Solução de controvérias no âmbito do mercosul

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RESUMO: Da integração, advém a necessidade de previsão de meios eficazes para a solução de possíveis conflitos nas relações entre os países membros, pois cada um possui norma interna própria que influencia diretamente nas relações externas. Os benefícios da ampliação das fronteiras são muitos, todavia deve-se ter em vista a previsão de vias pacíficas para a solução das controvérsias que possam surgir, a fim de que não haja arbitrariedade e as relações entre esses países com a formação dos blocos cumpram o seu fim. No âmbito do Mercosul, convém destacar o Protocolo de Olivos, instrumento mais atual no que diz respeito à solução de controvérsias neste bloco.

PALARAS-CHAVES: Controvérsias. Globalização. Mercosul. Estados membros.

ABSTRACT: The need of prediction about effective ways for the solution of conflicts in relations between countries comes from integration, because each one has its own internal norms wich directly influences external relations. The benefits of expanding the borders are many, however one should keep in view the forecast of peaceful ways for the solution of disputes that may arise, so that there is no arbitrariness and the relations between these countries fulfill its end with the blocks formation. Considering the Mercosul, the Protocolo de Olivos, most current instrument in respect of dispute settlement in this block, notoriously stands out.

KEY-WORDS: Controversies. Globalização. Mercosul. Member States.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma das características da globalização é a formação de blocos econômicos regionais. Esse processo de interação entre os países considera aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais, promovendo a intensificação das relações comerciais internacionais e contribuindo para a diminuição das distâncias e expansão das fronteiras.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, veridica-se a necessidade e as vantagens da aproximação entre os Estados que, sozinhos, não lograriam se reerguer a curto prazo. Surge, então, a idéia de integração por meio da criação de blocos econômicos com a finalidade de facilitar o comércio e as relações em geral entre os países membros. Observa-se que desde que os países europeus optaram pela integração econômica para enfrentar a concorrência dos Estados Unidos, no mundo pós-guerra, a fórmula foi seguida por outros continentes em busca de fortalecimento no cenário internacional.

Partindo-se do pressuposto de que uma oposição de teses jurídicas ou de interesses entre Estados caracteriza o chamado conflito internacional[1], as Convenções de Haia de 1899 e 1907 regularam a solução de litígios inaugurando uma nova fase no Direito Internacional, marcada pela institucionalização dos procedimentos de resolução de disputas.[2]

Com o fim da Segunda Guerra Mundial verifica-se que o interesse pelos meios pacíficos de solução de conflitos redobrou, percebendo-se, inclusive, considerável alargamento do campo regulatório do direito internacional. Essas mudanças proporcionaram a proliferação de cortes judiciais permanentes e ainda um aperfeiçoamento da arbitragem para a resolução de conflitos decorrentes da integração econômica.[3]

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, em 1991, o Tratado de Assunção, que constituiu o Mercado Comum do Sul (Mercosul), sendo que, em 1995, instalou-se uma zona de livre-comércio, isto é, grande parcela das mercadorias produzidas nos quatro países podia ser comercializada internacionalmente sem a cobrança de tarifas de importação. Outro importante ponto foi a união aduaneira entre os países membros, que significou a padronização das tarifas externas para inúmeras mercadorias. Isso significa que todos os integrantes importam produtos e serviços de terceiros, pagando tarifas iguais. Tais medidas visaram integrar a economia e fortalecer a negociação em bloco com os outros países.

Em 25 de junho de 1996, os presidentes da Bolívia e do Chile assinaram a adesão desses países ao Mercosul como membros associados, porém, a Bolívia só formalizou sua participação em fevereiro de 1997. Vale destacar que, no caso específico do Mercosul, é de suma importância a união dos países da região para que possam fazer frente à competitividade de potências como a União Européia, Estados Unidos e demais países desenvolvidos.

