Paternidade socioafetiva: um dilema sociológico e constitucional

Scarica PDF Stampa

Resumo: A Constituição Federal consagra a família à luz dos artigos 226 e 227 de seu texto legal, sendo esta uma instituição de amparo à vida, à alimentação, ao lazer, à cultura. Mas, isso não impede que a família seja moldada por meio do casamento ou que a ela nasça em virtude de novas formas de relacionamentos, como família anaparental, mosaico ou isossexual, ou até mesmo a partir de uma união estável. Esse trabalho busca uma reflexão acerca do direito de uma família ser aceita independentemente de seus integrantes, sem caráter hierárquico (como antigamente) ou estrito ao que dispõe a lei. Nessa tarefa, o enfoque está em sua aplicabilidade no que diz respeito às relações envoltas pelo afeto, carinho e amor, não somente em virtude do dever de cuidado proposto expressamente pela Magna Carta. Por fim, conforme alusão à Lillian Ponchio, de nada adiantaria traçar conceitos prontos, modalidades estanques, figuras ideais para entidades familiares se a realidade é que independente do Direito e dos modelos legal e socialmente impostos, o que reúne e enlaça a família como uma só estrutura é o afeto e não o nó propriamente dito.

Palavras-Chave: Adoção, Paternidade Afetiva, Paternidade Socioafetiva, Abandono, Abandono Afetivo, Família, Proteção, Direito de Família, Constituição Federal, Proteção à Criança.

 

AFFECTIVE PATERNITY: AN SOCIAL AND CONSTITUCIONAL ISSUE

Abstract: The Federal Constitution establishes that the family in the light of Articles 226 and 227 of your legal text, which is an institution for sustaining life, food, entertainment, culture, but that does not mean that it is shaped through marriage or that it born as a result of new forms of relationships, such as the family anaparental, mosaic or isossexual, or even from a stable union. This paper seeks a reflection about the right of a family to be accepted regardless of its members, without hierarchical character (as before) or strict to what the law provides. In this task, the focus is on its applicability with respect to relationships surrounded by affection, loving care and attention, and not only because of the duty of care explicitly proposed by Magna Carta. Finally, as alluded to Lillian Ponchio, nothing else matters if exists concepts ready, tight arrangements, figures ideal for family entities if the reality is that regardless of the law and of models legally and socially taxes, what connects and unites the family as one structure is the affection and not the node itself.

Keywords: Adoption, Paternity Affective, paternity, Abandonment, Abandonment Affective, Family Protection, Family Law, Federal Constitution, Child Protection.

 

1. INTRODUÇÃO

A função social da família, no que diz respeito à garantia do bom convívio e bem estar social, está consubstanciada no artigo 227, da Constituição Federal, trazendo o dever de proteção e cuidado, o qual se fundamenta em uma proposta eudemonista, buscando a felicidade dos integrantes familiares, assegurando inúmeros direitos às crianças, como o direito à vida e à alimentação. Mas, também, compõe-se de uma vertente anaparental, ou seja, por elementos não provenientes do caráter parental em si, como o direito ao lazer, à cultura, ao respeito, entre outros.

O modelo familiar antigo, nascido em meados de 1916 (com influências desde o ano de 1824), analisava as questões da instituição por um caráter civilista proveniente de rigor hierárquico.

Insta ressaltar que o conceito de família estava embutido nos entendimentos doutrinários e, para ser legalmente aceito, voltava-se ao vínculo matrimonial, sendo este a única maneira legitimada por nosso ordenamento no que diz respeito à entidade familiar. As demais uniões, mesmo que semelhantes ou equiparadas ao conceito proveniente de casamento não eram consideradas legítimas, sendo assim, permaneciam no esquecimento jurídico, na não observância dos ditames intrínsecos ao direito aplicável na época.

No mesmo período, o direito e a moral se confundiam e reafirmavam como modelo a ser seguido o inerente à tutela jurídica, valorando o casamento como único meio viável à composição familiar.

Com o advento da Constituição Federal vigente, a de 1988, mudou-se aos poucos o entendimento a respeito da conceituação familiar, admitindo-se não o modelo hierarquicamente proposto, mas formatos baseados em pilares democráticos, conforme os novos rumos e formas de se relacionar.

Após a Constituição Federal de 1988, retratou-se como família aquela que valoriza a informalidade (união estável), assim como o núcleo conjunto de um dos pais e seus filhos (família monoparental), o núcleo composto por parentes em decorrência do falecimento do genitor (família anaparental), além do núcleo envolvendo a junção de filhos do homem com os da mulher, configurando o que é conhecido por “família mosaico”.

Por fim, não menos relevante, também, consubstancia-se como família isossexual aquela inerente a pessoas do mesmo sexo, nascidas da união homoafetiva.

Em seu artigo 226, a Constituição Federal de nosso ordenamento jurídico proclama que são aceitos três tipos de família, ou seja: aquela decorrente de casamento, a união estável e de qualquer um dos pais e seu(s) filho(s).

