Relação de trabalho e relação de emprego

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Renata Ap. Follone*1

 

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo esclarecer as dúvidas sobre a relação de trabalho e a relação de emprego, compondo-se de elementos fato-jurídicos. A relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho, sendo que toda relação de emprego corresponde a uma relação de trabalho, porém, nem toda relação de trabalho corresponde a uma relação de emprego. E, com a promulgação da Emenda Constitucional nº.45/2004, inicialmente, trouxe inúmeras discussões relativas à nova redação atribuída ao artigo 114, da Carta Maior. A inclusão do termo “relação de trabalho”, ainda, não encontrou uma definição segura na doutrina e nos Tribunais Superiores. Mesmo após, mais de cinco anos da Reforma do Poder Judiciário, implementada pela Emenda Constitucional nº.45/2004, há, ainda, resistência dos Tribunais Superiores e da Jurisprudência atual que vem se pacificando.

 

Palavras-chave: Relação de Trabalho, Relação de Emprego, Diferenças, Emenda Constitucional nº.45/2004.

 

Abstract:

Questo lavoro si propone di chiarire le questioni circa il rapporto di lavoro e rapporto di lavoro, ed è composto da elementi di fatto e di diritto. Il rapporto di lavoro è una specie di genere rapporto di lavoro, e qualsiasi rapporto di lavoro corrisponde a un rapporto di lavoro, tuttavia, non ogni rapporto di lavoro corrisponde ad un rapporto di lavoro. E con la promulgazione della modifica constituzionale n.45/2004 inizialmente portanto molte discussioni sulla nuova formulazione proposta dell’articolo 114 del sindaco Carta. L’inclusione termine “rapporto di lavoro”, non ha ancora trovato un ambiente sicuro nella dottrina e nelle giurisdizioni superiori. Anche dopo più di cinque anni della riforma del sistema giudiziario, attuato dalla modifica costituzionale n.45/2004, c’è ancora resistenza delle giurisdizioni superiori e oggi la Corte che viene alla pacificazione.

 

Parole chiave: valore del lavoro, rapporto di lavoro, Difference, emendamento costituzionale n.45/2004.

 

1.INTRODUÇÃO

A sociedade baseia-se na produção e consumo de bens e serviços, e destes depende e sobrevive. Para referida sociedade moderna viver, ela necessita de diversos fatores, e dentre os mais importantes estão as relações de trabalho.

Seja o trabalho mero objeto ou ato físico de produção, seja o conceito de emprego a formalização desse ato por meio de contratos, a relação desses dois conceitos configura-se como a garantia de direitos para o trabalhador.

Não significa, no entanto, que o “objeto trabalho” seja totalmente compatível com o “objeto emprego”. Mas, o contrário ocorre, por isso, a necessidade da explanação e entendimento desses conceitos.

Assim, a Constituição Federal Brasileira e as Leis Trabalhistas só serão úteis de fato quando seus conteúdos não causarem controvérsias e questionamentos no meio jurídico, portanto, devendo haver um estudo mais aprofundado do tema para que seja possível detectar se a expressão “relação de trabalho” é sinônima de “relação de emprego”.

 

2. CONCEITOS

A relação de trabalho é um conjunto que comporta todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial localizada em uma obrigação de fazer consubstanciada em trabalho humano, ou seja, toda modalidade de trabalho humano modernamente admissível, em troca de um valor pecuniário ou não-pecuniário, consiste numa relação de trabalho, portanto, abrangendo um conjunto mais amplo. É uma expressão de caráter genérico.

Por sua vez, a relação de emprego é uma espécie de relação de trabalho, cuja normatização é feita pelo Direito do Trabalho e firmada por meio de contrato de trabalho (artigo 442, da Consolidação das Leis do Trabalho).

Segundo o que dispõe o artigo 442, da Consolidação das Leis do Trabalho, contrato de trabalho “é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego”. Assim, o consentimento a que se refere o artigo pode ser expresso ou não.

Assim, detecta-se que a doutrina trabalhista sempre tratou a relação de trabalho como gênero da qual a relação de emprego se constituía em espécie, ao lado do trabalho eventual, do trabalho autônomo, da prestação de serviços e de outras formas variadas de trabalho.

