Público x privado: breve análise sobre as ocupações irregulares na orla do município do rio grande/rs

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RESUMO

O presente estudo tem por finalidade apresentar os conflitos público-privados na Orla do Município do Rio Grande, os responsáveis diretos e indiretos pelos agravos ao meio ambiente e os atores sociais envolvidos na solução do problema. Por fim, pretende identificar possíveis formas de atuação e as soluções para questões urbanísticas em áreas impassíveis de ocupação por pessoas físicas e/ou jurídicas, tendendo à efetivação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio para comunidade local. Para alcançar os objetivos foi utilizado o método descritivo, em pesquisa qualitativa, com abordagem bibliográfica e documental.

Palavras-chaves: Interesse Público; Ocupações Irregulares; Estatuto da Cidade.

 

INTRODUÇÃO

Em meados do século XX, o Brasil que era um país quase que exclusivamente rural, sofreu mudanças em sua economia, investimentos em industrialização e o ingresso de capital estrangeiro no setor secundário. Com esse novo direcionamento as famílias começaram a deixar o campo, fenômeno conhecido como êxodo rural. Embora o referido fenômeno prejudicasse diretamente a produção primária brasileira este também traria prejuízos às zonas urbanas. (MUKAI, 2008; SILVA, 2008)

As cidades, assim chamadas antes da Carta Magna de 1988, passaram a receber diuturnamente trabalhadores sem instrução ou qualificação técnica para o labor em indústrias e comércios, os quais recebiam impulsos com a nova economia. Sem trabalho e sem a possibilidade de retornarem ao campo, essas pessoas que precisavam de moradia iniciaram as ocupações periféricas nas cidades, que sequer possuíam autonomia para solução dos agravos que certamente causariam. (SILVA, 2008)

Dessa forma, apenas no final da década de 80, com o reconhecimento Constitucional do ente municipal como integrante da República Federativa, os problemas urbanos poderiam (deveriam) serem resolvidos, mas conquanto não será essa a realidade a ser analisada, e sim a desorganização do espaço urbano e os impactos que esta provoca no ambiente.

1. O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA?

Na análise de qualquer tema em que estão imersas questões jurídicas é salutar iniciar o enfrentamento das mesmas pelo diploma Constitucional, o qual elucida em seus artigos 182 e 225, § 1º, as responsabilidades do município e a incumbência de preservação do ambiente, in verbis:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes

[…]

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […].(grifo nosso)

O artigo 182 e seu subseqüente foram regulamentados pela Lei que recebeu o nome de Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01. O diploma estabeleceu as diretrizes que o Poder Público deveria seguir e apresentou os instrumentos disponíveis para colocar em prática a ordenação urbana. Assim, contemplando o pensamento sistêmico da Carta Constitucional, na lei em comento, em seu artigo 2º, inciso IV o legislador ordinário estabelece:

Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[…]

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. (grifo nosso)

Nessa senda é possível entender que os municípios passaram a ter o dever legal de promover a (re)ordenação urbanística em consonância com o conceito de sustentabilidade ambiental. Essa obrigação não foi derivada apenas do artigo supra, mas também do Capítulo III, que trata do plano diretor e do Capítulo V, das disposições gerais que estabeleceu prazos para adequação da legislação local ao Estatuto da Cidade. A questão urgia de tal apresso que o gestor público municipal poderia incorrer em ato de improbidade administrativa caso descumprisse alguns destes ditames.

Dessa rápida análise legal inferiu-se que o aproveitamento do espaço urbano transcendeu a preocupação inicial da função social da propriedade urbana, diga-se embrionária, para função sócio-ambiental da propriedade, pois não se pode admitir conflitos que obtenham um resultado de harmonia urbanística, mas danoso na esfera ambiental. Assim ver-se-ão as áreas dos danos mais severos decorrentes desta desordem.

2. IDENTIFICAÇÃO ESPACIAL DO PROBLEMA AMBIENTAL

O Município do Rio Grande possui uma geografia sui generis, em formato peninsular, é banhada por uma laguna e uma praia marítima, além de contemplar em seu território várias lagoas, arroios, riachos e banhados. Esses bens naturais, que possuem um enorme potencial turístico são invariavelmente objetos de conflitos urbano-ambientais onde interesses públicos e privados se contrapõem.

