Os princípios processuais constitucionais e o julgamento liminar de improcedência em casos idênticos

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de graduação em Direito, pelo Centro Universitário de Patos de Minas, sob orientação do Prof. Joamar Gomes Vieira Nunes.

 

Dedico este trabalho à minha família, fonte de toda minha alegria, autêntica inspiração para a busca da vitória.

 

A exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente “justiça acelerada”. A “aceleração” da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva), pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta…”

José Joaquim Gomes Canotilho


A eficácia dos princípios constitucionais processuais no julgamento liminar da causa em ações repetitivas

 

Gabriel Gomes Canêdo Vieira de Magalhães1

 

Sumário: 1 Introdução. 2 O julgamento liminar de improcedência em ações repetitivas. 3 Princípios constitucionais do processo. 4 Os princípios constitucionais do processo e a Regra estampada no Art. 285-A do Código de Processo Civil. 5 Considerações Finais. Referências.

Resumo: A norma insculpida no Art. 285-A do CPC faculta ao juiz a possibilidade de proferir sentença de total improcedência, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada em outros casos idênticos. Não obstante referida norma tenha sido criada para conferir efetividade à garantia da razoável duração do processo, vários princípios constitucionais informadores do processo restaram vilipendiados com a sua concepção, dentre eles, o princípio do devido processo legal, princípio do contraditório, isonomia, inafastabilidade do controle jurisdicional e o próprio princípio a que se pretendia conceder eficácia, qual seja, o da razoável duração do processo. É certo, portanto, que a norma in comento não consagra as qualidades de justiça e efetividade de que deve ser investido o processo, posto que desrespeita diversos mandamentos constitucionais relativos ao direito processual, padecendo de inquestionável inconstitucionalidade.

 

Palavras – chave: Art. 285-A do CPC. Princípios Constitucionais do Processo. Inconstitucionalidade.

 

 

1 Introdução

É cediço que as regras de direito se posicionam em um patamar hierarquicamente inferior às normas constitucionais, consoante dispõe o princípio da supremacia formal da Constituição Federal, à luz do seu caráter rígido. Ademais, o fenômeno concebido sob a denominação “constitucionalização dos ramos do direito” aponta que os valores estabelecidos na carta magna devem se irradiar para todas as áreas da ciência jurídica.

Nesse ínterim, não é conferida ao direito processual civil a possibilidade de se abster de observar o conjunto de normas constitucionais lhe reservado, sendo certo que a este ramo do direito não compete tão somente se informar pelos princípios pertinentes consubstanciados na Constituição Federal, mas, principalmente, consagrá-los, a fim de que se possa desfrutar de uma justiça justa e efetiva.

Entrementes, a par de toda essa sistemática, o legislador ordinário elaborou a regra consolidada no Art. 285-A do Código de Processo Civil, cujo conteúdo vai de encontro a diversos preceitos constitucionais informadores da relação processual, a saber, devido processo legal, contraditório, isonomia, inasfastabilidade do controle jurisdicional e razoável duração do processo.

Conforme será demonstrado adiante, o julgamento liminar de improcedência do pedido em casos idênticos foi desenvolvido, a priori, com o escopo de outorgar eficácia à garantia fundamental da razoável duração do processo, mas, consoante se verificará, representa verdadeira afronta a este postulado.

Por óbvio, a inconstitucionalidade do instituto em referência revela-se de forma inevitável, daí por que deve ser expurgado do sistema jurídico positivo, ou, no mínimo, inaplicável às situações concretas.

 

 

2 O julgamento liminar de improcedência em ações repetitivas.

A regra estampada no Art. 285-A do Código de Processo Civil, inserida pela Lei 11.277/2006, consubstancia hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido em casos repetitivos.

Referida norma preconiza que em sendo a matéria controvertida unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

Não é embaraçoso notar que o dispositivo em tela, ao menos em tese, homenageia a garantia fundamental consistente na razoável duração do processo (Art. 5º, LXXVIII, CF), cuja inserção na Carta da República se deu a partir da EC n.° 45/2004.