Assim:

“A ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego. A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em um labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estagiário, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo, LTr, 2002, p.279-280).

A ideia da relação de trabalho como gênero é acompanhada, também, por Arnaldo Süssekind:

“A relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é uma das espécies, pois abrange também outros contratos, como os de prestação de serviços por trabalhadores autônomos, empreiteiras de labor, mandato para empreender determinada atividade em nome do mandante, representação comercial atribuída a pessoa física, contratos de agenciamento e corretagem.” (SÜSSEKIND, Arnaldo. As relações individuais e coletivas de trabalho na reforma do poder judiciário. In: Justiça do Trabalho: Competência Ampliada, LTr, 2005, p. 19-20. São Paulo)

Portanto a competência da Justiça do trabalho foi afetada, de modo significativo, com a inclusão de um gênero que incorpora toda a noção de trabalho, tanto de prestação de serviços como o trabalho subordinado, pessoal, oneroso e não eventual previsto no artigo 3º., da Consolidação das Leis do Trabalho.

 

3. CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO DE EMPREGO

A relação de emprego compõe-se da reunião de elementos fático-jurídicos:

a) Pessoalidade

A obrigação que o empregado assume é infungível, ele não pode passar para outra pessoa; é pessoal; é “intuito personae”. Na relação de emprego o que se contrata é a pessoa e não o serviço, por exemplo, chefe de manutenção ele é quem tem que exercitar essa função e todas as atividades decorrentes da sua função;

b) Não eventualidade ou continuidade

Decorre, também, de uma obrigação do empregado em relação ao seu empregador, de forma contínua e permanente e se prolonga no tempo, até que o contrato de trabalho venha a ser rescindido. Mas, há duas exceções: a primeira, o contrato por prazo determinado; e, a segunda, a diarista: o trabalhador eventual pode trabalhar para o tomador de serviço desde que seja de forma descontínua, não tem obrigação da permanência, recebe por dia.

c) Subordinação

É a dependência que existe do empregado com relação ao empregador; recebe ordens e cumpre ordens do empregador.

d) Remuneração ou onerosidade

Decorre do fato da relação do empregado e do empregador ser sinalagmática (obrigações recíprocas). A obrigação do empregado é prestar serviços e o empregador pagar por isso, essa última é a contraprestação. A relação empregado/empregador é, necessariamente, onerosa.

e) Prestação de trabalho por pessoa física

Pessoa jurídica prestadora de serviços não pode ser contratada como empregada;

f) Alteridade

É o trabalho por conta alheia, quem assume os riscos é o outro. Ajuda a encontrar o elemento da subordinação

 

4. DIFERENÇAS ENTRE RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO

A legislação contemporânea, diante dos problemas surgidos com a economia capitalista, tende a regulamentar cada vez de maneira mais rigorosa certos contratos, numa luta contra o abuso do poder econômico. Isso não quer dizer que o contrato é ultrapassado, mesmo porque aquele que aceita às condições que lhe são propostas é livre para aceitá-las ou não.

Assim, relação jurídica de trabalho resulta de um contrato de trabalho autônomo, enquanto que a relação jurídica de emprego sempre resulta de um contrato de subordinação (contrato de trabalho stricto sensu)

 

5. DEFINIÇÕES LEGAIS

O termo “empregador” vem definido no artigo 2º., da Consolidação das Leis do Trabalho: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”

Já o termo “empregado” é consagrado no artigo 3º., da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

O vínculo entre empregado e empregador é de natureza contratual e pode resultar conseqüências jurídicas para as partes, ainda que, no ato do qual se originou nada tenha sido estabelecido e, também, que não exista documento formal de contrato.

É de se destacar que o contrato de trabalho pode ser sucessivo (artigo 10, da Consolidação das Leis do Trabalho), sinalagmático, consensual, oneroso e pode vir acompanhado de outros acessórios, como por exemplo, o depósito (em que o empregado é depositário de ferramentas de trabalho pertencentes ao empregador).

O que interessa é detectar a existência de contratação nos termos que dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, trabalho pessoal, subordinado, não eventual, sinalagmático, oneroso, etc.

O contrato de trabalho possui individualidade própria, natureza específica. O estado de subordinação do prestador de trabalho, que o caracteriza, torna-o inconfundível com qualquer outro contrato.

