Teoria dos valores jurídicos: o neokantismo e o pensamento de gustav radbruch

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Resumo: O resgate dos valores na pós-modernidade implica na construção de um arcabouço de natureza processual e lingüística, que reformule o marco de concretização dos valores. Nesse sentido, a contribuição neokantiana faz-se necessária a partir da crítica dos fundamentos dos valores, tomando-os como objetos culturais (Radbruch) e discursivos (Alexy-Habermas). A evolução histórica do neokantismo demonstra a necessária persecução da concretização racional-discursiva dos valores e a retomada deles no âmbito de uma hermenêutica e sociologia críticas, capaz de enfrentar os problemas de regulação da conduta humana.
 
Resumé: Le sauvetage des valeurs dans post-modernité implique dans la construction d’une fondement de nature processive et linguistique, qui reformule la borne de concrétisation des valeurs. Dans ce sens, la contribution néokantiene se fait nécessaire à partir de la critique des fondements des valeurs, en les prenant je mange des objets culturels (Radbruch) et des discurs (Alexy-Habermas). L’évolution historique de la néokantisme démontre à la nécessaire persécution de la concrétisation rationnel-linguistique des valeurs et de la reprise d’elles dans le contexte une herméneutique et sociologie critiques, capable d’affronter aux problèmes de règlement de la conduite humaine.
 