Esmiuçando a regra in comento, tem-se por indispensável à sua aplicação que a pretensão do autor seja fundada em questão de direito, prescindindo-se, pois, de produção de provas. Isto porque, o pronunciamento judicial de improcedência subsistirá antes mesmo do ato citatório, precedendo, por conseguinte, a fase instrutória. Ademais, a própria finalidade da norma focalizada, cuja essência se apóia no plano da celeridade processual, restaria frustrada caso se admitisse uma fase destinada à colheita de provas, sendo certo, também, que a solução processual sobre a qual se debruça não mais seria initio litis.

Exige-se, ainda, que já se tenha proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos no mesmo juízo, cumprindo ao juiz tão somente reproduzir o teor da anteriormente prolatada. Nesse sentido, é de se atentar para o fato de que deve haver identidade entre os elementos que compõe a demanda pendente de pronunciamento judicial e as que já foram resolvidas por sentença de improcedência, a saber, pedido e causas de pedir.

As causas identificam-se pelo pedido e pela causa de pedir. Se a tese de direito é a mesma, mas a pretensão é diferente, não se pode falar em ‘casos idênticos’, para os fins do art. 285-A. Da mesma forma, não ocorrerá dita identidade se, mesmo sendo idêntico o pedido, os quadros fáticos nas duas causas se diferenciarem. (JÚNIOR, 2008, p. 413)

Infere-se da modalidade de julgamento prima facie em questão que a semelhança entre os casos submetidos à apreciação judicial deve ser tal que não demande a realização de ajustes na parte concernente aos fundamentos e ao dispositivo da sentença já prolatada pelo juiz. “Ter-se-á, então em casos assim, uma espécie de sentença de improcedência padrão, que será reproduzida sempre que causas idênticas sejam submetidas ao mesmo juízo, dispensada a citação do demandado.” (CÂMARA, 2006, p. 342)

Uma vez adotado o procedimento prescrito no caput do Art. 285-A do CPC, é conferida ao autor a possibilidade de interpor recurso contra o provimento jurisdicional que julgou o pedido improcedente initio litis.

Manifestando o autor o seu inconformismo através da via recursal, faculta-se ao magistrado exercer o juízo de retratação, decidindo pela manutenção ou não da sentença prolatada no prazo de cinco dias. Retratando-se o juiz, o feito terá o seu prosseguimento normal, razão pela qual será efetivada a citação do réu para oferecer resposta, tomando-se em consideração o princípio do contraditório.

Nada obstante, outro desdobramento poderá subsistir, qual seja: a manutenção da sentença originariamente proferida com fundamento na regra insculpida no Art. 285-A do CPC. Sobrevindo este acontecimento será o réu citado da mesma forma, mas desta vez não para responder à demanda instalada com a petição inicial e sim ao recurso interposto (COSTA MACHADO, 2006).

Comporta mencionar, que a técnica processual de julgamento liminar de improcedência enfocada consiste em uma faculdade concedida ao juiz, conforme se deduz do verbo “poderá” constante no caput do Art. 285-A do CPC, sendo cabível, portanto, a sua utilização no caso concreto, uma vez satisfeitos os requisitos legais.

 

 

3 Princípios constitucionais do processo

Em se tratando de princípios, mostra-se imperioso trazer a escólio a magistral lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, que os conceitua como sendo

[…] por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (BANDEIRA DE MELO, 2000, p. 230)

Conforme se verifica, os princípios funcionam no ordenamento jurídico como norteadores da atividade interpretativa e da aplicação das normas jurídicas, apontando, por sua vez, os bens jurídicos cuja realização deve se dar na maior medida possível (MENDES, 2008).

Assim sendo, resplandece em nosso sistema jurídico positivo uma gama de princípios insculpidos de forma expressa no texto constitucional, destinados a orientar a elaboração, aplicação e interpretação das normas atinentes ao direito processual (princípios do devido processo legal, contraditório, inafastabilidade do controle jurisdicional, isonomia e razoável duração do processo), os quais serão objeto de abordagem no bojo deste trabalho, haja vista a grande interveniência na relação processual.

