O “Preço da Dor”: Conteúdos Abertos para uma Quantificação do Dano Moral no Direito do Trabalho

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A construção de uma ordem jurídica justa se assenta no princípio universal do neminem laedere (não prejudicar a ninguém). Dano é pressuposto da responsabilidade civil, qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, materiais ou morais. Patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Para que um dano seja reparável não basta a prova da lesão, mas a de que esse bem lesionado seja um bem jurídico ou, como o disse Henri de Page, que esse prejuízo “seja resultante de uma lesão a um direito”, isto é, que haja prova do nexo de causa entre o prejuízo e a ação do ofensor.
Na quantificação do valor da condenação por danos morais, que terá caráter pedagógico, preventivo e compensatório, e não indenizatório, o juiz arbitrará, de modo equitativo, objetiva e subjetivamente, o valor que entender justo e razoável, de modo a desestimular a reiteração da ofensa e minorar o sofrimento do ofendido, levando em conta a primariedade ou a reincidência do ofensor, o efetivo sofrimento da vítima, sua personalidade e condição social, a concorrência de culpas, a necessidade do ofendido e a possibilidade do ofensor, o grau de repercussão da ofensa, o contexto em que a ofensa ocorreu e o tempo decorrido entre o ato dito ofensivo e a exigência de sua reparação em juízo.
Na responsabilidade civil, a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil do empregador por dano moral, o empregado somente tem de provar o fato e o nexo de causalidade. Não se exige prova do dano (prejuízo concreto) porque a sequela moral é subjetiva.
Os danos morais são inquietações graves do espírito, turbações de ânimo, desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina, a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja seqüela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. O dano moral existe in re ipsa, isto é, deriva do próprio fato ofensivo, de tal sorte que, provada a ocorrência do fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis (ou facti) que decorre das regras da experiência comum, daquilo que ordinariamente acontece. Provados, pois, o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a extensão de sua dor. Na dúvida, vige o princípio in dubio pro creditoris, isto é, “na dúvida, a atenção do julgador deve voltar-se para a vítima”.
Nem todo dano é indenizável. Apenas o injusto o é. São danos justos, e portanto irreparáveis, os que provêm das forças da natureza ou do acaso (caso fortuito e força maior) e os definidos no direito posto( legítima defesa própria ou de terceiros, devolução da injúria, desforço pessoal, destruição de coisa para remoção de perigo, entre outros) ou aqueles causados pelo próprio lesado (culpa exclusiva da vítima). É claro que nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. É necessário que a agressão extrapole os aborrecimentos normais de tantos quantos vivem em coletividade. O que se pode entender por “aborrecimentos normais” é também casuístico e depende de uma avaliação objetiva e subjetiva que somente o juiz pode fazer diante do caso concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível.
A indenização mede-se pela extensão do dano, mas, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz pode reduzir, equitativamente, o valor da indenização. Como essa adequação equitativa refere-se a graus de culpa, a regra do parágrafo único do art.944 do Código Civil somente se aplica aos casos de responsabilidade subjetiva, porque, nos demais, a responsabilidade é objetiva e prescinde da culpa. A doutrina faz crítica severa a essa possibilidade de diminuição, pelo juiz, porque se indenizar é repor a vítima ao statu quo ante, indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto.
A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. A locução indenizar provém de in + damnum, isto é, sem dano, o que implicaria tornar as coisas ao exato ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Como na lesão moral isso não é possível, o juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Não pode ser restitutio in integrum (restituição integral, indenização pelo todo) pela só-razão de que não se pode conhecer, exatamente, a extensão do dano, nem de pretium doloris (preço da dor) porque dor não se paga em dinheiro, mas a de um conforto material que não seja exorbitante a ponto de constituir-se em lucro capiendo (captação de lucro) nem minguado a ponto de deixar na vítima e no agressor a sensação de impunidade. De fato, ao fixá-la, o juiz deve ater-se ao princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. Essa soma compensatória que se arbitra em favor da vítima do dano moral tem caráter marcadamente punitivo, conquanto parte da doutrina o negue.
A quantificação do dano moral é — atualmente — o nó-górdio da doutrina e da jurisprudência sobre o tema. Já não se discute se o dano extrapatrimonial é ou não indenizável, mas o quantum. Os repertórios de jurisprudência têm mostrado que a sua tarifação não é possível, ou não é socialmente justa. Fala-se que o STJ pretende tarifar o valor das indenizações. Tarefa inglória, a despeito de completamente inútil. Se a ideia é evitar indenizações milionárias arbitradas por seus juízes, o equívoco está na interpretação dos juízes, e não nas raízes do instituto. O recomendável é que se escrevam conteúdos abertos como ferramentas à disposição do juiz no trabalho — trabalho árduo, por sinal — de fixar o valor da reparação.
"Conceitos abertos" acham-se aos punhados no Código Civil de 2002. Isso permitirá ao operador do direito formatar o caso concreto de modo a se aproximar, o mais possível, da real extensão do dano e, com isso, chegar a uma quantia que compense — idealmente — a dor da vítima. De uma por todas as vezes, o que se deve abolir é o apego à locução “indenização dos danos morais”. O valor fixado não procura indenizar a dor da vítima (pretium doloris), pois não pode haver preço para a dor. Trata-se de mera compensação. O sentido da condenação é intencionalmente pedagógico (sensibilizar o ofensor da nocividade da sua conduta), preventivo (desestimular, com a condenação em dinheiro, a reiteração da prática ofensiva) e compensatório (minorar a dor moral da vítima,oferecendo-lhe uma compensação em dinheiro), e não indenizatório. Esse valor deve sempre ficar ao alvedrio do juiz, mas o julgador, ao arbitrá-lo, deve fazê-lo a partir de uma avaliação objetiva e subjetiva, sempre de modo equitativo, isto é, cabe ao juiz, e não às partes, estimar a extensão do provável prejuízo moral da vítima, avaliando, em concreto, o enredo fático em que a ofensa se deu.
Quando se diz que o juiz arbitrará um valor justo e razoável, o que se quer é dar total liberdade ao julgador para, no caso em concreto, sopesar os aspectos intrínsecos e extrínsecos da ofensa, para evitar que o valor da condenação enriqueça indevidamente o ofendido, com o empobrecimento desnecessário do ofensor. Por fim, são fatores objetivos que auxiliam o julgador na estimação do valor compensatório a primariedade ou a reincidência do ofensor, o efetivo sofrimento da vítima, sua personalidade e condição social, a concorrência de culpas, a necessidade do ofendido e a possibilidade do ofensor, o grau de repercussão da ofensa, o contexto em que a ofensa ocorreu e o tempo decorrido entre o ato ofensivo e a exigência de sua reparação.
 
 
José Geraldo da Fonseca[1]


[1] Juiz Federal do Trabalho — Membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.

Jose Geraldo da Fonseca

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