem o seu patrimônio natural, para uma utilização sustentável (art. 1°), o Governo do Brasil só veio regular a matéria (acesso e uso da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético) em 2001, através da Medida Provisória 2.186.

A referida norma condiciona o acesso a recursos naturais à autorização da União e prevê a repartição de benefícios, se houver uso e comercialização. Outros projetos de lei sobre o assunto também tramitam no Congresso Nacional, entre eles o que estabelece as condições para autorização de acesso a recursos genéticos nacionais.

A incipiente legislação que protege o país da biopirataria está começando a sair do papel, trazendo novas responsabilidades para quem trabalha com biotecnologia. Criado pela Medida Provisória 2.186, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), do Ministério do Meio Ambiente, prevê para este ano (2005) a concretização de uma série de medidas que irão viabilizar sua atuação na proteção do patrimônio genético local. Algumas empresas já procuraram o órgão para regularizar sua situação e, a partir da aprovação da primeira leva de uma nova modalidade de contratos, o órgão começará a aplicar sanções a quem estiver em situação considerada irregular. As implicações vão desde a anulação de patentes à aplicação de multas que podem chegar a R$ 50 milhões.

O referido Conselho possui caráter deliberativo e normativo, sendo formado por representantes dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal (art.10) e devendo, necessariamente, ser presidido pelo representante do Ministério do Meio Ambiente.

Os princípios norteadores da Medida Provisória 2.186 são: conservação da diversidade biológica, utilização sustentável de seus componentes e repartição justa e eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização dos recursos genéticos.

Fundamentalmente, a Medida Provisória intenta regulamentar os bens, direitos e obrigações relativos: ao acesso de componente do patrimônio genético; ao acesso do conhecimento tradicional associado ao componente genético; à repartição justa e eqüitativa de benefícios derivados da exploração dos citados anteriormente; ao acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para conservação e a utilização da diversidade biológica. Isto se dá através do preenchimento de formulários e termos que autorizem a atividade envolvendo os bens tutelados.

4.Aspectos da biopirataria no Brasil:desafios e perspectivas

Mesmo com dispositivos legais e o amparo da justiça o Brasil enfrenta um sério problema com relação à preservação de sua vasta biodiversidade. A Amazônia representa uma fonte importante dos recursos naturais e biodiversidade, e como tal sofre constantemente depredações e avarias.

Sabe-se que o desenvolvimento científico e tecnológico é um dos pilares do desenvolvimento econômico de qualquer país e, com o aprimoramento das técnicas de pesquisa associado ao aperfeiçoamento dos sistemas de propriedade intelectual, as atividades científicas e tecnológicas desenvolveram-se de forma contundente no último século.

A região amazônica sempre se caracterizou por um intenso movimento de material genético, desde os primórdios de sua ocupação. É interessante efetuar um breve balanço dessa entrada e saída de recursos genéticos na região amazônica, para permitir ilações quanto ao futuro.

A Amazônia, em particular, constitui um cenário territorial de suma importância, no que se refere aos desdobramentos práticos dos desafios e impasses hoje colocados internacionalmente em torno da conservação e do uso sustentável da biodiversidade, expressos na CDB, podendo ser vista, deste modo, como um campo de ação “avançada” dos conflitos aí existentes, bem como de suas possíveis soluções, onde se mesclam e se articulam os diferentes níveis – do global ao local.

Alguns consideram que o próprio conceito de biodiversidade, nos moldes atuais, ganha expressão a partir da preocupação mundial com o desflorestamento em larga escala, tal como observado por Laymert Garcia dos Santos (1994, p.135):

A Amazônia brasileira atraiu a atenção porque o desmatamento parecia interligar, num cenário catastrófico, três grandes tendências contemporâneas que podem conduzir a um desastre ambiental global: o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a perda da biodiversidade. Na verdade, foi o desmatamento tropical que forjou o próprio conceito de biodiversidade e engendrou uma nova questão.

A Amazônia abriga uma das últimas extensões contínuas de florestas tropicais úmidas da Terra, detendo cerca de 1/3 do estoque genético planetário. Embora não haja dados conclusivos, estima-se que existam na região cerca de 60.000 espécies de plantas (das quais 30.000 de plantas superiores, sendo mais de 2.500 espécies de árvores), 2,5 milhões de espécies de artrópodes (insetos, aranhas, centopéias, etc.), 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos (SANTOS, 1994).