A família, no que tange a transposição dos requisitos legais, é reconhecida como instituição e é formada por meio de um núcleo contendo pai e/ou mãe e um filho biológico ou sociológico, sem a obrigatoriedade de constituição de casamento ou pelo fato de serem conviventes.

Logo, a família não é criada a partir de uma união estável, um casamento ou até mesmo laços sanguíneos, mas surge, principalmente, em virtude do afeto e proteção dos pais destinados à criança.

Pela alusão a Caio Mário, diante do envolvimento familiar, nasce a conclusão de que,

Numa definição sociológica, pode-se dizer como Zannoni que a família compreende uma determinada categoria de relações sociais reconhecidas e portanto institucionais. Dentro deste conceito, a família não deve necessariamente coincidir com uma definição estritamente jurídica.1

Segundo Pablo Stolze Gagliano2, deve-se primar pelas correntes de pensamento a respeito do tema no que tange ao poder de sentir, ao princípio da afetividade e da primazia do conceito socioafetivo da família moderna, pois, tal instituição não é apenas montada em torno de um modelo de uniformidade, mas deve-se estar atento aos aspectos que circundam o núcleo familiar, sendo estes de caráter ético-social, englobando a variedade de fatores em torno do agrupamento proporcionado pela união de um homem e uma mulher, a priore, além da prole acolhida ou proveniente de mãe e pai biológicos.

Logo, a família é exposta no Brasil contemporâneo como um fato social, não mais vista como uma instituição a nível hierárquico, em que apenas o casamento era a forma válida de sua constituição.

A diversidade caminhou a tal ponto que se concretizou o modelo calcado no Estado Democrático de Direito como fundamentação intrínseca ao tema, admitindo a pluralidade de agrupamentos com o intuito de proteção e bem estar ao próximo, trazendo de forma isonômica os direitos exercidos pelo homem e pela mulher e, ainda, tratamento equilibrado entre os aspectos legais e afetivos direcionados aos filhos, sejam estes biológicos ou sociologicamente acolhidos.

Portanto, a família deixou de fazer parte de um emaranhado econômico e reprodutivo para garantir o desenvolvimento de seus membros calcados no afeto, buscando a representação da dignidade da pessoa humana, sendo a família não mais uma instituição jurídica, mas um mecanismo que retrata a realização em caráter pessoal, sendo um meio e não uma finalidade.

 

2. MATERNIDADE OU PATERNIDADE AFETIVA

O caráter natural que envolve a família antecede a previsão jurídica, ao direito positivado, estando o ânimo além da vontade legislativa, inserindo a questão da caracterização de constância social da relação paterno-filial, querer ser pai e, também, querer ser filho.

A presença constitutiva e que vincula uma família não pode passar despercebida quando o assunto envolver a afetividade, que de acordo com rearranjos familiares, caracterizados de pluralismo familiar, só é possível e aceito por nossa legislação frente à nossa Carta Magna, além de sua estruturação em nosso Direito de Família, a nível sociológico.

O bilateralismo sentimental elucida, em muitos momentos, sua potencialidade em face da ligação biológica, conforme entende Leite, que

Na verdade, é preciso que se diga que a paternidade socioafetiva é a única garantidora da estabilidade social, pois um filho reconhecido como tal, no relacionamento diário e afetuoso, certamente formará uma base emocional capaz de lhe assegurar um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano.

Além disso, ter um filho e reconhecer que independente de uma obrigação legal, sua paternidade deve ser uma demonstração de afeto e dedicação, que decorre do amar e servir do que responder pela herança genética.3

Destacamos, também, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul firmou entendimento no que tange à importância do reconhecimento de paternidade e os efeitos provenientes do caso. Insta ressaltar um trecho do julgado a respeito do tema

Ação declaratória. Adoção informal. Pretensão ao reconhecimento. Paternidade afetiva. Posse do estado de filho. Princípio da aparência. Estado de filho afetivo. Investigação de Paternidade socioafetiva. Princípios da solidariedade humana e dignidade da pessoa humana. Ativismo judicial. Juiz de família. Declaração de paternidade. Registro.

A paternidade sociológica é um ato de opção, fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a fonte geratriz. Embora o ideal seja a concentração entre as paternidades jurídica, biológica e socioafetiva, o reconhecimento da última não significa o desapreço à biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares.

Uma de suas formas é a “posse do estado de filho”, que é a exteriorização da condição filial, seja por levar o nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com visibilidade notória e pública.

Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde à uma situação que se associa a um direito ou estado, e que dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de seriedade à relação aparente.

Isso ainda ocorre com o “estado de filho afetivo” que, além do nome, que não é decisivo, ressalta o tratamento e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada e atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse.

O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de família impõem, em afago à solidariedade humana e veneração respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa, que se supere a formalidade processual, determinando o registro da filiação do autor, com veredicto declaratório nesta investigação de paternidade socioafetiva, e todos os seus consectários.

