O contrato de estágo à luz da lei 11.788/08: necessárias considerações

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RESUMO: O Contrato de Estágio tem a finalidade de propiciar aos estudantes contemplados pela Lei 11.788/08 o aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, que por não ser um trabalho regulado pela Consolidação das Leis Trabalhistas possibilita a inserção diária de vários alunos no mercado de trabalho sem os encargos trabalhistas assegurados ao empregado celetista. Ocorre que, para afastar a caracterização da relação de emprego as partes do referido contrato tem que garantir o fiel cumprimento dos requisitos essenciais da relação de estágio, pois, do contrário, a relação empregatícia será configurada. Assim, tem-se que este artigo visa identificar a tênue linha que separa o contrato de estágio e a relação empregatícia, destacando os eventuais abusos na sua utilização.

Palavras- chave: Contrato de estágio, Lei 11.788/08, Requisitos formais e materiais da relação de estágio, Flexibilização trabalhista.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ESTÁGIO: EXCLUDENTE INFRACONSTITUCIONAL E O OBJETIVO PEDAGÓGICO 3. LEI DO ESTÁGO: ASPECTOS HISTÓRICOS 4- CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE ESTÁGIO 5. ASPETOS POLÊMICOS RELACIONADOS A LEI Nº 11.788/08: UM CONTEXTO DE FRAUDE E FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA 6. REFLEXÕES FINAIS 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. INTRODUÇÃO

A recente alteração na lei do Estágio, ocorrida em Lei nº 11.788/08 reacendeu a discussão sobre o instituto, eis que a nova lei contemplou inúmeros direitos e deveres importantes à caracterização e consecução dos fins do estágio, mas ainda apresenta lapsos importantes que serão abordados.

Com o propósito de abordar jurídica e historicamente a questão do estagiário no Brasil, serão analisados neste trabalho o aspecto formal e finalístico deste instituto jurídico.

Além de verificar os aspectos objetivos da lei, pretende-se ainda perceber o instituto do estágio, sob a perspectiva de complementação educacional e formação acadêmica dos estudantes. E neste contexto, verificar a relação entre o rol taxativo dos alunos que podem prestar estágio e a tendência de flexibilização do Direito do Trabalho.

 

2. ESTÁGIO: EXCLUDENTE INFRACONSTITUCIONAL E O OBJETIVO PEDAGÓGICO

A premissa deste estudo é a função primordial do Direito do Trabalho, ou seja, o equilíbrio das relações desiguais, o que acontece elevando a parte hipossuficiente a melhores condições de ter seus direitos respeitados. Assim, o presente estudo não deve perder esse foco, sob pena de se tornar vazio e incoerente ao sistema cognitivo trabalhista.

Este raciocínio sistêmico do Direito do trabalho é destacado por Delgado (2009) quando remete-nos à importância do princípio da proteção para afirmar a necessidade de uma atuação Estatal mais ativa nas relações fáticas trabalhistas, a fim de amenizar no plano jurídico o desequilíbrio existente no contrato de trabalho.

Nesta mesma lógica, a busca do direito do trabalho em equilibrar as relações, protegendo o trabalhador contra eventuais abusos, assevera Alice Barros. Vejamos:

…Lembre-se, entretanto, que, não obstante essa vinculação estreita com a economia, o Direito do Trabalho é motivado, essencialmente, por objetivos de ordem político social, que visam a corrigir as diferenças, elevando o nível social da classe trabalhadora, como imposição de solidariedade, que nos torna responsáveis pela carência dos demais. (BARROS, 2009, p.88,). grifo nosso

Ainda acerca da proteção e valorização do trabalho humano, mister lembrar que, conforme se verifica pela leitura do art.1º da Constituição Federal Brasileira (CRFB), a valorização da pessoa e do trabalho humano constituem princípios que fundamentam o Estado Democrático Brasileiro, como norteadores do ordenamento jurídico pátrio.   

Nesse espeque, vale ressaltar que a proteção trabalhista nos moldes das garantias e direitos assegurados no art. 7º da Constituição Federal e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), por parte do ente estatal, às relações de trabalho, configura a regra da qual apenas caberá raras exceções.

A figura do estagiário surge neste liame, como uma exceção legalmente instituída, pois, apesar de possuir todos os pressupostos fáticos jurídicos determinantes à configuração da relação empregatícia, não o é.

Segundo Delgado (2009) isto acontece em razão da sua nobre causa e destinação, qual seja, contribuir para o aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmico-profissional do estudante. Conclui o referido autor que existe “razões metajurídicas”, como a de incentivar as concessões de estágio no mercado de trabalho e, a própria formação acadêmica e intelectual do aluno, que justificam o tratamento diferenciado a figura do estagiário.