Todo esse processo de integração acaba por implicar na diminuição do grau de liberdade e na passagem cadenciada da soberania estatal para órgãos e instituições supranacionais, o que não é uma condição indispensável, mas acaba por viabilizar melhor a realização dos objetivos definidos pelos tratados. [4]

A questão da soberania e o processo de integração do Mercosul, não só para os Estados Partes, como para toda a América Latina, de forma geral, é um tema de grande sensibilidade tendo em vista as peculiaridades de cada um desses países. Um dos maiores problemas para a efetivação da integração ainda é a sujeição do Estado às normas internacionais.

Frequentemente permite-se que o órgão supranacional atue nos pontos em que o Estado tem debilidade, mas evita-se a imposição de um poder supremo e total. Assim, o próprio Estado, por um ato de soberania, aceita, através de um tratado, sujeitar-se à jurisdição internacional e ao cumprimento das normas decorrentes deste tratado.

O ordenamento jurídico interno de cada país prevê meios de resolução de litígios por meio de tribunais regularmente constituídos de caráter permanente, pertencentes ao Poder Judiciário – magistrados, ou por órgãos formados ad hoc, constituído por julgadores não pertencentes a órgãos estatais – árbitros.

No âmbito internacional, os conflitos são comumente classificados em políticos, resolvidos pela via diplomática, e jurídicos, por meio dos métodos alternativos de solução de litígios (Alternative Dispute Settlement Resolution – ADR; Modes Alternatifs de Règlement des Conflits), tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem.[5]

2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E CONFLITOS

 Conflitos ou controvérsias internacionais são quaisquer diferendos, litígios, oposição de idéias que envolvam os sujeitos de Direito Internacional e que tenham projeções nas relações internacionais. Os conflitos internacionais podem ainda ser definidos como “uma divergência surgida entre duas potências a respeito de seus direitos, sejam de ordem territorial ou de qualquer outra, em virtude da qual se entrechocam os interesses dos contentores, levando-os à procura de meios de solução.[6]

Não há como negar que, entre as instituições internacionais criadas, há relações de cooperação, bem como de conflito. Nesse sentido, cumpre observar que a relação entre entes estatais deve se dar com respeito à soberania de cada um, pois entre Estados não há uma hierarquia, ou uma autoridade superior, trata-se de uma relação de coordenação, à medida que ambos estão no mesmo patamar.

As relações entre estes entes se fundamenta, frequentemente, na reciprocidade, de modo que a conduta de cada um reflete na conduta dos demais. Segundo Hedley Bull, dentro do sistema internacional desponta-se a existência de interesses em comum, o que leva a criação de um vínculo entre os Estados[7].

         De acordo com Entelman, se os Estados se orientam no sentido de se conduzirem visando permitir a realização dos objetivos programados, então, ter-se-á que as relações serão de cooperação. Por outro lado, ao perceberem que os objetivos são incompatíveis, não podendo ser executados simultaneamente, as relações serão de conflito[8].

Sabe-se que a guerra, a paz e alianças são intrínsecas às relações entre os Estados, e que, na busca de alcançar seus objetivos, tais como, ordem segurança e bem-estar podem se colocar em litígio com outros Estados. Assim, diante das situações de conflito nas relações sociais, a sociedade sempre busca desenvolver formas pacíficas de solução de conflitos. Esses meios de pacificação são indiscutivelmente necessários ao prosseguimento do grupo social e satisfação dos objetivos[9].

 

3 EVOLUÇÃO DOS MECANISMOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Desde o final do século XIX pode-se notar a busca por meios de solução pacífica de controvérsias no âmbito internacional. Tal busca teve como base dois princípios: o princípio da paz pelo direito, que visa substituir a utilização da força pela atuação de um terceiro imparcial, bem como o princípio da ilicitude da utilização da força na solução de conflitos.

Com a globalização e as freqüentes integrações econômicas, tornou-se essencial a criação de meios que garantam a segurança jurídica na solução de controvérsias, especialmente nas que se dão entre os países integrantes dos blocos econômicos. Sabe-se que os benefícios decorrentes da integração são, freqüentemente, mal distribuídos entre os países-membros, o que caracteriza um dos obstáculos ao sucesso da integração econômica entre países em desenvolvimento.