 

6. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO

A materialização da relação de emprego dá-se por um contrato, escrito ou não. Ainda, a natureza jurídica da relação de emprego pode ser explicada pelas seguintes teorias:

 

6.1. TEORIAS CONTRATUALISTAS:

a) Teoria do arrendamento

Inclui o contrato empregatício entre as espécies de contratos de locação ou de arrendamento. O contrato empregatício corresponderia à locação de serviços, pelo qual uma das partes colocaria seu trabalho à disposição de outra (locatio operarum). Nessa teoria inexiste, no contrato empregatício, a separação entre o trabalhador e o objeto do contrato.

b) Teoria da compra e venda

O contrato de trabalho teria natureza de compra e venda, uma vez que o obreiro virtualmente “venderia” sua força de trabalho ao empregador, por preço correspondente ao salário. Aqui não há uma ruptura entre o elemento trabalho e seu prestador e, a relação estabelecida não é contínua, mas concentrada no tempo.

c) Teoria do mandato

O caráter fiduciário existente entre empregado e empregador assimilaria o contrato empregatício ao contrato de mandato, atuando o empregado como um mandatário de seu empregador. Nessa teoria, afora as situações especiais estabelecidas nos chamados cargos de confiança e em certos contratos com trabalhadores altamente qualificados, não há semelhante intensidade de fidúcia na relação empregatícia.

d) Teoria da sociedade

A relação empregatícia seria similar a um contrato de sociedade, ainda que sui generis, devido à existência de um suposto interesse comum em direção à produção. Nessa teoria, a subordinação e o contrato de sociedade são situações e conceitos que tendem a se excluir, bem como a comunhão de poderes e responsabilidades que caracteriza a sociedade e a relação entre os sócios, distancia a figura societária do contrato de trabalho.

 

6.2. TEORIAS NÃO-CONTRATUALISTAS:

a) Teoria da relação de trabalho

Parte do princípio de que a vontade não cumpre papel significativo e necessário na constituição e desenvolvimento do vínculo de trabalho subordinado. A prestação material dos serviços e a prática de atos de emprego no mundo físico e social é que seria a fonte das relações jurídicas de trabalho. A relação empregatícia seria uma situação jurídica objetiva, cristalizada entre trabalhador e empregador, para a prestação de serviços subordinados, independentemente do ato ou causa de sua origem e denotação.

b) Teoria institucionalista

A relação de emprego configuraria um tipo de vínculo jurídico em que as idéias de liberdade e vontade não cumpririam papel relevante, seja em seu surgimento, seja em sua reprodução ao longo do tempo.

A crítica que se faz a essas teorias é que elas têm caráter antidemocrático, porque a restrição fática da liberdade e vontade do trabalhador, no contexto da relação empregatícia concreta, não autoriza a conclusão simplista de que a existência do trabalho livre e a vontade obreira não sejam da essência da relação de emprego. A presença da equação liberdade/vontade é que permitiu a formulação da diferença específica da relação de emprego frente à servidão e escravidão.

 

6.3. TEORIA CONTRATUALISTA MODERNA

Esta a mais aceita. A natureza jurídica contratual afirma-se por ser elemento de vontade essencial à configuração da relação de emprego. Trata-se de relação contratual específica, que tem por objeto uma obrigação de fazer prestada continuamente, onerosa, de modo subordinado e em caráter de pessoalidade (intuitu personae).

 

7. TIPOS DE RELAÇÃO DE TRABALHO

A relação de trabalho possui alguns tipos que merecem considerações.

a) Trabalho autônomo

É exercido por conta própria e o trabalhador assume os riscos da atividade. Não possui as características da pessoalidade, porque não há subordinação. Mas, pode ter uma certa continuidade na prestação de serviço para determinado tomador. É regido pelo Código Civil. O representante comercial autônomo (pessoa física) é regulado por lei específica.

b) Trabalho eventual

Trabalhador que presta serviços esporádicos a diversos tomadores de serviços. Tem uma característica de autonomia, porém, não tem continuidade, por exemplo, o garçom contratado para uma determinada festa/evento – trabalho de curta duração e esporádico. Portanto, a diferença tanto do empregado como do autônomo com relação ao eventual é a continuidade.

c) Trabalho voluntário

A partir dos anos 90 começou a ter um incentivo para a realização dos trabalhos voluntários. Acabou gerando algumas discussões que deram origem a Lei. nº.9.608/98, não há remuneração, porém, pode ter todas as demais características da relação de emprego. A lei, inicialmente, estabeleceu um critério de quem pode contratar trabalho voluntário: nenhuma empresa ou entidade que tenha finalidade lucrativa, o artigo 1º., da Lei nº.9.608/98, definiu o serviço voluntário, como sendo: “ … a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”.

