O stf como único legitimado à troca de sujeitos constitucionais por deficiencia de legitimidade (pro- ativismo)

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 RESUMO:

A troca de sujeito por déficit de legitimidade, nas palavras do professor Rothenburg, 2 embora aceitável, deve limitar-se a certos contornos. A pretexto da mantença das garantias constitucionais do cidadão de forma pró-ativa, não se pode retirar a prerrogativa dos legitimados pela Constituição Federal, senão por órgão constitucionalmente incumbido do judicial review. Para uma compreensão desse fenômeno típico do common law, é importante uma breve e sintética busca dos postulados do jusnaturalismo e do positivismo, para chegarmos ao atual pós-positivismo, e ai sim, clarear quais seriam as possibilidades de troca dos legitimados para a efetiva concretude dos direitos fundamentais. Ainda mostra-se relevante para a compreensão ampla do tema, pequena e singela digressão a respeito dos modelos estrangeiros, especialmente nos países anglo-saxões. Por fim, uma abordagem critica do tema tenta levar a conclusão da necessidade da imposição de limites ao ativismo predatório, entendido aquele concretizado por órgãos do Judiciário diversos da Corte Constitucional, o que, data máxima vênia, fere de morte a separação dos poderes.

  1. INTRODUÇÃO

Quando o Judiciário legisla positivamente, inobstante o mérito das razões, causa preocupação em que nível de hierarquia desse poder esse fato pode ocorrer. O presente texto tem como finalidade, buscar os limites de competência para a troca de sujeitos constitucionais por deficiência de legitimidade de maneira pró-ativa. Muito se fala sobre o ativismo judicial. Grandes nomes se posicionam contra, v.g. Elival da Silva Ramos, outros da mesma envergadura a favor, Luiz Roberto Barroso, porém este modesto trabalho não entrará efetivamente nessa divergência, mas sim nos limites de competência para sua concretude. Admitindo o ativismo como uma realidade (necessidade), é de se indagar quem teria tal encargo. Se o juiz monocrático de primeira instancia, os Tribunais, o STJ como Corte Especial, ou somente o STF. O Brasil passa por uma crise de identidade entre seus poderes, em especial quando o Judiciário invade terreno de atuação específica do Executivo e principalmente do Legislativo, o que aflora latente necessidade de uma revisão dos conceitos basilares dos limites de atuação de cada poder. Essa limitação de atuação inquieta o mundo jurídico, pois em um país cujo sistema é o civil law, o ativismo pode não ser bem visto. Essa inquietação jurídica deverá levar em breve a uma reforma constitucional, onde os territórios de atuação deverão ter seus marcos melhor definidos. O constitucionalismo desde seu nascedouro contribuiu muito para a construção de uma sociedade mais justa, como se vê nos comentários de McILWAIN: La época parece propicia para um examen del principio general del constitucionalismo – de nuestra própria version anglosajona del mismo em particular – y ademais um examen que preste alguna atención a losestadios sucesivos de su desarrolho. Pues quizás nunca durante su larga historia há sido este principio tan custionado como lo es hoy; ni los ataques dirigidos contra el tan firmes y amenazadores. El mundo se encuentra indeciso ante el procedimiento respetuoso com laley y las opciones violentas que parecem lucho más rápidas y eficaces. Debemos elegir entre lãs dos alternativas y hacerlo muy pronto. Si esa elección há de resolverse inteligentemente pareceria razonable, ya nos decidamos por la ley o por la fuerza, repassar la historia de nuestro constitucionalismo – la historia del uso de la fuerza es muy fácil de establecer -, intentando evaluar sus pasados logros, teniendo em cuenta asimismo la naturaleza y efectos de las fuerzas desplegadasen su contra 3. Inobstante a importância, o advento de nova forma de aplicar o direito constitucional, chamada de neoconstitucionalismo, que coteja a aplicação das regras frente ao ordenamento dos princípios, merece a fixação de alguns marcos. ALEXY separa muito bem essas duas espécies de normas, relatando que: Há diversos critérios para se distinguir regras de princípios. Provavelmente aquele que é utilizado com mais freqüência é o da generalidade. Segundo esse critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo. Um exemplo de norma de grau de generalidade relativamente alto é a norma que garante a liberdade de crença. De outro lado, uma norma de grau de generalidade relativamente baixo seria a norma que prevê todo preso tem o direito de converter outros presos a sua crença 4. Em nosso trabalho, procuraremos analisar os posicionamentos sobre os limites de legitimidade para essa atuação, pois a falta de um clareamento desses contornos poderá acarretar um agravamento na relação entre os poderes, conforme sinalizado pela doutrina na voz de RAMOS: Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstancias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho Judiciário, e sim da descaracterização da função típica do poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. A observância da separação dos Poderes importa, dentre diversos outros consectários, na manutenção dos órgãos do Judiciário nos limites da função jurisdicional que lhes é confiada e para cujo exercício foram estruturados 5. A par de tais celeumas, a maneira como o Judiciário de uma maneira geral vem atuando, é preocupante, mormente quando se tenta medir o limite e tamanho dessa exacerbação, vez ou outra praticada por juízes de primeiro grau que legislam positivamente sem o menor respaldo constitucional (de legitimidade). Em contraponto temos em muitos casos a concretude de direitos fundamentais, deixados de lado pelo legislador ordinário, o que faz do ativismo em alguns casos uma evolução do constitucionalismo clássico. Tais paradoxos levam cada dia mais os estudiosos do direito a uma profunda reflexão a respeito dessa nova ordem de interpretação normativa, pautada em princípios, chamada de pós-positivismo. Uma vez estabelecido o objeto da investigação, a sua razão de ser e as suas finalidades, a metodologia terá o modelo dogmático de investigação, pautado no raciocínio dedutivo sem desprezo ao indutivo, uma vez que o pluralismo metodológico é uma realidade na ciência do Direito. 