Vale ressaltar que situação como esta é causa de conflito, verificando-se, assim, a necessidade da adoção de mecanismos de solução de controvérsias para a sobrevivência dos blocos econômicos, que, ao propor ou impor uma solução, promovam a satisfação dos Estados Partes conflitantes. Pode-se dizer que uma das principais razões para a criação e adoção desses meios é a segurança jurídica para a realização do comércio, com consequente desenvolvimento econômico e manutenção da paz na sociedade internacional.

É usual classificar as controvérsias internacionais de acordo com as partes que delas participam. As controvérsias de direito internacional público opõem dois ou mais Estados, um Estado a uma organização internacional ou duas organizações internacionais. Elas se resolvem tradicionalmente pela negociação diplomática ou pela via jurisdicional, por meio da arbitragem ou pelo recurso à Corte Internacional de Justiça. As controvérsias de direito internacional privado são protagonizadas por particulares, pessoas físicas ou jurídicas, situadas em jurisdições diferentes.

É comum a ocorrência de litígios que envolvam indivíduos ou empresas que se vinculam a jurisdições diversas. A arbitragem ou a proposição da demanda perante o Poder Judiciário de um dos Estados são os modos utilizados para resolver o litígio. A intervenção estatal na economia tornou frequente a celebração de contratos entre o estado, por meio da administração direta ou indireta, e uma empresa estrangeira para a realização de obra pública considerada fundamental. Os conflitos que poderão advir da interpretação das cláusulas contratuais são em geral solucionados com o concurso de árbitros, cuja competência o contrato regula.[10]

Assim, dentre os meios de solução de controvérsias podemos citar os diplomáticos, políticos e legais. Entre os mecanismos diplomáticos, encontramos a negociação, os serviços amistosos, os bons ofícios, a mediação, o sistema de consultas, o inquérito e a conciliação, caracterizados pela ampla liberdade na adoção de critérios orientadores da solução, não baseados, necessariamente, em conformidade com uma regra de direito. Cumpre salientar que a solução obtida por meio dos modos diplomáticos não possui caráter vinculante, ou seja, os Estados envolvidos não são obrigados a adotá-la.

Analisando cada um desses mecanismos, a começar pela negociação, mecanismo pelo qual as partes envolvidas no conflito empreendem conversações, por meio de troca de notas ou explicações verbais a fim de se entenderem. Sua principal característica é a informalidade, além da possibilidade de ser utilizada concomitantemente a outras formas de solução de conflitos.

Em seguida, quanto aos serviços amistosos, são atividades extra-oficiais, comandadas pelos governos dos Estados envolvidos, nas quais o diplomata age, inoficiosamente, visando prevenir ou solucionar conflitos internacionais sem grandes alardes.

Bons ofícios é meio pelo qual um terceiro, a pedido das partes ou mesmo por iniciativa própria, promove uma aproximação entre os países envolvidos no litígio na tentativa de encontrar um meio para a solução do conflito. Muito semelhante a este mecanismo, a mediação consiste na atuação de um terceiro que propõe alternativas para a solução da controvérsia.

A conciliação trata-se de um meio pelo qual as partes escolhem uma comissão para propor alternativas para a solução do conflito, com a finalidade precípua de investigar os fatos e recomendar soluções aos Estados que se encontram em conflito. Esse instituto, tal qual a mediação, é um procedimento de intervenção de terceiros, a pedido dos Estados-partes, se distinguindo quanto às formalidades, regras e procedimentos e pela natureza dos atos, que são considerados mais solenes.

No sistema de consultas as partes, por obrigação decorrente de tratados internacionais, consultam-se mutuamente sobre seus desacordos durante determinado período a fim de obter uma solução, no inquérito, os países membros criam uma comissão para que se proceda uma investigação do fato que deu causa à discórdia.

