O controle concentrado de constitucionalidade e as políticas públicas

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1-INTRODUÇÃO

Antes da atual Constituição Darcy Azambuja1 já mencionava que o princípio da constitucionalidade das leis é, em síntese, o de que, sendo a Constituição a lei básica e fundamental, todas as outras leis devem ser conformes aos seus preceitos e ao seu espírito. Toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, no todo ou em parte, diz-se inconstitucional, tem um vício que a anula e deve ser declarada tal pelo poder competente, que é o Judiciário.

A Constituição se encontra no cume do sistema jurídico, dando espaço para o surgimento da Supremacia da Constituição, pelo qual toda e qualquer norma infraconstitucional tem que obedecer às disposições constitucionais, estando sujeitas ao controle de constitucionalidade que pode ocorrer por via, difusa, cabendo ao aplicador do direito utilizá-la individualmente em cada caso concreto, ou, concentrada, com ações próprias encaminhadas diretamente ao Tribunal Constitucional, que emitirá uma decisão com eficácia erga omnes.

A utilização da via difusa no controle judicial das políticas públicas foi de forma indireta, defendida e desenvolvida por quase todo o presente trabalho, em pontos de defesa da aplicação direta das normas constitucionais e com a proposta de fundamentação a ser seguida pelo Poder Judiciário, pois “o constitucionalismo pressupõe a existência de instrumentos jurídicos que garantam a aplicação do modelo de ordenamento prescrito pela Constituição, sujeitando-os a controle judicial, seja por tribunais ordinários ou pelos denominados Tribunais Constitucionais” 2.

Desta feita, é mais válido, realizar uma análise do Controle Concentrado de Constitucionalidade, o qual “pode ser também um excelente meio para a efetivação das políticas públicas.” 3

O ordenamento jurídico brasileiro traz o controle de constitucionalidade desde a primeira constituição republicana em 1891, com a ação genérica, mas com moldes e abrangência muito diferentes dos encontrados atualmente, pois nesta época, a constituição não possuía a amplitude necessária para atender anseios sociais, através do controle de constitucionalidade.

Hoje, o controle constitucional se apresenta com mais recursos, através da supremacia da constituição e de suas características humanistas, de acordo com a nova interpretação constitucional, possuindo mecanismos mais precisos e eficazes, para controlar constitucionalmente o ordenamento jurídico.

Tem-se no ordenamento constitucional pátrio, capazes de controlar as Políticas Públicas, a ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, inc. I, letra “a”, CF), ação declaratória de constitucionalidade (arts. 102, inc. I, letra “a” e 103, par. 4º, da CF), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, par. 2º, CF), reguladas pela lei n.º 9.868/994, a ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, par. 1º, CF), regulada pela lei n.º 9.882/995.

2-AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade é o que a jurisprudência do Tribunal Constitucional costuma denominar de processo objetivo, pois é um processo sem sujeitos, destinado, simplesmente à defesa da Constituição, não se cogita, propriamente, a defesa de interesse do requerente, sendo, fundamentalmente, um processo unilateral, sem contraditório, isto é, um processo sem partes, no qual há a figura de um requerente, mas não existe requerido.

Na lição de Clèmerson Clève6:

“Cuida-se de um processo que constitui, como outro qualquer, instrumento da jurisdição (no caso constitucional concentrada); através dele será solucionada uma questão constitucional. Não pode ser tomado, todavia, como meio de composição da lide. É que, sendo objetivo, inexiste lide no processo inaugurado pela ação direta genérica de inconstitucionalidade. Não há, afinal, pretensão resistida. […] Em vista disso, os legitimados ativos da ação direita não buscam, com a provocação do órgão exercente da jurisdição constitucional concentrada, a tutela de um direito subjetivo, mas sim a defesa da ordem constitucional objetiva (interesse genérico de toda a coletividade). A finalidade da ação direta de inconstitucionalidade não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Ao contrário, a ação direta de inconstitucionalidade presta-se para a defesa da Constituição.”