Saliente-se, por oportuno, que a relevância das normas em voga não se pauta pelo simples fato de serem princípios informativos do direito processual, mas, substancialmente, por consistirem verdadeiros mandados de otimização que alçam status constitucional, demandando, por conseguinte, que os seus conteúdos sejam observados antes mesmo de se analisar o que dispõe a norma infraconstitucional a respeito do tema, em atenção ao princípio da supremacia formal e material da Constituição Federal.

A garantia do devido processo legal (Art. 5º, LIV, CF), donde se aufere o caráter justo e efetivo de que deve ser o processo investido, compreende um superprincípio tomando-se por base a sua função de coordenar e delimitar todos os demais princípios informativos do processo (JÚNIOR, 2007).

Tem-se por devido processo legal, portanto, a garantia conferida aos jurisdicionados de levarem suas pretensões resistidas à apreciação do poder judiciário, e que estas sejam examinadas dentro de um processo que se oriente pelas normas e procedimentos próprios para o caso concreto, a fim de que seja concebida uma tutela jurisdicional efetiva, ponderando as regras de direito material sem se olvidar das normas constitucionais, que, a propósito, direcionam o funcionamento do sistema jurídico positivo.

É certo, pois, dizer que o princípio do devido processo legal abrange todos os demais princípios constitucionais relativos ao processo, haja vista que as qualidades de justo e efetivo somente se verificam quando se contempla os princípios do contraditório, da isonomia, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da razoável duração do processo, entre outros.

Desta feita, tem-se que o princípio do contraditório, estampado no Art. 5º, LV, CF, faz-se presente na relação processual na medida em que é conferida aos litigantes a possibilidade de influir na livre convicção do magistrado, manifestando-se cada qual suas razões acerca do objeto da demanda, almejando um provimento jurisdicional que lhe seja satisfatório.

Não se apresenta demasiado considerar, que a participação na relação processual, cuja implementação se da pela manifestação nos autos, é viabilizada quando as partes são informadas da subsistência de atos processuais, daí por que grande parte da doutrina convencionou em conceituar o contraditório como sendo informação necessária acerca dos acontecimentos do processo, seguida por uma reação provável.

Acrescente-se que a garantia do devido processo legal não restaria contemplada no caso em que se verificasse um desequilíbrio entre os sujeitos do processo, razão pela qual mostra-se indissociável da idéia de processo justo e efetivo o atendimento do princípio da isonomia, o qual se funda nos fatores de igualdade estabelecidos na Carta da República (Art. 5º, caput, CF).

A previsão constitucional consignada no Art. 5º, XXXV, a saber, princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, permite que todos os jurisdicionados sirvam-se do poder judiciário para que solucione seus conflitos de interesse, mormente quando provocados por lesão ou ameaça de lesão a direito. Convém estabelecer que a garantia in comento, conforme a nossa compreensão, não se restringe ao simples acesso ao Poder Judiciário, no sentido de apenas convocá-lo a atuar no caso concreto. Mais do que isso, o acesso ao Judiciário abarca o direito do autor em fazer valer suas razões durante toda a tramitação do processo, assim como o direito do réu em impugnar as pretensões daquele até o trânsito em julgado.

Conforme já registrado alhures, a EC n.° 45/2004 procedeu à inserção no rol dos direitos e garantias individuais a garantia da razoável duração do processo. Alexandre Freitas Câmara, com todo o preciosismo jurídico que lhe é peculiar, realizou a seguinte consideração acerca da garantia em referência:

O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, porém, o processo demorar todo o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado. (CÂMARA, 2007, p. 61)

Denota-se, pois, que o postulado em tela concebe a noção de um processo sem dilações indevidas, de sorte a contemplar a máxima efetividade na prestação jurisdicional, sem, contudo, desprezar as garantias constitucionais processuais ora examinadas.