Os meios políticos incluem as manifestações dos órgãos das organizações internacionais, de sorte está facultada a possibilidade de utilização dos foros destes órgãos para a solução de conflitos internacionais e suas manifestações não possuem caráter vinculante. É importante observar que a Organização das Nações Unidas (ONU) reserva ao seu Conselho de Segurança e à sua Assembleia Geral a tarefa de intervir em qualquer controvérsia capaz de a paz e a segurança internacional.[11]

Por fim, dentre os meios legais, estão as decisões judiciais e arbitragem. Aquelas requerem um procedimento para o conhecimento e processamento dos conflitos internacionais submetidos aos tribunais internacionais formal, implicando uma solução conforme o direito e de caráter vinculante. Atualmente, o órgão judicial internacional mais importante é o Tribunal Internacional de Justiça, com sede em Haia. Outra função dos tribunais é formular pareceres, funcionando também, como órgão consultivo, frequentemente voltada para interpretação das normas jurídicas internacionais. Aqui, têm-se pareceres cujo cumprimento não é obrigatório, ao contrário das sentenças.

A arbitragem, por sua vez, é meio de solução de conflitos entre Estados e organizações internacionais, por intermédio de árbitros escolhidos pelas partes. Vale ressalvar que a arbitragem é o método preferido para resolver quaisquer litígios, havendo, inclusive, tratados que impõem este mecanismo para a solução de controvérsias. Os tribunais arbitrais são constituídos única e exclusivamente para o julgamento de um conflito no caso concreto, são, portanto, efêmeros. Em contrapartida, uma característica dos tribunais de justiça que os diferencia dos arbitrais é o fato de serem permanentes.

Enfim, há diversos fatores que influeciam na escolha dos modos de solução de controvérsias, nesse sentido é de se destacar que cresce entre os blocos econômicos, a preferência por mecanismos de solução de controvérsias próprios, estabelecidos levando-se em consideração as necessidades e as especificidades de cada caso concreto, além da já mencionada arbitragem.

4 solução de conflitos no Mercosul

 O mecanismo de solução de controvérsias no Mercosul passou por quatro fases até chegar a configuração atual, quais sejam, o Anexo III do Tratado de Assunção, o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto, até chegar ao atual, o Protocolo de Olivos. A seguir, tratar-se-á de cada uma dessas fases para que se tenha uma visão mais ampla a fim de compreender-se melhor este instituto e as mudanças que vem sofrendo.

4.1 Tratado de Assunção

 O Tratado de Assunção estabeleceu, na formação do Mercosul, um sistema provisório de solução de conflitos obrigatório para todos os Estados-membros, deveria ser criado outro no prazo de cento e oitenta dias, a contar da entrada em vigor do Tratado. Sendo esta a sua principal característica, o fato de não ser institucional, mas ad hoc.

Tal sistema utilizou-se dos mecanismos de soluções já conhecidos, através de consultas às disposições tais como o Acordo de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá (1988), regulamentos relativos às Cortes Européias e à própria Carta das Nações Unidas[12], fez consultas também, para adaptá-los à realidade política e econômica vivida pelos Estados-membros. De modo que o primeiro instrumento de solução de controvérsias do Mercosul foi o Anexo III do Tratado de Assunção, sobre “Solução de Controvérsias”, vigente a partir de 29 de novembro de 1991.

Esse procedimento temporário compreendia três fases, a saber, as negociações diretas, as considerações do Grupo Mercado Comum e, por fim, recomendações do Conselho do Mercado Comum. Sendo que, nas negociações diretas, estariam presentes apenas os Estados envolvidos, não chegando a um consenso, passar-se-ia para a segunda fase, submetendo a controvérsia à análise do Grupo Mercado Comum, que apresentaria suas recomendações em no máximo sessenta dias. Contudo, ainda não solucionado o problema, a discussão deveria ser levada ao órgão superior do Mercosul, o Conselho Mercado Comum, que analisaria o caso e adotaria recomendações, estas, porém, não eram obrigatórias assim como não também não haviam sanções previstas.