Observa-se que deve ser verificada a (in)compatibilidade vertical das normas, onde as de grau inferior só valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição, é o que se chama tecnicamente de inconstitucionalidade das leis ou dos atos do Poder Público, podendo ser formal, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela Constituição, e material, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da Constituição7.

A inconstitucionalidade formal será apurada de plano, quando da análise da norma impugnada, mas o que mais interessa para o Controle Judicial de Políticas Públicas é a inconstitucionalidade material da norma Estadual ou Federal instituidora de tais políticas, podendo apresentar-se contraria a determinados preceitos Constitucionais, como igualdade, liberdade e a própria dignidade da pessoa humana, tornando-se inadmissível no ordenamento jurídico.

Para exemplificação da possibilidade de Controle das Políticas Públicas através da Ação Direta de Inconstitucionalidade, pode ser citado a ADI-2649 – STF.

Nesta Ação, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário Intermunicipal, Interestadual e Internacional de Passageiro – ABRATI ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade da lei nacional n.º 8.899/94, que concede passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência.

Foi defendido pela ABRATI, que a lei impugnada, constitui forma de intervenção inconstitucional do Poder Público no domínio privado das empresas de transportes, pois teria restringido a utilização da plena capacidade de sua frota, sem, contudo promover qualquer contraprestação que descaracterizasse o caráter confiscatório da medida imposta.

A Ação foi julgada improcedente, tendo como fundamento principal que a lei n.º 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva à igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados8.

3-AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Reconhece a “Lei Fundamental brasileira que o não cumprimento da Constituição pode advir de uma ação, quando os órgãos destinatários do poder atuam em desconformidade com as normas e princípios da Constituição, e da inércia ou do silêncio, quando os órgãos permanecem inertes, não cumprindo as normas necessárias para a aplicação e concretização da lei maior.”9

Portanto, essa inércia ou silêncio, apresentado como verdadeira omissão, deve ser sanado para o regular cumprimento dos preceitos Constitucionais desprestigiados e desrespeitados, pois como salienta José Afonso da Silva10, não é suficiente “ter uma Constituição promulgada e formalmente vigente, impende autuá-la, completando-lhe a eficácia para que seja totalmente cumprida.”

A inconstitucionalidade por omissão não tem caráter preventivo, nem substitutivo, não tem caráter preventivo, mas sim natureza de fiscalização futura, porque o Tribunal Constitucional não interfere na formação de quaisquer atos e só pode agir em consequência duma omissão juridicamente relevante a cujo prévio reconhecimento tem de proceder, não possui caráter substitutivo, porque não pode o Tribunal adotar as medidas que repute necessárias, ainda quando o órgão legislativo ao qual tenha sido comunicada a verificação da omissão, não a supra.11

Com a lição retro mencionada, cabe demonstrar os efeitos da decisão para omissões legislativas e omissões administrativas.

No artigo 12-B, inciso I, da lei 9.868/99, é disposto que a petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão deverá indicar “a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa.”

A seguir, o artigo 12-H assegura que:

“Art. 12-H.  Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias.  § 1o  Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.”

Assim, observa-se que a decisão do Tribunal Constitucional no caso de omissão legislativa tem efeito declaratório de uma obrigação preexistente, devendo-se dar “ciência para adoção das providências necessárias, sem prazo preestabelecido. Nessa hipótese, o Poder legislativo tem a oportunidade e a conveniência de legislar, no exercício constitucional de sua função precípua, não podendo ser forçado pelo Poder Judiciário a exercer ser múnus, sob pena de afronta à separação dos Poderes” 12

No entanto, o Tribunal Constitucional pode adotar medida alternativa, pois como os direitos fundamentais têm aplicação imediata (artigo 5º, §2º, da Constituição Federal), não merecem ficar a mercê das conveniências políticas do Poder Legislativo.