Assim, se o trabalho voluntário é prestado a título gratuito, ou seja, sem o recebimento de qualquer remuneração, não há nenhuma possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício do trabalhador voluntário com o tomador de serviços (artigo 1º., parágrafo único, da Lei nº.9.608/98).

A lei exige um termo de adesão voluntário, que deve constar o objeto do trabalho contratado e as condições (artigo 2º., da Lei nº.9.608/98). Porém, o voluntário pode ser ressarcido das despesas gastas por ele, desde que comprovadas e aprovadas antecipadamente.

d) Trabalho avulso

O tomador de serviços contrata um intermediário que coloca o trabalhador avulso para lhe prestar serviços. Essa intermediação é sem fins lucrativos; é um órgão que organiza esses trabalhadores e trabalho. Essa relação de trabalho é regulada pela Lei nº.8.630/93, que envolve três atores sociais: 1. o OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra; 2. o operador portuário(que é o representante do armador no porto); e, 3. o trabalhador portuário avulso (estivadores, conferentes, vigias portuários, arrumadores, trabalhadores de bloco, etc.).

A denominada Lei de Modernização dos Portos, a Lei nº.8.630/93, acabou com o monopólio de escalação dos trabalhadores avulsos pelo sindicato profissional, passando o OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra, a ser responsável pelo gerenciamento e escala de trabalhador avulso na carga e descarga de navios que atracam nos portos nacionais. Nessa relação não existe vínculo permanente entre o trabalhador portuário avulso e o tomador de serviço e, sim, uma relação de trabalho autônoma, na qual o OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra atua na gestão dos trabalhadores avulsos registrados e treinados no serviço.

O trabalhador avulso passou a ter os mesmos direitos (todos) que o empregado com vínculo empregatício permanente a partir da Constituição Federal de 1.988, artigo 7º., XXXIV e os artigos 643, parágrafo 3º. e 652, V, da Consolidação das Leis do Trabalho, fixaram a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações entre os trabalhadores portuários e os operados portuários da OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra. Isso fez com que a mão-de-obra portuária se tornasse a mais cara do mundo.

e) Trabalho temporário

No trabalho temporário não há contratação direta, é feita por intermediário que coloca o trabalhador temporário trabalhando para alguém (tomador).

Somente, pode ser contratado em duas espécies previstas em lei:

1. quando ocorrer acréscimo extraordinário de serviço: há aumento no volume de trabalho, mas volume temporário e, que não permanece no dia-a-dia da empresa, foge à normalidade do volume da empresa. O acréscimo extraordinário pode ser previsto ou não (a doutrina tem as duas posições).

2. para substituição do pessoal regular e permanente: é mais específica; é uma substituição temporária do trabalhador regular e permanente que não pode exercer suas atividades; é um período curto. Exemplo: licença saúde, gestante, férias, etc.

f) Estágio

Este tipo de relação de trabalho é regulamentada pela Lei nº.6.494/1977, que possibilita o estágio de alunos matriculados em cursos de ensino superior, público ou privado, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior, escolas de educação especial, com o intuito de proporcionar experiência profissional prática na linha de formação do estagiário.

O estágio realizado nos termos da Lei nº.6.494/77, não gera vínculo empregatício do estagiário para com o tomador de serviços, de acordo com o artigo 4º., da referida Lei.

g) Trabalho institucional

É a relação de trabalho de natureza estatutária, na qual os servidores estatutários não possuem vínculo empregatícia com a Administração Pública e, sim, vínculo institucional.

