Relação de emprego de motorista de transporte de carga

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Introdução
 
São comuns no foro pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego de motoristas profissionais ocupados no transporte de carga. Quase sempre, os sedizentes empregados prestam serviços às sociedades empresárias com veículos próprios, com ou sem exclusividade ao encomendante, onde o dono da carga, além do preço do frete livremente estipulado entre as partes ou fixado unilateralmente ora pelo dono do caminhão, ora pelo dono da carga, paga os custos com o combustível e com a manutenção do veículo. Invariavelmente, nega-se a relação de emprego contrapondo a autonomia do prestador, ou parceria, em que os riscos são divididos meio a meio.
Este texto é fruto dessas inquietações e foi escrito com a pretensão de separar o joio.
 
Relação de emprego
 
É presunção comum, favorável ao empregado, que todo trabalho salariado decorre de um contrato de trabalho. Não há contrato de trabalho sem subordinação jurídica. Contrato de trabalho é o acordo tácito, ou expresso, que correspondente à relação de emprego[1]. Segundo a doutrina[2], essa definição é tautológica. ANTONIO LAMARCA[3] diz que relação de emprego e contrato individual de trabalho são a mesma coisa. O contrato de trabalho é de atividade. Não tem conteúdo específico e resume uma obrigação de fazer[4]. Para GHIDINI[5], é um negócio jurídico por meio do qual um sujeito (trabalhador) se obriga a prestar a própria atividade laboral a outro, sob subordinação e mediante pagamento. Sendo expresso, pode ser escrito ou verbal. Podendo ser tácito, a obrigação jurídica deflui de um estado de fato, isto é, as partes se conduzem de tal forma que acabam por amoldar as suas relações recíprocas ao standard que a legislação de antemão define como contrato de trabalho. Não é possível distinguir onde há contrato de trabalho e, portanto, relação de emprego, sem que se examinem a priori os conceitos de empregador e de empregado[6]. Empregador é a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços[7]. Empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário[8]. O conceito de empresa não é unívoco. É econômico e não jurídico. Empresa é a atividade empresarial[9]. Por isso se diz que nenhuma modificação na estrutura jurídica da empresa (entendamos: da atividade empresarial) afeta o direito dos empregados[10]. Haverá relação de emprego e, pois, contrato de trabalho, sempre que, no caso em concreto, se fizerem presentes tanto os requisitos dos arts.2º e 3º quanto os do art.442 da CLT.
Na doutrina e na jurisprudência é cediço que, negada a prestação do trabalho, ao sedizente empregado incumbe o ônus da prova porque o fato é constitutivo do direito de invocar a proteção normativa e de receber a indenização taxada em lei[11]. Admitida a relação de trabalho, ainda que de forma eventual ou sob o rótulo da autonomia, de representação comercial, de trabalho temporário, de contrato de estágio, de empreitada, de obra certa ou sob outra modalidade de contrato que não seja o de emprego, qualquer que seja a forma de pagamento, incumbe ao empregador demonstrar que de fato de relação de emprego não se tratava. Não se trata de exigir do réu prova do fato negativo, mas de lhe impor o encargo da prova do fato impeditivo do direito do trabalhador de se ver amparado pela legislação laboral, em decorrência do contrato de trabalho que de antemão se presume existente. Conquanto se trate de uma presunção relativa, ao empregado basta demonstrar o fato objetivo, isto é, a prestação efetiva do serviço para que se imponha ao empresário a prova de que o consórcio se travara por qualquer das outras formas lícitas de comércio que não tipificam relação de emprego.
Prova é a soma dos meios produtores de certeza. Tem por fim levar a convicção ao juiz[12]. Meios de prova são as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova. Elementos ou motivos de prova são os informes sobre fatos, ou julgamentos sobre eles[13]. A prova refere-se a fatos. Direitos, pretensões, ações e exceções são efeitos dos fatos jurídicos dos quais irradiam os efeitos pretendidos por quem os alega. Quando se diz que tal e qual deve provar o fato, o que se quer dizer é que tem o ônus de provar o fato jurídico donde irradia o direito que pretende[14]. Ônus da prova[15] é o ônus que tem alguém de dar a prova de algum enunciado do fato[16]. Antes de se saber a quem cabe o ônus de provar este ou aquele fato, impõe-se saber quem tem o ônus de afirmar, e o que lhe toca afirmar[17]. Por exigência da lei[18], cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os não impugnados, exceto se não for admissível a confissão[19], se a inicial não se fizer acompanhar do instrumento público que a lei considerar da substância do ato[20] ou se estiverem em contradição com a defesa, tomada em seu conjunto[21]. Ao contestar, o réu assume uma de duas posições:
a) — afirma que o fato não é verdadeiro, mas invenção ou ficção do autor;
b) — afirma que o fato ocorreu de modo diferente dos narrados pelo autor[22].
No primeiro caso (quando o réu afirma que o fato não é verdadeiro), trata-se de uma inexatidão absoluta. No segundo(quando o réu admite o fato, embora diga ter ocorrido de outro modo), de inexatidão relativa. Na inexatidão absoluta, é suficiente afirmar a inexistência do fato, mas é conveniente que se alegue fato ou fatos incompatíveis com a narrativa do autor. Na inexatidão relativa, o réu deve restabelecer a verdade, provando o que ocorreu verdadeiramente[23]. Não se admite contestação por negação geral[24]. Se o réu deixa de contestar um ou vários fatos, cessa sobre eles a controvérsia, não se exigindo outra prova, nem se permitindo que o réu a produza, exceto se o autor pretender produzi-la se a confissão lhe parecer insuficiente[25]. A defesa pode ser direta ou indireta. Na defesa direta, o réu limita-se a enfrentar os fatos do autor, mas não aduz fatos novos: nega a verdade dos fatos deduzidos pelo autor ou nega-lhes as conseqüências jurídicas[26]; na indireta, opõe-se aos fatos deduzidos pelo autor contrapondo fatos novos, extintivos ou impeditivos do direito do autor. Tratando-se de fatos novos — fatos do réu —, não são propriamente impugnações dos fatos alegados na inicial. “Quem apenas oferece defesa indireta aceita os fatos do autor, não os impugna[27].
 