Nesse sentido é o entendimento de Jorge Maior, acerca da excepcionalidade do trabalho de estágio, senão vejamos:

Além disso, se do ponto de vista da educação, a colocação do estudante em contato com o mundo do trabalho é importante como fator de complementação do ensino, do ponto de vista do mercado de trabalho, esta situação se justifica de forma excepcional, pois o que se deve privilegiar é a busca do pleno emprego, conforme previsto no art.170, da CF. E, emprego significa prestação de serviços com aplicação dos direitos trabalhistas (art.7º). ( MAIOR, 2002, p. 15).grifo noss

O instituto jurídico do estágio carrega toda uma base principiológica, e um importante papel social de otimizar o ensino formal dos cursos, agregando a toda essa formação acadêmica um saber prático e funcional, quase sempre determinante ao futuro do profissional.

Ainda, na mesma trilha, Rodrigo Schwarz esclarece que:

o estágio é ato educativo escolar supervisionado voltado para a preparação para o trabalho produtivo de educandos, desenvolvido no ambiente de trabalho. O estágio deve fazer parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando, e visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular (SCHWARZ, 2008, p.8)

À vista que a relação de estágio, a priori, apresenta todas as características inerentes à condição de “empregado” regulamentado pela CLT, surge a necessidade de editar normas especificas para o trabalho do estagiário, ou seja, uma excludente normativa, a fim de afastar a incidência dos efeitos trabalhistas da relação de estágio.

Frise-se, a primeira norma a tratar da relação de estágio no Brasil foi a Lei nº 6.494 de 1977, sendo uma excludente infra-constitucional brasileira da relação de trabalho lato sensu, já marcada pelo caráter sócio educacional do contrato de estágio. 

A origem e o fundamento do instituto do estágio está assentado no caráter sócio-educacional do trabalho executado, o que leva a concluir que não será o nome dado à relação ora analisada que determinará a sua natureza, mas os seus delineamentos fáticos- jurídicos, com a real complementação dos estudos dos alunos.

Aliás, incide aqui um dos princípios específicos do Direito do Trabalho, qual seja “principio da primazia da realidade sobre a forma”, que se analisado sob viés da relação de estágio leva a concluir que, mais do que cumprir com os requisitos formais da lei de estágio, a atividade executada pelo estagiário deve possibilitar a complementação efetiva dos seus estudos.

A manutenção e preservação da função educacional e inclusiva do estágio constitui requisito necessário a caracterização da relação de estágio, que se for desconsiderado na prática diária deve acarretar a descaracterização da relação de estágio em relação trabalhista, sob pena deste instituto se transformar em um caminho eficaz a fraude trabalhista.

Nesse sentido afirma Ísis Almeida:

Não demais, porém, salientar que as fronteiras entre o estágio e contrato de trabalho são fracamente delineadas, e não basta a formalização do ajuste do estágio, que é de natureza civil, e a obediência rigorosa aos dispositivos legais e regulamentares, mas é indispensável que, na execução do contrato, as atribuições, tarefas e serviços do estagiário se situem, estritamente, dentro do espírito da lei, que visa uma verdadeira extensão do ensino, considerando-se qualquer trabalho desenvolvido como “aula pratica” da ou das disciplinas enfocadas no contrato, assemelhando-se bastante à aprendizagem metódica do menos, embora esta se ache inserida num contrato de trabalho, e o estágio, não, sob pena de transformar-se a relação jurídica de estagio em relação de emprego, daí decorrendo todos os ônus da legislação trabalhista para a empresa que se torna empregadores. (ALMEIDA, 1998, p.92-93)

Nesse espeque insta esclarecer que, não obstante, a compatibilização entre as atividades exercidas pelo estágio e as matérias cursadas na instituição escolar seja um requisito essencial para a caracterização da relação de estágio, verifica-se que esse pressuposto fático jurídico se mostra prejudicado ao se colocar em analise os estagiários do ensino médio e dos anos finais do ensino médio, notadamente pela ausência de matérias de caráter profissionalizante na grade curricular dos mesmos, tema este que será abordado em momento oportuno neste trabalho.

Mas, não há como negar que, na figura do estagiário se mostra um avanço no ordenamento jurídico, que trouxe em seu bojo benesses tanto para o aluno-estagiário quanto para o empregador.

Ao estagiário é possibilitado através do contrato de estágio um contato direto com meio ao qual será inserido, propiciando o aperfeiçoamento de conceitos e procedimentos acadêmicos até então alheios à sua realidade.

Já o tomador de serviço tem a possibilidade de contratar empregados qualificados, interessados e prontos a novas experiências e que possuem uma regulamentação diferenciada à da CLT, afastando a maior parte dos encargos que o tomador teria com um empregado regido pela CLT.

Para Maior (2002), não obstante, o objetivo primordial do contrato de estágio seja de contribuir para uma integração da educação com “mundo do trabalho”, verifica-se que este contrato também possibilita a diminuição do custo de produção do tomador de serviço, sendo um atrativo para aquelas empresas que eventualmente tenham interesse em ser cedentes de estágio.

