O movimento sofístico e as discussões preliminares sobre direitos humanos e individuais

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O MOVIMENTO SOFÍSTICO E AS DISCUSSÕES PRELIMINARES SOBRE DIREITOS HUMANOS E INDIVIDUAIS

 

Luiz Paulo Zeifert1

Anna Paula Bagetti Zeifert2

 

 

RESUMO:

 

O artigo aborda o surgimento do movimento sofístico na Grécia Antiga, seus fundamentos gerais e analiza o pensamento de alguns filósofos que se destacaram dentro do mesmo, tentando verificar se as ideias desses pensadores revelam possíveis contribuições para as discussões preliminares sobre o que se poderia chamar de pré-história dos direitos humanos e individuais

Palavras-chave: sofístico. Pré-história. Direitos Humanos. Individuais.

 

ABSTRACT

 

The article examines the sophistic movement arose in Ancient Greece seeking their general background and analyzes the thinking of some philosophers who have excelled within trying to verify if the thought of these thinkers reveal possible contributions to the preliminary discussions abaout what might called pre-history of humans rights an individual

Key-Words: sophistic. pre-history. humans rights. individual

 

INTRODUÇÃO

 

O trabalho objetiva discutir alguns aspectos da sofística que poderiam revelar preocupações primevas sobre questões pertinentes aos Direitos Humanos e Individuais, num espaço e lapso específicos: a Grécia no Período Clássico (séculos V e IV a. C.).

 

No seu desenvolvimento, em primeiro lugar, destaca algumas considerações que possibilitam ao leitor compreender quem são os sofistas e o que representam enquanto mestres itinerantes de um novo saber, no locus e lapso escolhidos para estudo. Em sequência, em um segundo momento, aborda o que os mesmos pensam em referência a algumas temáticas selecionadas. Nesse aspecto, foram elencadas possíveis contribuições do movimento sofístico no debate de diversos temas, considerando que o mesmo influenciou profundamente concepções conservadoras arraigadas na sociedade e que se destinavam à manutenção da ordem vigente, permeada pela desigualdade e uma visão estreita de inclusão social.

 

Por fim, de posse dessas informações, verifica se é pertinente ou não falar em existência de possíveis contribuições do movimento para as discussões preliminares sobre o surgimento de traços que delineiem embates primevos sobre os direitos humanos e individuais, os quais, no entendimento acadêmico atual, só mais tarde podem ser perfeitamente localizados no espaço e no tempo.

 

Essa discussão pode aos olhos de analistas dogmáticos ser concebida como estéril e sem mérito. No entanto, a realização da prospecção tem como objetivo, num período em que ainda não se falava especificamente em direitos humanos e individuais, o que não implica necessariamente que os mesmos não existissem potencialmente, garimpar no pensamento de alguns sofistas traços que possibilitem tecer considerações sobre a preocupação que os mesmos evidenciaram com a dimensão valorativa do homem e, em decorrência disso, com um possível discurso voltado para realização de direitos a partir de uma nova concepção da physis3, dirigida, em particular, para questão da realização plena do homem, da igualdade e da inserção social.

 

Essa nova perspectiva fica evidente nas palavras de Reale (1993, p. 240):

 

a sofística operou um substancial deslocamento do eixo da pesquisa filosófica, centrando a sua problemática sobre o homem; até a corrente naturalista da sofística ocupou-se da physis em sentido totalmente diferente dos naturalista, não para conhecer o cosmo enquanto tal, mas para melhor compreender o homem e o seu agir, ou seja, com finalidades ético-político-educativas.

 

Assim, tendo como pano de fundo do estudo a questão da pesquisa teórica, o levantamento de novos questionamentos que possam enriquecer o debate acadêmico e uma releitura dos nossos pressupostos plastificados acerca do conhecimento e concepções da realidade, entende-se pertinente a realização deste estudo.

 

A pesquisa, portanto, não pretende nada mais que comungar com o espírito que norteia o proceder acadêmico: ousar em novas observações sobre a realidade, aceitando contribuições que possam qualificar os argumentos utilizados na exposição desta temática.

 

O movimento sofístico: quem eram e o que pensavam

 

As palavras gregas sophos, sophia, que se costumam traduzir por “sábio” e “sabedoria”, foram usadas comumente desde os tempos mais antigos. Significam uma qualidade intelectual ou espiritual, denotando primariamente perícia em determinada capacidade. O verbo sophizesthai, praticar sophia, sofreu desenvolvimento paralelo até significar trapacear e enganar, ou ser supercapcioso. No entanto,

 

Desde a década de trinta, assistimos, porém, um movimento vigoroso para restaurar os sofistas e sua parentela como campeões de progresso e ilustração, e um afastamento de Platão como fanático reacionário, que, denegrindo sua reputação, assegurou a rejeição de seus escritos. (GUPHRIE, 1995, p. 15).

 

A palavra sophistes (sofistas4) é o nome do agente derivado do verbo. Por muito tempo antes de adquirir sentido pejorativo, sophos (sábio) e sophistes foram sinônimos. Ainda, sophiste, em Píndaro, tem sentido claro de poeta. Em Ésquilo, todos os que praticam a arte da mousiké costumavam ser chamados de sofistas. No século V a. C., por outro lado, a palavra começa a ser usada para escritores em prosa em contraste a poetas, quando a função didática veio a se exercer cada vez mais por esse meio. Um sophistes escreve e ensina porque tem especial perícia ou conhecimento para comunicar: é um sophistai, um mestre (apud GUPHRIE, 1995, p. 31-34).

 

Por outro lado, dá para constatar em Reale (1993, p. 189) que

 

o termo sofista há tempo assumiu um sentido decididamente negativo: sofista é chamado aquele que, fazendo uso de raciocínios capciosos, busca, por um lado, reforçar o falso, revestindo-o da aparências do verdadeiro. Mas este não é de modo algum o sentido original do termo, que significa simplesmente, sábio, especialista no saber, possuidor do saber. Significa não só algo positivo, mas altamente positivo.