Motorista de carga
 
Se a sociedade empresária tem por objeto social transporte de cargas ou de pessoas, deve ter no seu quadro de pessoal motoristas profissionais. Em tese, pelo menos, esses motoristas têm de ser empregados, mas a empresa de transportes também pode contratar motoristas profissionais autônomos, cooperativas de trabalho[28], empregados temporários[29]ou mesmo outra empresa especializada em transportes. Se opta por suprir parte do seu pessoal permanente com motoristas autônomos, é indispensável que se trate, verdadeiramente, de autônomos, pena de se inferir que, por se ligarem à atividade-fim da sociedade empresária, são, em rigor, empregados dela, travestidos de autônomos.
O conceito de motorista autônomo não deflui da vontade das partes, ou de como se comportam na relação civil que entendem não configurar relação de emprego, mas da própria lei. Tanto faz que a sociedade empresária empreste ao motorista o rótulo da autonomia se o prestador do serviço de motorista não é, efetivamente, autônomo, ou se a sociedade empresária continua dirigindo a atividade do prestador como se de empregado se tratasse.
A L.nº 11.442, de 5/1/2007, dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas —TRC— realizado em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador. O transporte rodoviário de cargas é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas — RNTR-C— da Agência Nacional de Transportes Terrestres —ANTT—[30]. Transportador autônomo de cargas é a pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional[31]. Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas é a pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal[32].
Para que o motorista seja verdadeiramente autônomo deverá comprovar ser proprietário, coproprietário ou arrendatário de, pelo menos, um veículo automotor de carga, registrado em seu nome como veículo de aluguel no órgão de trânsito e comprovar ter experiência de, pelo menos, três anos na atividade, ou ter sido aprovado em curso específico.
Entre a empresa de transporte rodoviário de cargas e o transportador autônomo de cargas deve haver contrato escrito disciplinando a forma dessa prestação de serviço do transportador, se agregado ou independente[33]. Agregado[34] é quem coloca veículo de sua propriedade, ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa. Independente[35], é todo aquele que presta os serviços de transporte de carga de que trata essa lei, em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem.
Uma relação contratual travada nesse molde é de natureza comercial, não ensejando vínculo de emprego[36]. O transporte rodoviário de cargas será efetuado sob contrato ou conhecimento de transporte, que deverá conter informações para a completa identificação das partes e dos serviços, e de natureza fiscal[37], assumindo ambos, empresa de transporte de cargas e transportador autônomo de cargas, responsabilidade perante o contratante.
Se esses cuidados forem deslembrados, a hipótese será de vínculo de emprego, e não de autonomia.
 