 

8. CONCEITO DE RELAÇÃO DE TRABALHO À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 45/2004

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº.45/2004, surgiram muitas discussões a cerca da nova redação dada ao artigo 114, da Constituição Federal. A inclusão do termo “relação de trabalho”, ainda, não encontrou uma definição segura na doutrina e nos Tribunais Superiores. Mesmo após, mais de cinco anos da Reforma do Poder Judiciário, implementada pela Emenda Constitucional nº.45/2004, há, ainda, resistência dos Tribunais Superiores e da Jurisprudência atual que vem se pacificando.

 

8.1. HISTÓRICO CONSTITUCIONAL E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 45/2004

Uma revisão histórica sobre a competência da Justiça do Trabalho justifica-se pelo motivo de que a uniformidade dos conceitos utilizados até a Emenda Constitucional nº.45/2004 não causava maiores discussões quanto à competência da referida Justiça Especializada.

Desde a Constituição de 1.934, competia à Justiça do Trabalho dirimir conflitos, predominantemente, de caráter empregatício envolvendo empregados e empregadores. Porém, nessa época a Justiça do Trabalho, ainda, não possuía caráter jurisdicional. Veja-se:

a)Constituição Federal de 1.934

Artigo 122: “Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV, do Título I.”

b) Constituição Federal de 1.937

Artigo 139: “Para dirimir conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativa à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça Comum.”

c) Constituição Federal de 1.946

Artigo 123: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.

Parágrafo 1º. – Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.

Parágrafo 2º. – A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.”

d) Constituição Federal de 1.967 e Emenda Constitucional nº.1/69

Artigo 142: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de trabalho.”

Desde então, observa-se a preocupação em apresentar a Justiça do Trabalho como uma Justiça Especializada em solucionar conflitos de natureza empregatícia entre empregados e empregadores.

A redação da Constituição Federal de 1.988 não foi diferente:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

A Constituição Federal de 1.988 ao substituir o termo “empregados” por “trabalhadores”, a questão não causou maiores dúvidas, porque a permanência de uma parte empregadora, ainda, pressupunha a existência de uma relação de cunho empregatício.

A relação de trabalho em sentido lato, portanto, foi novamente colocada como exceção, fazendo com que a Justiça do Trabalho se ocupasse, principalmente, das relações de emprego.

 

8.2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº.45/2004

A Emenda Constitucional nº.45/2004, conhecida como a “Reforma do Judiciário”, inovou de forma nada sutil a redação original do artigo 114, da Constituição Federal:

Artigo 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art.102, I, o;

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art.195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

A substituição do termo “trabalhadores e empregadores” por um conceito, anteriormente, mencionado como excepcional e genérico (“ações oriundas da relação de trabalho”), sugere uma profunda modificação de competência, o que foi objeto de controvertidas discussões na doutrina e no cotidiano forense.

Portanto após a Emenda Constitucional nº.45/2004, passou a Justiça do Trabalho a ter competência para processar e julgar qualquer relação de trabalho e não somente relação de emprego. Assim, por exemplo, se um pedreiro, um pintor, um encanador, um personal trainer ou qualquer profissional autônomo que não receber pelos serviços prestados, embora não tenha vínculo empregatício com o tomador de serviços em razão da ausência de subordinação, ajuizará eventual ação perante à Justiça do Trabalho. Com isso, a Justiça do Trabalho passa a ter competência para análise de todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho em sentido amplo.

 

8.3. RELAÇÕES DE TRABALHO E DE EMPREGO E A NOVA COMPETÊNCIA

MATERIAL

Como já visto, anteriormente, a Emenda Constitucional nº 45/04 insere na competência trabalhista, de forma ampla, todas as relações típicas de trabalho:

Art. 114. Omissis

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

No Direito do Trabalho brasileiro, sempre foi oferecida a distinção entre a relação de trabalho e a relação de emprego. A primeira como gênero da qual a relação de emprego seria apenas uma espécie, um desdobramento da primeira e, por sua importância, ganharia tratamento especial.

O ponto diferenciador entre os dois vínculos originados pelo trabalho humano, reside na subordinação considerada no seu aspecto jurídico, ou seja: a existência de um poder ou direito do tomador do trabalho (empregador) de dirigir e fiscalizar o serviço do empregado, inserido em uma atividade realizada em prol daquele, que está sujeito ao comando e à disciplina do contratante do seu trabalho.