Assim, considerando a importância do instituto do estágio na realidade educacional, trabalhista e empresarial brasileira, notadamente pelo o contrato de estágio possibilitar a inserção diária de vários alunos no mercado de trabalho sem os encargos trabalhistas, os quais passam a competir com os trabalhadores celetista, resta patente a necessidade de analisar mais detidamente os aspectos e questionamentos acerca da matéria.

 

3. LEI DO ESTÁGO: ASPECTOS HISTÓRICOS

A relação de estágio, embora não se constitua como uma relação de emprego nos moldes da Consolidação das Leis Trabalhistas, não pode ter negado o seu caráter de relação de trabalho lato senso, que deve se estruturar numa visão de trabalho livre há tempos alcançadas pelos trabalhadores.

Nesse sentido afirma Delgado (2009) que o Direito do Trabalho Brasileiro antes mesmo de pensar em se estruturar como ciência e produção legislativa, teve de enfrentar e superar o modelo de estrutura social-econômica rural brasileira, e mais ainda, o trabalho escravocrata, à época implantado no Brasil. E conclui, não se nega que antes da Lei Áurea houvesse no Brasil algumas marcas de relação trabalhista, mas sim, que o referido diploma trouxe a previsão jurídica do pressuposto histórico- material, qual seja do trabalho livre e mais, do trabalho subordinado.

Após a edição da Lei Áurea tem-se a fase das “manifestações esparsas- 1988 à 1930”, a qual se mostra uma fase de adaptação deste novo modelo de trabalho, agora caracterizado por uma dependência econômica e não mais pessoal, sendo garantido as pessoas a liberdade de vender a sua mão de obra a quem quisessem.

Todavia no Brasil não ocorreu a “fase de consolidação do Direito do Trabalho”, ou seja, aquela na qual há a “adaptação gradual das normas trabalhista à realidade social e cultural de um povo”, de tal forma que “ a própria sociedade se acostume e traduza esta relevância em atividade jurídica”. (DELGADO, 2009, p. 100- 114).

No Brasil houve a passagem da fase de “Manifestações esparsas” para a fase de “Institucionalização- 1930 à 1988” do Direito do Trabalho, algo comprometedor à afirmação do novo ramo jurídico. Esta última fase é marcada por uma intensa produção legislativa no Brasil, mas, que carregava em sua base um modelo autoritário e corporativista marca da época histórica vivida, qual seja, o período Vargas e logo depois, o período militar, tempos de  forte controle estatal. (DELGADO, 2009)

Neste contexto de intensa produção legislativa e controle estatal, é que em 7 de dezembro de 1977 surge a primeira Lei de Estágio, a Lei nº 6494, que afirma e consolida a idéia de relação de trabalho lato sensu neste tipo de labor, excluindo desde já a possibilidade de caracterização da relação de estágio em uma relação de emprego.

Como bem pontuado por Nascimento (2003), a Portaria nº 1002, de 29 de setembro de 1967, foi a primeira a dizer sobre a atividade de estágio, mas foi apenas com a entrada em vigor da lei 6494/77 que “pós fim à questão da inexistência de lei sobre estágio curricular ou treinamento profissional” ( NASCIMENTO, 2003, p.182).

O Decreto nº 87.497, de 1982, em seu art.2º conceituava estágio:

Art . 2º Considera-se estágio curricular, para os efeitos deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.

A Lei 6494/77 veio regulamentar a relação trabalhista lato senso do estagiário, afirmando a função pedagógica do estágio bem como o objetivo de complementação prática dos estudos dos alunos.

Em 18 de agosto de 1962 foi editado o Decreto  nº 87.497 que regulamentava a Lei 6494/77, sendo posteriormente alterada a referida lei por Medidas Provisórias que incluíram a possibilidade de estágio no Ensino Médio prestar serviço como estagiário.

Neste diapasão, cabe destacar que à época elaboração da Lei 6494/77, ou seja, antes das alterações realizadas por meio de Medidas Provisórias, a lei em seu art.1º previa apenas possibilidade dos alunos do ensino superior; profissionalizante de 2º grau e de educação especial prestarem serviços de estágio. Base de referência que aos poucos fora alargada por uma tendência de flexibilização trabalhista.

Este primeiro comando jurídico se manteve assim até 23 de março de 1994 quando, entrou em vigência a Lei 8.859 alterando o seu texto.

Mas foi apenas com a edição da Medida Provisória nº 2.164 de agosto de 2001, que se possibilitou aos estudantes de ensino médio ainda que não profissionalizantes de prestar estágio, sendo esta previsão legal passível de questionamentos haja vista que no caso destes alunos, ora inseridos, dificilmente os requisitos materiais do estágio conseguirão, na prática, ser preenchidos. (DELGADO, 2009)

Por fim, insta salientar que atualmente vige em nosso ordenamento o comando jurídico oriundo da Lei nº 11.788/08, que apesar de possuir pontos controversos e omissões em seu bojo, trouxe novos parâmetros para contrato de estágio, então considerada como um avanço na qualidade da relação de trabalho que envolve o estagiário.