 
José Geraldo da Fonseca[38]
 


[1] CLT,art.442.
[2] SÜSSEKIND, MARANHÃO, SEGADAS VIANNA e LIMA TEIXEIRA, Instituições de Direito do Trabalho,Vol.1,150 ed.,Ed.LTR,p.236.
[3] Contrato Individual de Trabalho, Ed.RT.,1.969,p.96.
[4] MANUEL ALONSO GARCIA,Curso de Derecho del Trabajo,Ariel, Barcelona,100 ed.,1987,p.310 .
[5] Diritto del Lavoro,90 ed.,Padova,Cedam, 1985,p.159:“Il contratto individuale di lavoro è il negozio giuridico(contratto)col quale un soggetto(lavoratore)si obbliga a prestare la propria attività lavorativa a favore di altro soggetto(datore di lavoro),in posizione di subordinazione, verso un corrispettivo, la retribuzione “.
[6] CLT,arts.21 e 31 .
[7] CLT,art,21.
[8] CLT,art.31.
[9] BULGARELLI,A Teoria Jurídica da Empresa,Ed.RT.,1.985,p. 214/297.
[10] CLT,arts.10 e 448.
[11] CLT, arts.787 e 818.
[12] MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1996, 3ª edição, Tomo IV, p. 257.
[13] MIRANDA, Pontes. Op.e loc. cit.
[14] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.245.
[15] MIRANDA,Pontes. Op.cit.,p.270/271:“O ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes, sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de provar, inclusive quanto a negações. Uma vez que todos têm de provar, não há discriminação subjetiva do ônus da prova. O ônus da prova, objetivo, regula conseqüência de se não haver produzido prova. Em verdade, as regras sobre conseqüências da falta da prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as conseqüências de se não haver provado; ao que afirmou a existência do fato jurídico( e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou(=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do ato jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu. Enquanto alguém se diz credor, e não no prova, não pode esperar de que trate como credor. Por isso, intentada a demanda, se o autor afirma a existência de algum fato jurídico(=a juridicidade de algum fato = a entrada, antes ou agora, de algum fato no mundo jurídico), e não no prova, até precluir o tempo em que em que poderia provar, a conseqüência é contra ele:actore non probante reus absolvitur. Se o adverso afirmou, por sua vez, que houve deficiência no suporte fático(=entrou no mundo jurídico com a falta de algum elemento ou presença de elemento que vicia o ato jurídico = entrou nula ou anulavelmente), e o afirmante provou a existência, a prova do afirmante está de pé e a falta de prova pelo adverso importa em que a conseqüência seja contra ele”.
[16] MIRANDA, Pontes. Op.cit.p.253: “Não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer perante a outra pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova é de ser exercido no seu próprio interesse. Dever somente há onde se há de acatar ou corresponder ao direito de outrem, ou onde se há de ter certa atitude, concernente a si mesmo”.
[17] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.249, diz: “Cada parte tem de afirmar os fatos que sejam necessários e suficientes para que se conheça o caso da demanda judicial e se possa verificar se está compreendido no caso da lei invocada”.
[18] CPC, art.302, caput.
[19] CPC, art.302,I.
[20] CPC, art.302,II.
[21] CPC, art.302,III.
[22] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil.Ed. Forense, Rio de Janeiro, 6ª ed., 1989,p.329.
[23] CALMON DE PASSOS. Op.cit.,p.329.
[24] CALMON DE PASSOS. Op.cit.. p.328, diz:”A primeira consequência a retirar-se do dispositivo é a da impossibilidade da contestação por negação geral. Não só a tradicional contestação por negação geral, mas também a contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor. Firmar isso e não impugnar são coisas que se equivalerão. Quer a exigência primitiva de manifestação específica, quer a constante do texto, de manifestação precisa, brigam de modo irreconciliável com a pura e simples negação dos fatos. Cumpre ao réu dizer não somente que os fatos são inverídicos, mas também como ocorreram ou que outros fatos são verdadeiros. A pura e simples negação pelo réu carece de eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade referida no art.302”.
[25] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.140.
[26] CALMON DE PASSOS.Op.cit.p.334.
[27] CALMON DE PASSOS. Op.cit.p.333.
[28] L.nº 11.442/2007,art.,§3o : “Para efeito de cumprimento das exigências contidas no inciso II do §2o deste artigo, as Cooperativas de Transporte de Cargas deverão comprovar a propriedade ou o arrendamento dos veículos automotores de cargas de seus associados”.
[29] Nas hipóteses da L.nº 6.019/74.
[30] L.nº 11.442/2007,art.2º, caput.
[31] L.nº 11.442/2007, art. 2º,I.
[32] L. nº 11.442/2007,art.2º, II.
[33] L. nº 11.442/2007,art.4º.
[34] L. nº 11.442/2007,art.4º, §1º.
[35] L. nº 11.442/2007,art.4º, §2º.
[36] L. nº 11.442/2007, art.5º.
[37] L. nº 11.442/2007, art. 6º.
[38] Juiz do Trabalho — 7ª Turma do TRT do Rio de Janeiro.

Jose Geraldo da Fonseca

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