Essa nota típica nem sempre é fácil distinguir, seja pela transformação que sofre o trabalho na atualidade, gerada pela nova economia, seja pelo elo estreito existente entre determinados modos de prestação de trabalho (vendedor empregado e representante comercial; diarista e empregada doméstica, entre outros).

Tal circunstância, aliada ao quadro delimitado anteriormente, obriga-se a repensar os moldes da relação de emprego e, mais importante, do próprio Direito Material do Trabalho, para inserir no âmbito deste ramo do direito toda forma de trabalho que guarde traço de pessoalidade, continuidade e, sobretudo, de dependência econômica.

Na esfera da nova competência, a continuidade e a dependência econômica serão fundamentais para definir o que seja relação de trabalho para efeitos do artigo 114, I e VI, da CF, pois, como lecionam o culto Ministro do TST, João Oreste Dalazen (A reforma do judiciário e os novos marcos da competência material da justiça do trabalho no Brasil. In: Nova competência da justiça do trabalho, p. 159) e o festejado autor Amauri Mascaro Nascimento (A competência da justiça do trabalho para a relação de trabalho. In: Nova competência da justiça do trabalho, p. 27) o movimento expansionista do Direito do Trabalho repercute, necessariamente, na ampliação da competência da Justiça do Trabalho, conforme, aliás, atesta a Emenda Constitucional nº 45/04 ao trazer para a Justiça do Trabalho do nosso País as demandas decorrentes da relação de trabalho.

Não se pode perder de vista que a Consolidação das Leis do Trabalho já admite, desde há muito, a competência da Justiça do Trabalho para apreciar litígios decorrentes de determinadas relações de trabalho, como do avulso (artigo 643, caput, e artigo 652, V, da Consolidação das Leis do Trabalho), pequeno empreiteiro e artífice (artigo 652, a, III, da Consolidação das Leis do Trabalho), dentro da cláusula constitucional que, desde 1.946, autoriza o juiz do trabalho a conciliar e julgar outras relações de trabalho, que não a de emprego, desde que autorizado por lei.

Com a Emenda Constitucional nº 45/04, o legislador afastou a equação anterior. Assim, ao invés da relação de trabalho ser apenas excepcionalmente da competência da Justiça do Trabalho, junta-se à relação de emprego para compor a matéria básica, mais não a única (incisos II, III, VII, VIII do artigos 114), sobre a qual irá atuar a jurisdição laboral. Com isso, reduz o legislador constitucional o abismo entre trabalhadores em geral e empregados.

Resta agora à lei, à jurisprudência, à doutrina e às entidades sindicais a construção do arcabouço de proteção do trabalhador que, não estando sob o manto da relação de emprego, irá se dirigir à Justiça do Trabalho, como já o fazem avulsos que, notável exceção, gozam de ampla tutela no plano do direito substancial (artigo 7º, parágrafo único, da Constituição Federal).

Aspecto relevante quanto ao alcance da expressão relação de trabalho reside na controvérsia que começa a surgir acerca daqueles que prestam serviços no âmbito de um vínculo de consumo.

Essa discussão está fora de foco. A questão não é saber se a relação de trabalho compreende as relações de consumo com prestação de serviços (artigos 2º. e 3º., da Lei nº 8.078/90), mas se a relação de trabalho se apresenta marcada pela dependência econômica, com seus desdobramentos na pessoalidade e na não transitoriedade da atividade.

São referidas características, como demonstrado acima, que assinalam toda a revisão no âmbito do Direito do Trabalho e a ampliação da competência material para alcançar relações de trabalho que não a de emprego. Este movimento em curso no direito estrangeiro é o caldo de cultura, o pano de fundo, a base mesma da opção feita na Emenda Constitucional nº 45/04. De modo que parece irrelevante, para efeito da nova competência material trabalhista, indagar se o trabalho prestado se apresenta na moldura das relações de consumo ou não. O que interessa saber é se a relação de trabalho resta caracterizada pela dependência econômica, com os traços de pessoalidade e continuidade dos serviços.

 

8.4. QUESTÃO HERMENÊUTICA NA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº.45/2004

Em proteção à manutenção do entendimento anterior à redação dada pela Emenda Constitucional nº.45/2004, Salvador Franco de Lima levanta uma questão de caráter hermenêutico para o novo texto do artigo 114, da Constituição Federal, sobre o papel do inciso IX na interpretação sistemática da referida norma.