Em suma, nesta fase, o mecanismo de solução dos conflitos possuía o seguinte funcionamento:

         · Qualquer controvérsia que surgir entre Estados-partes será resolvida através de negociações diretas;

         · Caso as partes não encontrassem uma solução, a controvérsia seria encaminhada ao Grupo Mercado Comum (GMC), para apresentar uma solução em 60 dias; e

         · Se a GMC não encontrasse uma solução, o caso seria submetido ao Conselho do Mercado Comum (CMC).

Os Estados-membros admitiram a precariedade de tal instrumento e a conseqüente necessidade da elaboração outro mecanismo de solução de conflitos. Pelo que em 17 de dezembro de 1991, foi adotado o segundo instrumento, o Protocolo de Brasília.

4.2 Protocolo de Brasília

 Esse protocolo, de caráter transitório, entrou em vigor em vigor em 22 de abril de 1993, o qual estabelecia regras e procedimentos mais específicos. Sendo que, uma peculiaridade em relação ao anterior é o fato de poder ser aplicado tanto a controvérsias estatais quanto particulares.

Quanto ao procedimento, prevê três meios de solução dos conflitos, a saber, as negociações diretas entre os Estados, submissão da controvérsia ao Grupo do Mercado Comum e, por último, a arbitragem, que também é uma novidade com relação ao Tratado de Assunção.

Todavia, frise-se, neste contexto, as partes envolvidas no litígio somente poderão optar pela arbitragem se esgotados os meios anteriores. Outrossim, cabe lembrar que trata-se de um Tribunal Arbitral ad hoc, constituído por três árbitros.

Para a constituição desses tribunais, os Estados-membros envolvidos no litígio poderá designar um árbitro titular e outro suplente da lista de árbitros, sendo que o terceiro, não pode ser nacional dos Estados envolvidos na disputa.        

4.3 Protocolo de Ouro Preto

 Com relação ao processo de solução de controvérsias adotado pelo Protocolo de Brasília, trouxe tão somente os procedimentos que devem ser adotados para solucionar o litígio por meio da negociação, o processo de formalização de uma reclamatória e qual o procedimento que deverá ser seguido para que se tenha a solução do litígio através da arbitragem.

Segundo este Anexo, o Estado-parte reclamante poderá apresentar a sua reclamação perante a Presidência pro-tempore da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) que terá o prazo de 30 dias para decidir sobre a controvérsia.

O Protocolo de Ouro Preto aparenta ter restringido o acesso do Estado ao recurso de arbitragem, quando o Estado reclamado não der cumprimento às resoluções da Comissão de Comércio do Mercosul ou do Grupo de Mercado Comum.

Outra questão relevante é que mais uma vez as reclamações de particulares (pessoas físicas ou jurídicas) ficaram à mercê de prévio amparo do Grupo do Mercado Comum. Ainda que o Estado esteja violando as leis, o particular não poderá reclamar aos tribunais nacionais, pois tal direito foi suprimido pelo Protocolo de Brasília.

4 .4 Protocolo de Olivos

Por fim, o último e mais atual instrumento de Solução de Controvérsias do Mercosul é regulado no Protocolo de Olivos (PO), assinado em 18 de fevereiro de 2002 e vigente desde 1º de janeiro de 2004.