Nesse contexto, a Amazônia, que já desfrutava da condição de área geopoliticamente estratégica, em razão de suas dimensões continentais3 e de suas vastas riquezas naturais4, ganha nova projeção internacional: como habitat natural, cujo processo de degradação estaria comprometendo o equilíbrio ecológico do planeta, e enquanto reserva de valor futuro, frente às perspectivas de novos usos dos ricos recursos genéticos lá existentes, porém sob ameaça de extinção.

De acordo com Eduardo Viola (1995) a inserção da temática da biodiversidade no contexto amazônico ocorre em meio a diferentes pontos de vista. Esse espectro inclui desde aqueles que se colocam favoravelmente à continuidade dos padrões desenvolvimentistas hegemônicos a partir dos anos de 1960 (migrações, grandes projetos, exploração generalizada dos recursos naturais), passando pelos que são favoráveis a uma combinação de conservação e uso sustentável, até os que se alinham a uma orientação eminentemente preservacionista (através de unidades de conservação de proteção integral e do controle populacional na região). Tais correntes de opinião “cortam as instituições de um modo muito complexo” (idem), estando várias delas simultaneamente representadas em um mesmo segmento ou instituição.

Conforme Ana Cristina Barros e Alberto Veríssimo (1996) a proteção da biodiversidade, por sua vez, encontra também motivações diversas. Corporações transnacionais, especialmente nos setores de fármacos e de defensivos agrícolas, têm interesse em preservar o patrimônio genético para suas explorações biotecnológicas. Grupos e organizações ambientalistas, nacionais e estrangeiros, atuam motivados pela proteção ao meio ambiente pelo seu valor intrínseco, embora, em alguns casos, levantando dúvidas sobre seus vínculos com interesses externos aos da região. Bancos multilaterais, pressionados pela opinião pública internacional com respeito à questão ambiental, passam progressivamente a incorporá-la como critério e requisito para o financiamento de projetos na Amazônia, aí incluindo-se a conservação da biodiversidade. O governo brasileiro começa a assumir, ao menos no plano do discurso, a importância da biodiversidade para um desenvolvimento em bases sustentáveis da região. Comunidades extrativistas vão-se apercebendo do fato de que conservar o ecossistema amazônico é condição para sua própria sobrevivência, na medida em que dependem de uma exploração sustentável dos recursos biológicos locais como meio de subsistência; enquanto que as chamadas populações “tradicionais” pouco a pouco se conscientizam da importância dos seus conhecimentos empiricamente acumulados a respeito dos recursos biogenéticos da região, para o melhor aproveitamento econômico desses recursos.

Conforme Marcelo Baglione (2005), em um apanhado realizado quanto à ação da biopirataria, podem-se destacar alguns aspectos muito importantes.

Primeiramente, o caso dos pontos da retirada ilegal de madeira e produtos da floresta para fins comerciais o que é um crime previsto na Lei de número 9.605/98.

Além disso, verifica-se que os produtos amazônicos com reconhecido poder medicinal mais procurados pelos piratas da floresta são a casca da Jatobá, casca do Ipê roxo, folha da pata da vaca, cipó da unha de gato, casca da canelão e da catuaba. De acordo com estudos realizados por pesquisadores brasileiros foram identificadas 105 espécies medicinais.

Segundo várias estatísticas e estudos amplamente publicados na imprensa em geral, cerca de 25% dos medicamentos existentes foram elaborados com ingredientes ativos extraídos de plantas, devendo ser registrada a relação de 119 substâncias químicas usadas regularmente na medicina em todo o mundo referida por Norman Farnsworth (1997), o que mostra a importância do uso da variedade da flora. Na agricultura a biotecnologia tem se destacado cada vez mais, conseguindo excelentes sucessos na reprodução tanto de plantas quanto na melhoria de produção animal, com importantíssima colaboração de genes de plantas e animais etc.

Por apresentar elementos fundamentalmente essenciais para a efetivação de avanços em diversas áreas, e principalmente na saúde, o uso dos recursos da biodiversidade é indispensável, sendo, porém, importante observar a utilização sustentável.

5 A perspectiva da Preservação ao Uso Sustentável

Para Heline Sivini Ferreira e José Rubens Morato Leite (2004) ocorre que nas negociações que antecederam a assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica, predominava, a princípio, o foco na conservação de espécies e ecossistemas. Ao longo do processo, porém, vários países em desenvolvimento ricos em biodiversidade – com destaque para o Brasil –, mobilizaram-se no sentido de transformar a CDB em um instrumento cujo eixo fosse também o uso sustentável dos recursos biológicos e a partilha de seus benefícios.