A dificuldade de crescimento da zona denominada central da cidade, fez com que em tempos mais distantes, iniciasse o processo de aterramento das áreas junto a Laguna dos Patos e ao Saco da Mangueira, sendo que neste último certa vez foi proposto até mesmo o aterramento com lixo, como forma de expansão territorial de baixo custo, o que em boa hora foi freado por manifestações de expoentes na preocupação ambiental, informação recorrente entre os moradores mais antigos do município.

Como forma de promover a ordenação urbana fora do eixo central, foram inaugurados diversos bairros e vilas um pouco distantes da orla, mas que logo tomaram corpo até alcançarem essas áreas, passando a corroborar como outros setores de conflito urbano-ambientais. Todavia, em síntese é possível apresentar algumas áreas de ocupação mais densa, quais sejam: terrenos junto ao Canal do Norte próximo a Avenida Portugal e Rua Henrique Pancada, Vila da Naba, Vila Dom Bosquinho, Navegantes e suas adjacências.

3. RESPONSÁVEIS PELOS CONFLITOS

Como pressupostos em qualquer lide existem pólos distintos, pretensões diversas e igualmente resistidas, todavia quando os conflitos envolvem questões ambientais há mudanças substanciais na formação desses, pois o meio ambiente como bem difuso não comporta repressão espontânea e imediata ao agravo, cabendo ao Poder Público e outros entes sua tutela.

Dessa maneira é possível classificar os responsáveis pelos danos causados pela ocupação irregular na Orla do Município do Rio Grande em: diretos e indiretos. Identifica-se como responsáveis diretos as pessoas físicas e jurídicas que promovem aterramento de áreas junto à orla. E como responsável indireto o Poder Público Municipal que tem o dever de promover a ordenação urbana seguindo as diretrizes da Lei 10.257/01, dentre elas a minimização dos impactos ao meio ambiente.

Ainda é possível identificar como responsáveis indiretos, embora em uma parcela um pouco menor, os cidadãos, pois conforme enuncia o art. 225 da CF, o meio ambiente deve ser defendido também pela coletividade, assim a sociedade riograndina tem o dever de atuar junto aos órgãos competentes como Ministério Público Estadual, Federal e Poder Judiciário Estadual e Federal, através de denúncias, representações e ações populares. Peculiarmente por sua geografia a participação do Poder Público Federal é indispensável, pois os terrenos situados na orla, conhecidos como “terrenos de marinha”, são bens da União Federal e sob supervisão da Superintendência de Patrimônio da União.

4. ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS NA SOLUÇÃO DO PROBLEMA

O principal ator social envolvido na solução do problema também é um dos responsáveis indiretos, como foi possível identificá-lo nesta pesquisa, qual seja o Poder Executivo Municipal que segundo os ditames constitucionais e ordinários, tem o dever de promover a organização da ocupação de seu território, bem como fiscalizar aquelas que de qualquer sorte estão em descordo com a legislação seja esta federal, estadual ou municipal.

Assim o Município deve utilizar-se de instrumentos como o zoneamento urbano a fim de que a ocupação se adéque às necessidades da cidade, porém além de promover este, não mais é admissível um pensamento cartesiano e dissociado do meio ambiente, portanto o zoneamento ambiental deve ser parte integrante, um requisito fundamental ao gestor público, evitando dessa maneira os prejuízos ambientais que vão de encontro aos princípios constitucional-ambientais.

Já na seara da fiscalização, a mesma deve ser realizada por intermédio do exercício do Poder de Polícia Administrativa, onde o Município impõe limites à propriedade dos particulares primando pelo bem comum da coletividade. Nesse sentido Marques (2012, p. 01) se posiciona contextualizando com anotações de Di Pietro como sendo:

O conceito de imposição de limites aos particulares em nome do interesse público é a versão mais moderna acerca do poder de polícia. Quando ligado à concepção do Estado liberal o cunho finalístico segundo Di Pietro era “em benefício da segurança”. Na concepção atual de Estado, o poder supra, abrange uma gama superior de setores como patrimônio histórico, artístico e cultural, a segurança, o meio ambiente […]. (grifo nosso)

Outro ator social importante na solução deste problema é a Sociedade Civil Organizada que busca através de fóruns o aperfeiçoamento e a eficácia das políticas públicas urbano-ambientais. De outra banda, é indispensável também a participação dos diversos órgãos do Estado, em especial, dentro do contexto apresentado o efetivo envolvimento da União, por intermédio de sua Superintendência do Patrimônio, a SPU.

