Honorários advocatícios e execução no projeto de novo código de processo civil brasileiro

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Honorários advocatícios e o projeto do novo código de processo civil

Conceito

Entende-se por honorários advocatícios a contraprestação econômica paga em favor do profissional liberal, pelos serviços técnicos por ele prestados. No presente conceito abarca-se não apenas o profissional da advocacia, mas todo e qualquer profissional liberal que possa assim ser remunerado.

Origens históricas dos honorários advocatícios

O vocábulo “honorário” tem origem latina e seus primeiros registros remontam à Roma Antiga. Derivado do latim honorarius, cujo radical honor também dá origem à palavra honra, o termo tem sua acepção clássica traduzida como sendo toda a coisa ou valor dado em contraprestação e que é recebida em nome da honra, sem conotação pecuniária. Isso acontecia porque o recebimento de honorários como forma de pagamento não fazia parte dos objetivos do indivíduo que exercia a função de advocatus. Tais indivíduos agiam, via de regra, de maneira não profissional e exerciam o munus como forma de arte, para receberem o reconhecimento público pelos seus dotes intelectuais e oratórios1.

Em Roma, já em 204 a. C. uma lei proibia o pagamento pela defesa das causas judiciais. No tempo de Cícero (106–43 a. C), o defensor não tinha o direito de pedir qualquer recompensa, mas a parte poderia dar-lhe os honorários em sinal de gratidão.

Segundo Cahali, nos três primeiros séculos desde a fundação de Roma, a profissão de advogado não existiu nem podia existir pois a defesa perante tribunais era munus público imposto a certas pessoas2.

Após a dissolução do patronato, da vulgarização das fórmulas e do desenvolvimento da ciência do direito, aumentou o acesso aos tribunais, tendo alguns homens se dedicado ao exercício forense para obter posição social enquanto outros abraçaram-no como profissão. Dentre os primeiros, alguns patrocinaram gratuitamente; os segundos recebiam, de uma forma geral, alguma remuneração pelo seu trabalho.

De toda forma, processo representava um risco para os litigantes, que teriam que suportar as despesas sem qualquer consideração com o êxito da demanda. Tal concepção perdurou para além do Direito Canônico até o Direito Moderno.

Em geral, remanesceu a ideia de que o pagamento das despesas incluía-se no conceito de pena, embora tal condenação remanescesse ao arbítrio dos tribunais.

O primeiro jurista a estabelecer um princípio a respeito das despesas processuais foi Adolf Weber, para o qual a responsabilização pelas despesas processuais tinha caráter ressarcitório, fundado na culpa aquiliana e na equidade.

Chiovenda3, em crítica a Weber, afirma que a atuação do direito deve ser gratuita, razão pela qual o vencedor deve receber do perdedor o que gastou para fazer valer o seu direito (a sucumbência teria natureza acessória ao direito), instituindo assim a teoria da sucumbência (a condenação decorre do fato objetivo da derrota).

Considera-se, hoje, que a teoria da sucumbência não responde a todas as questões relativas às despesas processuais, de forma que prevalece noção de que a sucumbência deve atentar para o princípio da causalidade, isto é, quem deu causa à demanda judicial deve pagar as verbais sucumbenciais4.

De fato, há casos em que o vencedor deve reembolsar o vencido em certas despesas (p. ex., na ação de consignação em pagamento, quando o valor inicialmente depositado for menor que o devido).

Segundo Carnelutti, o pressuposto da obrigação de reembolso das despesas consiste em que quem lhes tenha dado causa seja uma pessoa diversa daquela que as antecipou.

De fato, pela exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, os honorários de sucumbência tinham por objetivo ressarcir o vencedor das despesas com advogado (p. ex., honorários contratuais), conforme se lê da seguinte passagem da sua Exposição De Motivos:

“O projeto adota o princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor (art. 23). “O fundamento desta condenação”, como escreveu Chiovenda, “é o fato objetivo da derrota; e a justificação deste instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão e por ser, de outro turno, interesse do comércio jurídico que os direitos tenham um valor tanto quanto possível nítido e constante.” “

Chiovenda desenvolveu a concepção, hoje consagrada no CPC vigente, de que a sucumbência não se relaciona com o dolo ou a culpa do vencido, apenas com o resultado da demanda. Segundo seu entendimento, ainda que o vencido tenha agido de boa-fé, realmente acreditando que sua pretensão, ou resistência, era legítima, arcará com o ônus decorrente da sucumbência5.