Apelação provida, Por maioria.4

De acordo com o exposto, por fontes doutrinárias e jurisprudenciais, consubstancia-se uma relação baseada na concepção familiar que mantém o elo de solidariedade recíproca, trazendo o respeito aos direitos fundamentais e filiação isonômica, neste caso, referente ao filho (a) não biológico (a).

A maternidade afetiva é aquela constituída diante de uma reunião, que concerne em sua capacidade de converter-se à “posse de estado de filho” em conjunto com o “estado de filho afetivo”, não sendo necessário alargamento do mérito já demonstrado anteriormente.

Por conseguinte, é indiferente o modelo adotado pela instituição, ao passo que a relevância filial recai perante a comunhão de afeto, não aceita pela sociedade adepta do matrimonialismo (antes de nossa Constituição de 1988).

Um caso de relevante interesse social, que recai sobre o tema, foi o julgado pela Terceira Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em que a ministra Nancy Andrighi admitiu a relação socioafetiva baseada em registro de filiação sem a observância da “adoção à brasileira”.

No caso acima, uma austríaca de 56 anos pegou para si uma menina recém-nascida, nos moldes já demonstrados, na década de 1980. A irmã mais velha alegou ser um caso de falsidade ideológica em processo judicial em face de bens deixados para a criança registrada no Brasil, com o intuito de anular o registro de nascimento da mesma.

De acordo com o trecho, abaixo, é de suma importância o respectivo voto da Ministra Nancy para o entendimento do fato,

Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares5.

Por fim, há um pequeno desconcerto ao relacionarmos a figura mãe ou pai com a figura do genitor, conforme discorre Pablo Stolze, pois, além de criar a criança, esta deve crescer em um meio embutido de cuidado, amor, educação e proteção. Nada obsta que os pais biológicos sejam os detentores de tais atitudes fidedignas.6

 

3. O SENTIDO DA POSSE DE ESTADO DE FILHO E SUA PROTEÇÃO NO QUE CONCERNE À TEORIA DA APARÊNCIA

A posse de estado de filho é proveniente de relações envoltas pelo afeto e solidariedade, visto que é denominada família sociológica. Os pais assumem a responsabilidade perante a educação e tutela dos filhos, sem a necessidade de fatores biológicos para que um homem e uma mulher possam ser pai e mãe em uma instituição familiar. É na posse que se caracteriza a paternidade ou maternidade afetiva.

Segundo Jorge Trindade,

Entende-se a posse de estado de filho como sendo uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros, como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. 7

Uma situação que envolve a posse poderia ser o referente paternal que a criança possui, por exemplo: uma relação embutida de afeto que não seja proveniente de laços biológicos ou jurídicos, apenas afetivos.

Dessa forma, é válido detalhar casos em que julgados deram procedência a favor da paternidade socioafetiva, como

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, OMISSÃO ADMITIDA. Os precedentes desta câmara que admitem a tese da paternidade socioafetiva sempre utilizam esse critério como desempatador, quando confrontada a verdade biológica com a verdade registral.8

ANULAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILHO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Não ofende a verdade o registro de nascimento que espelhou a paternidade socioafetiva, voluntariamente assumida, mesmo que não corresponder à parentalidade biológica, pois a revelação da origem genética, por si só, não basta para atribuir ou negar a paternidade. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue.9

A partir do momento em que ocorre conflito entre tipos de paternidade, deve ser observado qual a situação que será mais favorável aos filhos envolvidos, de acordo com o princípio que guie o melhor interesse da criança.

As decisões apenas confirmam o caráter não biológico, mas não retira os direitos que surgem da relação entre o pai por afeto e o menor considerado seu próprio filho.

Aparência é tudo aquilo que enxergamos à primeira vista, estando a teoria da aparência intimamente ligada à posse de estado de filho, pois, esta é um fator que representa a verdade, a realidade em âmbito externo.

A exemplificação é simples, basta a publicidade da situação de fato, não formalizada, demonstrando a relação e todos os elementos identificadores intrínsecos a ela, constituindo uma eficácia em caráter erga omnes.

A atitude de manifestação caracteriza a relação constitutiva do estado de posse de filho, proporcionando a proteção em patamares superficiais, aceitos pela sociedade, sem questionamentos a respeito de genética ou formas de acolhimento, sendo então, um meio de prova viável à regularização da relação.

 

3.1. Elementos essenciais à posse de estado de filho

O universo dos fatos, o qual contém a posse de estado de filho, traz consigo o fim proposto de exteriorizar ao mundo jurídico uma verdade social reconhecida.

Para que a posse seja criada ou caracterizada devem existir três elementos: o nome, o trato e a fama.

Em relação ao nome (nominatio), há o uso do nome da família do suposto pai pelo indivíduo considerado seu filho. A doutrina não aceita a relevância e obrigatoriedade do mesmo pelo fato de que nem todos os filhos se utilizam do patronímico dos pais.