Portanto, se houver necessidade da instituição de uma política pública através de norma emanada do Poder Legislativo, pode o Tribunal Constitucional reconhecer o direito fundamental “omitido”, dando-lhe eficácia direta, para não lesar ou causar perigo de lesão a toda sociedade.

Mas, quando ocorrer omissão Administrativa, o Art. 12-H, §1º, da lei 9.868/99, afirma que:

“Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. § 1o  Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.”(Grifo-nosso). 

Desta forma, cabe ao Tribunal Constitucional analisar o caso concreto, detalhando parâmetros da necessidade de intervenção na Administração Pública, como já fundamentado neste trabalho, para impor, caso seja indiscutível a omissão, as medidas necessárias a serem tomadas.

Pelo presente tema desenvolvido, cabe algumas considerações sobre o mandado de injunção, pois conforme o artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal, “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”

É pertinente a diferenciação de Jorge Hage13, explicando que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão procura:

“à defesa objetiva da integridade do sistema normativo, tem por objeto o próprio vício omissivo, em si considerado, e constitui forma de controle abstrato, concentrado e objetivo da ordem jurídica, com legitimidade ativa restrita e definida numerus clausus; sua finalidade é reprimir a omissão normativa inconstitucional dos Poderes Públicos, constatando, em tese, a existência de uma lacuna que reduz a efetividade da ordem jurídica constitucional” e o Mandado de Injunção “pelo contrário, visa socorrer direito subjetivo concreto do titular, prejudicado em seu exercício, pela ausência de norma regulamentadora (não de outras medidas, não normativas ou materiais, frise-se, de logo); é processo subjetivo.”, e continua “[…] depois de julgado procedente o mandado de injunção, a situação de omissão normativa do Poder legislativo pode, naturalmente, perdurar inalterada.”

O Mandado de Injunção, embora pretenda socorrer direito de um titular, ou titulares, como no caso do MI-71214, que tratou da falta de regulamentação legislativa do direito de greve dos servidores públicos, há possibilidade de utilizá-lo para omissão relativa à falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e à cidadania. Nesta via, é aberta a possibilidade do Controle Judicial de Políticas Públicas através da injunção, mas, é importante destacar que cada ação possui características diferentes, como exemplifica Raul de Mello Franco Júnior15 com o seguinte quadro comparativo:

 

ADI

M.I.

Legitimidade

rol constitucional

Qualquer pessoa

Efeitos

erga omnes

inter partes

Competência

STF ou TJ

STF, TJ, STJ, TSE, TRE

Objeto

Om. legisl. e om. administrativa

Om. legislativa

Instrumento de controle

Concentrado

Difuso

Exaurido o necessário acerca da inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, será feita uma breve consideração sobre a Ação de Declaração de Constitucionalidade.

4-AÇÃO DE DECLRAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

Tal ação permite a declaração, através de sentença, para ter-se uma certeza jurídica quanto à constitucionalidade de determinada disposição, que deve ser embasada por divergência jurisprudencial.

Portanto, “tem um alcance restrito no plano do controle de políticas públicas, posto que, se eventualmente proposta para esse fim, a ação visa apenas ratificar a constitucionalidade de medidas já adotadas.” 16

Pode ser importante em questões que remontam dúvidas quanto à aplicação correta de princípios constitucionais como a igualdade e a liberdade, mas não é tão eficiente quanto às demais ações de constitucionalidade no plano do Controle das Políticas Públicas.

5-ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Por última ação do Controle de Constitucionalidade capaz de realizar o Controle das Políticas Públicas, tem-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF.

Regulada pela lei 9.882/99, a qual dispõe em seu artigo 1º que:

“A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;”

A ADPF tem aplicabilidade maior que as outras ações do Controle Concentrado, pois permite a análise de lei ou ato normativo municipal que descumpra preceito fundamental, permitindo, deste modo, o controle direto de determinadas atuações do Poder Público dos Municípios.