5. PROPOSTAS PARA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

Embora pareça em primeiro plano uma questão bastante simples de resolver, esta esbarra em diversos entraves e, muitas vezes, em interesses particulares que se sobrepuseram ao coletivo, pois por muitos anos interpretou-se o direito de propriedade como absoluto, o que é um verdadeiro despropósito, e após a Constituição de 1988 se iniciou o processo de entendimento de uma função social para a propriedade.

Todavia, agora a evolução deste conceito é para adiante de simplesmente uma função social embrionária, para uma função ambiental desta propriedade, ou seja, uma visão ampla e sistêmica do todo, dos efeitos do uso nocivo da mesma, inclusive penalizando com a perda em favor do bem comum. Aprofundando o tema Eros Grau (1997, p. 50) traz à baila, que o:

[…] princípio da função social (e ambiental) da propriedade tem como conseqüência básica fazer com que a propriedade seja efetivamente exercida para beneficiar a coletividade e o meio ambiente (aspecto positivo), não bastando apenas que não seja exercida em prejuízo de terceiros ou da qualidade ambiental (aspecto negativo). […] a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adéque à preservação do meio ambiente. (grifo nosso).

Assim a solução para o problema das ocupações irregulares passa por um concerto de atores sociais que devem traçar metas de atuação e dividi-las conforme a que ente competir os atos práticos. Esse plano de ação não deve possuir brechas onde dois ou mais entes tenham dúvidas de quem é atribuição ou de que forma irá atuar, pois é mister ressaltar que todos têm o dever de preservar o ambiente, inclusive aqueles que não participarem da cimeira.

Naturalmente é preocupante a situação de alguns ocupantes destas áreas ambientalmente degradadas, mas de toda sorte, a qualidade de vida nestes locais também não lhes é satisfatória, tendo assim problemas de duas ordens que podem ser resolvidos com ações conjuntas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema abordado no presente artigo traz a tona uma questão bastante pulsante, o eterno conflito entre o Interesse Público e o interesse privado. Contudo, visualizada a dimensão dos problemas gerados ao ambiente, o interesse público que não está jungido a um único e legítimo representante, ou a uma mera disputa entre o Executivo Municipal e pessoas físicas e/ou jurídicas que ocupam irregularmente áreas de interesse ambiental.

Diante da amplitude deste conflito as invasões que prejudicam todo um ecossistema são de interesse público na acepção mais ampla da interpretação desse conceito jurídico indeterminado, sendo de outra banda passíveis até mesmo de mensuração econômica. São necessárias ações que visem uma solução eficaz para resolução do problema das ocupações em áreas que degradam o meio ambiente costeiro, sejam através da poluição hídrica, do solo ou atmosférica. Contudo, são imperativos divisores físicos após a desocupação, pois em um curto espaço de tempo o quadro caótico certamente retornará.

Com efeito, a reordenação urbanística no Município do Rio Grande envolve uma gama de atores sociais diferenciados que convergem esforços, objetivos e propostas não somente ligados à questão urbanística in natura. No entanto, esta convergência não pode ser fruto apenas do ponto de vista formal, mas sim é indispensável a materialização da ações. Assim, o foco deve ser a reorganização urgente do espaço urbano, sempre sob a égide constitucional de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, privilegiando sempre as ações efetivas em favor deste.

REFERÊNCIAS

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Lei Ordinária n.º 10.257 de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acessado em: 15 de jan. 2012.

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRAU, Eros Roberto. Princípios fundamentais de direito Ambiental in Revista de Direito Ambiental, n. 02, 1997.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008.

MARQUES, Carlos Alexandre Michaello. O meio ambiente e a atuação da Administração Pública no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3132, 28 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20949>. Acesso em: 30 jan. 2012.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.

MORAES, Luís Carlos Silva. Curso de Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2002.

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.

SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2009.

Carlos Alexandre Michaello Marques

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