O trato nasce do tratamento direcionado à pessoa, à educação, em que o pai presumido trata o mesmo como seu filho biológico. Tal elemento é identificado a partir de atitudes que envolvam o carinho, cuidado, afeto, saúde, entre outros (assistência tanto material, quanto moral).

A fama é a divulgação exterior à relação constituída, que pela publicidade leva à sociedade o conhecimento de uma relação de pai e filho, ensejando continuidade para que a partir da reiteração perante a sociedade seja configurada a estabilidade da instituição.

A relação denominada “paterno-filial” pressupõe um querer ser pai e a aceitação pelo filho ou filha e esta ligação é reafirmada dia após dia, solidificando-se, não existindo data com prazo certo para configurá-la, no entanto, a partir da análise do caso concreto, o juiz poderá confirmar a incidência ou não de paternidade afetiva.

 

3.2. Paternidade socioafetiva e suas formas de manifestação

A doutrina brasileira estabeleceu quatro espécies de filiação, sendo estas:

a)Filho de criação

b)Adoção judicial

c)“Adoção à Brasileira”

d)Reconhecimento voluntário ou judicial

A primeira situação diz respeito ao filho de criação, que é aquele criado pelos pais independente de vínculo, seja ele biológico ou jurídico, pois, é uma opção dos interessados.

O segundo caso refere-se à adoção judicial, sendo esta a mais temerosa a se atingir, pela grande parte burocrática inerente à Lei nº. 8069/90. Aqueles que possuem o interesse em adotar, pela demora na pretensão a ser atendida, deixam de recorrer ao judiciário para que seja legalizada sua situação.

A jurisprudência vem reconhecendo em caráter essencial outras formas de adoção, inclusive a paternidade socioafetiva ou a “adoção à brasileira”, ficando o Judiciário como última alçada a se alcançar, somente, para efeitos de reconhecimento da afetividade adotiva, formada independente de adoção judicial.

O terceiro exemplo é pautado como conduta ilegal, no que tange o artigo 299, do Código Penal, mas seus efeitos podem ser atenuados, pois, quem adota como se legítimo fosse quer a inserção do menor em âmbito familiar, anseia pelo convívio com o mesmo, não partindo de dolo ou culpa ao praticar o fato.

Massami Uyeda, ministro do Superior Tribunal de Justiça, integrante da Terceira Turma e da Segunda Seção do órgão, considerou em julgado no que tange à “adoção à brasileira” o reconhecimento de sociofetividade entre o infrator e a vítima (a criança).10

No que diz respeito ao artigo 242, do Código Penal, parágrafo único, a redação no intuito de tutelar os interesses do menor envolvido é veemente, dispondo que: “Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena”.

A lacuna existe para que haja em casos concretos o reconhecimento da nobreza interligada ao ato, que não está explícita no texto legal. Uma causa nobre envolvendo interesses na tutela e desenvolvimento infantil só poderia nascer de gestos repletos de generosidade e ações magnânimas.

Assim sendo, ao reconhecer o filho de outrem como seu para garantia de uma vida digna, proporcionando seu bem-estar, seu desenvolvimento moral e físico, o registro em si teria como efeito a não atribuição de sanção ao agente, privilegiando-o com a não aplicabilidade de pena alguma.11

O quarto caso refere-se ao filho ou filha que busca ser reconhecido legalmente pela inércia do reconhecimento espontâneo (seja por testamento, registro de nascimento, entre outras formas, conforme o artigo 1.609 e seguintes do Código Civil).

Caso haja espontaneidade em reconhecer o filho ou filha, não há necessidade de partir para as vias judiciais.

Logo, para que seja definida a filiação em face de paternidade socioafetiva deve-se recorrer à nossa Carta Magna, pela ausência de exigibilidade específica, tratando-se de princípios gerais e direitos fundamentais, como por exemplo: dignidade da pessoa humana e a proteção à criança, para que os efeitos jurídicos necessários pendentes a essa espécie de regulamentação sejam alcançados.

 

3.2.1. Irrevogabilidade do socioafetismo ou paternidade socioafetiva

Ao que pese demonstrar, trazemos à elucidação da irretratabilidade, um trecho de um acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais publicado na Revista Brasileira de Direito de Família, que diz

Uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável a declaração de vontade tendente ao reconhecimento voluntário de filiação. A invalidação dar-se-á apenas em razão de dolo, erro, coação, simulação ou fraude. Se foi o próprio recorrido a pessoa que compareceu ao cartório e fez as declarações de registro, não pode ele agora procurar anulá-la para beneficiar-se da anulação, principalmente em prejuízo de quem não participou do ato e nem podia participar, por ser menor de idade (…).12

O exemplo é de relevante significância, pois, ao constituir-se a convivência entre pai e filho, esta se torna irretratável, se aperfeiçoa, pois seria desumano, até mesmo cruel, desvincular-se do reconhecimento proposto, para que diante de tal desobrigação não fossem mais necessários os alimentos anteriormente devidos.