2. A progressão histórica do sistema de direitos

O direito ao longo dos tempos passou por inúmeras formatações, recebendo entre tantos, contornos, os chamados naturalistas e os positivistas, mas sempre se questionou a eficácia do modelo adotado, o que não é diferente atualmente. Os ordenamentos criados sob a vontade popular, em síntese, deveriam buscar uma felicidade de seus destinatários, ou nas palavras de BECCARIA: Consultemos a historia e veremos que as leis, que são ou deveriam ser pactos entre homens livres, não passaram, geralmente, de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nasceram da necessidade fortuita e passageira; jamais foram elas ditadas por um frio examinador da natureza humana, capaz de aglomerar as ações de muitos homens num só ponto e de considerá-las de um único ponto de vista: a máxima felicidade compartilhada pela maioria 6. As expectativas historicamente não foram atingidas na sua plenitude. Sem prejuízo da forma, todo ordenamento deve buscar uma justeza de acordo com os anseios de seus jurisdicionados. Para KANT há necessidade de um principio universal do direito, onde, qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal 7. O jusnaturalismo foi pautado nessa idéia filosófica que sustenta a validade de norma desde que seja justa. Para BARROSO, o termo “jusnaturalismo” identifica uma das principais correntes filosóficas que tem acompanhado o direito ao longo dos séculos, fundada na existência de um direito natural. Sua idéia básica consiste no reconhecimento de que há na sociedade, um conjunto de valores e de pretensões humanas legitimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, isto é, independem do direito positivo. Esse direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior, e estabelece limites à própria norma estatal 8. BOBBIO a define como aquela segundo a qual uma lei para ser lei, deve estar de acordo com a justiça 9. O jusnaturalismo juntamente com o direito, alavancou significantes avanços sociais, como o Código Civil Frances (Código Napoleônico), editado em 1.804. Ao final do século XIX , com a expansão da ciência e o fortalecimento de uma nova forma de idéias, que pregava ser o direito a resposta de todos os questionamentos, encontra o jusnaturalismo seu fim. A partir desse momento, surge o positivismo filosófico, lastreado na concepção que a ciência é o único conhecimento válido, abstraído de concepções metafísicas. Aos poucos, o positivismo filosófico fundiu-se com o direito, nascendo o positivismo jurídico. Nos valemos mais uma vez da voz do professor BARROSO, que com muita propriedade descreve os contornos dessa fase do direito: O positivismo jurídico foi a importação do positivismo filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com objetividade cientifica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito , como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça 10. O ápice do positivismo jurídico deu-se com as idéias de KELSEN, quando da edição de sua clássica obra Teoria Pura do Direito. Nela o autor expõe sua concepção do que seria a essência do direito, e não de um ordenamento em especifico: A Teoria Pura do Direito é uma teoria do direito positivo. Tão somente do direito positivo e não de determinada ordem jurídica. É teoria geral e não interpretação especial, nacional ou internacional, de normas jurídicas. Como teoria, ela reconhecerá, única e exclusivamente, seu objeto. Tentará responder à pergunta “o que é” e “como é” o direito e não à pergunta de “como seria” ou “deveria ser” elaborado. è ciência do direito e não política do direito. Intitula-se Teoria “Pura” do Direito porque se orienta apenas para o conhecimento do direito e porque deseja excluir deste conhecimento tudo o que não pertence a esse exato objeto jurídico. Isso que dizer: ela expurgará a ciência di direito de todos os elementos estranhos. Este é o principio fundamental do método e parece ser claro. Mas um olhar sobre a ciência do direito tradicional, da maneira como se desenvolveu no decorrer dos séculos XIX e XX, mostra claramente como isso esta longe de corresponder à exigência da pureza. De maneira desprovida de todo espírito crítico, o direito se mesclou à psicologia, á biologia, á ética e a teologia. Hoje em dia não existe quase nenhuma ciência especial, em cujos limites o cultor do direito se ache incompetente. Sim, ele acha que pode melhorar sua visão do conhecimento, justamente conseguindo pedir emprestado a outras disciplinas. Com isso, naturalmente, a verdadeira ciência do direito se perde 11. 