Sistemas de pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais

Na sistemática brasileira, além dos honorários contratuais, a parte perdedora deve pagar honorários sucumbenciais ao advogado do vencedor. Com o projeto de novo Código de Processo Civil, os honorários advocatícios sucumbenciais passariam a ter um caráter remuneratório e inibidor da interposição de recursos (honorários na instância recursal), fundado no princípio da causalidade.

O sistema brasileiro, segundo o qual o vencido deve ressarcir ao vencedor as despesas havidas com o processo, inclusive com os honorários advocatícios, encontra respaldo internacional no sistema conhecido como English Rule ou sistema inglês. Nesse método, é a parte perdedora quem deve pagar os honorários advocatícios ao vencedor.

Diferentemente, há o sistema americano (American Rule), no qual cada parte arca com as suas despesas de advogado.

Ambos os sistemas possuem vantagens e desvantagens. O sistema ingles, adotado no Brasil, desencoraja a litigância com teses fracas. O sistema americano privilegia a criação de novos precedentes. Nos Estados Unidos, país em que o sistema é aplicado, defende-se que seria custoso demandar com teses novas sob o sistema inglês, tendo em consideração que, nesses casos, há maior risco de derrota e, por conseguinte, maiores seriam as despesas com advogado6.

Fundamento normativo dos honorários advocatícios no ordenamento jurídico brasileiro vigente

Os honorários advocatícios encontram previsão normativa expressa no art.133 da Constituição Federal, que atribui ao advogado a qualificação de “indispensável à administração da justiça” e, sob o enfoque infraconstitucional, no art. 22 do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) e art. 20 do Código de Processo Civil:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

LEI N° 8.906/94:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

Espécies de honorários advocatícios no direito brasileiro

Segundo o Estatuto da OAB, os honorários advocatícios podem ser os seguintes:

  1. Honorários contratuais ou convencionais: estipulados de comum acordo com o cliente. Não excluem os sucumbenciais. É permitida a inserção de cláusula quota litis, de forma que a remuneração dependerá do êxito da demanda. Os honorários contratados não podem ser superiores ao proveito econômico auferido pelo cliente na demanda.

  2. Honorários arbitrados judicialmente: verba honorária que, ante a ausência de contratação por escrito com o cliente, necessita da intervenção judicial para ser fixada.

  3. Honorários sucumbenciais: pagos pela parte vencida ao final da demanda judicial, impostos por sentença.

Honorários advocatícios no projeto de novo Código de Processo Civil

Pelo projeto de novo código, os honorários advocatícios teriam por previsão o art. 87 do CPC, que possui a seguinte redação:

Art. 87. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. 

§ 1º A verba honorária de que trata o caput será devida também no pedido contraposto, no cumprimento de sentença, na execução resistida ou não e nos recursos interpostos, cumulativamente.

Vê-se, de início, que o novo código explicita no §1º a condenação cumulativa em honorários em vários momentos processuais, modificando a atual sistemática segundo a qual os honorários incidem apenas na fase de conhecimento e na fase executiva do processo.

Prosseguindo, tem-se o §2º:

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica obtidos, conforme o caso, atendidos:

I – o grau de zelo do profissional;

II – o lugar de prestação do serviço;

III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Nesse ponto, o projeto prevê critérios mais claros para a fixação da condenação em honorários sucumbenciais, absorvendo as tendências da jurisprudência sobre o assunto.

No §3º, tem-se a previsão de uma gradação de valores e respectivos percentuais relativos à condenação de honorários quando for parte a Fazenda Pública:

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, os honorários serão fixados dentro seguintes percentuais, observando os referenciais do §2º: (AUTORA OU RÉ)

I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento nas ações de até duzentos salários mínimos;

II – mínimo de oito e máximo de dez por cento nas ações de duzentos até dois mil salários mínimos;

III mínimo de cinco e máximo de oito por cento nas ações de dois mil até vinte mil salários mínimos;

IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento nas ações de vinte mil até cem mil salários mínimos;

V – mínimo de um e máximo de três por cento nas ações acima de cem mil salários mínimos.

Assim, quando for parte a Fazenda Pública – isto é, quando for ela autora ou ré, os honorários serão fixados em atenção a limites rígidos, e não mais de acordo com o juízo de equidade do julgador. Atente-se para o fato de que, no patamar mais elevado (inciso V), os valores relativos aos honorários advocatícios podem atingir montantes extremamente elevados (R$545.000 a R$1.635.000, em valores atuais), o que põe em dúvida a real intenção do legislador em diminuir os valores de honorários advocatícios quando o erário for condenado.

Nos parágrafos §4º e 5º, tem-se a absorção de entendimentos jurisprudenciais e repetição de normas já existentes:

§ 4o Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito, o benefício ou a vantagem econômica, o juiz fixará o valor dos honorários advocatícios em atenção ao disposto no § 2º.

