Relação entre tentativa e dolo eventual

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RESUMO:       

Este artigo se destina à discussão da relação entre a Tentativa e Dolo Eventual considerando a Dogmática majoritária e o Código Penal Brasileiro. É devido às grandes divergências doutrinárias e teóricas sobre o assunto que hodiernamente este tema está alcançando estudiosos que tentam buscar respostas que poderiam solucionar todo este conjunto de questões relacionadas à Tentativa e o Dolo Eventual. Desta forma, o artigo pretende abordar sobre o assunto utilizando a dogmática, a doutrina e as definições mais aceitas no Direito Penal Brasileiro.

Palavras-chave: Tentativa; Dolo Eventual; Código Penal Brasileiro.

1 INTRODUÇÃO

A pergunta que deverá ser respondida ao longo do breve inserto é se há tentativa no dolo eventual. A dogmática jurídico-penal sofreu grandes evoluções, principalmente a partir da década de 60 com o Projeto Alternativo do Novo Código Penal Alemão. Doutrinariamente se observa a diferença evolutiva entre os países europeus, notadamente da Alemanha, em relação ao Brasil. Devido a isso a dificuldade de se responder à pergunta com base apenas na doutrina brasileira, sendo imprescindível recorrer a doutrinadores estrangeiros. Na busca da melhor resposta, primeiramente, achou-se necessário definir tanto os crimes tentados quanto o dolo, chegando ao dolo eventual, e somente em fase posterior fazer a devida relação entre os dois institutos sempre buscando as melhores indagações para responder à dúvida.

2 TENTATIVA

Para compreender o crime tentado, primeiramente, se torna mais fácil se for clara a definição do crime consumado, realizando uma comparação entre ambos. Denomina-se crime consumado aquele no qual existe a realização das elementares do tipo, sendo que cada tipo tem seu momento consumativo. Por exemplo, o momento do homicídio é a morte, e até esse momento não se pode falar em crime consumado. Mister aqui relembrar as etapas do crime, ou o chamado “iter criminis”, que tem a seguinte estrutura: 1ª etapa: cognitiva ou intuitiva, 2ª etapa é a preparação, 3ª etapa: execução (proximidade de lesão ao Bem Jurídico) e por fim a consumação, quando todas as elementares do tipo se realizam. Não se deve falar em 5ª fase, mas há um “exaurimento”, algo além da conduta, que poderá ou não ser objeto do Direito Penal, poderá ser punido se houver previsão expressa na lei.

Doutro turno, a idéia de tentativa pode ser pré-definida como a não concretização do dolo, uma vez que não se pode falar em tentativa de crime culposo, pois só se tenta o querido, o previsível. A tentativa pode ser perfeita, aquela na qual o sujeito esgota sua conduta, porém, não consegue realizar o pretendido. Por exemplo, vários disparos que não acertam o alvo. É a tentativa branca quando não há lesão ao Bem Jurídico (objeto material), a conduta não alcança o objeto material. Existe também a tentativa imperfeita, quando ocorrem circunstâncias alheias à vontade do agente que o impedem de consumar o delito, e esta pode se concretizar por casos de intervenção de terceiros.

Há várias teorias que buscam explicar a punibilidade do crime tentado, entre elas merece destaque a de Welzel, denominada Teoria Subjetiva. De acordo com tal teoria, o crime tentado deve ter pena igual a do crime consumado, uma vez que o dolo é o mesmo, o desvalor da ação é o mesmo. Outra teoria é a Objetiva, adotada pelo Código Penal Brasileiro. Segundo a Teoria Objetiva, a punição deve ser atribuída a partir do que efetivamente foi realizado, ou seja, se realizou menos do que se pretendia a pena deve ser menor, aqui o enfoque está no desvalor do resultado, a partir disso, conclui-se que quanto mais o sujeito se aproximar da consumação menor será a diminuição da pena.

Importante ressaltar ainda a presença de dois institutos, quais sejam, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Ocorre desistência voluntária quando voluntariamente o autor desiste de prosseguir na conduta, o sujeito inicia a execução do verbo núcleo do tipo, porém, voluntariamente desiste, não importando aqui o motivo da desistência. Deve-se atentar para o fato da voluntariedade ser diferente da espontaneidade, a primeira pode decorrer de algo exterior ao sujeito, enquanto que a segunda decorre exclusivamente do sujeito, não admitindo a intervenção de terceiros. Na desistência voluntária nega-se o desvalor da ação em favor do desvalor do resultado, visto que este é mais brando, principalmente quando se analisa que o sujeito poderia seguir até a consumação, mas voluntariamente não prossegue.

