Quebra e recuperação de empresas

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A antiga Lei de Concordata e Falência, regida pelo Decreto-Lei n°7.661/45, mais se comparava a uma verdadeira ação cobrança contra o devedor, visando sua liquidação, do que um meio solutório para recuperação da empresa que se encontrava em crise.
Com a evolução dos tempos e cientes de suas necessidades, a sociedade brasileira se viu necessitada da implementação de uma nova legislação falimentar, que pudesse realmente amparar a empresa em crise, disciplinando sua situação, através de procedimentos de recuperação judicial e extra judicial, que se destinassem a preservação da unidade produtiva, mantença de empregos e principalmente o recebimento dos direitos dos credores da empresa falida.
A nova lei ao inserir em seu texto a possibilidade de recuperação extrajudicial e judicial da empresa, procurou afastar o fantasma do antigo procedimento falimentar e seus efeitos, cujo entendimento consta no voto proferido no RE. 60.499/1960, de lavra do saudoso Ministro ALIOMAR BALEEIRO ao asseverar que:
 
não há interesse social em multiplicar as falências, provocando depressões econômicas, recessões e desempregos, numa época em que todas as nações do mundo, lutam precisamente para afastar esses males, uma falência pode provocar um reflexo psicológico sobre a praça e todas as nações do mundo procuram evitar o colapso das empresas, que tem como conseqüência prática, o desemprego em massa da população.
 