 

4. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE ESTÁGIO

O conceito de estágio segundo Barros é “um ato educativo escolar supervisionado” desenvolvido no ambiente de trabalho que faz parte do projeto pedagógico do curso e poderá ser obrigatório ou não obrigatório”(MONTEIRO, 2009, p.225).

Como bem salientado por Souto Maior, o assunto referente ao contrato de estágio se tornou alvo de grande interesse atualmente, haja vista que permite a utilização do trabalho humano de forma pessoal, habitual, subordinado, oneroso, sem os custos do direito do direito trabalho, eis que nos termos do art. 3º e 4º da Lei 6.494/77, não há formação de vinculo empregatício. (MAIOR, 2002)

A caracterização do estágio se divide basicamente em requisitos “formais” e “matérias”, naqueles estão a qualificação dos envolvidos, termo de compromisso, relatório (supervisão por parte de um professor orientador e supervisor da parte concedente de estágio), regras e vantagens imperativas e as facultativas.

Já no que diz respeito aos requisitos matérias está inserido o efetivo cumprimento dos fins sociais, o local de aprendizagem ser propenso a aprendizagem, com a real harmonia e compatibilização entre as funções exercidas no estágio e a formação educativa e profissional do estudante na instituição educacional; e o acompanhamento e supervisão pelo tomador de serviços,

Mas, os próprios requisitos se dividirem expressivamente em tantos outros, pois, o comando normativo vigente se mostra minucioso ao tratar dos aspectos caracterizadores da relação de estágio e mais, dos próprios direitos e deveres das partes que compõe à relação hodiernamente “trilateral”1.

A lei 11. 788 de 2008 trouxe mudanças consideráveis à caracterização destes requisitos essenciais da relação de estágio, seja no aspecto procedimental, estrutural ou da responsabilidade dos seus participantes (DELGADO, 2009).

Analisando o primeiro requisito essencial da relação de estágio, qual seja as partes que compõe os pólos, mister destacar que quando da vigência da primeira Lei 6.494/77, esta apenas elencava os alunos do nível superior, profissionalizante de segundo grau e escolas de educação especial como possíveis prestadores de serviço de estágio.

Na verdade, a extensão deste requisito “formal“ foi realizada de forma gradual, primeiro com a Lei 8.859 de 1994 acrescentando a figura dos alunos do ensino médio, e posteriormente com o art.3º da atual Lei 11.788/08 que inseriu a figura dos alunos dos anos finais do ensino fundamental.

Art.3º. I- Matricula e Frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestado pela instituição de ensino.   

Toda essa política legislativa de ampliar as possibilidades legais do trabalho do estagiários, se não analisada sob um viés critico e limitador, pode significar uma possível facilitação a fraude trabalhista no Brasil ou mesmo desvirtuamento do presente instituto, notadamente por constituir em uma mão de obra mais barata as empresas concedentes de estágio.

Em se tratando da figura do concedente, mister ressaltar que as legislações anteriores à Lei 11788/08 se mostravam omissas a questão dos profissionais liberais, isto por que, apenas faziam menção “as pessoas jurídicas de Direito Público, os Órgãos de Administração Pública e as Instituições de ensino”, conforme se verifica pela leitura do art. 1° da Lei 6494.

Mas, embora os profissionais liberais não tivessem uma autorização legal expressa para concederem estágio, ainda sim, estes se utilizavam deste tipo de mão de obra qualificada e barata, propiciando corriqueiramente uma efetiva aprendizagem por parte dos alunos.

Devido a ausência de previsão legal expressa autorizando os profissionais liberais de concederem estágio, estes ficavam a mercê da boa-fé dos alunos e dos mecanismos jurídicos de adequação legislativa.  Isto porque, mesmo que agissem respeitando a “nobre causa” da lei de estágio, qual seja complementação dos estudos dos alunos, poderia este labor ser considerado pela Justiça do Trabalho uma relação de emprego strito sensu.

Este entendimento se manteve nos julgados até a entrada em vigor da lei 11788/2008, pois embora a própria Justiça do Trabalho tivesse mecanismos jurídicos de adequação da legislação pátria a realidade brasileira, seja através da aplicação do Principio da Primazia da Realidade e/ou do Principio da Equidade”, esta não fazia, sendo a relação de estágio reconhecida na maioria das vezes como relação de emprego nos moldes da CLT.

Nas palavras da autora BARROS:

O princípio da justiça é o da equidade, segundo o qual se deve dar a cada um aquilo que lhe pertence. É esse principio que rege o estabelecimento das leis. Sucede que a vida sociojurídica não é composta de casos gerais, mas de diversos casos concretos, não sendo suficiente para atende-los a simples justiça que se encontra na lei.(BARROS, 2009, p.162)

Ainda em relação à parte concedente, necessário esclarecer que todos aqueles que se utilizam de mão de obra estagiária tem plena ciência dos benefícios que a mesma traz, uma vez que se mostra uma contratação barata e ao mesmo tempo qualificada, se comparada à uma relação de emprego strito sensu. Entretanto, cabe as estes que se beneficiam, garantir uma contrapartida, qual seja, o efetiva contribuição a formação pedagógica do aluno, sendo que atual legislação buscando delimitar e garantir o seu interesse educacional chega a elencar em seu art. 9º o deveres da concedente. Vejamos:

Art. 9o  As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações: 

I – celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento; 

II – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; 

III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente; 

IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso; 

V – por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho; 

VI – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio; 

VII – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário. 