 

É interessante localizar temporalmente o momento em que o termo sofista toma uma significação negativa. Em referência a essa temática, Reale (1993, p. 189) revela a seguinte passagem:

 

A acepção negativa do termo sofista tornou-se corrente a partir já de Sócrates e, certamente, dos discípulos de Sócrates, Platão e Xenofonte, que radicalizaram uma batalha ideológica contra os sofistas, e depois com Aristóteles, que codificou tudo o que disse Platão5.

 

Os filósofos contemporâneos dos sofistas centraram suas críticas basicamente em duas direções:

 

a) que a sofística é um saber aparente e não real;

 

b) que a mesma é professada com fins lucrativos.

 

Por outro lado, e isso é bom que se diga, além da reação dos filósofos, os sofistas sofreram um forte ataque da opinião pública que via neles um perigo, seja para a religião, seja para o costume moral, dado que para esse domínio os sofistas deslocaram sua atenção; dos aristocratas que, em particular, não os perdoaram por terem contribuído para a sua perda de poder e por terem incentivado à formação de uma nova classe, que não via mais na nobreza de nascimento, mas nos dotes e habilidades pessoais, a possibilidade de adquirir excelência, função principal da paideia6 de concepção estritamente aristocrática.

 

É óbvio que essa nova concepção de educação de caráter profundamente humanístico e revolucionário, que reconhece a individualidade do ser humano como algo que transpõe o entendimento da classe dominante da época, inaugura a possibilidade da excelência compartilhada, antes estritamente dependente da condição de nascimento. Em decorrência, essa nova postura causou profunda mudança nas estruturas sociais vigentes, defendidas ferrenhamente por Platão, Aristóteles e demais representantes do status quo.

 

Reforçando o que foi exposto e para destacar a profundidade da revolução realizada pelos sofistas, historiadores alemães têm usado a palavra Aufklaerung para referenciar o movimento, mesmo vocábulo utilizado para designar a revolução “das luzes” do século XVIII (O Iluminismo), evidenciando assim quão importante foi o mesmo. De fato, como destaca Aymard (1977, p. 170), tanto pela amplitude como pelo sentido geral dos dois movimentos, impõe-se uma aproximação entre eles.

 

Por outro lado, dando maior amplitude à referência anterior, esse mesmo autor nos diz:

 

A obra dos sofistas foi tão capital quanto à dos “filósofos” de vinte e três séculos mais tarde. Atingindo diretamente a elite social e, por seu intermédio, camadas mais amplas, propagaram aquilo que conviria chamar de cultura e que constituía o monopólio de círculos restritos, em particular o gosto por certos problemas e o interesse por todos os aspectos da vida intelectual. (AYMARD, 1977, p. 170).

 

 

Enfim, os sofistas

 

Implantaram tão profundamente na filosofia e na ciência o senso crítico e o temor de uma abstração desenfreada que daí por diante se tornou impossível sua extirpação. Encontram-se na origem de um impulso do individualismo que não tardaria em transformar a civilização, começando por abalar a própria polis. (AYMARD, 1977, p. 170-71).

 

É sobremaneira importante destacar em Lévêque (1967, p. 313) que a sofística é um movimento que dirige seus esforços, o primeiro em data na história do homem, para submeter toda crença à luz da razão, atacando

 

as crenças fundamentais, longamente elaboradas no decorrer dos séculos precedentes, que fundaram, por exemplo, a cidade a moral, a religião. Nascida de dúvidas que lhe são anteriores consolida-as a sofística e tira delas as últimas consequências: bem antes das convulsões do século seguinte, a noção de polis, apoiada no respeito da lei, na submissão cega do indivíduo à coletividade, em distinções arbitrárias estabelecidas entre cidadãos e estrangeiros, entre homem livre e escravo, gregos e bárbaros, alui sob as suas argumentações subtis.

 

 

Outro aspecto importante a ser destacado sobre os sofistas, e para assim delinear melhor o que naquele tempo pensavam os gregos sobre eles, é que o ódio em que incorriam aos olhos do establishment era não só devido aos assuntos que professavam (ética, política, retórica, arte, língua, religião, educação e tudo aquilo que hoje nós chamamos cultura humanística), mas pelo seu próprio status7 que estava contra eles. Não só pretendiam dar instrução no que em Atenas se pensava ser para as pessoas certas uma espécie de segunda natureza, mas eles mesmos não eram líderes atenienses nem mesmo cidadãos. Eram estrangeiros, provincianos cujo gênio tinha ultrapassado os confins de sua cidade, mas que aí não tiveram nenhuma possibilidade de se tornar figuras políticas, com várias exceções. E sendo assim, viajando de cidade em cidade, sem uma “cidadania específica”, usaram seus talentos para ensinar os outros, o que deixava os gregos, tendo em vista sua concepção de cidadania, profundamente “intrigados”.

 

Além disso, é interessante observar que

 

os sofistas subverteram as velhas concepções da physis nas quais o pensamento ameaçava cristalizar-se, criticaram a religião tradicional, abalaram os pressupostos aristocráticos sobre os quais se fundava a política passada, abalaram as instituições esclerosadas, contestaram a tradicional tábua de valores que então era defendida sem convicção. (REALE, 1993, p. 197).

 

Finalmente, para encerrar essa parte de exposição sobre quem eram os sofistas, é necessário destacar que: em mudando o objeto de pesquisa relativamente aos naturalistas, a sofística deveria mudar o método. Por isso, enquanto os filósofos da natureza, estabelecido o princípio primeiro, deduziam dele as várias conclusões, procedendo com método dedutivo, os sofistas, de maneira oposta, seguem um procedimento empírico-indutivo.

 

Assim, a sofística tem seu ponto de partida na experiência (empiricidade) e tenta ganhar o maior número possível de conhecimentos em todos os campos da vida (objeto), dos quais, depois, extrai algumas conclusões, em parte de natureza teórica, como, por exemplo, sobre a possibilidade do saber, sobre a diferença entre livres e escravos, helenos e bárbaros etc (REALE, 1993, p. 193-94).