Portanto, não cabe a impugnação de paternidade para que com ela haja desvinculação proveniente de torpeza do pai ou mãe interessada, estando a Constituição Federal de acordo com a proteção da dignidade do menor envolvido, sendo esta firmada diante do artigo 226, § 7º. Outros bons exemplos que cabem à matéria são a Súmula 149 do STF (Supremo Tribunal Federal) e o artigo 27, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

 

3.3. Posse afetiva de filho e a posse de direitos reais

Apesar de diversas similaridades, ambas as posses possuem efeitos e consequências distintos, pois, a posse afetiva diz respeito a um direito personalíssimo configurado, buscando-se o reconhecimento “paterno-filial”, proveniente de uma relação pacífica, habitual e inequívoca.

A posse de direitos reais versa sobre a visibilidade do domínio, sendo seus elementos o poder sobre a coisa (corpus) e a vontade (sendo esta o animus), estando sempre reunidos. Essa posse, ainda, retrata os efeitos de natureza econômica.

Jorge Trindade afirma que

(…) em ambos os institutos, a posse é uma manifestação exterior que torna visíveis determinadas qualidades e atributos e serve para conferir um estado que, de outra forma, não haveria possibilidade de ser comprovado.13

De acordo com a relação proposta, a exteriorização da Teoria da Aparência atribuída à posse equipara o tratamento e a fama aos elementos caracterizadores da posse de propriedade, sendo assim: fama está para corpus, assim como tratamento está para animus.

Um requisito necessário à diferenciação recai na permanência da posse afetiva, que diz respeito tanto à habitualidade quanto à estabilidade, pois, os atos nessa espécie devem ser provenientes de reiteração para que os elementos que constituam a paternidade sejam considerados perfeitos. Cabível, também, é a demonstração a título de pacificidade, que seria a aceitação e o acolhimento da questão por terceiros, sem questionamentos.

 

4. O DESENVOLVIMENTO E A SOCIEDADE

As crianças podem sofrer alterações em face de seu crescimento, tanto de forma psicológica quanto física, qualquer deficiência desgasta o que chamamos de “idades do homem”, que seriam etapas em que há uma avaliação comportamental do indivíduo diante da sociedade e de acordo com seus problemas.

A alusão ao pensamento de Erik H. Erikson, pensador alemão, nos leva ao tema fracionado proposto pelo mesmo, que condiz com a fase da confiança, da autonomia, da iniciativa, da indústria, da identidade, se fazendo necessária até a fase denominada intimidade.

A ausência de uma figura materna ou paterna pode gerar danos irreversíveis ao comportamento da criança, estando a cargo de um suposto pai, que ao assumir tal função, retribua o vazio, anteriormente, proporcionado.

Insta ressaltar determinadas exemplificações, como a adoção comum, “à brasileira”, e até mesmo a proveniente de casal em regime de união homoafetiva.

O abandono de incapaz, no que tange ao sentimentalismo, é um exemplo típico e inerente à evolução infantil ou adolescente, podendo gerar problemas para se relacionar, como: falta de confiança, falhas conduzidas ao encobrimento de verdadeira imagem, o julgamento do certo e errado na primeira etapa.

Caso tal atitude não seja ponderada ou dirimida, poderá gerar problemas em adultos relacionados à vontade de humilhar e punir ao próximo.

Portanto, deve existir o nascimento de lares em que as emoções sejam equilibradas, além de ambiente em harmonia, felicidade, amor e compreensão, para que se firme um pleno, coeso e consistente desenvolvimento do indivíduo como um todo, sendo este capaz de assumir responsabilidades, ter segurança ao realizar atos e, que possua solidariedade em seu convívio social.

 

5. DANOS MORAIS E O SOCIOAFETIVISMO

A indenização tem como base a falta de cuidado, o abandono moral e escassez de convívio familiar, pois, não há previsão legal que obrigue o pai ou a mãe a visitar seu filho.

Conforme Maria Berenice Dias14

O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não mais se podendo ignorar essa realidade, passou-se a falar de paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz seqüelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida.

A mesma autora, ainda, prossegue da seguinte forma,

A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas seqüelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes, da sociedade. Nesse outro mundo, imperam ordem, disciplina, autoridade e limites. A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhe faltar essa referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a falta da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida.15

Para finalizar seus pensamentos,

[…] Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem muito valioso.16

Jorge Trindade complementa o tema de forma minuciosa, afirmando que,

A função dos pais não se limita em prover materialmente as necessidades básicas dos filhos. A sua finalidade precípua é a assistência emocional. É exercer a função psicopedagógica de educar e zelar pelo desenvolvimento sadio da criança. Não sendo exercido esse irrenunciável papel, surge o dever de reparar o dano, pois se encontram presentes os pressupostos que caracterizam o abandono afetivo.17

Portanto, ao configurar o impasse relativo ao descaso familiar é cabível a proteção que alcance o bem jurídico passível de indenização, sendo este a dignidade da pessoa humana, proveniente de forma expressa em nossa constituição, podendo, ainda, o responsável pela prática do abandono ou desprezo relativo à criança fira os deveres atinentes aos artigos 1634, incisos I e II e 1638, inciso II, ambos de nosso Código Civil Vigente.