Parágrafo único.  No caso de estágio obrigatório, a responsabilidade pela contratação do seguro de que trata o inciso IV do caput deste artigo poderá, alternativamente, ser assumida pela instituição de ensino. 

Por fim, para então completar a relação trilateral, resta falar da Instituição de Ensino, a qual adquiriu com esta a Lei 11.788/2008 uma maior importância junto à relação de estágio.

No império da Lei 6.494/77, tratava-se de simples interveniente. Com a Lei 11.788/08, assume um papel muito mais pronunciado na formulação e concretização do estágio, compondo verdadeira relação jurídica tripartite na estruturação e prática da figura jurídica. (DELGADO, 2009, p.308)

Conforme art. 1º da atual lei de estágio, a instituição de ensino deve zelar pelo fiel aprendizado do aluno e conseqüentemente pelo cumprimento da Lei de estágio, sendo que o estágio faz parte do projeto pedagógico do curso.

O art.7° da lei 11788/08 veio elencar as obrigações da instituição de ensino, na busca constante pela valorização do ensino e o compromisso com o mesmo, senão vejamos:

Art. 7o  São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos: 

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar; 

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando; 

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário; 

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades; 

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas; 

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos; 

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas. 

Parágrafo único.  O plano de  atividades do estagiário, elaborado em acordo das 3 (três) partes a que se refere o inciso II do caput do art. 3o desta Lei, será incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos à medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante.  Grifo nosso.

Nesse sentido, mister colacionar as lições do juiz do trabalho Schwarz, acerca da responsabilização do agente de integração:

Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular. (SCHWARZ, 2009, p.10)

Necessário ainda destacar a importância e as características do Termo de Compromisso de Estágio, que nada mais é do que a formalização e documentação da relação de estágio ali pretendida, que deverá ter um conteúdo que busque reproduzir os ditames da lei, quais sejam os direito e deveres imposto a cada parte da “relação trilateral”.

O Termo de Compromisso se mostra uma fase burocrática da formação da relação de estágio, a qual devem participar efetivamente a parte concedente, o aluno e a instituição de ensino, conforme art.3º, II, da lei 11.788/08, para delimitar estritamente as funções , os direitos e deveres.

Ainda, a Lei 11.788/2008 trouxe grandes inovações em seu bojo que buscam proteger e combater a fraude, a título de exemplificação temos os artigos §10, §12 e §13, que vieram respectivamente, limitar a jornada de trabalho do estagiário; a duração de estágio para 2 anos em uma mesma parte concedente e aplicação do instituto das férias. Aliás o art. 14º faz menção a aplicação da legislação relacionada a saúde e segurança do trabalho, deixando este a cargo da concedente.

Neste passo, explica Schardong:

O que, sob a égide da legislação anterior era regulado através de um Conceito Jurídico Indeterminado, consistente unicamente na necessidade de compatibilização entre o horário escolar e o horário de funcionamento da parte concedente (art.5º da Lei nº 6.494/77)- ensejando interpretações subjetivas e, muitas vezes, o controle pelo Poder Judiciário, com a descaracterização do estágio e o reconhecimento de vinculo empregatício- hoje passa a ter regulamentação objetiva. (SCHARDONG, 2008, p.14)

Outra alteração que veio trazer bastante discussão foi da bolsa estágio:

Art. 12.  O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório. 

§ 1o  A eventual concessão de benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracteriza vínculo empregatício. 

§ 2o  Poderá o educando inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social.   ]

Na oportunidade grande foi o questionamento sobre a eficácia deste artigo, uma vez que este poderia trazer maior escassez à oferta de estágio. Entretanto, se mostra inconcebível que no Estado Constitucional Brasileiro, de valoração das pessoas e do seu labor, alguém tenha que pagar para trabalhar. Outrossim, qualquer bolsa de estágio ficar aquém do que seria devido ao empregado celetista, na  verdade como a própria lei nomeia não se trata se de uma contraprestação como a dada ao trabalhador strito senso mas, uma ajuda de custo.

A atual legislação também exige que seja realizado um efetivo acompanhamento por professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente de estágio, que constitui um requisito formal a ser cumprido pelas partes da “relação trilateral”.