No arrependimento eficaz o sujeito exaure sua conduta (execução), porém devido a uma mudança de humor, sentimento, ele impede que o resultado pretendido se consume. Deve-se atentar para o fato de que o arrependimento deve ser eficaz, o que significa a não consumação. O sujeito será responsabilizado pelo resultado, e nesse ponto há divergências doutrinárias, já que para alguns ocorre a extinção da punibilidade, para outros se trata de exclusão da tipicidade, e para Claus Roxin trata-se de ausência de necessidade de pena em face do injusto de tentativa.

E por fim, há a hipótese do crime impossível, para o qual não existe punição para tentativa quando for impossível a consumação, ou seja, a tentativa não se mostra hábil para a consumação, e não haverá punição se o meio utilizado for inidôneo ou se sobreveio absoluta impropriedade do objeto.

3 DOLO

O dolo, conforme um conceito generalizado é a vontade consciente do agente de realizar um crime. É também compreendido, mais tecnicamente, como o tipo objetivo de um crime, definido como saber e querer em relação às circunstâncias do tipo legal. Desta forma, o dolo é composto por um elemento cognitivo, qual seja a consciência no sentido de representação psíquica, e de um elemento volitivo, representado pela vontade no sentido de decisão de agir. Portanto, os elementos cognitivos e volitivos são os fatores formadores da ação típica dolosa.

O componente intelectual do dolo consiste no conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo, como representação percepção real da ação típica. O componente volitivo do dolo consiste na vontade de realizar o tipo objetivo de um crime. O verbo querer, empregado pra exprimir a vontade humana, é um verbo auxiliar que necessita sempre de um verbo principal para explicitar seu conteúdo. Destarte, o verbo querer deve ser completado pelo verbo realizar, porque o direito penal proíbe realizar crimes e, portanto, o componente volitivo do dolo define-se como querer realizar o tipo objetivo de um crime.

Com o intuito de delimitar as formas possíveis de realização dos crimes dolosos, a lei Penal brasileira define duas espécies de dolo: dolo direto e dolo eventual. Já a Teoria Penal Moderna distingue três tipos de dolo: “dolus directus” de 1º grau, “dolus directus” de 2º grau e dolo eventual.

O dolo direto de 1º grau compreende da intenção do autor, ou seja, o que ele pretende realizar. Portanto, tem por conteúdo o fim proposto pelo autor, que pode ser entendido como pretensão dirigida ao fim ou ao resultado típico. Existe dolo, por exemplo, em disparo de arma de fogo com a intenção de homicídio.

O dolo direto de 2º grau compreende os meios de ação escolhidos para realizar o fim e, de modo especial, os efeitos secundários (conseqüências, circunstâncias ou resultados típicos) representados como certos ou necessários.  Desta forma, os efeitos secundários da ação do autor são atribuíveis como dolo direto de 2º grau, ainda que indesejados ou lamentados por este.

O dolo eventual tem um propósito condicionado do autor, ou seja, indica aceitação ou conformação com conseqüências típicas possíveis, assim, o sujeito opta por realizar uma determinada ação ou omissão, mostrando-se indiferente e desprezível de acordo com sua situação anímica. MEZGER, em sua Teoria do consentimento, define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. Assim, por exemplo, não age com dolo eventual o médico que realiza uma intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional, mas leva a sério a possibilidade de morte do paciente.

Conceitos científicos incorporados na legislação devem ser interpretados de acordo com o progresso da ciência. Desta forma, a lei penal brasileira deve ser interpretada dissecando assim os conceitos nela contidos. O Código Penal, em seu artigo 18, dispõe: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.” O dolo direto indicado na expressão “querer o resultado” compreende as categorias de dolo direto de 1º grau e dolo direto de 2º grau; o dolo eventual indicado na fórmula “assumir o risco de produzir o resultado” pode ser interpretado no sentindo de conformação ou aceitação do resultado típico representado como possível.

 4 RELAÇÃO ENTRE TENTATIVA E DOLO EVENTUAL

 Há na doutrina resposta afirmativa e negativa quanto à existência ou não da relação entre a tentativa e o dolo eventual, cada qual com uma fundamentação diferente, sendo que após os estudos realizados a posição adotada foi a negação da existência da relação entre tentativa e dolo eventual.

De acordo com os princípios constitucionais inseridos no Direito Penal tem relevância ao presente estudo o Princípio da Lesividade, “ultima ratio” e da Mínima Intervenção Penal, segundo os quais somente interessa ao Estado fazer o uso do “jus puniendi” quando houver lesão efetiva a bens jurídicos penalmente relevantes. Dessa forma, é vedada a incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor, é o que certifica Antonio Luis Chaves Camargo ao afirmar que “os fins do Direito Penal, no Estado Democrático de Direito, é a revalidação dos valores vigentes em determinado momento, para o grupo social, e, via de conseqüência, definidos estes valores eles se referirão a um bem jurídico, o que possibilita sua proteção penal, quando ocorrer um dano relevante e insuportável a este mesmo bem jurídico” [1].