 

6. DEMAIS APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS

Nancy Andrighi, ministra do Superior Tribunal de Justiça, já proferiu juntamente com demais colegas várias decisões referentes ao tema proposto, em que pese determinados trechos, vejamos

– Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizado de forma consciente, consolidou a filiação socioafetiva, devendo essa relação de fato ser reconhecida como amparada judicialmente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família. 18

– Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico – ampliados pelo entrecruzar de interesses, direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas –, deve o Juiz pautar-se, em todos os casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse da criança, exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes, a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras.19

Um caso de grande repercussão nacional, oriundo de julgamento diante do Superior Tribunal de Justiça, pela Terceira Turma, também, envolvendo a ministra Nancy Andrighi, decorrente do Estado de São Paulo, discorre sobre a filha de um casal que não foi casado, que após anos de escassez paterna conseguiu ser reconhecida judicialmente e foi além, entrou com uma ação com o intuito de angariar danos em decorrência de danos materiais e afetivos durante sua infância e adolescência.

Impende o destacamento de pequenos trechos proferidos pela ministra

– Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança.

– Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae.

– Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação.20

O cuidado, segundo a ministra, é um fator essencial e não acessório ao voltarmos os olhos ao desenvolvimento da criança e do adolescente, que em decorrência de tal abandono pode vir a sofrer sérios problemas psicológicos e sociais, chegando a desenvolver até depressão.

A atenção e o acompanhamento são devidamente importantes e o afeto essencial, mesmo que em pequenas doses, pois, a criança crescerá com um alicerce familiar e um bom desenvolvimento mental, bom convívio, boa regularidade ao ingressar no mercado de trabalho e na constituição de sua própria instituição familiar.

Os sentimentos envoltos em mágoa, abandono por parte do pai e descaso por ser tratada com inferioridade quanto aos outros filhos que vieram depois foram devidamente superados, mas não esquecidos, mesmo que por meio da presunção de paternidade e, posterior reconhecimento judicial.

Logo, foi fixado o valor indenizatório e compensatório de R$ 200.000,00 (duzentos mil) reais em face da professora, filha de Antônio Carlos Jamas dos Santos, com o embasamento de que o suprimento material em face da ação proposta não completará anos do não suprimento emocional proporcionado pela ausência do mesmo.

Outra situação relativa ao assunto semelhante, foi a improcedência do pedido de anulação do instrumento de adoção atestado em assinatura falsa em face de pensão alimentícia, comprovado por perícia, pois o envolvido neste caso alegou não ter assinado nenhum documento e já teria terminado o relacionamento amoroso que o ligava à criança.

O magistrado do caso, denominado Djalma Moreira Gomes Júnior atentou para a relevância da questão envolvendo a chamada paternidade socioafetiva, pois, a não autenticidade do documento não invalida a relação constituída publicamente e o tratamento relativo à relação de pai e filho que ligava o indivíduo ao menor de idade, independentemente de adoção.

O juiz, ainda, discorreu a respeito da paternidade socioafetiva, sendo esta uma assunção, de fato, do estado de pai, sem vínculo de sangue ou adoção, fundada no amor e no afeto, originando-se da circunstância de receber continuamente o tratamento de filho e de ser reconhecido pela sociedade como tal.21

Já o informativo 502 do STJ22 trouxe novidades no tocante à prescrição de ações de indenizações por abandono afetivo, que diz

 

INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. PRESCRIÇÃO.

O prazo prescricional das ações de indenização por abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao pátrio poder (poder familiar). No caso, os fatos narrados pelo autor ocorreram ainda na vigência do CC/1916, assim como a sua maioridade e a prescrição da pretensão de ressarcimento por abandono afetivo. Nesse contexto, mesmo tendo ocorrido o reconhecimento da paternidade na vigência do CC/2002, apesar de ser um ato de efeitos ex tunc, este não gera efeitos em relação a pretensões já prescritas. Precedentes citados: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, e AgRg no Ag 1. 247.622-SP, DJe de 16/8/2010. REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/8/2012.

Por fim, a título de elucidação, no tocante aos informativos, outro que diz respeito ao tema abandono afetivo, de número 496, diz o seguinte:

 

DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. DEVER DE CUIDADO.