3. A aplicação do direito no mundo contemporâneo

O positivismo clássico não atendeu aos anseios da sociedade do século XX, mormente pela não concretude de suas lacunas. Ainda o mundo observou as barbáries do nazismo e do fascismo, onde seus agentes em defesa no tribunal de Nuremberg invariavelmente se escudavam na obediência a um ordenamento jurídico. Mas havia a necessidade de um estado de direito, porem mais eficaz que o originário. As matrizes do positivismo não poderiam ser descartadas, e não foram. O estado de direito pode ser definido nas palavras de BOBBIO (apud SUNDFELD, 2011), como: um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que o regulam, salvo o direito do cidadão, recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso e o excesso de poder. Assim entendido, o Estado de direito reflete a velha doutrina – associada aos clássicos e transmitida através das doutrinas políticas medievais – da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem, doutrina, essa, sobrevivente inclusive da idade do absolutismo, quando a máxima princips legibus solutus é entendida no sentido de que o soberano não estava sujeito às leis positivas que ele próprio emanava, mas estava sujeito às leis divinas ou naturais e às leis fundamentais do reino. Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de principio “invioláveis” (esse adjetivo se encontra no art. 2º da Constituição italiana). (…) Do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal, são parte integrante todos os mecanismo constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder 12. Observe-se que BOBBIO, informa a necessidade da positivação dos princípios em uma Constituição, adjetivando inclusive essas normas de “invioláveis”. A esse novo Estado de direito, onde há uma junção de parcela do jusnaturalismo com o positivismo clássico, nasce o pós-positivismo, ou nas palavras de RAMOS: Destarte, no lugar desse “superado” positivismo, propõe-se que a Dogmática Constitucional se assente em um assim denominado “pós-positivismo”, entendido como “a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais 13. O modelo Kelseniano, talvez tenha padecido de ineficiência ontológica, que não impediu o uso do direito como instrumento da tirania. Caso esse modelo, tivesse em seu bojo, princípios norteadores das regras, o ordenamento impediria sua instrumentalização no massacre de milhares de judeus por exemplo. O período pós segunda guerra, mostrou a necessidade de aproximação do direito com a moral, e tal, parece ocorrer com a constitucionalização dos princípios. Diante da nova ordem, o interprete, na figura do Judiciário, passou a decidir através de um cotejamento entre os princípios e as regras. Esse mecanismo, possibilitou o preenchimento de varias lacunas do ordenamento, provocadas por em regra, omissão dos demais poderes, surgindo o fenômeno do ativismo judicial. Essa prática, ainda muito discutida, não pode ser considerada de toda ruim, eis que na inércia recalcitrante dos legitimados para a concretude dos direitos fundamentais, tem se apresentado como efetivadora dessas garantias. Nas palavras de COSTA, afirma-se que ativismo judicial é uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na efetivação dos valores constitucionalmente estabelecidos, ou seja, uma maior atuação do Judiciário em um espaço que, em um primeiro momento, está reservado aos outros poderes 14. A partir dessa postura, a jurisprudência passa a ser fonte de direito. Em países que adotam o civil law, tradicionalmente a jurisprudência não é fonte de direito, cabendo esse papel exclusivamente às normas regularmente positivadas. Já aqueles Estados que adotam o common law, como a Inglaterra, as decisões judiciais produzem efetivamente direitos e obrigações. Esse ativismo judicial dos países anglo-saxões, é extenso e amplo, indo da supressão das omissões do Executivo e do Legislativo, até a interpretação teratológica em sentido evolutivo, atuando nas funções típicas desses poderes. RAMOS leciona: não há, pois, necessariamente, um sentido negativo na expressão “ativismo”, com alusão a uma certa prática de jurisdição. Ao contrario, invariavelmente o ativismo é elogiado por proporcionar a adaptação do direito diante de novas exigências sociais e de novas pautas axiológicas, em contraposição ao “passivismo”, que, guiado pelo propósito de respeitar as opções do legislador ou dos precedentes passados, conduziria a estratificação dos padrões de conduta normativamente consagrados. Na medida em que no âmbito do common law se franqueia ao Poder Judiciario uma atuação extremamente ativa no processo de geração do direito, torna-se bem mais complexa a tarefa de buscar no plano da dogmática jurídica, parâmetros que permitam identificar eventuais abusos jurisdição em detrimento do Poder Legislativo. Daí porque a discussão, como se constata nos Estados Unidos, tende a se deslocar para o plano da Filosofia política, em que a indagação central não é a consistência jurídica de uma atuação mais ousada do Poder Judiciario e sim a sua legitimidade, tendo em vista a ideologia democrática que permeia o sistema político norte-americano 15. Esse o sintético e modesto quadro do ativismo.