 

Protágoras8, o maior dos sofistas da primeira geração, afirma que em torno a cada coisa existem dois raciocínios que se contrapõem entre si, isto é, que sobre cada coisa (argumento, conhecimento, realidade etc) é possível dizer e contradizer, aduzir razões que reciprocamente se anulam. Com isso, depreende-se que Protágoras cindiu o logos9 (motivação propriamente racional) em dois raciocínios, abrindo, portanto, a possibilidade da argumentação retórico- persuasiva, a qual, em nosso entendimento, plastifica a liberdade de expressão sobre determinada temática em discussão.

 

Essa concepção protagoriana, em termos de argumentos, permite, por exemplo, “duvidar” que a postura de Aristóteles que afirma que “É óbvio, então que uns são livres e outros escravos, por natureza, e que para estes a escravidão é não só adequada, mas também justa” (Política, I, 1255a), seja a única e definitiva maneira de conceber determinada realidade.

 

Essa postura aristotélica é diametralmente oposta ao que pensa um discípulo de Górgias10 chamado Alcidamas11, o qual, por ser anterior a Aristóteles, evidencia curiosamente a relutância do mesmo em admitir que novos ventos soprassem sobre Grécia, posta nos seguintes termos: “Deus fez todos os homens livres; a natureza não fez nenhum homem escravo.” Mais: “Ainda que um homem seja escravo, ele tem a mesma carne; ninguém jamais foi escravo por natureza, embora a casualidade escravize o corpo.” (apud GUPHRIE, 1995, p. 149-150).

 

Entende-se, ademais, que a postura de Protágoras, referida anteriormente, ao lado de relativizar essa concepção de Aristóteles profundamente conservadora, tendo em vista as estruturas sociais vigentes na época, possibilita a abertura de ampla discussão sobre essa temática. Não é difícil imaginar que a partir dela, para exemplificar, possivelmente se tenham aguçado questionamentos sobre a igualdade das pessoas por physis e que as desigualdades sociais são meramente advindas da convenção entre os homens, ou seja, por nomos e, portanto, não definitivas ou de natureza temporalmente localizáveis.

 

Essa convenção fica evidente nas palavras que Platão coloca na boca de Hípias12, expressas nos seguintes termos:

 

Homens aqui presentes, eu vos considero consanguíneos, parentes e cidadãos por natureza, não por lei: de fato, o semelhante é por natureza parente do semelhante, enquanto a lei, que é tirana dos homens, amiúde força muitas coisas contra a natureza. (Protágoras, 337 c).

 

Nessa passagem, a natureza é apresentada como o que une os homens e a lei ao ser concebida como “tirana dos homens” é relativizada, pelo menos quando e à medida que se opõe à natureza. Nasce, nesses termos, a distinção entre direito natural (lei da natureza – physis) e um direito positivo (lei posta pelos homens, nomos).

 

Assim, Hípias ao conceber a igualdade na natureza dos homens evidencia que não tem sentido distinções que dividam os cidadãos de uma cidade dos de outra, nem as distinções que no interior das cidades possam ulteriormente dividir os cidadãos: nascia, nesses termos, conforme observa Reale (1993, p. 231, grifo nosso), um ideal cosmopolita e igualitário, que para a grecidade era não só novíssimo, mas revolucionário.

 

Não é fácil traçar um perfil geral dos ensinamentos e tendências dos sofistas. Contudo,

 

Quaisquer que tenham sido as divergências entre os sofistas (não tinham uma unidade de pensamento e, portanto, não chegaram a formar uma escola, observação nossa), todos tinham uma coisa em comum: consideravam o Homem mais importante que a Natureza…desenvolveram o estudo do Homem em todos os seus aspectos — a política, o direito, a linguagem. (BARKER, 1978, p. 80-81).

 

Outro sofista que, por suas concepções igualitárias e cosmopolitas do homem, evidenciadas numa humanidade abrangente, merece destaque nesta abordagem é Antifonte13 (Antífon). Para ele, “a distinção entre gregos e bárbaros é só questão de nomos” (apud GUPHRIE, 1995, p. 103). Dito de outro modo: “[…] não conhecemos nem veneramos os que vivem longe. Nisto, na verdade, tornamo-nos, como os bárbaros, uns com os outros, dado que, por natureza em tudo somos igualmente feitos para ser quer bárbaros quer gregos.” (apud REALE, 1993, p. 231).

 

A partir dessa concepção, dá para perceber que

 

O Iluminismo sofístico dissolveu aqui não só os velhos preconceitos de casta da aristocracia e o tradicional fechamento da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos, quanto à própria superioridade sobre os outros povos: qualquer cidade é igual à outra, qualquer classe social é igual à outra, qualquer povo é igual a outro, porque todo o homem é por natureza igual ao outro. (REALE, 1993, p. 232).

 

Por outro lado, ainda em referência a Antifonte, contrariamente ao que foi encontrado em Aristóteles e Platão, pode-se destacar em Jaeger ([S. d.], p. 353) que “O fundamento desta supressão de todas as diferenças nacionais e históricas são não só as diferenças nacionais que a doutrina de Antifonte nivela; são também as desigualdades sociais.” Além disso, sua doutrina admite que “respeitamos e honramos os homens de famílias ilustres, mas não os que não são. Encontramo-nos, assim, uns diante dos outros como povos distintos.” (JAEGER, [S. d.], p. 353, grifo nosso).

 

Em Aristóteles, em referência à mudança das leis, encontra-se uma passagem na qual o mesmo apesar de admiti-la, impõe condições e posiciona-se de maneira estranhamente conservadora:

 

Quando a melhoria a obter é escassa, e porque é mau habituar os homens alterar as leis de ânimo leve, devemos consentir em alguns erros por parte do legislador e dos governantes. O benefício obtido pela alteração será menor que o costume de desobedecer aos governantes. (Política, 1269 a 15).

 

Todavia, o sofista Crítias14 tem sobre esse mesmo assunto um pensamento diverso e oposto, que pode ser expresso assim:

 

Foi para evitarem que os homens desprezassem a lei, ao agirem sem testemunhas, que os chefes de Estado criaram os deuses como testemunhas invisíveis e omniscientes das acções humanas; assim, por medo, conservavam a obediência do povo. (JAEGER, [S. d.], p. 356, grifo nosso).