A implementação e a eficácia dos planos de recuperação da empresa (judicial e extrajudicial), instituídos pela nova Lei de Falências, estão intimamente ligados a uma mudança cultural, que observou, principalmente, os prejuízos causados às empresas.
Tais prejuízos foram incalculáveis, mormente porque algumas empresas deixaram de existir por causa da precária e retrograda legislação até então vigente, ocasionando o aumento do desemprego, sentido imediatamente pela sociedade brasileira.
Visando primordialmente o soerguimento da empresa em crise, preservando e gerando empregos e possibilitando o pagamento dos débitos fiscais, a nova Lei de Falência trouxe, dentre as principais inovações, os mecanismos de recuperação judicial e extrajudicial que substituíram a antiga concordata.
Quanto a quebra e recuperação da empresa, a nova Lei de Falência, também chamada por alguns doutrinadores de Lei de Recuperação de Empresa (LRE), estabelece três soluções jurídicas para as crises econômicas em que se encontram, bastando para tanto verificar sua viabilidade.
Se viável, a Lei confere duas opções: a recuperação judicial e a extra-judicial. Já, se for inviável a recuperação econômica da empresa, e do empresário, o caminho a ser adotado é o da falência.
Quanto a recuperação judicial da empresa, a nova Lei de Falência deixa uma interpretação genérica, dispondo que seu pressuposto objetivo é “viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor”.[1]
Tal interpretação é genérica e subjetiva porque o legislador não se ateve a procedimentos pré-constituídos, como o não pagamento de alguma obrigação na data estipulada, ou estar o devedor na iminência de descumprir outros compromissos financeiros assumidos, bastando somente a existência da crise para possibilitar o meio para a sua superação, se viável.
O instituto da recuperação judicial, tem como principal finalidade, a superação pela empresa da crise econômica, mantendo a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores, que são conseguidos com o prosseguimento das suas atividades
Os pressupostos de admissibilidade para a recuperação Judicial são os seguintes: (i) não ser falido, (ii) não haver se beneficiado de recuperação judicial nos últimos cinco anos, (iii) não ter sido condenado como sócio, administrador ou controlador por qualquer crime previsto na lei falimentar.
Depois de deferido pelo Juiz o pedido de recuperação, o devedor terá, no prazo improrrogável de 60 dias, contados a partir da sua publicação, de apresentar o plano de recuperação judicial, sob pena de sofrer a decretação da sua quebra.
O plano de recuperação apresentado é propositadamente flexível e será regido pelas necessidades e as especificidades do caso concreto, devidamente exemplificados no artigo 50 da nova Lei, devendo conter ainda além da indicação dos credores cujas condições contratuais serão alteradas, também os meios que serão utilizados de recuperação, a demonstração da viabilidade econômica do devedor e laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens que compõem seu ativo.
Poderá conter também, a forma que se operarão os novos ajustes pactuados, para melhor assegurar os seus resultados econômicos e se verificar a capacidade de pagamento dos credores.
Neste caso, diferentemente do que ocorre na recuperação extrajudicial, não há ordem de classificação dos créditos, pois é o devedor que tem a prerrogativa de escolher quais os credores que se sujeitarão ao novo plano.
Os credores por sua vez, assumem papel de relevante importância na nova Lei de Recuperação de Empresa, pois de meros expectadores, que na antiga concordata não chegavam a manifestar sua concordância ao plano, passaram a personagens principais, podendo impugna-lo e decidindo, ao final da analise, se ela poderá sobreviver, com a continuação das suas atividades ou quebrar, com a decretação de sua falência.
Dos credores, a nova Lei buscou uma participação mais efetiva, visando equacionar a crise do devedor através de dois mecanismos: a assembléia geral, onde se decidirão as grandes questões pertinentes à recuperação judicial e o comitê de credores, nomeados pela AGC, têm a incumbência de fiscalizar a atuação do administrador judicial, do devedor e a execução do plano, acompanhando de perto o desenvolvimento da recuperação judicial.
Da Assembléia Geral de Credores, participam com direito de voto, apenas aqueles que foram abrangidos pelo plano de recuperação e dentre as suas atribuições estão, por exemplo: a de deliberar sobre ele, aprovando-o, modificando-o ou rejeitando-o. Neste último caso, vale registrar, acarretará a falência da devedora.
A Lei antiga sofria ainda duras críticas relacionadas à administração da falência, que era exercida pela figura do síndico, escolhido entre os maiores credores. Talvez por esse motivo (ser credor), tal figura não teve o desempenho desejado, uma vez que, cada credor tem lá seus interesses e muitas das vezes, não tem conhecimento ou experiência suficiente para as complexas funções do administrador judicial da massa falida.
A solução encontrada pelo legislador reside, justamente, na profissionalização da administração da falência[2], já que o profissional tem não somente experiência, como também interesse em desempenhar a contento seu labor, podendo, inclusive, ser remunerado pelos serviços prestados.
O administrador deverá ser pessoa moralmente idônea e possuir condição financeira suficiente a garantir aos credores e devedor, o devido ressarcimento financeiro pelo mau desempenho do seu trabalho, pois neste caso, poderá, em razão da atividade que irá exercer, ser civilmente responsabilizado pelo seus atos.
Deve-se ressaltar ainda que, em hipóteses de situações mais complexas, que se exija da administradora uma infra-estrutura apta a suportar as responsabilidades assumidas, poderá a escolha recair sobre pessoa jurídica especializada, conforme dispõe expressamente o artigo 21, da Lei 11.101/05.
Dentre as normas instituídas pela nova Lei de Falência, esta também a simplificação da verificação dos créditos, que se fará, em parte, perante o administrador judicial, sem maiores formalidades e sem a atuação direta do juiz, proporcionando maior agilidade do procedimento. Somente após a publicação do segundo edital, é que poderão os interessados oferecer impugnações, as quais serão submetidas ao juiz e por ele julgadas.
Em suma, o plano deverá ser apresentado em juízo em 60 dias do deferimento do processamento da recuperação, onde serão chamados os credores, por edital, a se manifestar a respeito. Se não houver objeção, o plano é aprovado, mas se houver, deverá ser convocada assembléia geral de credores, que examinará e discutirá o plano de recuperação, deliberando sobre sua aprovação, modificação e rejeição.
Concluindo o juiz pela aprovação do plano, concederá a recuperação judicial[3], em caso contrário, será decretada sua falência.[4]
Existem alguns casos especiais em que o juiz poderá aceitar o plano e conceder a recuperação da empresa, mesmo sem ter sido aprovado o plano pelos credores, exigindo para isso o preenchimento de alguns requisitos quantitativos, devidamente dispostos nos incisos I a III do parágrafo 1° do artigo 58 da nova Lei de Falência, como é o caso em que a rejeição do plano não se deu por maioria expressiva dos credores.
No outro tipo de recuperação, chamado extra-judicial, o devedor, visando resolver seu problema de liquidez, propõe a determinados credores, a remissão do débito ou dilação do prazo para posterior pagamento, desde que previamente elaboradas.
Um dos maiores deslizes contidos na antiga Lei de Falência, foi o de proibir o acordo extrajudicial, presumindo-se a insolvência do devedor quando convocasse seus credores para renegociar as dívidas, propondo-lhes a remissão, dilatação ou cessão de bens.
A distinção entre a recuperação extrajudicial da judicial, reside na quantidade de credores, classe ou grupo de credores, que são abrangidos pelos efeitos recuperação a ser utilizada. No caso da recuperação judicial, os efeitos abrangem todos os seus credores, inclusive àqueles que possuem créditos de natureza trabalhista ou tributária[5], enquanto que, na recuperação extrajudicial, à empresa que a requer não poderá ter, no momento do pedido, passivo trabalhista ou tributário.
Com a previsão expressa da recuperação extrajudicial, as empresas poderão convocar credores para renegociar seus créditos, somente aqueles com garantias reais até no limite do valor do bem gravado, créditos com privilégio especiais e gerais, quirografários e aqueles subordinados (previstos em lei ou contrato, bem como os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício).
Essa negociação não poderá ocorrer com: titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, nem de credor titular de posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de compra de venda com reserva de domínio.
Da negociação direta com os credores escolhidos, resultará um plano de recuperação extrajudicial, que será levado à juízo para ser homologado ou não, juntamente com a exposição da situação patrimonial do devedor, que deverá ser compatível com o valor da dívida, e a contabilidade da empresa quanto ao ultimo exercício social. Após a respectiva distribuição judicial, os credores que tenham assinado o respectivo termo não poderão mais desistir da adesão ao plano, salvo anuência expressa dos demais acordantes. Se mais de 3/5 (três quintos) dos credores representantes de créditos de determinada classe aprovarem o plano, o devedor poderá requerer que essa obrigação vincule a todos os demais credores desta classe, mesmo aqueles não aderentes.
Com o requerimento da distribuição do plano de recuperação, todos os credores serão chamados a se manifestar sobre o plano, de modo que o termo de acordo não deve priorizar o mesmo tratamento entre os credores das respectivas classes.
Os efeitos do plano, como a dilação dos prazos para cumprimento da obrigação e remissão da dívida, somente se iniciarão após a homologação judicial e, caso não seja homologado, poderá o devedor apresentar novo plano de recuperação extrajudicial.
Ademais, aqueles devedores que tenham se beneficiado de pedido de recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois anos, não poderão requerer nova homologação.
Com a decisão, o plano será título executivo judicial e a quebra terá o efeito de converter falência.
A falência, por seu turno, poderá ser pedida pelo (i) próprio devedor, (ii) pelo credor ou ela (iii) decorrerá da decisão que julgue improcedente o pedido de recuperação judicial; (iv) pela não aprovação do plano de recuperação judicial e (v) ainda da conversão de um processo de recuperação judicial em falência quando uma obrigação essencial do empresário for descumprida, como por exemplo, pela não apresentação do plano de recuperação judicial.
Para o pedido de falência será necessário, no mínimo, crédito equivalente a 40 salários mínimos.
Não estarão sujeitos à nova lei de recuperação de empresas e falências, as empresa pública, a sociedade de economia mista, instituição pública ou privada, cooperativas de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
A nova Lei também estabelece a possibilidade da falência do sócio da empresa em crise, desde que solidário e de responsabilidade ilimitada, sujeitando-se aos mesmos efeitos jurídicos decorrentes da sociedade falida e a autofalência, onde o devedor verificando que não tem condições de pleitear a sua recuperação judicial, poderá requerer a decretação de sua falência pela via judicial.
 