Na Amazônia, a ótica da conservação stricto sensu vem cedendo espaço ou demonstrando-se indissociável da questão do uso sustentável dos recursos genéticos e biológicos amazônicos. Esse relativo deslocamento do eixo da abordagem da problemática da biodiversidade na região, vem acompanhando uma tendência verificada internacionalmente e expressa na Convenção sobre Diversidade Biológica, mas, no entanto, dividindo opiniões (BRUCKE; FREIRE; LIMA, 1995).

Por um lado, a floresta amazônica passa a constituir um verdadeiro “banco de informações” genéticas, químicas e ecológicas, representando assim uma promissora fonte de exploração econômica para as indústrias de alta tecnologia, como a farmacêutica e de defensivos agrícolas, entre outras. Por outro lado, como já assinalado, são igualmente fortes os interesses em torno das formas tradicionais e historicamente estabelecidas de exploração dos recursos naturais da Amazônia, que, embora praticadas de forma predatória ao meio ambiente, são geradoras de elevado valor econômico e comercial a curto prazo (BRUCK; FREIRE; LIMA, 1995).

A atividade madeireira, em particular, ao mesmo tempo em que promete ser uma das atividades economicamente mais dinâmicas da Amazônia, é hoje apontada como a mais grave ameaça aos ecossistemas da região e à sua biodiversidade em particular, nos próximos anos, tanto em termos de área afetada, quanto pela intensidade do padrão predatório que se está imprimindo a essa atividade5.

Para os ambientalistas, impõe-se cada vez mais o reconhecimento de que não se pode simplesmente descartar essas atividades econômicas, seja pelo seu elevado potencial econômico, seja porque já se consolidaram como formas de uso e ocupação do território na região. Caberia então buscar a melhor maneira de inseri-las em uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Existem diferentes avaliações sobre as possibilidades e os meios de torná-las compatíveis com a proteção e o aproveitamento não predatório da biodiversidade. Alguns acreditam que muitas dessas atividades podem ser ao mesmo tempo lucrativas e ambientalmente sustentáveis, desde que praticadas em sistemas de uso intensivo e de manejo sustentável, de modo a preservar a cobertura florestal. No entanto, nem todos estão de acordo que o manejo sustentável seja condição suficiente para impedir a perda de importantes variedades de espécies e de gens presentes nos ecossistemas florestais (BARROS; VERÍSSIMO, 1996).

Em face das atuais e potenciais implicações negativas, do ponto de vista do meio ambiente amazônico, das atividades econômicas acima elencadas, muitos acreditam que a alternativa mais adequada para a região é apostar no uso sustentável de seus recursos biológicos e genéticos.

Estão hoje em pauta três grandes alternativas de uso sustentável da biodiversidade amazônica: o extrativismo vegetal e a pesca (de subsistência ou com fins comerciais); a transformação industrial local de recursos biológicos, especialmente o cosmético-farmacêutico, o de inseticidas, insetífugas e assemelhados, e o alimentício; e o aproveitamento de recursos biogenéticos por meio de biotecnologias avançadas e da engenharia genética. Essas alternativas, por sua vez, podem ser implementadas de modo tanto a representar uma consolidação da biodiversidade como meio de sustentação econômica da região, quanto a promover sua apropriação por agentes econômicos externos (BARROS; VERÍSSIMO, 1996).

Do ponto de vista da viabilidade econômica do aproveitamento dos recursos biológicos, em bases sustentáveis, verifica-se a existência de dois grandes conjuntos de opiniões. Sob a ótica capitalista convencional, o retorno econômico que os recursos associados à biodiversidade podem hoje proporcionar é ainda baixo, se comparado com os ganhos advindos de outras atividades, em áreas como a exploração mineral, incluindo a própria exploração madeireira. Por outro lado o aproveitamento da biodiversidade amazônica, em bases sustentáveis, pode gerar igual ou maior valor do que formas mais predatórias de exploração dos recursos naturais amazônicos, com a vantagem de não causar desmatamento.

O aproveitamento dos recursos genéticos amazônicos, a partir de seus usos pelas novas biotecnologias, embora seja uma questão emergente, é ainda pouco compreendida, mensurada e principalmente incorporada às políticas governamentais e às estratégias empresariais direcionadas para a região. O baixo uso da biodiversidade florestal pelas tecnologias avançadas é creditado a um conjunto de fatores, tais como: as perspectivas ainda limitadas de retorno financeiro a curto prazo; a existência de coleções em pequeno número e com baixa representatividade em termos da diversidade genética da região; a escassez de recursos humanos e financeiros apropriados e os baixos níveis de utilização de tecnologias modernas na região.