 

Assim, torna-se evidente nessa passagem que Crítias conserva acesa a chama da antítese nomos-physis. Com ele, a visão convencional da lei, ao lado de expressar os interesses do grupo hegemônico, tem caráter excludente, ou seja, é um instrumento de dominação. Portanto, contrariamente a que pensam seus ferrenhos defensores, ela é expressão passageira de determinadas circunstâncias sociais, expressa a correlação das forças sociais.

 

Ao expor o pensamento de alguns sofistas não se tem a pretensão de exaurir todas as correntes que compõem a sofística. Na realidade, omitiu-se uma série de outros nomes que, indubitavelmente, poderiam, de maneira sobeja, contribuir para a ampliação da discussão do tema. Contudo, entendeu-se não ser oportuna a citação, tendo em vista a natureza da abordagem.

 

Em resumo, o pensamento sofístico, como vimos, é abrangente. Resta patente, todavia, que basicamente ele está direcionado aos seguintes temas: religião, lei, desigualdade social, cosmopolitismo, crítica à sociedade da época, mudanças sociais, condição humana, possibilidade igualitária de educação, isonomia etc.

 

 

 

 

 

 

Possíveis contribuições da sofística para as discussões preliminares sobre direitos humanos e fundamentais

 

Nuria Belloso Martín (1995, p. 55)15 que ao postular uma divisão teórica para as diversas fazes dos Direitos Humanos concebe-os nas seguintes etapas:

 

Nossa abordagem é baseada em um caminho esquemático para a evolução dos direitos humanos ao longo da história, com destaque para as abordagens mais significativas doutrinárias, enquanto diferenciar várias etapas nesta jornada, tais como: a pré-história dos direitos humanos, universalização, generalização, a incorporação de direitos sociais e econômicos e, finalmente, a internacionalização (Tradução livre)16.

 

A essa altura, achamos oportuno lembrar que a abrangência deste trabalho, como foi proposta inicialmente, centra-se no período que a autora designou de pré-história dos direitos humanos.

 

Achamos interessante destacar ainda dessa autora a seguinte passagem, traduzida livremente:

 

A própria terminologia que usamos – pré-história – já dá uma ideia dessa fase, colocá-lo fora da história dos direitos humanos. No entanto, deve fazer referência a ele como ele ajuda a entender a genisis de essenciales seus elementos17. (MARTÍN, 1995, p. 57).

 

Anteriormente, tivemos oportunidade de fazer nomeação da seguinte afirmação: a inexistência formal dos direitos humanos e individuais não implica necessariamente na sua inexistência potencial.

 

Nesse sentido, os sofistas com seus pensamentos trouxeram grande contribuição à temática de emancipação das condições humanas, à medida que, com seu humanismo, atacaram e revolucionaram as concepções excludentes do mundo grego clássico, as quais podem ser expressas nas seguintes teses:

 

a) em Protágoras encontramos a valorização do direito de expressão;

 

b) com os sofistas o direito à educação deixou de ser privilégio de nascimento aristocrático;

 

c) a pregação da igualdade entre as pessoas, advinda da concepção cosmopolita dos sofistas, fomentou o surgimento do respeito à dignidade dos seres humanos e aprofundou significativamente o debate de questões referentes à escravidão;

 

d) a visão dicotômica nomos-physis, no que tange especificamente à questão legal, fomenta amplamente o implemento da isonomia;

 

e) o modus vivendi dos sofistas evidenciou o direito à individualidade e o direito à autodeterminação.

 

A seguir são tecidos breves comentários sobre as afirmações anteriores, objetivando torná-las mais consistentes:

 

a) como já foi referido anteriormente, a cisão do logos em dois raciocínios possibilitou que a realidade fosse concebida de maneira plúrima, ou seja, as partes, em conformidade com sua perspectiva retórico-persuasiva, podem expressar-se democraticamente de acordo com suas percepções individuais, o que necessariamente permite que concepções conservadoras e esclerosadas possam ser contestadas, vistas de maneiras diferentes ou, no mínimo, conexas com “novos tempos”, dando novas perspectivas para a mobilidade social;

 

b) indubitavelmente, os sofistas revolucionaram os velhos conceitos de paideia grega, baseada num conceito aristocrático de arete18. E toda a discussão referente à questão educacional passou, desse momento em diante, necessariamente pela possibilidade ou impossibilidade de se adquirir excelência, pois, de maneira diversa, concepções tradicionais da velha paideia limitavam a possibilidade de adquirir excelência ao status de nascimento. Os sofistas como educadores profissionais e remunerados, o que escandalizava profundamente as concepções vigentes, propunham, contrariamente, que a arete poderia ser ensinada e aprendida, independente da condição social do indivíduo.

 

Do exposto, depreende-se que ao contraporem essa realidade, na verdade, ensinaram que a educação (o aprender) pode ser concebida como um direito potencial que pode ser exercido com a livre vontade do indivíduo, usando uma concepção aristotélica;

 

c) Antifonte, ao admitir que “a diferença entre gregos e bárbaros é só questão de nomos”, está a pregar que, na verdade, por natureza todos são iguais e que as desigualdades, diferente do que pensava Aristóteles na sua Política, na qual admite a desigualdade como sendo natural, ou Platão na República, na qual concebe seu Estado ideal formado por classes diferenciadas, são advindas de convenções humanas que, objetivando o exercício do poder, positivam leis que representam, sobretudo, interesses do grupo hegemônico;

 

d) Além disso, Antifonte, por exemplo, ao admitir que a lei seja produto da vontade humana, nos termos da argumentação anterior, e Alcidamas ao pregar que “a natureza não fez nenhum homem escravo”, em nosso entendimento, evidenciam que as pessoas têm direito a tratamento isonômico, pelo fato de que pela sua natureza de homens não são distintas e que as distinções são meramente convencionais, o que não implica que sejam necessariamente naturais, podendo assim retoricamente ser contraditadas;

 

e) pelas leis (Constituição) de Atenas os sofistas, como metecos — estrangeiros — não eram considerados cidadãos. Não tinham, portanto, direitos políticos. O grego, pela sua ligação intestina à polis, como já vimos, escandalizava-se com esse status de viajor. Todavia, os sofistas com sua concepção cosmopolita de cidadania não se preocupavam com essa realidade. Com isso, o seu modus vivendi, ao lado de ser obviamente uma opção pessoal, deixa transparecer que se está diante do exercício de um direito à individualidade, configurado na plenitude de sua autodeterminação.