Com este instrumento, pretende-se dar maior segurança às relações jurídicas no âmbito do Mercosul e busca-se aumentar o grau de legalização do bloco. Dentre as principais inovações e características do Protocolo de Olivos destacam-se[13]:

         – Criação do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), que constitui o órgão principal do sistema, juntamente com os Tribunais ad hoc (TAHM), competente para analisar, em grau de recurso, os laudos proferidos por estes tribunais;

         – Faculdade de adoção de medidas de caráter excepcional e de urgência pelo Conselho Mercado Comum;

         – Adoção do princípio da proporcionalidade quando da aplicação de medidas compensatórias;

         – Admissão de regras e prrocedimentos mais claros;

         – Faculdade de o Estado Parte demandante escolher o sistema de controvérsias de outro foro competente para resolver a controvérsia em questão;

         – Possibilidade de o Tribunal Permanente de Revisão emitir opiniões consultivas acerca do direito da integração, conforme disposto no art. 3º do referido Protocolo;

         – Adotou-se a cláusula de confidencialidade, mencionado no art. 46 deste instrumento, pelo qual todos os documentos apresentados no âmbito dos procedimentos previstos no Protocolo de Olivos seriam reservados às partes envolvidas no conflito, com exceção dos laudos arbitrais;

         – Admitiu-se ainda, que a parte demandante poderia, a qualquer momento do procedimento, desistir, ou as partes poderiam transigir, casos em que se daria por concluída a controvérsia;

         – Os prazos estabelecidos passaram a ser peremptórios, tendo início sua contagem no dia seguinte ao ato ou fato que lhes deram origem cabendo sua alteração por consenso entre as partes envolvidas; e,

– Acolheu-se os três mecanismos de solução de controvérsias previstos anteriormente no Protocolo de Brasília: as negociações diretas a intervenção do Grupo Mercado Comum e o procedimento arbitral.

 O referido Protocolo recepcionou princípios tais como o da celeridade processual, de sorte que o prazo para prorrogação da pronunciação no recurso de revisão não pode ultrapassar o lapso de quinze dias. O princípio da especificidade, ao admitir-se procedimentos especiais para os casos de urgência em que a demora possa causar danos irreparáveis às partes. O princípio da autonomia da vontade no sentido de conferir liberdade às partes para alterar regras procedimentais e prazos, desde que de comum acordo. E também, o princípio da confidencialidade e segurança jurídica, sendo que este último, de suma importância em qualquer relação social, confere certeza quanto a conduta e atos praticados, evitando-se a imprevisibilidade e lesão às partes.

Caso dois Estados do bloco envolvam-se em uma controvérsia, esta será resolvida em primeira instância por arbitragem ad hoc, por árbitros escolhidos dentre uma lista de nomes previamente fornecida pelos Estados. Há que se destacar a possibilidade de recurso do laudo arbitral ao Tribunal, que deverá ser composto por três árbitros, exigindo-se que dentre eles, dois sejam nacionais dos dois Estados Partes litigantes e o terceiro, que será o presidente, deverá ser sorteado entre os demais árbitros que não sejam nacionais dos referidos Estados.

Se, porém, o conflito envolver mais de dois países, o Tribunal contará com a totalidade de seus árbitros e as votações e deliberações seguirão o princípio majoritário e serão confidenciais. Os laudos do TPR possuirão força de coisa julgada e, apesar de sediado em Assunção, poderá se reunir em em outras cidades do Mercosul, em caso de necessidade devidamente justificada.

5 Procedimento para a solução de controvérsias no MERCOSUL de acordo com o protocolo de Olivos

Aqui estão compreendidas as três fases adotadas por este Protocolo, as negociações diretas, a intervenção do Grupo Mercado Comum e o procedimento ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc. Com relação à primeira fase, pode-se dizer que não houve nenhuma inovação, foi uma reprodução dos termos do Capítulo II do Protocolo de Brasília que se encontra no Capítulo IV do Protocolo de Olivos:

“Art.4. Os Estados partes numa controvérsia procurarão resolve-la, antes de tudo, mediante negociações diretas. Art.I- As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes na controvérsia, exceder um prazo de quinze (15) dias a partir da data em que uma delas comunicou à outra a decisão de iniciar a controvérsia. II- Os Estados Partes em uma controvérsia informarão ao Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados das mesmas”.