Mas em verdade este requisito formal se mostra mais compreendido quando do estudo dos requisitos materiais da relação de estágio, isto porque, esses estão ligados ao fim para qual o instituto do estágio foi pensado e criado no nosso ordenamento jurídico, e não nas formas e procedimentos que tem de seguir para ver caracterizado a relação de estágio. Afinal a exigência de uma supervisão pressupõe uma preocupação com a consecução fática dos fins da lei. (DELGADO, 2009)

Por todo exposto resta esclarecer que a não observância dos requisitos formais ou materiais, esses a seguir analisados, dará ensejo a configuração da relação empregatícia com a incidência da CLT. Entretanto, essa regra não prevalece quando estamos falando de ente da Administração Pública direta ou indireta, pois, com fulcro no art.37, II, da CF a mesma se mostra inviável e defeso pela norma mas, ressalvado às parcelas previstas na Súmula nº.363 do TST. (BARROS, 2009).

Súmula 363- Contratação de Servidor Público sem Concurso – Efeitos e Direitos: A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Na verdade o art.37 da Constituição Federal traz um comando jurídico cogente que apenas cabe exceções apontadas pela própria Constituição. Portanto, nestes casos afastasse os princípios da primazia da realidade e mais da proteção frente ao principio da legalidade, tendo em vista que a norma exige concurso público para contratação de servidor público. (PAMPLONA FILHO, 1996) 

Passa-se agora a analisar os requisitos matérias da relação de estágio, segundo DELGADO (2009) os requisitos materiais são a “oferta de instalações que tenham condições de propiciar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural”, “haja harmonia e compatibilização entre as funções exercidas no estágio e a formação educativa e profissional do estudante em sua escola”, e a “o estágio mereça efetivos acompanhamento e supervisão pelo tomador de serviços”.(DELGADO, 2009, p.312)

Pela leitura destes requisitos já se tem uma ideia do escopo da lei ao elencar situações que seriam quase obvias à uma relação de estágio, afinal, todos esses três trazem um viés de complementação acadêmico- pedagógica. Portanto, o referido diploma veio afirmar a obrigação por parte do tomador de serviço de dar uma contraprestação educacional ao estudante, qual seja a real oportunidade de adquirir um conhecimento prático.

Não basta que se tenha um contrato formalmente legal, é necessário o comprometimento efetivo com núcleo basilar da referida lei, o que dificulta a sua fiscalização, eis que para a sua real aferição faz-se necessário entranhar nas imediações da empresa, ou ainda na sua relação diária com o estudante.

Mas, suporte jurídico para essa fiscalização não falta no nosso ordenamento, seja pela efetiva aplicação dos princípios no Direito do Trabalho, como da própria Lei 11.788/08. Os princípios da proteção e da primazia da realidade sobre a forma fundamentam essa possibilidade de aferir casualmente a relação ao tempo considerada, em uma busca pela verdade real, não se limitando a perfeita formalização do contrato de estágio.

Nas palavras de Rodrigues (2000), o principio da primazia da realidade sobre a informa vem informar que “em caso de discordância entre o que ocorre na prática e que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” (RODRIGUES, 2000, p.339).

Conclui-se, portanto, que o fiel cumprimento dos requisitos essenciais da relação de estágio é pressuposto sine qua non para afastar a caracterização da relação de emprego, posto que do contrário, caberá ao tomador arcar com todos os encargos trabalhistas devidos à um empregado regido pela Consolidação da Leis Trabalhistas.

 

5. ASPETOS POLÊMICOS RELACIONADOS A LEI Nº11.788/08: UM CONTEXTO DE FRAUDE E FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA.

A relação estabelecida entre o tomador de serviços e o aluno-estagiário há ser desde a sua formação, estabelecida e analisada sob um viés crítico, de tal forma que não se limite ao aspecto formal da norma, mas na consecução do objetivo basilar do instituto do estágio, qual seja, de “complementação educacional”.

A própria Lei 11.788/08 destaca este caráter promissor do estágio, conforme se verifica pelo seu art.2° “O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”.

Frise-se, todos os comandos normativos que tratam do estágio foram elaborados a fim de dar uma caracterização especial, a uma relação de trabalho que, a priori, incidiria a CLT, mas que pelo caráter educativo, tornou-se justo a então criação da “excludente infraconstitucional”.

Ocorre que, a vigente de lei de estágio, ao incluir os alunos do ensino médio e os alunos no final do ensino fundamental entre o rol dos alunos que podem prestar serviço de estágio, acarretou uma clara discrepância entre a finalidade da norma jurídica e a inclusão destes estudantes neste rol taxativo.

Para a dilação deste rol taxativo, há a necessidade de se obedecer a um ditame/principio maior, qual seja, a efetiva adequação do seu labor  as matérias estudadas pelos alunos, ou melhor da efetiva complementação aos estudos dos alunos, o que não se vislumbra nos estudantes do ensino médio e dos estudantes do final do ensino fundamental.

Ao falarmos dos alunos do ensino superior e do ensino profissionalizante não resta dúvidas desta necessária e possível relação de complementação acadêmica, pois existe um tipo de trabalho já adequado a cada formação em questão. Veja só os alunos de medicina e advocacia, estes possuem atividades peculiares e próprias a sua área, seja produzindo peças jurídicas ou participando de campanhas de saúde, respectivamente.