 

CONCLUSÃO

 

A realização da pesquisa oportunizou a visita de algumas concepções dos antigos gregos referentes à cidadania, à religião, à igualdade, à filosofia, ao modo a de olhar a realidade social, a postura ideológica vigente à época e, sobretudo, a uma breve passagem pelas concepções utópico-emancipatórias dos sofistas.

 

A navegação pelos mares da pretensa pré-história dos direitos humanos e individuais possibilitou uma ancoragem no porto da sofística. Nele, foi possível constatar que esse movimento revela em seus fundamentos nítidos traços do que se pode chamar de raízes pré-históricas dos direitos humanos e individuais, de maneira insofismável.

 

Considerando que o objetivo inicial do trabalho era verificar se os sofistas contribuíram para as discussões primevas sobre os direitos humanos e individuais, após a realização do estudo é possível dizer que os sofistas, com suas idéias revolucionárias a respeito da igualdade entre os seres humanos, realmente deram os primeiros passos para discussões referentes a direitos considerados humano-individuais. Essa é uma conclusão preliminar de parte do articulista ao questionamento: teriam os sofistas contribuído para as discussões preliminares sobre os direitos humanos e fundamentais?

 

Tendo em vista a amplitude da temática, o fato de se ter estudado alguns sofistas apenas, no entanto, é de bom tom deixar a discussão em aberto para que estudos mais amplos possam ser realizados.

 

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1 Bacharel em Direito e Especialista em Instituições Jurídico-Políticas pela Unijuí, Mestre em Direito pela UNISC. Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. Email: zeifert@unijui.edu.br

2 Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania pela Unijuí. Professora do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa (CNPq), Direitos Humanos e Desenvolvimento, linha de pesquisa Direitos humanos, Relações Internacionais e Equidade. Email: annazeifert@yahoo.com.br

3 Conforme observa Guphrie (1995, p. 57), “O sentido de physis emerge de um estudo dos pré-socráticos. Pode-se traduzir seguramente por ‘natureza’, embora, quando ocorre junto com nomos (o que supõe um sujeito agente), a palavra ‘realidade’ às vezes tornará imediatamente mais claro o contraste.”

 

 

4 Conforme se pode encontrar em Reale (1993, p. 199), “entre os mestres da primeira geração e os discípulos da Segunda geração existe uma diferença notável, como em parte o próprio Platão já observara. É preciso, portanto, distinguir pelo menos três grupos de sofistas: 1) os grandes e famosos mestres da primeira geração, de modo algum privado de discrição moral e, antes, como Platão reconhece, substancialmente dignos de respeito; 2) os ‘eristas’, isto é, aqueles que, explorando método sofístico e exaltando seu aspecto formal sem qualquer interesse pelos conteúdos e sem a discrição moral dos mestres, transformaram a dialética sofística numa estéril arte de contendas através de discursos, e numa verdadeira arte da logomaquia; 3) enfim os ‘políticos sofistas’, homens políticos e aspirantes ao poder político, que, desprovidos de qualquer discrição moral, usaram ou, melhor, abusaram de certos princípios sofísticos para teorizar um verdadeiro imoralismo, que desembocou no desprezo da assim ‘assim chamada justiça’, de toda a lei constituída, de todo princípio moral: mas estes, mais que o espírito autêntico da sofística, representou a excrescência patológica da própria sofística.”

5 Para ilustrar, eis como Platão define o sofista no diálogo homônimo: “Em primeiro lugar, o sofista era um caçador remunerado de jovens ricos […] em segundo lugar, uma espécie de importador de conhecimentos que interessam à alma […] e em terceiro lugar, não se nos mostrou como um biscateiro dessas mesmas coisas? […] e em quarto lugar, um mercador dos próprios produtos científicos […] e em quinto lugar era uma espécie de atleta da agonística aplicada aos discursos, como quem tivesse reservado para si a arte de disputar […] depois, em sexto lugar, era algo de controvertido; todavia convimos admitir que ele fosse uma espécie de purificador espiritual das opiniões que impedem a alma de saber”. Por outro lado, Xenofonte escreve: “Porque se alguém vende a sua beleza por dinheiro a qualquer que se deseje, chamam-no prostituto […], analogamente, os que vendem por dinheiro a sua sabedoria a qualquer um, são chamados sofistas, que é o mesmo que dizer prostitutos.” E ulteriormente, “Os sofistas falam para induzir ao engano, e escrevem para o próprio ganho, e não beneficiam em nada a ninguém […]” E Aristóteles conclui: “A sofística é uma sabedoria aparente, não real.” (REALE, 1993, p. 189-190).

6 É na Grécia que começa a “História da Educação” com sentido na nossa realidade educativa actual. De facto, são os Gregos quem, pela primeira vez, coloca a educação como problema. Já na literatura grega se vêm sinais de questionamento do conceito, seja na poesia, seja na tragédia ou na comédia. Mas é no século V a. C., com os Sofistas e depois com Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles que o conceito de educação alcança o estatuto de uma questão filosófica. É claro que os ideais educativos da paideia que vão ser desenvolvidos no século V a. C. se baseiam em práticas educativas muito anteriores. Como sublinha Werner Jaeger, grande estudioso da cultura grega, num célebre estudo justamente intitulado Paideia,“Não se pode utilizar a história da palavra paideia como fio condutor para estudar a origem da educação grega, porque esta palavra só aparece no século V.” (JAEGER, 1994, p. 25).

 

7 Em Barker (1978, p. 66) pode-se observar que: “as condições políticas prevalecentes em Atenas, e a sua condição de estrangeiros se combinaram para criar-lhes dificuldades e para distorcer o sentido do que ensinavam. Em sua maior parte os sofistas eram estrangeiros que residiam em Atenas, como metecos, sob regime de ampla igualdade social, mas privados de privilégios políticos […] Todos se tinham instalados em Atenas porque a cidade era o centro intelectual da Grécia, graças à expansão do Império.”