Poderá ser utilizada de forma preventiva, com o objetivo de evitar lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, e repressivamente, para repará-los, quando perante uma conduta comissiva ou omissiva de qualquer Poder Público17.

Mas, o que significa preceito fundamental, para que possa ser realizado seu controle pelo Tribunal Constitucional. Tal expressão, já causou e causa inúmeras discussões doutrinarias e jurisprudenciais, pois tem conteúdo complexo, abstrato e difícil de ser conceituado.

Celso Ribeiro Bastos e Alexis Vargas18 defendem que:

“A Constituição, ao referir-se a preceitos fundamentais, demonstra o papel que o veículo processual visa cumprir, que é o de proteger a Nação das situações que violentam aquilo que lhe é mais sagrado, e que há de mais valioso no seu sistema jurídico. Não é a lesão a qualquer norma de direito fundamental que poderá ensejar a argüição. Haverão de serem levados em conta os preceitos maiores da Carta Política, que, por não estarem definidos na legislação em comento, demandarão um trabalho doutrinário e jurisprudencial.”

Assim, partindo do pressuposto de que os preceitos fundamentais da Constituição apresentam-se como uma categoria autônoma formada por princípios e por regras constitucionais19, deve ser analisado cada caso concreto com as disposições Constitucionais, para concluir a ocorrência de desrespeito a algum preceito fundamental.

Preceitos, estes, que encontram guarida em disposições Constitucionais relativas ao Estado Democrático de Direito e seus fundamentos (artigo 1º, CF), a separação de poderes (artigo 2º, CF), aos objetivos da República Federativa do Brasil (artigo 3º, CF) e aos Direitos e Garantias Fundamentais (artigo 5º e seguintes, CF), além de alguns artigos relativos à Ordem Econômica e Social.

Deve ser esse o parâmetro a ser seguido na identificação de um preceito fundamental, pois nem tudo que está na Constituição pode possuir tal status, cite-se o §2º, do artigo 242, CF: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.”

Corroborando tal afirmação, Carlos Eduardo de Freitas Fazoli e Carlos Alberto dos Rios Júnior20, defendem: “Vale dizer que nem toda norma constitucional é um preceito fundamental. Preceitos fundamentais são aqueles que estão na base, que formam o núcleo estruturante do nosso sistema jurídico-constitucional, imprescindível à existência digna da pessoa humana, o mínimo invulnerável que todos têm direito.”

Portanto, ocorrem indícios de descumprimento de preceito fundamental em casos como o analisado na ADPF – 130/DF21, onde foi suscitado descumprimento de preceito fundamental por parte da lei n.º 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), por algumas disposições não serem recepcionadas pela Constituição Federal de 1988 e por outras carecerem de interpretação compatível com o Texto Maior, podendo servirem de motivação para a prática de atos lesivos aos incisos IV (é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato), V (é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem), IX (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença), X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), XIII (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer), e XIV (é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional) do artigo 5º, CF, mais os artigos 220 (A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.) e 223 (Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.), CF.

Para assegurar a busca da tutela do Tribunal Constitucional, através de ADPF, é necessário, além dos requisitos formais dispostos na lei 9.882/99, conter preceitos de essência fundamental, como os citados acima.

Assim, para o Controle das Políticas Públicas há de conter indícios suficientes de descumprimento de preceito fundamentais para iniciar a presente ação, como no caso da ADPF – 186/DF referente às Políticas Públicas de Ações Afirmativas, instituidora de cotas raciais para acesso ao Ensino Superior Público, estabelecido pela Universidade de Brasília.