4. Sistema nacional de aplicação

 

O Brasil, embora tenha uma tradição civil law, aos poucos o modelo anglo-saxão se mostra presente, como no julgamento das uniões homoafetivas 16 e da fidelidade partidária 17, além da Corte ter invadido território claro do Poder Executivo ao demarcar terras no caso Raposa Serra do Sol 18. Isso revela de forma muito límpida, o poder normativo do Judiciário. O oráculo de nossa Constituição, dia a dia vem pautando suas decisões nos padrões do common law, embora não seja esse o padrão brasileiro. Essa força do Judiciário advém da atual Constituição Federal, que após décadas de regime de exceção, onde o Executivo era o detentor da maior fração do poder de nossa federação, procurou o legislador constituinte de 1988, inserir no pacto, uma gama imensa de direitos e garantias, e ao mesmo tempo confiou ao Judiciário a função de zelar pela observância dessas prerrogativas. A par dessa situação, ainda as funções judiciais foram alargadas, permitindo-se o controle da inconstitucionalidade por ação e por omissão, através de ação direta ou do mandado de injunção. No dizer de SARMENTO, esta sistemática de jurisdição constitucional adotada pelo constituinte favoreceu em larga medida, o processo de judicialização da política, na medida em que conferiu a qualquer partido político com representação no Congresso, às representações nacionais da sociedade civil organizada e às principais instituições dos Estados-membros, dentre outras entidades, o poder de provocar o STF. Assim, é praticamente impossível que alguma questão relevante seja resolvida no âmbito parlamentar sem que os perdedores no processo político recorram à nossa Corte Suprema, para que dê a palavra final à controvérsia, com base na sua interpretação da Constituição. E tal modelo, vem se aprofundando desde 88, com a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade e a regulamentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 19. Embora nosso Judiciário, venha adotando essa postura pró-ativista, observamos que o faz nos moldes dos princípios constitucionalmente. A questão que ora se coloca em pauta, é se há necessidade dessa postura atípica e se somente ao STF cabe essa prerrogativa.