8 Protágoras de Abdera (480 – 411 a. C.)

A base da filosofia de Protágoras está na máxima “O Homem é a medida  de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são.” Para ele medida significava juízo e as coisas são os fatos e as experiências das pessoas. Com essa máxima Protágoras tinha por objetivo negar um critério absoluto para distinguir o ser do não-ser. O critério para a diferenciação torna-se o homem, cada homem. Ele explica melhor “Tal como cada coisa se apresenta para mim, assim ela é para mim, tal como ela se apresenta para você, assim ela é para você.” O vento que sopra é frio ou quente? A resposta vai depender de cada pessoa, para algumas vai estar frio e para outras vai estar quente, dessa forma ninguém vai estar errado e a verdade vai estar em cada sujeito e no que ele pensa sobre sua experiência. Se os homens são a medida de todas as coisas, por consequência, nenhuma medida pode ser a medida para todos os homens. As coisas assim vão ser definidas pelas pessoas que as definem, o que vale para determinada situação não vai valer para outras. As coisas vão ser conhecidas particularmente por cada indivíduo.

Protágoras ensinava também técnicas e métodos para  tornar um argumento fraco em um argumento forte. Ele ensinava a aptidão de fazer sobressair um ponto de vista sobre um ponto de vista contrário. Os homens tem em si a faculdade de julgar com justiça, a função do sofista é fazer com que eles expressem essa capacidade.

Para ele as coisas são, portanto, relativas aos indivíduos e aos seus pareceres. Não existe uma verdade absoluta assim como não existem padrões morais absolutos, o que existem são coisas mais oportunas, úteis e convenientes. A pessoa sábia vai ser aquela que consegue distinguir o que é mais vantajoso e decente para cada situação. O sábio vai conseguir também convencer os outros a reconhecer essa qualidade superior e fazer com que eles a ponham em prática. Protágoras afirmou também que em relação aos deuses ele não poderia afirmar se existem ou se não existem, pois muitas coisas o impediam de fazer tais afirmações, ele considerava o assunto obscuro e a vida breve para se achar uma resposta para a questão. Mostrava-se agnóstico nas suas crenças, pois o divino vai além da capacidade humana de compreensão dessa experiência sendo o homem limitado em seu saber. Para ele era possível criarmos argumentos tanto a favor como contra a existência dos deuses. Ele dizia ainda que os sábios e os bons oradores deveriam guiar através de conselhos as outras pessoas.

Sentenças:

– Sobre qualquer questão existem dois argumentos contrários entre si.

– Sobre os deuses não posso saber se existem ou se não existem.

– Das coisas belas umas são belas por natureza e outras por lei, mas as coisas justas não são justas por causa da natureza, os homens estão continuamente disputando pela justiça e a alteram também continuamente.

– Toda a vida do homem tem necessidade de ordem e de adaptação.

Disponível em: <http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=20>.

9 O Logos (em grego λόγος, palavra), no grego, significava inicialmente a palavra escrita ou falada—o Verbo. Mas a partir de filósofos gregos como Heraclito passou a ter um significado mais amplo. Logos passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio cósmico da Ordem e da Beleza. Na teologia cristã o conceito filosófico do Logos viria a ser adaptado no Evangelho de João, o evangelista se refere a Jesus Cristo como o Logos, isto é, a Palavra: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era Deus” João 1:1 (εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος) (Há traduções do Evangelho em que Logos é o “Verbo”). O Logos também pode ser visto como o “Motivo” de todas as coisas, sendo a causa que explica o anseio existencial humano tão discutido pela filosofia.

Antes do surgimento da filosofia (por volta do séc. VI a.C.), Logos significava palavra. Porém, a partir de filósofos como Heraclito de Éfeso, veio a ter o conceito de razão. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Logos>.

10 Górgias nasceu na Sicília, em Leontinos, entre 485 e 480 a. C. Em 427 a. C., quando Leontinos foi ameaçada por Siracusa, foi encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro. Górgias defende a causa da sua pátria perante a Assembleia do Povo, em Atenas, onde alcança um grande sucesso pela sua eloquência.

O seu estilo é tão pessoal que os gregos criarão o termo “gorgianizar” para designar “falar à maneira de Górgias”. Com o seu estilo, Górgias conquista para o seu ensino vários atenienses de alta estirpe e percorre toda a Grécia sem se fixar. Na Tessália ensinou Isócrates, que veio a fundar em Atenas uma escola rival da Academia. Parece ter ficado celibatário e ter passado o fim da sua vida na Tessália, onde morre mais que centenário.

A sua audiência e celebridade era tão grande na Grécia que lhe ergueram uma estátua de ouro maciço em Olímpia. Foi, sem dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes de Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas. Existem até certas obras em extenso, como é o caso d’ “O Elogio de Helena” e d’ “A Defesa de Palamedes”. As obras de Górgias podem distribuir-se em três grandes grupos. O primeiro compreende os textos de tom essencialmente filosófico, como é o caso de “Sobre o Não-Ser ou Sobre a Natureza”, “O Elogio de Helena” e “A Defesa de Palamedes”. Os textos do segundo grupo testemunham, sobretudo, a preocupação pela eloquência e dele constam: “A Oração Fúnebre”, “O Discurso Olímpico”, “O Elogio dos Elisinos” e “O Elogio de Aquiles”. O terceiro grupo de escritos está relacionado com a técnica retórica e compreende “A Arte Oratória” e “O Onosmástico”. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/sofistas/gorgias.htm.

11 Alcídamas foi aluno e sucessor de Górgias, e lecionou em Atenas, na mesma época de Isócrates, de quem foi rival e adversário. Existem duas declamações em seu nome: Sobre os sofistas, dirigido contra Isócrates e estabelecendo a superioridade do improviso sobre os discursos escritos (um fragmento descoberto mais recentemente de outro discurso contra Isócrates é, provavelmente, de uma data posterior); Odysseus, no qual Odisseu acusa Palamedes de traição durante o cerco a Troia (este é geralmente considerado espúrio).