Palavras-chave: valores; neokantismo; sociologia crítica
 
Mots-clés: valeurs; néokantisme; sociologie critique
 
 
O desenvolvimento de uma pesquisa sobre teoria dos valores jurídicos implica no trato crítico da vertente neokantiana em seu aprofundamento teórico metodológico e lingüístico, dada a importância de um paradigma lingüístico-discursivo e racionalista procedimental sobre o fenômeno axiológico, o que modificou a acepção, já clássica, do culturalismo neokantiano de Gustav Radbruch.
Por isso, entendemos a importância de se colocar a equação crítica sobre os valores do direito em duas vertentes de difícil diálogo na filosofia: primeiro o neokantismo, que resgato nesta obra desde as Escolas de Baden e Marburgo do início do século XX até o ‘pragmatismo kantiano’ de Jürgen Habermas e o construtivismo de Robert Alexy. Segundo, a crítica da cultura feita pela sociologia desde Horkheimer e Adorno na Escola de Frankfurt, passando por Marcuse, Agamben dentre outros, tendo como ponto de incidência desse embate filosófico o pensamento de Gustav Radbruch.
O pós-modernismo capitalista implica transformações importantes na estrutura cultural. A globalização afetou a forma de se conceber as relações entre as culturas e qualquer teoria universalista dos direitos humanos, como a teorização radbruchiana-kantiana, deve levar em conta tal paradigma se quiser continuar a dar uma resposta aos problemas jurídicos atuais.
Redimensionar o problema dos valores na pós-modernidade significa debater com diversas tradições da filosofia pós-metafísica, o que no Direito faz-se presente a partir da percepção do mesmo como fenômeno cultural multifacetado, envolto na série de problemas que representam o desafio regulador da conduta humana extensivamente livre e complexa, pragmaticamente exercida numa sociedade que se afasta cada vez mais da Moral e da Religião e encontra no Direito seu marco normativo de coesão.
A filosofia do direito de Gustav Radbruch introduziu o debate neokantiano sobre os valores no âmbito jurídico, sendo importante para a fundamentação dos direitos humanos em meados do século XX no pós-guerra. O presente ensaio discute os conceitos-chave de tal jusfilosofia na esperança de atualizá-los e confrontá-los com os novos teóricos do neokantismo jurídico (Alexy, Habermas, Dworkin, dentre outros), concedendo ao leitor um panorama do debate sobre os valores jurídicos. 
O neokantismo e a ética kantiana dão respostas a um vazio que o pós-modernismo deixa a descoberto: a ausência de uma regulação da conduta humana por uma moralidade interna implica a necessidade de fundamentação de uma moralidade a partir do exterior (intersubjetiva), objetiva, discursiva e em muitos pontos próxima do direito, mais próxima da Ética do que de moralismos tradicionais e conservadores.
Ética deve voltar com toda a sua exigência de motivos obrigacionais mesmo na pós-modernidade, e o Direito anda de mãos dadas com ela na construção de valores comuns capazes de suster a crise das relações interpessoais que o grau de liberalização da sociedade proporcionou. Direitos humanos, valores, ética, são problemas recorrentes na pós-modernidade e as propostas de Radbruch e a do neokantismo merecem ser discutidas nesse paradigma de confronto entre indivíduo-sociedade no qual se vive atualmente.
            Objetivo da pesquisa é a discussão das perspectivas reestruturadoras da fenomenologia e do neokantismo jurídicos no âmbito da análise do pensamento de Radbruch, o que implica aliar a reestruturação do pensamento jusfilosófico neokantiano na perspectiva de desenvolvimento traçada por Dworkin, Rawls, Apel e principalmente por ALEXY (2001) de um construtivismo racional e discursivo da juridicidade o que representa, conseguintemente, esforços de continuidade do projeto iluminista (kantiano) de esclarecimento e de racionalidade no direcionamento da conduta humana.
            O contexto de desenvolvimento da obra pretende analisar o desdobramento histórico-filosófico do pensamento de Radbruch.
 Através do resgate do pensamento dos filósofos do neokantismo Lotze, Windelband, Lask e Rickert se delimita a evolução do pensamento filosófico neokantiano a fim de mostrar os fundamentos do ideário de Radbruch.
Buscou-se colocar as bases filosóficas e axiológicas do pensamento de Radbruch no sentido de definir claramente as origens neokantianas do mesmo.
Radbruch resolve o relacionamento dos valores jurídicos como direito positivo no sentido da concretização pragmática oriunda de um reconhecimento histórico de proteção aos direitos humanos.  
Radbruch passou a compreender, na segunda fase de seu pensamento (sob a experiência nazista, a partir de 1934), que o mundo dos valores jurídicos, mesmo no âmbito de uma visão neokantiana, é voltado, em última análise, para a concreção do Direito na sociedade, conferindo aos homens aquilo que eles necessitam como bens existenciais, afeitos à vida em sua expressão comum, e não a fins imaginários ou utópicos (como no pensamento jurídico nazista).
Para o Radbruch da segunda fase, direitos humanos, expressão atualizada dos direitos naturais, deveriam ser respeitados e efetivados pelo Estado (direito positivo).