5. A eventual necessidade de troca dos sujeitos constitucionais

Os sujeitos constitucionais detém legitimidade de atuação, que busca um equilíbrio de todo o sistema de Direito edificado, segundo pressupostos formais e materiais de validade inseridos na Constituição. Aqueles guardam relação estrita com a legalidade, mas este ultimo com os sentimentos dos integrantes da vida social. Conceito claro de legitimidade do Direito, podemos extrair das palavras de ROTHENBURG da seguinte forma: Enfim, legitimidade, em relação ao Direito, é uma qualidade positiva (virtude) – e, do ponto de vista ideológico de que parte este estudo, um atributo necessário -, que implica em que ele corresponda à expectativa que dele têm seus sujeitos, os que formam a sociedade e adotam o ordenamento jurídico 20. Nessa seara, o Direito somente é legitimo se atender as expectativas dos sujeitos destinatários do mesmo. Ocorre que entre a positivação do Direito (posto) e sua elaboração (pressuposto), ocorrem distorções, ou segundo as palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal EROS GRAU: O Estado põe o direito – direito que dele emana -, que até então era uma relação jurídica interior à sociedade civil. Mas essa relação jurídica que preexistia como direito pressuposto, quando o Estado põe a lei torna-se direito posto (direito positivo). … Assim, o direito pressuposto brota da (na) sociedade, à margem da vontade individual dos homens, mas a prática jurídica modifica as condições que o geram. Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquer direito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transforma sua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto, mas este modifica o direito pressuposto. O direito que o legislador não pode criar arbitrariamente – insisto – é o direito positivo. O direito pressuposto condiciona a produção do direito posto (positivo). Mas o direito posto transforma sua (dele) própria base. Isso significa – afirmo-o em outros termos – que o direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto (direito positivo), mas este modifica o direito pressuposto. 21 O ilustre jurista ressalta que a atividade humana modifica as relações (vontades), sociais. Essas vontade sociais originarias, para outros reflete até um direito consuetudinário, oponível inclusive, como observa-se nas palavras do professor germânico OTTO BACHOF: Ao direito constitucional não escrito pertence, por outro lado, o direito constitucional consuetudinário, pelo que uma norma jurídica também pode ser inconstitucional por infração de tal direito consuetudinário. Todavia, em relação a normas da Constituição esta possibilidade praticamente não se verifica. 22. A par de tais considerações nota-se que o direito pressuposto (vontade social), materializado em parte nos princípios, sofre distorção no processo de concretude do direito posto, e essa divergência há de ser corrigida pelo titular dessa legitimidade, de modos a voltar a prevalecer a vontade social, indicada pelo legislador constituinte originário (princípios). A omissão do titular dessa legitimidade, força uma troca amarga, mas necessária de sujeitos, com o claro intuito de restabelecer os anseios iniciais.