Isto posto, como no crime tentado não há a consumação do resultado tipificado e, portanto, sendo impossível identificar no agente se os elementos volitivos estão presentes em sua conduta, ou se houve arrependimento eficaz ou ainda a desistência voluntária, a mera evanescente ameaça de lesão ao bem jurídico não é suficiente para que seja imputada pena, tendo em vista que o Direito Penal intervirá somente quando estritamente necessário. E ainda, ao se tentar inserir o dolo eventual na tentativa isso resultaria em um âmbito de atuação muito amplo, chocando com os princípios do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o Princípio da Mínima Intervenção Penal e “ultima ratio” . Esses princípios devem ser analisados no contexto da sociedade de risco que se vive atualmente. Assim, no Estado Democrático de Direito os fins da pena deverão se direcionar a evitabilidade dos crimes, o que por sua vez será feito por meio de medidas preventivas.

No que tange a relação entre o dolo eventual e a tentativa vê-se a dificuldade de se delimitar o pretendido ou querido pelo agente no momento da tentativa, ainda mais que no dolo eventual há a assunção do risco, o que não significa, necessariamente, que o plano de ação do agente coincida com as conseqüências alcançadas pela sua conduta, o que pode ser confirmado por meio da “teoria da não comprovada vontade de evitação do resultado”, desenvolvida por Armin Kaufmann. Segundo essa teoria de bases finalistas, o dolo eventual e a imprudência consciente é colocado na dependência da ativação de contra-fatores para evitar o resultado representado como possível: imprudência consciente se o autor ativa contra-fatores, dolo eventual se não ativa contra-fatores para evitação do resultado. A crítica indica que a não ativação de contra-fatores pode, também ser explicada pela leviandade humana de confiar em si próprio[2].

Trazendo o debate para o Código Penal Brasileiro observa-se que não existe o acompanhamento da evolução doutrinária, notadamente em relação ao tema, visto que como anteriormente enfatizado a teoria penal moderna distingue três espécies de dolo, quais sejam dolo direto de primeiro grau, direto de segundo grau e dolo eventual, o que não é feito na lei penal brasileira, que somente delimita duas formas possíveis de realização de delitos dolosos, os quais se configuram em dolo direto e dolo eventual.

Dessa maneira, é clara a dificuldade de trazer os elementos da dogmática moderna ao Direito Penal vigente no país, é o que se verifica no art. 14 do Código Penal brasileiro, o qual ao utilizar a expressão “vontade”, tem-se a dúvida se será aplicada ou não a teoria da vontade ou do assentimento. A interpretação mais restritiva é de que não se poderia aplicar a teoria do assentimento ao dolo eventual, já que a tentativa, na modalidade do assentimento volitivo, não parece ser cabível, pois o resultado assumido pelo agente “ou ocorre e o crime foi consumado” ou “não ocorre e não houve crime”, muito similar à culpa.

Essa dificuldade é também visível no artigo 18, I do Código Penal brasileiro, uma vez que o dolo direto não é bem definível pela expressão “querer o resultado”, pois existem resultados que o agente não quer ou até mesmo lamenta atribuíveis como dolo direto; nem a fórmula de “assumir o risco de produzir o resultado”, que reduz o conceito de dolo ao elemento volitivo, parece suficiente para definir o dolo eventual[3].

Portanto, se incorporarmos conceitos científicos na legislação vigente o dolo direto da expressão “querer o resultado” compreenderá as categorias de dolo direto de primeiro e segundo grau; e o dolo eventual indicado na fórmula assumir o risco de produzir o resultado será interpretado no sentido de conformação ou aceitação do resultado típico representado como possível[4].

5 CONCLUSÃO

Por todo o exposto, procurou-se de maneira sucinta a resposta de um tema tão complexo e profundo que certamente ensejaria páginas de um trabalho científico. Porém, como no momento essa não era a pretensão, espera-se que se tenha compreendido o essencial que procurou ser demonstrado, ou seja, que mesmo que na doutrina existam vertentes diferentes sobre o tema da tentativa no dolo eventual a posição que, no momento, achou-se conveniente adotar foi a de que não há no ordenamento jurídico brasileiro essa possibilidade, por todos os fundamentos acima explanados.

6 REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistema de penas dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultura Paulista, 2002.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna Teoria do Fato Punível. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

TAVARES, Juares. Teoria do Injusto Penal. 3ª ed.


[1] CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistema de penas dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultura Paulista, 2002, p. 172.

[2] Apud  SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível.

[3] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna Teoria do Fato Punível. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 57.

[4] Op. cit., p. 59.

Denise Silva e Moura

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