Abandono afetivo decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável. Isso porque o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, no caso, o necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e companhia), importa em vulneração da imposição legal, gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono afetivo. Consignou-se que não há restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar no Direito de Família e que o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento pátrio não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas concepções, como se vê no art. 227 da CF. O descumprimento comprovado da imposição legal de cuidar da prole acarreta o reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil sob a forma de omissão. É que, tanto pela concepção quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae. É consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania. A Min. Relatora salientou que, na hipótese, não se discute o amar – que é uma faculdade – mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Ressaltou que os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurgem das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação. Com essas e outras considerações, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu parcial provimento ao recurso apenas para reduzir o valor da compensação por danos morais de R$ 415 mil para R$ 200 mil, corrigido desde a data do julgamento realizado pelo tribunal de origem. REsp 1.159.242-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.

 

7. CONCLUSÃO

Segundo Jorge Trindade, em alusão à Tânia da Silva Pereira,

Todo ser humano, desde sua infância, tem uma reserva afetiva, o que faz relacionar-se com outras pessoas. Sobretudo a criança e o jovem precisam receber e dar afeto para se tornarem seres humanos integrais. No seu processo de amadurecimento, seja na escola ou na família, ou mesmo no seu grupo de amizade, apelar aos seus sentimentos é, muitas vezes, mais convincente do que apelar por argumentos racionais. Tratada com afeto, responderá afetuosamente. Tratar a criança com afeto, carinho e respeito serve de amparo e estímulo, ajudando-a a suportar e enfrentar dificuldades, ao mesmo tempo em que lhe dá inspiração e ânimo para um relacionamento pacífico e harmonioso com os que o cercam. A falta de afeto faz crianças tristes e revoltadas; mostram-se rebeldes, indisciplinadas, ou simplesmente incapazes de agir com segurança e serenidade.23

Para Jorge Trindade24, a Teoria dos Vínculos, também, conhecida como Teoria da Regulação do Afeto ou do Apego (Attachment theory), em uma família tradicional faz com que os primeiros cuidados relativos ao bebê sejam provenientes da mãe, sendo estes relacionados à formação do ego e requisitos essenciais, como a autonomia, sensibilidade ao se relacionar e, ainda, a aquisição de linguagem e como se comunicar.

Jorge Trindade, ainda, discorre a respeito dos pensamentos de Bowlby25 em seu livro ao discorrer a respeito do tema, enfatizando que todo ser humano nasce propenso a aderir fortes vínculos de afeto e que pode acabar se prejudicando por fatores externos, comprometendo o andamento da adequação e do aprendizado.

O amparo dos pais é ferramenta intrínseca ao processo evolutivo, em que pese a coragem e o medo sem o desamparo emocional e auxílio para desenvolvimento da parte física.

A formação de qualquer indivíduo é calcada na tutela inicialmente emocional dos pais destinada aos filhos, trazendo experiências prazerosas, criando-se um vínculo. O apego seria outro elo associado à evolução, sendo este decorrente dos pais e demais pessoas que auxiliem na criação da criança. Logo, a conexão dos elos descritos acrescenta um sentido à vida para os bebês e a capacidade e força necessária para que crianças produzam certas ações e ousem se aventurar.

As crianças que acabam não desenvolvendo o apego necessário para crescer de forma saudável acabam criando determinadas barreiras que se tornam cada vez mais firmes em seu crescimento, moldando assim, um indivíduo hostil, antissocial, consequentemente se afastando da sociedade.

A escassez da relação materno-filial não traz a autonomia para o estabelecimento de relações emocionais com qualquer pessoa, dificultando até o tratamento a nível ambulatório, caso o indivíduo não consiga ao menos estabelecer um vínculo de confiança mínimo com seu terapeuta.

Outras situações afloradas, de acordo com o caso concreto, são: furto, mentira, falta de concentração na escola, falta de reação emocional, agressividade, assim como sexualidade precoce.

Logo, o apoio, seja ele econômico ou emocional, transforma o bebê e a criança em seres humanos mais completos, mais tranquilos em seu amadurecer, sem severos problemas psicológicos ou sociais relacionados à falta de conexão entre o vínculo materno e o apego com pessoas que lhe proporcionaram bem-estar.

Tudo deve ser atribuído proporcionalmente ao crescer do indivíduo, seja na fase inicial, como na fase adolescente, ou então, já na fase adulta, de forma contida e sem ausências desmedidas (deve-se apoiar, mas não em excesso e não é aconselhável permanecer ausente, de forma reiterada, em grandes lapsos temporais), pois os reflexos – caso sejam provenientes da negligência tutelar familiar – são fixados no interior de pessoas que, de alguma forma constroem uma vida social, criam relações interpessoais, mas não conseguem controlar ou se desvencilhar por completo desses pequenos traumas carregáveis mentalmente.