6. A legitimidade para troca de sujeitos

A inconstitucionalidade omissiva, quando acarreta prejuízos aos direitos fundamentais do cidadão, deve ser corrigida de alguma forma. Novamente ROTHENBURG leciona sobre a necessidade de troca dos legitimados quando estes não atendem ao que se espera constitucionalmente: Boas razões deve haver para que se destitua um titular designado pelo poder constituinte. A configuração constitucional originária, com seu quadro de distribuição orgânica e espacial de competências, não é algo que esteja à disposição de modificações, em princípio. Existem mesmo limites intransponíveis, funções absolutamente exclusivas, titulares insubstituíveis. A injustificável inércia ou inaptidão em realizar determinações constitucionais, nesses casos extremos, configura uma autêntica crise e pode levar a uma quebra da constituição. … A alteração da atribuição constitucional original de competência (“quem”) justificar-se-ia por interpretação sistemática e teleológica, para preservar a imposição constitucional original de realização (“o que”). 23 A idéia dogmática da separação absoluta dos poderes, atualmente se mostra relativizada pela doutrina, como indica REALE: Impossível é reconhecer o primato do Pode Legislativo, pois “função legislativa” e “ poder legiferante” não coincidem, sendo a lei geralmente o resultado de uma colaboração harmônica de poderes e esta função vai cada vez mais assumindo uma feição eminentemente técnica. Tempo houve em que não se admitia nem mesmo a crítica da doutrina da separação dos poderes, e, na forma em que ela era exposta, estava como que implícito o primato do Legislativo, restando ao Governo o papel secundário de executar o que tivesse sido estatuído pelo legislador parlamentar. 24 Os princípios humanistas inseridos em nossa Constituição, não podem ficar sem eficácia pela inércia do legislador ou do administrador, pois segundo o Ministro AYRES DE BRITO, esse atualizado humanismo significa atribuir à humanidade o destino de viver no melhor dos mundos. A experimentar o próprio céu na terra, portanto. Mas assim transfundido em democracia plena, ele passa a manter com o Direito uma relação necessária. O Direito enquanto meio, o humanismo enquanto fim. 25 A concretude desses direitos cristalizados em nossa Constituição pressupõe uma ponderação entre os princípios e o ordenamento infraconstitucional. O jurista germânico MULLER, indica que para a prática da efetivação de direitos fundamentais, isso implica a necessidade de concretizar também as disposições do direito infraconstitucional que o pertencem aos direitos fundamentais na relação metódica com seus programas normativos e âmbitos normativos, pautando-se pelo critério da norma dos direitos fundamentais. Nesse processo, tal norma não pode ser colocada à disposição desses elementos por meio de uma suposição velada de teores de validade do direito infraconstitucional. 26 A busca da justiça com um fim e o direito como meio, imprime eventualmente à necessidade de uma atuação pró-ativa atípica de um sujeito constitucional, em terreno de outro por incúria deste, pois como nas palavras do professor MONTORO, dentro de núcleo comum de princípios, aceitos pelas diversas escolas, situa-se o reconhecimento de que a justiça é o valor fundamental do direito. 27 Essa justiça, quando não encontrada no direito (positivado), deve advir dos princípios inseridos no Texto Magno pelo legislador originário. Esse processo de concretização dos direitos fundamentais, quando for contra legis, não pode vir senão do órgão escolhido pela CF para ser o guardião desta. O criacionismo judicial não pode advir senão do STF, que detém expressa legitimidade para atuar dessa forma. Não se encontra no Texto Magno autorização para os Tribunais Regionais do Trabalho por exemplo, atuarem de forma pró-ativa, retirando eficácia em uma só decisão, do artigo 7º, XXXIII da CF e artigo 403, caput da Norma Consolidada, como ocorreu no processo nº 01269-2005-101-15-00-9 perante o TRT-15, quando reconheceu-se o direito a menor de 14 anos em ter contrato de trabalho licito, onde o ilustre relator, justifica seu voto da seguinte forma: “Portanto, no presente caso, ao contrário do que entendeu a origem, o pedido não é, a meu pensar, juridicamente impossível, apesar do disposto no art. 7º, XXXIII, da CF, já que seu atendimento viria em exclusivo beneficio da requerente, dada a situação de fato já consumada”. 28 O ativismo praticado por órgão de hierarquia constitucional inferior ao STF, além de não contar sequer com respaldo positivo, mostra-se perigoso para o estado democrático de direito, pois somente pode-se cogitar da troca de sujeitos por deficiência de legitimidade, quando o Texto Magno abre, ao menos em tese, essa possibilidade. Sem demérito aos demais Tribunais e juízes de primeira instancia, só o STF é legitimado para legislar positivamente. Imaginar que um magistrado de primeiro grau, no uso da eficácia radiante do principio da dignidade da pessoa humana, pode modificar todo um ordenamento criado por sujeitos constitucionalmente legitimados, causa espécie. Não podemos perder de vista que o ativismo é exceção a regra de atuação dos sujeitos legitimados. Sua inércia descortina a possibilidade da troca. Essa excepcionalidade somente pode ser praticada pelo mais alto órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal.