CONCLUSÃO
A Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, alterou expressivamente o direito falimentar brasileiro, que vinha regrado por normas para lá de antiquadas e que, pelas mudanças sociais, políticas e econômicas não somente do Brasil, mas do chamado mundo globalizado, não tinham condições de dar suporte para o desenvolvimento econômico e social do país
O princípio norteador da nova Lei de Falência é justamente a manutenção da atividade produtiva. Partindo dessa premissa, o legislador buscou formas de flexibilizar o quanto possível o procedimento de recuperação extrajudicial e judicial, possibilitando o devedor propor um plano moldado à sua verdadeira realidade econômico-financeira e que seja viável para recuperação de seu negócio.
A nova lei ao inserir em seu texto a possibilidade de recuperação extrajudicial e judicial da empresa, não somente atendeu o aspecto social de circulação de riquezas, geração de bens, produtos, serviços e tributos, mas também a manutenção do emprego, através da preservação da atividade empresarial, procurando afastar o fantasma da falência.
Assim, a Lei tem por objetivo recuperar as empresas recuperáveis e retirar do mercado as irrecuperáveis, sem subterfúgios jurídicos ou de mera legalidade formal, para tanto, é essencial compreender os mecanismos contemplados para aprovação e imposição do plano, os diversos meios de recuperação disponíveis para o devedor, a possibilidade de obtenção de recursos extraconcursais e de parcelamento dos débitos tributários, bem como a sujeição de determinados credores aos efeitos do processo.
 
 
BIBLIOGRAFIA
 
 
COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários a nova lei de falência e de recuperação de empresas, 2 ed., São Paulo: Saraiva, 2005
 
MANDEL, Júlio Kahan, Nova lei de falências e recuperação de empresas anotada, São Paulo: Saraiva, 2005.
 
Revista do Advogado. A nova lei de falências e de recuperação de empresas, ano XXV, setembro de 2005, n° 83, AASP.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


[1] LF, artigo 47.
[2] LF, artigo 21.
[3] LF, artigo 58.
[4] LF, artigo 56, 4°.
[5] LF, artigo 161, 1°

Costilhas Gustavo

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