Cumpre ressaltar que os princípios constitucionais do processo acima discriminados devem coexistir no sistema jurídico positivo, de sorte a não se admitir eventuais colisões ou conflitos de aplicabilidade.

Decerto que os princípios consubstanciam preceitos assinalados por alto grau de indeterminabilidade e abstração, consistindo em verdadeiras normas ordenadoras de que algo seja satisfeito na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes (ALEXY, 1993), não há, dessa forma, que se falar em um embate total de princípios, em que a incidência de um exclua a do outro.

Segundo os ensinamentos de Gilmar Mendes, influenciado pelas notáveis teorias de Robert Alexy, na hipótese em que uma situação concreta demandar a admissão de mais de um princípio, caberá ao intérprete efetivar uma ponderação a fim de propiciar uma relação amistosa entre os princípios concorrentes, levando-se ao auge o bem jurídico cuja tutela se reclama (MENDES, 2008).

 

4 Os princípios constitucionais do processo e a Regra estampada no Art. 285-A do Código de Processo Civil: flagrante incompatibilidade.

Consoante preconiza a recente tendência circunscrita na constitucionalização dos ramos do direito, todo o ordenamento jurídico deve se orientar pelos valores consagrados na Constituição da República, propiciando as suas implementações no exercício de todas as funções estatais (legislativa, executiva e jurisdicional). Neste diapasão, Virgílio Afonso da Silva expõe a temática nos seguintes termos:

Para o constitucionalista, ciente da hierarquização do ordenamento jurídico, em cujo topo figura o ordenamento constitucional escrito, parece não haver nenhum problema na subordinação de todo o ordenamento jurídico à constituição. Mas não é a esse fenômeno que se quer fazer referência quando se fala em constitucionalização do direito, título deste trabalho. Com constitucionalização do direito quer-se aqui fazer menção, em linhas gerais, que serão desenvolvidas no decorrer deste trabalho, à irradiação dos efeitos das normas (ou valores) constitucionais aos outros ramos do direito. (SILVA, 2005, p.18)

Nessa perspectiva, é certo que o operador do direito deve, num primeiro momento, se debruçar sobre as normas estampadas na lei maior de modo a extrair os contornos estabelecidos pelo legislador constitucional, para, ulteriormente, proceder à verificação da legislação infraconstitucional acerca do assunto. (NERY JÚNIOR, 2002)

Destarte, após efetivar-se uma análise pormenorizada do instituto consignado no Art. 285-A do Estatuto Processual Civil na fase preambular deste trabalho, denota-se que o legislador infraconstitucional deixou inadvertidamente de observar os valores constitucionais outorgados ao processo judicial, ou, então, preteriu um grupo de princípios para situar a garantia à razoável duração do processo em local de destaque, o que, conforme demonstrado alhures, não é de boa técnica.

Torna-se impossível, pois, chegar a outra conclusão que não seja pela inconstitucionalidade do aludido instituto de direito processual civil, pelo que se mostra plenamente incompatível com o que prescrevem os princípios firmados na Constituição Federal.

Como consequência da inobservância das ponderações constitucionais relativas ao direito processual civil, resta caracterizada a transgressão ao princípio do devido processo legal, à vista que esta proposição diretora não tutela apenas a regularidade forma do processo fundada na legislação infraconstitucional, mas, sobretudo, nas disposições constitucionais pertinentes. A esse respeito, cumpre atentar para os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior:

Como justo, para efeito da nova garantia fundamental, não se pode aceitar qualquer processo que se limite a ser regular no plano formal. Justo, como esclarece Trocker, ‘é o processo que se desenvolve respeitando os parâmetros fixados pelas normas constitucionais e pelos valores consagrados pela coletividade. E tal é o processo que se desenvolve perante um juiz imparcial, em contraditório entre todos os interessados, em tempo razoável, como a propósito estabelece o art. 111 da Constituição (italiana).’ (JÚNIOR, 2007, p. 30)

A propósito, mostra-se inequívoca a flagrante violação ao princípio constitucional do contraditório. Conforme se depreende da regra ventilada no Art. 285-A do CPC, o réu somente será citado para responder ao recurso de apelação interposto pelo autor, caso o juiz não se retrate. Assim, é certo que será proferida uma sentença de mérito envolvendo a esfera jurídica do réu sem que o mesmo sequer tenha conhecimento da demanda que lhe foi movida.