Os preceitos fundamentais suscitados foram o Artigo 1º, caput, (Princípio Republicano) e inciso III (Dignidade da Pessoa Humana), Artigo 3º, inciso IV (veda o preconceito de cor e a discriminação), Artigo 4º, inciso VIII (repúdio ao racismo), Artigo 5º, incisos I (Igualdade), II (Legalidade), XXXIII (Direito à informação dos órgãos públicos), XLII (combate ao racismo) e LIV (devido processo legal – princípio da proporcionalidade), Artigo 37, caput, (princípios da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, publicidade e moralidade), artigo 205 (Direito Universal à Educação), Artigo 206, caput, e inciso I (igualdade nas condições de acesso ao ensino), Artigo 207, caput. (Autonomia Universitária), Artigo 208, inciso V (princípio meritocrático – acesso ao ensino segundo a capacidade de cada um).

Desta forma, com as duas ações mencionadas, fica mais claro o significado de preceito fundamental, demonstrando-se a ADPF como importante meio de Controle das Políticas Públicas na via concentra do Controle de Constitucionalidade.

Ademais, a amplitude da ADPF em realizar o controle de ato normativo e lei municipal, é importante meio de sanar desrespeitos aos preceitos fundamentais da Constituição.

No entanto, “A argüição de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade do ato impugnado.”22

Neste viés, no caso de a lei municipal vir a ser impugnada na via de defesa ou exceção por afrontar a Constituição Federal, as decisões dos Tribunais inferiores poderão ser revistas pelo Supremo Tribunal Federal, em grau de recurso extraordinário, nos termos do disposto no art. 102, III, alínea c, da Constituição Federal, o qual dispõe que cabe ao Supremo Tribunal Federal “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: c) julgar válida lei ou ato normativo de governo local contestado em face desta Constituição.” 23

6-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Outra consideração acerca das ações do Controle Concentrado de Constitucionalidade são os efeitos que operam suas decisões, podendo resumir que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade e a Declaratório possuem efeito erga omnes, ex tunc e vinculante, e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental além dos efeitos erga omnes e vinculante, conforme o artigo 27 da lei n.º 9.882/99, pode em casos de segurança jurídica ou de excepcional interesse social reconhecer efeitos ex nunc ou ex tunc.

Importante mencionar novamente, que o controle difuso de constitucionalidade, desenvolvido e estudado (in) diretamente opera efeitos inter partes, ex tunc e não vinculantes.

Jorge Miranda24 destaca que:

“Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”, e complementa a seguir, “Não se trata, porém, de relação de mero caráter lógico ou intelectivo. É essencialmente uma relação de caráter normativo e valorativo, embora implique um momento de conhecimento. Não estão em causa simplesmente a adequação de uma realidade, de um quid a outro quid, ou a descorrespondência entre este e aquele acto, mas o cumprimento ou não de certa norma jurídica.”

Norma jurídica, que no caso do Controle Judicial de Políticas Públicas deve ser entendida como os Direitos Fundamentais Individuais e Sociais disposto no texto Constitucional, pois garantir a toda sociedade Educação, Saúde, Previdência adequado, trabalho digno, com salários justos, controle e incentivo a moradia, é parte do mínimo existencial, para a dignidade da pessoa humana e constitui meio de alcançar a igualdade e o bem estar social.

Por fim, é importante destacar que a pretensão do presente trabalho foi demonstrar a importância do controle concentrado de constitucionalidade na análise e controle de políticas públicas, restando demonstrado a importância da interferência do Supremo Tribunal Federal na concretização de direitos na sociedade, podendo, muitas vezes impor diretamente medidas para satisfação das pessoas que clamam por atitudes governamentais mais eficazes e que não contam apenas com interesses obscuros que apenas criam falsas esperanças para as garantias e direitos do “nosso” estado democrático de direito.

7-BIBLIOGRAFIA

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1 AZAMBUJA, Darcy. Introdução a Ciência Política. Rio de Janeiro: Globo, 6ª Ed., p. 172, 1987.