As negociações diretas consistem na busca direta de uma solução entre os Estados-membros envolvidos. Essas negociações têm seu início com a comunicação escrita de um Estado-membro ao outro que deseja demandar, devendo ser enviada uma cópia à Secretaria do Mercosul, bem como aos demais Estados-membros[14]. Tal procedimento deve se dar, salvo estipulação em contrário, dentro do prazo máximo de quinze dias. Caso não seja alcançado o resultado esperado, as partes envolvidas no conflito poderão acordar em submeter a questão ao Grupo do Mercado Comum. Outrossim, poderão ainda, submetê-la à arbitragem no Tribunal Ad Hoc, ou ao Tribunal Permanente de Reunião.

No que diz respeito à intervenção do Grupo Mercado Comum, aqui há diferença com relação ao Protocolo de Brasília, pelo qual a intervenção deste grupo deixa de ser obrigatória, é um procedimento opcional. Caso as partes decidam por submeter a questão ao Grupo Mercado Comum, o procedimento iguala-se ao disposto no Protocolo de Brasília em seu Capítulo III. Assim, as partes devem explicar suas posições, seguidas da convocação dos especialistas, casa necessário, e o Grupo deve oferecer sua manifestação sobre a controvérsia no prazo de no máximo trinta dias. Levado o conflito ao Grupo Mercado Comum a pedido de um Estado não envolvido, o Grupo poderá formular comentários ou recomendações a respeito conforme disposto no art. 7.2 do Protocolo de Olivos.

Quanto ao procedimento perante Tribunal Arbitral Ad Hoc, pode iniciar-se por qualquer dos Estados-Partes envolvidos no conflito, desde que não tenham alcançado acordo ou uma solução total da controvérsia nas negociações diretas. A decisão de recorrer ao Tribunal ad hoc deve ser comunicada à Secretaria Administrativa do Mercosul, que comunicará a outra parte.

O Tribunal Ad Hoc deverá emitir o laudo no prazo de sessenta dias, prorrogáveis por mais trinta dias, contando-se a partir do comunicado às partes e aos árbitros, informando a aceitação pelo árbitro Presidente de sua designação, conforme expresso na redação do Protocolo de Olivos, art. 16.

 

6 Foro competente para a solução de conflitos:

As partes envolvidas na controvérsia poderão definir o foro, de comum acordo, de modo que uma vez iniciado um procedimento de solução do conflito com opção de foro, nenhuma das partes poderá recorrer a mecanismos de solução estabelecidos em nos demais foros com relação ao mesmo objeto. Todavia, o Conselho do Mercado Comum é o responsável por regulamentar os aspectos concernentes à eleição de foro competente.

Pelo Protocolo de Olivos, há possibilidade de submeter os conflitos ante outros foros tais como a Organização Mundial do Comércio ou outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam partes individualmente os Estados Partes do Mercosul. Uma vez escolhido um foro e iniciado o procedimento de solução da controvérsia em tal foro, as partes não poderão recorrer a mecanismos de outros foros com relação ao mesmo objeto, podendo-se dizer que a eleição de foro é excludente, e isso, para evitar a duplicidade de procedimentos e que soluções contraditórias sejam proferidas para um mesmo litígio. Convém ressaltar que a eleição de foro é prerrogativa da parte demandante, exceto estipulação em contrário.

A força multilateral de que desfruta a Organização Mundial do Comércio (OMC) é um dos motivos que levam a recorrer ao mecanismo da Organização Mundial do Comércio (OMC) ao invés de promover a demanda no sistema adotado pelo Mercosul, deve-se reconhecer o fato de ser mais provável que os Estados Partes cumpram o prescrito.  A natureza obrigatória das decisões, a concisão dos prazos, a automaticidade das etapas no processo e o fortalecimento dos mecanismos de supervisão e controle, contribuem na solução dos conflitos por acordo mútuo. Sua atuação traduz-se no propósito de reduzir o unilateralismo nas relações comerciais e proporcionar uma maior judicialização[15] . Acrescenta-se ainda, a importância conferida aos relatórios e recomendações que comumente são cumpridos, havendo um órgão supervisionador do referido cumprimento.