Observa-se:

 

Artigo 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

No entendimento do ilustre magistrado alhures mencionado, a redação do inciso IX, ao prever a possibilidade de futuras controvérsias decorrentes de relação de trabalho serem regulamentadas na forma da lei, consagraria um caráter restritivo do primeiro inciso, referente de forma exclusiva aos casos de relação de emprego.

Tal argumento não pode ser ignorado. Tomando-se como base de que o legislador não criaria normas redundantes e sem aplicabilidade, questionar-se-ia a total ausência de bom senso do mesmo na construção mencionada do artigo 114 e, o seu inciso I, ao definir uma competência de caráter geral às “ações oriundas da relação de trabalho”, certamente abrangeria as demais hipóteses elencadas nos incisos seguintes, constituindo-se uma absurda redundância à ressalva contida no inciso IX.

 

9. RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE CONSUMO

No que concerne aos conflitos oriundos de relação de consumo, retoma-se a discussão quanto à competência da Justiça do Trabalho, que gerou algumas dúvidas já superadas.

Pelo Código de Defesa do consumidor há a possibilidade da relação de consumo, também, ter como objeto uma prestação pessoal de serviços (artigo 3º., parágrafo 2º., da Lei nº.8.078/90), na qual a relação jurídica formada entre prestador de serviços e o consumidor apresenta-se sob dois aspectos distintos.

Um, no caso de envolver relação de consumo entre o fornecedor e o consumidor, na qual a discussão girará em torno da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a Justiça do Trabalho não é competente para dirimir essa demanda, haja vista que a pretensão deduzida em juízo não envolverá uma relação de trabalho.

E, dois, se o conflito entre prestador de serviços e o consumidor abranger a relação de trabalho existente entre ambos, como no caso de não recebimento pelo fornecedor pessoa física do valor contratado para a prestação dos respectivos serviços, não pairam dúvidas de que a Justiça do Trabalho será competente para processar e julgar o litígio.

 

10. CONCLUSÃO

Não pairam dúvidas sobre as diferenças entre relação de trabalho, que é uma relação genérica e, a relação de emprego, que é uma espécie da primeira, compondo-se de elementos fato-jurídicos.

Embora sejam conceitos relacionados, é de se salientar que a relação de emprego é um conceito formal e jurídico da relação de trabalho, podendo esta última ser considerada um conceito mais próximo da atividade de trabalho ou prestação de serviço em si. Na essência a relação de emprego é a relação de trabalho, mas em casos especiais (ex. trabalho autônomo) não se pode considerar a relação de trabalho compatível com o conceito de relação de emprego.

Assim, o conhecimento das leis, da sua aplicação e de seus conceitos jurídicos, referentes aos direitos que competem ao cidadão, é de grande valor. Pois, entender os direitos e deveres, tanto do empregador como do empregado, é primordial para que nenhum dos lados fique prejudicado.

 

 

REFERÊNCIAS

CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 25ª. ed., editora Saraiva.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Coleção Saraiva de Legislação, editora Saraiva.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo, LTr, 2002, p.279-280.

Lei nº.8.079/90

LIMA, Salvador Franco de. A competência da Justiça do Trabalho: o significado da expressão “relação de trabalho” no artigo 114 da Constituição e Relações de Consumo. Revista LTr, vol. 69. São Paulo, maio de 2005.

MARANHÃO, Délio. Instituições do Direito do Trabalho, 13ª. ed., editora LTr

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 11ª. ed., editora Saraiva.

SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada, 28ª. ed., editora LTr.

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho, série concursos públicos, 9º. ed., editora Método.

SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho, série concursos públicos, 4º. ed., editora Método.

SÜSSEKIND, Arnaldo. As relações individuais e coletivas de trabalho na reforma do poder judiciário. In: Justiça do Trabalho: Competência Ampliada, LTr, 2005, p. 19-20. São Paulo

1 Graduada em Direito pela Universidade de Araraquara-UNIARA. Mestranda em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social pela UNAERP-Universidade de Ribeirão Preto. Advogada atuante na área civil, empresarial e trabalhista.

Renata Ap. Follone

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