2 SILVA, Guilherme Amorim Campos. Delineamentos sobre a Possibilidade do Controle de Constitucionalidade de Políticas Públicas pela via Processual da Arguição de Preceito Fundamental. In: TAVARES, André Ramos; ROTHENBUR, Walter. Aspectos Atuais do Controle de Constitucionalidade no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, p. 133, 2003.

3 FREIRE JÚNIOR, Amério Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: RT, p. 109, 2005.

4 BRASIL, Lei n.º 9.868 de 10 de novembro de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br acesso em: 22/02/2010.

5 BRASIL, Lei n.º 9.882 de 03 de dezembro de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br acesso em: 22/02/2010.

6 CLÉVE, Clemerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, p. 112/113, 1995.

7 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 26ª ed.,p. 47, 2006.

8 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS – ABRATI. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 8.899, DE 29 DE JUNHO DE 1994, QUE CONCEDE PASSE LIVRE ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA, DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE, ALÉM DE AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO (ARTS. 1º, INC. IV, 5º, INC. XXII, E 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): IMPROCEDÊNCIA. 1. A Autora, associação de associação de classe, teve sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 9.9.2005. 2. Pertinência temática entre as finalidades da Autora e a matéria veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.3.2007, o Brasil assinou, na sede das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. 4. A Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2649, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-01 PP-00029 LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 34-63)

9 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. São Paulo: RT, 4ª Ed., p. 217, 1999.

10 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros Editores, 7ª Ed., 320 p., 2009.

11 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 3ª Ed., Tomo II, p. 68, 1996.

12 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 9ª Ed., p. 608, 2001.

13 HAGE, Jorge. Omissão Constitucional e Direito Subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, p. 134, 1999.

14  EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve — artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital — indivíduo ou empresa — que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque “serviços ou atividades essenciais” e “necessidades inadiáveis da coletividade” não se superpõem a “serviços públicos”; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar — o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] — é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que fa ltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil. (MI 712, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384).

16 FREIRE JÚNIOR, Amério Bedê. O Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: RT, p. 117, 2005.

17 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 9ª Ed., p. 618, 2001.

18 BASTOS, Celso Seixas Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. São Paulo: RT, Revista de Direito Constitucional e Internacional, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 8, n.º 30, p. 69/77, jan./mar., 2000.

19 TAVARES, André Ramos. Tratado da Arguição de Preceito Fundamental. São Paulo: Saraiva, p. 154, 2001.

20 FAZOLI, Carlos Eduardo de Freitas; RIOS JÚNIOR, Carlos Alberto dos. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Um Mecanismo de Controle das Normas Constitucionais Originárias. In: Revista Uniara: Revista do Centro Universitário de Araraquara, Araraquara, n.º 21/22, p. 146/157, 2008/2009.

21 EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA “LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA”, EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A “PLENA” LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes. Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa todo um bloco normativo, com o apropriado nome “Da Comunicação Social” (capítulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de “atividades” ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional “observado o disposto nesta Constituição” (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da “plena liberdade de informação jornalística” (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a “livre” e “plena” manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado “poder social da imprensa”. 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e “real alternativa à versão oficial dos fatos” ( Deputado Federal Miro Teixeira). 8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era “livre” (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de “plena” (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado “núcleo duro” da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o “estado de sítio” (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (“quando necessário ao exercício profissional”); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos “meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente” (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público”. 9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de “plena” (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de “interpretação conforme a Constituição”. A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. 11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, “de eficácia plena e de aplicabilidade imediata”, conforme classificação de José Afonso da Silva. “Norma de pronta aplicação”, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.(ADPF 130, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001) (Grifos-nosso).

22 ADPF 134 AgR-terceiro, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-01 PP-00025 LEXSTF v. 31, n. 368, 2009, p. 115-126).

23 XIMENES ROCHA, Fernando Luiz. Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais. São Paulo: Atlas, p. 95, 2002.

24 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 3ª Ed., Tomo II, p. 274, 1996.

Falavinha Diego Herminio Stefanutto

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