Entretanto em se tratando dos alunos do ensino médio não profissionalizante e os alunos dos anos finais do ensino fundamental, este requisito parece perder a sua efetividade real, afinal, como identificar um labor que possa trazer aos estudantes uma efetiva complementação as matérias do tipo matemática, português e física aprendidas na escola, ensinadas sem nenhuma técnica profissionalizante.

Existe um entrave a efetividade da complementação dos estudos desses alunos, isto por que, a lei fala em “contextualização curricular” dos estudantes, enquanto na realidade estamos falando de alunos que estudam matérias sem nenhuma técnica profissionalizante. Logo, como o  identificar uma relação razoável, entre as matérias estudadas por estes alunos e o labor exercido, que possa justificar o tratamento como relação de estágio e não como trabalhador celetista.

Neste aspecto afirma Delgado:

… pois, se o estagio em nada contribui ou se relacionar as matérias ensinadas na instituição de ensino, restará ai uma “relação de estágio dissimulada. (DELGADO, 2009, p.301)

Antes mesmo de se discutir sobre a postura do tomador de serviço diante da possibilidade dos estudantes do ensino médio e os alunos no final do ensino fundamental de prestarem serviços como estagiários, há se afirmar que a própria lei em seu texto foi incongruente.

Na verdade, como alcançar o objetivo de complementação pedagógica junto aos alunos do ensino médio e finais do fundamental, quando por suas características peculiares isto se torna incompatível.

Como bem observado por SANTOS:

Trata-se de uma flexibilização heterônoma, pois, tem sua origem no próprio ente estatal que optou na ultima reforma de aumentar o rol dos alunos que podem prestar serviço” (SANTOS, 2005, p.130)

Ademais, a fiscalização e caracterização da relação de estágio dissimulada em relação a esses alunos se mostra deficitária, notadamente pela ausência de métodos eficazes que possam definir o tipo de trabalho adequado a sua complementação acadêmica.

Portanto, mais do que expandir as possibilidades de estágio, a inclusão dos referidos alunos coloca em questão o próprio instituto jurídico, visto que em relação a esses estagiários a consecução do objetivo pedagógico se mostra questionável.

Como bem preleciona SANTOS:

Justifica-se a exclusão tendo em vista o objetivo do estágio, que é, repita-se, oferecer ao estudante a complementação, na forma de treinamento prático, do ensino ministrado teoricamente na instituição de ensino. A ausência de disciplina profissionalizante na grade  curricular do curso de ensino médio impede a realização do estágio porque desta forma não há o que aperfeiçoar tecnicamente em complementação à teoria.(SANTOS, 2005, p.147)

Na verdade se mostra uma forte marca da tendência de flexibilização trabalhista brasileira, a qual acabou neste aspecto por descaracterizar e desvirtuar a própria a lei através de incursões legislativas descabidas e incompatíveis aos objetivos basilares do instituto.

Necessário concluir que a inclusão legal dos alunos do ensino médio e dos anos finais do ensino fundamental entre o rol dos prestadores de estágio, se mostra uma afronta a princípios trabalhistas, especialmente o principio da proteção e o principio da primazia da realidade, pois,  tudo isto fora baseado numa lógica do mercado e não de proteção trabalhista.

Como preleciona BARROS

O principio da proteção, entretanto, vem sofrendo recortes pela própria lei, com vista a não onerar o demais o empregador e impedir o progresso no campo das conquistas sociais. Isso é também uma conseqüência do fenômeno da flexibilização “normatizada”. ( BARROS, 2009, p.183).

Mas, segundo a referida autora a flexibilização busca adequar as normas trabalhistas à então realidade do mercado de trabalho mas, a mesma não pode se tornar, como vem sendo feito, uma meio legal para afrontar os limites mínimos dos direitos do trabalhador ou melhor da dignidade da pessoa humana.(BARROS, 2009)

Neste espeque cabe aqui ressaltar a seguinte afirmativa:

Deve-se ter bem claro que o estágio curricular não pode ser concebido com vistas a oportunizar ao jovem o “primeiro emprego”, tampouco como tão propalado meio de livrá-lo dos perigos da rua ou, menos ainda, para propiciar –lhe meios para ajudar no sustento da família. O estágio, inserto nas atividades curriculares, deve ser concebido, fundamentalmente, como remate no ensino,que o habilite a adentrar futuramente o mercado de trabalho e tendo em vista esta concepção é que devem ser traçadas as regras para a sua realização. Se o estágio acaba por propiciar o alcance de outros objetivos, como o de melhorar a situação do educando , estes devem ser tidos como meros consectários, diríamos até, como “efeitos colaterais benéficos ”, mas nunca devem nortear a sua normatização. (SANTOS, 2005, p.146)

O Estado quando fez a opção legislativa de possibilitar a regulamentação de um trabalho nos moldes do estágio, o fez fundamentado no intuito educacional e não comercial. Posto que, apesar da figura do estagiário ter trazido para os tomadores de serviço grandes benefícios, o instituto não nasceu com esse propósito e sim da otimização dos conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino.