Uma estratégia orientada para o desenvolvimento da biotecnologia na Amazônia teria de contemplar, dentre outras medidas, a construção de uma infra-estrutura adequada e a implementação de uma política de fixação de recursos humanos qualificados na região, de modo a conter a forte evasão de pessoal qualificado, seja pelos baixos salários, seja pelas precárias condições regionais para a pesquisa científica e tecnológica.

Considerações finais

Embora a Convenção sobre Diversidade Biológica tenha força de lei nos países que a ratificaram, isto não assegura sua capacidade de fazer valer, concretamente, suas determinações. É talvez na escala do local onde se colocam os mais sérios desafios à sua implementação. A CDB não representa, apenas, o desfecho de um processo de negociação internacional com respeito aos diversos aspectos envolvidos com a temática da biodiversidade. Ela é também parte e expressão de uma dinâmica ainda em curso de disputas e alianças no que se refere a seus desdobramentos práticos no território.

É possível constatar que a biodiversidade vem sendo, ainda que lentamente, incorporada à legislação, às políticas públicas e ao discurso das elites políticas e econômicas, nacionais e regionais. Paralelamente, emergem novos atores, estruturam-se novas parcerias e propõem-se novos projetos alternativos de uso da terra e dos recursos naturais da região, de geração e distribuição de renda, de aplicação de tecnologias novas e tradicionais, o que pode ser interpretado como uma sinalização de importantes mudanças .

No entanto, poucos resultados concretos foram alcançados no sentido de mitigar o processo de destruição e degradação florestal e de incorporar a proteção da biodiversidade ao que se propõe e ao que se pratica na região. Do mesmo modo, as atividades vistas como positivas do ponto de vista da biodiversidade ainda enfrentam sérias barreiras de ordem econômica, política, técnico-científica e sócio-cultural. (FERREIRA; LEITE, 2004).

Então, estabelece-se uma tensão entre a tentação de exploração imediata da floresta por alguns segmentos, que conseguem alta lucratividade com as formas predatórias; e outros que apostam nas possibilidades de uma exploração de mais longo prazo dos recursos naturais amazônicos e até na possibilidade de obtenção de ganhos muito maiores, através do uso da biodiversidade pela biotecnologia. Promover esforços de conservação da natureza, em um contexto em que são tão gritantes as pressões por desenvolvimento social, e em que são tão exuberantes os atrativos para os que estão ávidos por ganhos econômicos de curto prazo, sem qualquer ou conseqüente compromisso com objetivos de sustentabilidade ambiental, não é, desse modo, nada trivial ou consensual.

A Amazônia representa um campo avançado de implementação dos acordos globais relativamente à proteção da diversidade biológica, bem como de experimentação de novas alternativas para se lidar com essa questão. Por outro lado, tornam-se também evidentes os limites da ação institucional. Ou seja, ainda que represente importante elemento de mudança, não basta estabelecer um arcabouço jurídico-normativo de âmbito internacional ou nacional. É preciso o respaldo de uma dinâmica social muito mais ampla, que é determinada pelas práticas concretas dos atores. Trata-se ainda de abordar a temática do meio ambiente de forma integrada, como questão simultaneamente global, internacional, nacional e local, bem como em todas as suas dimensões – ecológica, econômica, política e sócio-cultural. Sobretudo, é mister o amplo envolvimento e o comprometimento, não apenas dos poderes públicos e dos atores mais diretamente interessados e afetados pela temática da biodiversidade, mas da sociedade como um todo, fazendo-a consciente e sensível a seu respeito.

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1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

2 Art. 3º – Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.

3 A Amazônia sul-americana, ou Grande Amazônia, ocupa cerca de 7.800.000 km2, distribuídos pelo Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Equivale a 1/20 da superfície terrestre, à cerca da metade da superfície da Europa e a 2/5 da América do Sul. A Amazônia Legal brasileira corresponde a quase 60% do território nacional, com uma superfície de aproximadamente 5 milhões de km2, representando 78% da cobertura vegetal do país e abrangendo oito estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e a maior parte do Maranhão (SANTOS, 1994).

4 Além de rica fauna e flora, a Amazônia apresenta ampla diversidade de substrato geológico, solos, climas e a maior bacia hidrográfica do mundo (SANTOS, 1994).

5 Calcula-se que existam na Amazônia pelo menos 60 bilhões de metros cúbicos de madeira em tora de valor comercial, que podem chegar a R$ 4 trilhões de madeira serrada. Caso estejam corretas projeções que apontam para um crescimento do setor madeireiro em mais de 10% anuais, essa atividade poderá tornar-se a principal forma de exploração econômica da terra na Amazônia (BARROS; VERÍSSIMO, 1996).

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

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