Uma importante inovação do Protocolo de Olivos se consubstancia na previsão das reclamações particulares, há muito demandadas pelos agentes privados, o que está previsto nos artigos 39 ao 41 deste diploma legal.

O Protocolo de Olivos, em seu artigo 1º-2, diz que podem ser levadas ao sistema de solução de conflitos da Organização Mundial do Comércio as controvérsias em torno de questões no âmbito de aplicação de suas normas que possam ser julgadas conforme estas. Cabe ressaltar, que ambos os mecanismos não contemplam que o particular possa acionar diretamente e mais, as controvérsias surgidas entre os Estados Partes do Mercosul e terceiros países devem ser solucionadas no âmbito da OMC.

 

CONCLUSÃO

Diferentes comunidades possuem diferentes necessidades e, apesar de implicar na limitação do grau de liberdade, a formação de blocos é interessante por facilitar a expansão dos mercados, bem como a difusão de tecnologia e cooperação entre os países.

Todavia, a previsão de normas específicas para a solução das possíveis controvérsias no que tange a interesses econômicos, políticos e sociais que possam surgir diretamente ligados ao Direito interno de cada Estado Parte do bloco é fundamental. Isso implica em conferir segurança às relações estabelecidas. E, podemos afirmar que conflitos bem solucionados são os melhores remédios para as desavenças.

Não obstante às significativas mudanças, o sistema de solução de controvérsias continua seguindo o modelo arbitral. Com efeito, a flexibilidade deste sistema favorece a solução negociada, fundamental para países que devem lidar com um constante instabilidade política e econômica.

Evidentemente, com o Protocolo de Olivos, verifica-se notório empenho na legalização dos mecanismos de solução dos conflitos no Mercosul. Todavia, é importante esclarecer que este assunto não se trata de um dado, algo estável, pois está em constante construção, e como tal deve acompanhar as incessantes mudanças que ocorrem nos países membros e na comunidade internacional para garantir a eficácia a solução das controvérsias.

 

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[1] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso complementar. 12.ed. ver.e atual. São Paulo: Saraiva 2010. p. 349.

[2] AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas 2008. p. 238.

[3] Ibdem.

[4] NOHMI, Antônio Marcos. Arbitragem Internacional: mecanismos de solução de conflitos entre Estados. Belo Horizonte: Del REy, 2006.

[5] CRETELLA NETO, José. Contratos Internacionais do Comércio. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p.357.

[6] NOHMI, Antônio Marcos. Arbitragem Internacional: mecanismos de solução de conflitos entre Estados. Belo Horizonte: Del REy, 2006. p. 57.

[7] BARRAL, Welber – organizador. Tribunais internacionais: mecanismos contemporâneos de soluça de controvérsias. Florianópolis: 2004. p. 14.

[8] ENTELMAN, Remo F. Teoria de conflictos. Barcelona: Gedisa, 2005. p. 49.

[9] BARRAL, op. cit., p. 15.

[10] AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas 2008. p. 241.

[11] NOHMI, Antônio Marcos. Arbitragem Internacional: mecanismos de solução de conflitos entre Estados. Belo Horizonte: Del REy, 2006. pp. 69-70.

[12] ALMEIDA, Paulo Roberto de. Solução de controvérsias no Mercosul: comentários ao Protocolo de Brasília. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, v. 81/83, ano XLV, jul./nov. 1992. p. 96/97.

[13] Disponível em: http://www.mercosur.int/t_generic.jsp?contentid=1317&site=1&channel=secretaria&seccion=4. Acesso em: 25 set. 2009.

[14] BARRAL, Welber – organizador. Tribunais internacionais: mecanismos contemporâneos de soluça de controvérsias. Florianópolis: 2004. p. 184.

[15]  KLOR, Adriana Dreyin de. Solução de controvérsias: OMC, União Européia e MERCOSUL. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer- Stiftung, 2004. p. 176.

Patricia Maria da Silva Gomes

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