7. CONCLUSÃO

A par do exposto, aflora-se a conclusão que o ativismo judicial é compatível com nossa realidade social e jurídica, porem deve ter limites. Um deles é quanto a suas premissas. Ressalta o pensamento que a criação judicial excepcionalmente pode ocorrer, mas somente por aquele descrito como oráculo da Constituição, que em seu mister deve zelar pela preservação dos princípios humanistas positivados na Carta Magna. Como o Estado de Direito moderno impõe uma mudança balizada dos sujeitos constitucionais diante da não concretude das garantias fundamentais, esse cambio não pode se realizar em qualquer esfera de atuação do Judiciário, mas somente por aquele órgão que detém a prerrogativa máxima de aferir a efetividade da Constituição. No Estado atual, o antigo modelo de freios e contrapesos ligado à teoria da separação dos poderes não admite mais a impossibilidade de troca dos sujeitos constitucionais, permitindo, se não clamando, para que o Judiciário não se omita em seu papel de Poder de Estado. Em contra partida, soa perigosa a outorga de tal poder a qualquer órgão do Judiciário, pois a pretexto de garantir princípios rarefeitos em nossa Constituição Federal, juízes pouco preparados para tamanha responsabilidade, podem se ver tentados a invadir desenfreadamente território reservado ao Legislativo e ao Executivo, o que fatalmente comprometeria o pacto federal e o Estado de Direito. Como a CF confere ao STF a possibilidade de atuar positivamente através do mandado de injunção ou das sumulas vinculantes, pode-se extrair dessa permissão constitucional, que somente a ele o legislador originário confiou a possibilidade de eventual e esporadicamente “judicializar a política”, inexistindo permissão para outro órgão, o que torna a Suprema Corte única habilitada para essa função atípica mas em algums casos necessária.

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1 Graduado em Administração de Empresas (FACCA) e Direito (FKB); Pós Graduado com Especialização em Direito Tributário (UNIVEM) e Direito Publico (UNOPAR/IDP); Mestrando em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM); Professor de Direito Tributário (EDUVALE); Advogado.

2 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito. RT, São Paulo. 2005.

3 McILWAIN, Charles Howard. Constitucionalismo antiguo e moderno. Tradução de Juan José Solozábal Echavarria. Centro de Estudios Constitucionales. Madri. 1991. p. 15

4 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgilo Afonso da Silva. 2ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2011. p. 87

5 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial. São Paulo. Saraiva. 2010. p. 117

6 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. Martins Fontes. São Paulo. 2005. p. 39/40

7 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. 2ª Ed. São Paulo. EDIPRO. 2008. p. 76/77

8 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2010. p. 320

9 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 4ª Ed. EDIPRO. São Paulo. 2008. p. 55

10 BARROSO, Luiz Roberto (org.); et alii. BARCELLOS, Ana Pula de; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. A nova interpretação constitucional. A nova interpretação constitucional – ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro. RENOVAR. 2003. p. 24

11 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 7ª Ed. Revista dos Tribunais. 2011. p. 67/68

12 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 2ª Ed. São Paulo. Brasilense. 1998. p. 19

13 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial – Parâmetros dogmáticos. São Paulo. Saraiva. 2010. p.35

14 COSTA, Andreia Elias da. Estado de direito e ativismo judicial. São Paulo. Quartier Latin. 2010. p. 52/53

15 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial – Parâmetros dogmáticos. Saraiva. 2010. p.110

16 BRASIL – Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132

17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – MS 26.602; MS 26.603 e MS 26.604

18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – ACO 1167

19 SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. in: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (Coord.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador. JusPODIVM. 2011. p. 86/87

20 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito. RT, São Paulo. 2005. p. 96

21 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. Malheiros. São Paulo. 2011. p. 64/65

22 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais ?. Almedina Brasil. São Paulo. 2009. p. 66

23 ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por omissão e troca de sujeito. RT, São Paulo. 2005. p.117

24 REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. Saraiva. 2010. p. 352

25 BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Editora Forum. 2010. p. 37

26 MULLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. RT. 2011. p. 255

27 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 28ª Ed. RT. 2009. p. 327

28 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho – 15ª região. RO nº 01269-2005-101-15-00-9.

Jose Antonio Gomes Ignacio Junior

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