Não deve prosperar o argumento de alguns doutrinadores no sentido de que o princípio em voga não restaria maculado, sob a justificativa de que o resultado do processo revela-se favorável ao réu. Ora, independentemente de ser ou não benéfico para o réu, é indubitável que a este assiste o direito de ao menos tomar ciência da demanda promovida em seu desfavor, para só então adotar a comportamento que entender mais conveniente (impugnar, reconhecer a procedência do pedido, permanecer inerte, oferecer exceções, etc.)

Nota-se, outrossim, a disparidade de tratamento dispensado pelo legislador aos sujeitos do processo. Assim é que se confere ao autor dois momentos para fazer valer suas razões, influindo sobre a livre convicção do magistrado (na petição inicial e na apelação), ao passo que ao réu foi concedida uma única oportunidade para se manifestar nos autos, qual seja, para responder ao recurso interposto pelo autor.

O processo justo (ou, em outras palavras, o devido processo legal) exige não apenas contraditório, mas também, isonomia, o que nos leva a concluir que a garantia constitucional do due process of law só estará verdadeiramente assegurada onde os dois conceitos – de contraditório e isonomia – conviverem harmonicamente tendo as partes do processo não só oportunidade de participação, mas identidade de oportunidades. (CÂMARA, 2007, p. 55)

Ainda sobre o princípio da isonomia, cumpre-nos mencionar outra situação em que o referido mandamento resta lesado. Tendo em vista que os paradigmas para se aferir a qualidade de demanda repetitiva (mesmo pedido e causas de pedir) variam de juízo para juízo, conforme o entendimento dos magistrados, é certo que circunstâncias substancialmente semelhantes podem obter provimentos jurisdicionais distintos. (CÂMARA, 2007)

Se não bastasse todo desarranjo demonstrado, a regra ainda contraria a norma insculpida no Art. 5º, XXXV, CF, pelo que, dado a amplitude conferida ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, esta modalidade de julgamento liminar de improcedência do pedido impede que o autor contribua para a formação da convicção do juiz em outras oportunidades, sendo certo que todo o procedimento é suprimido pela prolação da decisão de mérito. Ademias, retira-se também do réu a possibilidade de contrapor-se ao pedido levado a efeito pelo autor, ou, até mesmo, ainda que seja improvável, reconhecer a procedência do pedido.

Ocorre que, ao trancar liminarmente a ação, a norma subtrai do autor a possibilidade de influir, com a prática de atos posteriores à petição inicial (impugnação à contestação e memoriais, por exemplo), sobre o convencimento do juiz. (DONIZETTI, 2008, p. 57)

Cumpre acrescer, por oportuno, que o princípio da celeridade processual ou da razoável duração do processo, insculpido no ordenamento constitucional em seu Art. 5º, LXXVIII, nada mais nada menos sob a forma de garantia fundamental dos cidadãos, ordena que o desenrolar do processo se efetive em tempo adequado, sem que subsista eventuais delongas indevidas, pois que, segundo leciona o então presidente do Supremo Tribunal Federal,

A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos estatais. (MENDES, 2008, p. 500)

Por outro lado, insta salientar que ao processo deve ser dispensado tratamento compatível com o tempo certo para sua duração, de modo a não procrastinar a sua existência e, sob nenhuma hipótese, sepultá-lo prematuramente resolvendo-se o mérito da questão apresentada.

Nossa experiência prática não é vasta, mas é suficiente para compreender que, como tudo na vida, o processo tem o seu tempo.

Portanto, comungamos do entendimento segundo o qual o processo deve tramitar pelo período de tempo necessário para atingir a sua maturação, observando-se todos os princípios constitucionais incidentes sobre a relação processual, a fim de se alcançar um provimento jurisdicional completo, em perfeita sintonia com o direito material ponderado entre os litigantes.