De acordo com Alcídamas, o maior objetivo do orador era o poder de falar de improviso sobre qualquer assunto imaginável. Aristóteles[1] critica os seus escritos, como caracterizados pela pomposidade do estilo e um uso indevido dos epítetos poéticos e compostos de rebuscadas metáforas.

Sobre outros trabalhos, restaram apenas fragmentos e os títulos: Messeniakos, defendendo a liberdade dos messênios e contendo o sentimento de que “todos são livres por natureza”; um Elogio da Morte, em consideração a ampla extensão do sofrimento humano; um Techne ou livro de instrução na arte da retórica; e um Phusikos logos. Finalmente, seu Mouseion (uma palavra invocando as musas) parece ter contido a narrativa da Disputa entre Homero e Hesíodo, cuja versão que sobreviveu é trabalho de um gramático da época de Adriano, com base em Alcídamas. Essa hipótese do conteúdo do Mouseion, originalmente sugerida por Nietzsche, parece ter sido confirmada por três papiros encontrados: um do século III a.C., outro do século II a.C. e outro do século II ou III d.C.

12 Hípias nasceu em Élis, cidade próxima de Olímpia, numa data certamente posterior a 433 a. C. O ano de 343 a. C. terá sido o da sua morte, relacionada com a guerra que os exilados democratas elisinos fizeram aos oligarcas que detinham o poder de Elis. Iniciou-se nos ofícios manuais, nomeadamente com trabalhos de tecelão e de sapateiro. Hípias tinha uma actividade dupla de homem político e de mestre. O seu talento oratório e a sua destreza levaram-no a ser escolhido como embaixador da sua cidade natal. Percorreu toda a Grécia e suas colónias e visitou os ditos povos bárbaros, cuja língua parece ter aprendido. Foi casado com uma mulher chamada Platané e teve três filhos. Pouca coisa restou dos numerosos escritos de Hípias. Contudo, as suas obras podem dividir-se em três categorias: os discursos de circunstância, as obras eruditas, e as obras poéticas. Entre as epideixeis, sabemos da existência do “Diálogo Troiano”. Entre as obras eruditas conhecem-se os “Nomes dos Povos”, a “Lista dos Vencedores nos Jogos Olímpicos” e a “Colecção”. Finalmente, entre outros escritos poéticos encontra-se as “Elegias”. Existem outras obras que lhe são atribuídas, entre as quais o “Anónimo de Jâmblico”, que já faz parte da colecção dos textos sofísticos. Os sofistas em geral apoiaram-se muitas vezes nos antigos fisiólogos, nomeadamente Hípias, exaltando a natureza face ao nomos. Hípias concebia a natureza como uma totalidade, considerando-a composta de coisas distintas, mas exigindo uma atenção especial à continuidade que as une. Portanto, a totalidade natural não é uma totalidade monolítica, pelo contrário, o universo é composto por seres múltiplos particularizados e qualificados a que chama coisas. Estas coisas existem independentemente do conhecimento que o homem delas adquire e da expressão linguística que lhes dá. A afirmação da continuidade natural parece explicar as investigações matemáticas de Hípias quanto à rectificação do círculo, isto é, da invenção da quadratiz. A realidade será contínua se não há vazio no universo. Para isso, o universo, que é esférico, deve conter em si volumes com arestas rectilíneas, enchendo estas totalmente a esfera. Isto implica a possibilidade de passar de um volume cúbico a um volume esférico, problema que se reduz, em geometria plana, ao da quadratura do círculo. A intuição do grande todo que vibra em uníssono explica também a rejeição, por Hípias, de toda a forma de separatismo e, principalmente, da cisão entre o ser concreto e a essência. Finalmente, a intuição da continuidade dos seres exprimida pela adopção do grande princípio de Empédocles (homoiosis). A semelhança une os seres e sutura o universo. O conhecimento, intelectual ou sensível, é um encontro, porque só o universo contínuo se pode dar a conhecer. Portanto, o verdadeiro saber será à imagem e semelhança do cosmos, um todo. O sofista anuncia, em todos estes aspectos, Leibniz. Enquanto filómato e pluri-especialista seria o intelectual ideal para a ciência moderna na busca de interdisciplinaridade. O conhecimento, para Hípias, decalca-se adequadamente pela estrutura da realidade. E deste modo, Hípias restaura um realismo ontológico e um optimismo epistemológico que, sem razão, se recusa muitas vezes à sofística. A racionalidade reencontra em Hípias um fundamento. A antropologia de Hípias está no prolongamento directo da sua teoria da natureza. Estabelece uma oposição entre a natureza (physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em causa. O facto de Hípias ter constatado que o nomos é incapaz de instaurar uma verdadeira justiça é, antes de mais, a expressão da violenta crise que abalou a sociedade grega no fim do século V a. C. e princípios do IV a. C. Também Hípias via a lei como um disfarce para o poder. Aliás, sabemos que ele foi um dos criadores da etnologia e, como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas e verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes culturas chamam “justo” e “bom”. É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à lei “o tirano dos homens”. Para Hípias a lei tiraniza a natureza. Para ele a natureza desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa o particularismo do nomos. Hípias serve-se disto para explicar a existência de uma benevolência espontânea do homem pelo seu semelhante. A natureza cria uma socialidade que precisamente a sociedade destrói. Só a natureza humana que pode fundar uma sociedade boa. A justiça é vista por ele como obra do direito natural. A invocação da natureza pretende ter como resultado a exigência da igualdade. Pode-se dizer que Hípias foi favorável à democracia e quer-se reformador desta, se o cosmopolitismo é movido por esta ideia que o grupo humano deve integrar e não excluir. Com efeito, protestou contra o seu sistema de acesso às magistraturas, que podia dar, temporariamente, o poder a incompetentes. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida. Enquanto homem universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais. Para concluir, vemos que Hípias não era de modo algum o faz-tudo superficial que, por vezes, se julgou ver nele. Possuidor de um espírito aberto e sistemático construiu uma doutrina de que infelizmente só podemos entrever, através de escassos fragmentos que nos foram legados, as amplas perspectivas e a originalidade. 

Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/sofistas/hipias.htm>.

13 Antifonte radicaliza a antítese entre “natureza” e “lei”, afirmando, com expressões eleáticas, que a “natureza” é a “verdade” e que a “lei” positiva é a “opinião”, estando elas, portanto, quase sempre em antítese uma com a outra. Consequentemente, chega ao ponto de dizer que se deve seguir a lei da natureza e transgredir a dos homens, quando se puder fazê-lo impunemente. As concepções igualitárias e cosmopolitas que emergiram com Hípias foram radicalizadas por Antifonte, que chega até mesmo a afirmar a igualdade de todos os homens: “Nós respeitamos e veneramos quem é de nobre origem, mas não respeitamos nem honramos quem é de nascença obscura. Nesse aspecto, nos comportamos uns em relação aos outros como bárbaros, já que, por natureza, somos todos absolutamente iguais, tanto gregos como bárbaros.” O “iluminismo” sofístico dissolveu aqui não só os velhos preconceitos de casta da aristocracia e o tradicional fechamento da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos, sobre a sua superioridade em relação aos outros povos: cada cidadão de cada cidade é igual a cada cidadão de outra; cada homem de cada classe é igual a cada homem da outra; cada homem de cada país é igual a cada homem de outro, porque, por natureza, cada homem é igual a cada outro homem Infelizmente, Antifonte não chegou a dizer em que consiste tal igualdade e qual é o seu fundamento: no máximo, ele chega a dizer que todos somos, iguais porque todos temos as mesmas necessidades naturais, todos respiramos com a boca e o nariz etc. Mais uma vez, seria preciso esperar Sócrates para ter uma solução para o problema.

Disponível em:

<http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=1542>. Acesso em: 24 jul. 2012.

 

 

14 Crítias foi um homem de acção mais do que um teórico. Nascido por volta de 455 a. C., pertenceu a uma família nobre de tendências oligárquicas. Parece não se ter comprometido no governo dos Quatrocentos e a sua táctica parece ter sido, como a de certos jovens nobres, fazer o jogo da democracia seduzindo o povo e controlando o seu voto pelo prestígio do verbo. A vitória de Esparta sobre Atenas, em 404 a. C., consagrou a derrota da democracia. Nesse momento, Crítias regressou a Atenas, como a maioria dos oligarcas, para estabelecer um governo oligárquico, que não duraria senão alguns meses. Crítias salientou-se como um dos mais arrebatados oligarcas e foi o culpado de várias atrocidades. O horror que os massacres suscitaram impeliu a resistência dos democratas a organizar-se e a reforçar-se. No decorrer dos combates, Crítias é morto em 403 a. C., pouco antes do desmoronamento do regime oligárquico e do restabelecimento da democracia. Das obras de Crítias existem ainda vários fragmentos, de importância desigual, em prosa e em verso. Em verso, existe as “Elegias”, uma “Constituição da Lacedemónia”, três tragédias: “Tenes”, “Radamanto”, “Pirithoüs” e um drama satírico: “Sísifo”. Em prosa, perderam-se os seus “Prólogos” de discursos políticos, a sua “Constituição dos Atenienses” e a “Constituição dos Tessálios”, mas conservaram-se os fragmentos da “Constituição dos Lacedemónios“. Crítias foi também o primeiro a escrever “Aforismos”, assim como “Conversações” e um tratado perdido “Da Natureza do Amor ou das Virtudes.” Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/sofistas/critias.htm>. Acesso em: 25 jul. 2012.

15 Esses dados são extraídos de um texto inédito, com o título de Planteamientos doctrinales de los derechos humanos, dado a conhecimento no curso de mestrado da Unisc, primeiro semestre do ano 2000, distribuído para fichamento pelo professor Dr. Rogério Gesta Leal.

16 Nuestro planteamiento se basará en un esquemático recorrido por la evolución de los derechos humanos a través de la historia, destacando los planteamientos doctrinales más significativos, a la vez que diferenciaremos diversas etapas en este recorrido, tales como: la prehistoria de los derechos humanos, la generalización, la universalización

17 La propia terminología que utilizamos – la prehistoria – ya da idea de que esta fase la situamos fuera de la historia de los derechos humanos. Sin embargo, conviene hacer una referencia a la misma ya que ayuda a comprender la génisis de sus elementos essenciales. (MARTÍN, 1995, p. 57).

 

18 Aretê (do grego ρετή aretê,ês, “adaptação perfeita, excelência, virtude”) é uma palavra de origem grega que expressa o conceito grego de excelência, ligado à noção de cumprimento do propósito ou da função a que o indivíduo se destina.[1] No sentido grego, a virtude coincide com a realização da própria essência, e portanto a noção se estende a todos os seres vivos. Segundo Sócrates, a virtude é fazer aquilo que a que cada um se destina. Aquilo que no plano objetivo é a realização da própria essência, no plano subjetivo coincide com a própria felicidade.

Na Grécia Antiga, aretê significava também a coragem e a força de enfrentar todas as adversidades, e era uma virtude a que todos aspiravam.

A raiz da palavra é a mesma de aristos, que originou aristocracia, que significa habilidade ou superioridade, e era constantemente usada para denotar nobreza. O termo era aplicado para qualquer coisa, desde a descrição da boa fatura de um objeto utilitário até para indicar o cidadão exemplar e o herói, mas em todos os casos a aretê de cada um envolvia valores diferentes.

Em torno do século IV a.C., aretê passou a incorporar outros atributos, como dikaiosyne (justiça), e sophrosyne (moderação e autocontrole). Platão incorporou esses novos significados tentando estabelecer uma nova definição para aretê, Aristóteles ampliou seu trabalho e o conceito teve importantes repercussões no pensamento cristão.

Aretê foi também importante elemento na paideia grega, o conceito de educação integral para a formação de um cidadão virtuoso e capaz de desempenhar qualquer função na sociedade. O treinamento na aretê envolvia educação física, oratória, retórica, ciência, música e filosofia, além de educação espiritual. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aret%C3%AA>. Acesso em: 24 jul. 2012.

Allegato

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Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

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