Para Santos “a flexibilização é hodiernamente um fenômeno concreto no Brasil, ou pelo menos se concretizou” (SANTOS, 2005, p.130).

Desta forma, não pode a flexibilização “normativa”, servir de suporte jurídico para desvirtuar ou mudar o próprio fundamento do estágio, notadamente por ser dilação do referido rol, nos moldes que foi realizado, um meio eficaz para fraude trabalhista.

Mas, insta esclarecer que apesar da Lei 11.788/08 ter acrescentado ao rol, os alunos do anos finais do ensino fundamental, essa trouxe vários mecanismos  de valorização, fiscalização do estágio, inclusive com a dilação dos deveres das partes intervenientes na relação de estagio, tudo isso numa perspectiva de proteção do mesmo.

A título de exemplificação temos, a necessária relação entre o número de estagiário e de empregados das empresas (art.17); a estipulação de prazo máximo na realização de estágio (art.10);  e a obrigatoriedade da bolsa no caso do estágio não curricular (art.12).

Portanto não se quer aqui negar e muito menos afirmar a retirada de nenhum dos benefícios dados àqueles que utilizam da mão de obra do estagiário. Mas, ressaltar que todo labor para ser qualificado como estágio deve manter uma relação de complementação as matérias estudadas pelos alunos, o que em relação aos alunos do final fundamental e do ensino médio se torna quase impossível.

Portanto, não obstante, restem demonstrados os avanços trazidos pela Lei 11.788/08 sobre a proteção do estagiário, não há como negar que a manutenção dos estudantes do ensino médio e dos anos finais do ensino fundamental entre o rol dos prestadores de estágio, se mostra questionável e incongruente ao próprio instituto, mostrando-se uma abertura legislativa a fraude trabalhista.

 

6. REFLEXÕES FINAIS

O instituto jurídico do estágio carrega um viés social plausível, que se tornou um hodiernamente um meio corriqueiro e necessário de complementação acadêmica, sendo inconteste que a sua base encontra-se arraigada nos princípios da proteção trabalhista e da valorização do trabalho humano. Além de princípios fundamentais intrínsecos, os quais não podem ser ameaçados nem mesmo por incursões legislativas, a priori, legitimas.

Na verdade a nova lei 11788 contemplou inúmeros direitos e deveres importantes à caracterização e consecução dos fins do estágio, mas repetiu o erro da lei anterior frente aos alunos do ensino médio. E não bastasse, fez incluir ao rol os alunos dos anos finais do ensino fundamental.

Apesar de todas as inovações tendentes a impedir a fraude no instituto através da delimitação minuciosa dos requisitos objetivos da relação de estágio, a lei abriu as portas para uma possível fraude trabalhista através da dilação do aspecto subjetivo da lei, qual seja o rol dos alunos que podem prestar estágio.

Embora seja visível a preocupação do legislador de proteger a relação de estágio, a qual pode ser verificadas pelas mudanças trazidas pela Lei 11.788/08, especialmente sobre o aspecto objetivo da relação de estágio, necessário uma analise mais critica sobre a postura um tanto quanto precipitada do legislador quanto a referida dilação subjetiva.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2009

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Dos contratos de estágio, regidos pela lei nº 6.494/77. Justiça do Trabalho : Doutrina, Jurisprudência, Legislação, Sentenças e Tabelas, Porto Alegre , v.19, n.228 , p. 22-26, dez. 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003

PADILHA JUNIOR, Espedito Antonio. Nova lei de estágio: discussão a respeito do descumprimento da jornada de trabalho prevista ao estagiário e o pagamento de horas suplementares com seus possíveis efeitos e reflexos, bem como algumas ponderações sob a Lei sob a Lei 11.788 de 2008. Revista de Direito Social.3

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Julgados Trabalhistas de 1ª Instância. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996

RODRIGUÊS, Americo Plá. Princípios de Direito do Trabalho.3ed. São Paulo: LTr, 2000

SANTOS, Jair Teixeira dos. Desafios Atuais da Inspeção do Trabalho: A formação dos blocos regionais (ALCA e MERCOSUL) e as reformas trabalhistas e sindical. RT: São Paulo, 2005.

SCHARDONG, Alexandre Ziebert. Intervalo para repouso e alimentação do estagiário. Justiça do Trabalho:doutrina, Jurisprudência, Legislação, Sentenças e Tabelas, Porto Alegre , v.25, n.299 , p.14-18, nov. 2008.

SCHWARZ, Rodrigo Garcia. A nova lei de estágio e os seus desdobramentos. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, Porto Alegre, v.20, n.235 , p.29-43, jan. 2009.

Darlen Prietsch Medeiros

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