A partir dos fundamentos acima alinhavados, a melhor inteligência que se forma do cotejo entre a norma de direito processual civil em exame com o princípio da razoável duração do processo se resume na afronta a este dogma, corroborando, com efeito, a inconstitucionalidade do referido instituto.

Assim é que o legislador ordinário se descuidou e concebeu a regra estabelecida no Art. 285-A do Código de Processo Civil, desprezando todos os mandamentos nucleares do sistema jurídico positivo, inclusive o que se pretendia conferir efetividade.

 

 

5 Considerações Finais

Por tudo que foi exposto, o nosso entendimento acerca da temática repousa na inconstitucionalidade da norma inserta no Art. 285-A do Estatuto Processual Civil.

Como demonstrado alhures, esta modalidade de julgamento in limine de improcedência desrespeita alguns dos principais postulados fundamentais do processo entabulados na Constituição Federal, contribuindo, ainda, para a mecanização do Poder Judiciário, na medida em que a aplicação deste instituto reduz o magistrado a um mero subscritor de sentenças idênticas, lhe cabendo apenas analisar a caracterização dos requisitos exigidos pela regra.

Se não bastasse, esta norma viabiliza a existência de autêntica súmula vinculante de primeiro grau, configurando-se um absurdo jurídico.

É bem verdade encontrar-se longínqua uma prestação jurisdicional que se paute pela máxima justeza e efetividade, mas, torna-se enfático dizer por outro lado, que a solução para esse problema não se assenta em normas como a que estamos a comentar.

Normas dessa estirpe, que atropelam, desprezam e transgridem valores constitucionais do mais alto quilate, os quais, a propósito, homenageiam o regime democrático instalado pela Constituição da República de 1988, não merecem subsistir, sob pena de se contrariar não apenas princípios constitucionais do processo, mas o princípio reitor de todo o sistema jurídico, o Estado democrático de direito.

Confia-se, pois, seja a norma insculpida no Art. 285-A do CPC declarada inconstitucional pela Suprema Corte, no julgamento da ADI 3.695/DF.

Não subsistindo este acontecimento, sugere-se a não aplicação do instituto de direito processual civil sob exame, à vista que a sua utilização compreende uma faculdade conferida aos magistrados, conforme se deduz do próprio texto do artigo.

A aplicação da norma não é obrigatória, circunstância que decorre do comando (poderá) constante do caput do CPC 285-A e, ainda, da possibilidade de o juiz mudar de opinião, revendo seu posicionamento quanto a sentença anteriormente proferida no mesmo juízo. A independência jurídica do juiz (LOMN 351 e 40) permite-lhe decidir de acordo com seu livre convencimento motivado (CPC 131), o que implica, também, nova decisão de acordo com a modificação de seu entendimento sobre a matéria. (NERY JÚNIOR, 2006, p. 555)

Não se apresentaria de bom grado encerrar este modesto estudo sem as seguintes palavras do grande processualista mineiro Elpídio Donizetti nesse diapasão: “A toda evidência, a celeridade não pode aniquilar outras garantias das partes, sob pena de não representar efetividade, ou, no máximo, uma efetividade malsã, que só visa o resultado. A inconstitucionalidade é gritante.” (DONIZETTI, 2008, p. 57)

 

 

Referências

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. 1. 16. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

COSTA MACHADO, Antônio Cláudio. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri: Manole, 2006.

DONIZETTI, Elpídio. A última onda reformadora do código de processo civil. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual e processo de conhecimento. Vol. 1. 48. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2008.

JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do processo civil na constituição federal. 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

JÚNIOR, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev. ampl. atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MELO, Celso Antônio Bandeira de.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito, os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.

 

1 Bacharelando do 8º período do curso de Direito da Faculdade de Direitos de Patos de Minas (FADIPA) do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM).

Gabriel Gomes Canedo Vieira de Magalhaes

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