Conforme preleciona Lépore

O Estatuto eleva ao nível de direito fundamental a convivência familiar e comunitária. O fundamento está na consideração da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, e que imprescidem de valores éticos, morais e cívicos, para complementarem a sua jornada em busca da vida adulta. 26

 

Impende ressaltar que para a configuração da personalidade de uma criança ou adolescente é necessário uma grande carga protetiva emocional, assim como o nascimento de valores éticos, civis, políticos e sociais com relação à comunidade em que está inserido.

De acordo com o artigo 226, da Constituição Federal vigente, algumas das famílias propostas são denominadas: família tradicional (casamento), família informal (união estável) e família monoparental (apenas um dos genitores). Tal texto legal confirma a incidência do princípio do “pluralismo das entidades familiares”.27

Em suma, o que se preza é a proteção de formas de organização que tenham por molde qualquer dos modelos intrínsecos à legislação em vigor, como exemplos: família homoafetiva, anaparental, extensa ou ampliada e até mesmo família plural.

Ao analisarmos a palavra paternidade a nível científico temos que a mesma não nasce apenas mediante registro em cartório, mas que ser pai ou mãe ultrapassa as capacidades físicas atribuídas aos humanos de se reproduzirem, não sendo esta necessidade derivada apenas de aspectos biológicos, mas de aspectos psicológicos também.28

Portanto, entende-se que a família é dotada de características não formais (afinidade, afetividade) e se relaciona com expressões denominadas socioafetivismo e eudemonismo (busca pela felicidade, de acordo com Aristóteles), além de ser o “primeiro agente socializador do ser humano”29, também, abrangendo em seu leque constitutivo um rol exemplificativo proposto em face da Constituição Federal de 1988, do Código Civil atual e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), desenvolvendo o ser humano como um todo, estando a parte estrutural (corporal) em consonância com a parte emocional (mental).

 

BIBLIOGRAFIA

LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito de Família: Novas Tendências e Julgamentos Emblemáticos. São Paulo: Atlas, 2011.

WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. VI. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

SANCHES CUNHA, Rogério; LÉPORE, Paulo Eduardo; ALVES ROSSATO, Luciano. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. V. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas: Direito de Família. Vol. II. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

WEBGRAFIA

Acesso em: 16 de maio de 2012:

  • http: tjrs.jus.br

 

Acesso em: 13 de setembro de 2012:

  • http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI88773,101048-STJ+Adocao+a+brasileira+nao+pode+ser+desconstituida+apos+vinculo+de

 

Acesso em: 19 de setembro de 2012:

  • www.stj,jus.br.

 

1 Jurisprudência extraída do editorial do autor Pablo Stolze, disponível em: <http://pablostolze.ning.com/>. Acesso em: 16 de maio de 2012, p. 2. Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil: alguns aspectos de sua evolução. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 170.

2 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 638 e 639.

3 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 333. Apud a obra de LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 120.

4 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 322. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70008795775. Sétima Câmara Cível. Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis. Disponível em: <http://tj.rs.gov.br>. Acesso em: 16 de maio de 2012.

6 Editorial de Pablo Stolze, disponível em: <http://pablostolze.ning.com/>. Acesso em: 16 de maio de 2012.

7 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2011, p. 322.

8 Apud Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos de Declaração nº 70003151362. Sétima Câmara Cível. Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Disponível em: <http: tjrs.jus.br>. Acesso em: 16 de maio 2012.

9 Apud Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70018506303, Sétima Câmara Cível. Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Disponível em: <http: tjrs.jus.br>. Acesso em 16 de maio de 2012.

11 NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal, Parte Especial. Volume dois. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 131, 136 e 137.

12 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 333. Alusão relativa à da obra do autor WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre filiação biológica e socioafetiva. Revista Brasileira de Direito de Família. IBDFAM, Porto Alegre, v. 2, n. 14, p. 155, jul./set. 2002.

13 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 366.

14 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 364. Apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 407.

15 Idem. p. 407.

16 Idem.p. 407.

17 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 366.

18 Resp 1259460 / SP, RECURSO ESPECIAL 2011/0063323-0. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 19/06/2012. Disponível em:<www.stj.jus.br>. Acesso: 19 de setembro de 2012.

19 Resp 1106637 / SP, RECURSO ESPECIAL 2008/0260892-8. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 01/06/2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso: 19 de setembro de 2012.

20 Resp 1159242 / SP, Recurso Especial 2009/0193701-9. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 24/04/2012. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso: 19 de setembro de 2012.

23 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 343. Apud PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2ª edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 52.

24 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 334.

25 Jurisprudência extraída da obra do autor TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 335. Apud BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. 4ª ED. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

26 ROSSATO, L. A.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Estatuto da Criança e do adolescente comentado. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 153.

27ROSSATO, L. A.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Op. cit. 2011, p. 159.

28 Jorge Trindade fazendo alusão à obra de COSTA, G.; KATZ,G. Dinâmica das relações conjugais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

29 ROSSATO, L. A.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Op. cit. 2011, p. 158.

Renata Ap. Follone

Scrivi un commento

Accedi per poter inserire un commento