 Para Radbruch, os direitos naturais são o parâmetro pelo qual dever-se-ão as leis se adequarem, se não quiserem ser banidas do mundo jurídico. Passa a conferir um caráter absoluto e universal aos direitos humanos, ainda que continue a propugnar para os mesmos um caráter de construção racional e formal, dentro da tradição neokantiana.
Este é o jusnaturalismo axiológico do segundo Radbruch, e a reestruturação de seu ideário conjuga-se nessa compreensão de um Direito Natural como direitos humanos universais porque predominantes no marco cultural e histórico Ocidental, mas retrabalhados cognitivamente pela racionalidade procedimental (Alexy-Habermas), renovado normativamente, atuante socialmente e concretizável axiologicamente.
Essa priorização material da justiça na segunda fase do pensamento radbruchiano foi uma necessidade histórica e social de respeitabilidade aos direitos humanos a partir do reconhecimento de que só a justiça e o conjunto dos direitos humanos postos como prioridade efetivada pelo Estado, seriam capazes de realizar a correta acepção dos direitos humanos que deveriam ser positivados como fundamentais (legais) garantidos às pessoas humanas.
Sem essa diretiva de concreção material, os valores e direitos fundamentais poderiam ser postos em perigo quando da supercrescimento do poder normativo estatal sob a batuta de regimes ditatoriais (a exemplo do nazismo alemão). 
Robert Alexy (1994) apregoa que a tese radbruchiana pode vir a ser atualizada a partir da colocação dos direitos humanos como um critério de correção da aplicabilidade e da valoração do Direito Positivo, e que tal critério se justifica como meio do juiz decidir, em cada caso concreto, da incoerência existente entre o Direito Positivo e os direitos humanos em alguns casos extremos.
Alexy (1994) mostra que, calcado na análise dos pós-positivistas Norbert Hoerster e Herbert Hart, o critério de avaliação que Radbruch busca imprimir ao direito positivo é passível de crítica: primeiro, que depende tal critério ético de uma avaliação subjetiva (posição de um observador), como coloca Hoerster apud Alexy (1994), que estabelecesse as conexões lógicas entre as normas éticas e as jurídicas a cada caso concreto.
Assim, para Hoerster, seria impossível a erigição de uma conexão lógica necessária e abstrata entre norma jurídica e norma ética, o que desconstrói a estrutura logicista da Escola neokantiana de Marburgo e ataca o formalismo de Radbruch.
            Por isso Alexy considerou obscura a fórmula radbruchiana de se adequar o Direito Positivo à finalidade de servir os valores jurídicos e a idéia de Direito. Assim, somente estabelecendo um critério de correção entre positividade (valor segurança jurídica) e eticidade (valor justiça), é que se poderia admitir a tese radbruchiana do julgamento do direito positivo por um direito supra-estatal eticamente valorado.
Uma interpretação axiológica os valores jurídicos, que não os trate somente como fundamentos genéricos e formalísticos-ideativos, mas seja sociologicamente concretizante e metodologicamente científico-racional é o que se busca estatuir como “jurisprudência das valorações”.
             A assim chamada “jurisprudência das valorações” é na verdade uma tentativa de, a partir da adoção da linha axiológica na construção dos modelos decisórios, fazer com que a estrutura jurídica (normativa e principiológica) seja implementada e concretizada através das valorações do Direito.
Os sistemas positivistas e normativistas, bem como a denominada “jurisprudência dos conceitos”, foram todos impossibilitados de se constituírem enquanto sistemas jurídicos valorativos por seu abstracionismo conceitual ínsito, só se pode soerguer um autêntico sistema de Direito quando nele se impregnam valores efetivamente atuantes e concretizáveis.
Expressão positivada desses valores jurídicos certamente são os direitos humanos, protegidos pelo conjunto de sistemas normativos (tratados e pactos) internacionais e aptos a ser concretizados pela hermenêutica jurídica dentro dessa visão aberta e axiológica e, ao mesmo um tempo, crítica e processual lingüística e racional do sistema jurídico.
 
CONCLUSÃO
 
            O presente artigo objetiva, da forma acima alinhavada, resumir o livro ‘Teoria dos Valores Jurídicos: o neokantismo e o pensamento de Gustav Radbruch’, com o qual o autor pretende expor a evolução histórica do neokantismo e traçar um panorama dos novos rumos de tal movimento jusfilosófico na pós-modernidade, ofertando, na busca desse fim, um painel crítico sobre os valores jurídicos. 
 
 
Newton de Oliveira Lima[1]
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
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ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural e Sociedade. Trad. de Júlia Levy. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
 
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ALEXY, Robert. El concepto y la validez del Derecho. Trad. de Jorge de Sena. Espanha, Barcelona: Gedisa, 1994.
 
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REALE, Miguel. Experiência e Cultura. São Paulo: Edusp-Grijalbo, 1977.
 
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[1] Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O presente artigo resume o livro ‘Teoria dos Valores Jurídicos: o neokantismo e o pensamento de Gustav Radbruch’.1. ed. Recife: Fundação Antônio dos Santos Abranches, 2009. 227 p.

Newton de Oliveira Lima

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