§ 5º Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas com mais doze prestações vincendas.

Merece atenção o parágrafo §6º, o qual acolhe expressamente o princípio da causalidade no âmbito da condenação em honorários advocatícios:

§ 6º Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.

Todavia, em que pese a adequação da positivação do princípio da causalidade no projeto de CPC, a redação do projeto deixa a desejar pela falta de apuro técnico. De fato, referido dispositivo aplica-se a quais casos de perda de objeto? Afinal, “perda de objeto” é uma expressão atécnica, que pode ensejar várias situações processuais, desde a perda superveniente de interesse de agir ao reconhecimento do pedido pelo réu ou mesmo a homologação de acordo extrajudicial. Do mesmo modo, questiona-se o real significado da expressão “dar causa ao processo”? Com efeito, para saber quem deu causa ao processo, mais das vezes é necessária uma profunda análise do próprio mérito da demanda, análise esta que depende mais das vezes de instrução processual, a qual estaria prejudicada pela citada “perda de objeto”. Assim, entende-se que a redação do dispositivo foi equivocada, deixando mais dúvidas do que solucionando os atuais problemas relativos ao princípio da causalidade.

No §7º, tem-se a previsão da condenação em honorários advocatícios na instância recursal:

§ 7º A instância recursal, de ofício ou a requerimento da parte, fixará nova verba honorária advocatícia, observando-se o disposto nos §§ 2º e 3º e o limite total de vinte e cinco por cento para a fase de conhecimento.

O dispositivo estabelece um teto da condenação na fase de conhecimento, no patamar de 25%, o qual é recomendável, sob pena de desvirtuamento dos honorários advocatícios, gerando enriquecimento sem causa dos advogados em detrimento das partes (nos casos, p. ex., em que a condenação em honorários fosse superior ao próprio proveito econômico das partes da ação).

Todavia, questiona-se a abrangência da expressão “instância recursal”, isto é, se sua aplicabilidade se dá a cada novo recurso interposto nos autos ou por “tribunal”. Por adequação lógica, compreende-se, a princípio, que a expressão diz respeito à cada tribunal instado a se manifestar sobre a lide. Isto é, descabe condenação honorária em grau de, p. ex., agravo de instrumento, sendo esta cabível apenas com o julgamento da apelação.

Entende-se, ainda, que o referido dispositivo não deve ser aplicado à remessa necessária (art. 483 no projeto) quando inexistir recurso voluntário da Fazenda Pública. De fato, em que pese a eventual alegação de que o trabalho do advogado particular será o mesmo havendo ou não recurso voluntário, deve-se entender que, caso haja condenação da Fazenda Pública ainda que sem interposição de recurso voluntário, o instituto da remessa necessária acarretaria prejuízo ao invés de benefício ao erário. De fato, quando o advogado público não interpõe recurso voluntário, compreende-se que a sentença condenatória estaria de acordo com a prova dos autos. Caso haja condenação novos honorários na remessa necessária, o erário restaria ainda mais prejudicado e o advogado público nada poderia fazer para evitar essa condenação. Em situação diversa, caso a remessa necessária tenha sido provida sem recurso voluntário da Fazenda Pública, a condenação da parte adversa acarretaria enriquecimento indevido à Fazenda Pública, já que, a princípio, não houve nenhum trabalho, na instância recursal, por parte do advogado público, que não apresentou recurso voluntário.

O §8º prevê a cumulatividade dos honorários com multas e outras sanções processuais, inclusive a decorrente de ato atentatório ao exercício da jurisdição:

§ 8º Os honorários referidos no § 7º são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive a do art. 80.

O §9º determina que as verbas sucumbenciais devidas na fase executiva e em embargos à execução deverão ser acrescidas do débito principal para todos os efeitos legais (como, p. ex., para emissão de precatório/requisição de pequeno valor):

 § 9º. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes, bem como em fase de cumprimento de sentença, serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.

Por sua vez, o §10º atribui natureza alimentar aos honorários advocatícios e veda a compensação em caso de sucumbência parcial:

§ 10°. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Referido dispositivo pode ser alvo de questionamentos os mais diversos, primeiramente por ensejar a multiplicação desnecessária de demandas, ao veda a compensação da verba honorária em casos de sucumbência parcial, em desacordo com a Súmula nº 306/STJ:

Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.

O §11º prevê expressamente a possibilidade de pagamento da verba honorária em favor da sociedade de advogados:

§ 11°. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe cabem seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se também a essa hipótese o disposto no § 10.

O §12º contém expressa disposição sobre os juros moratórios incidentes sobre a condenação em verba honorária:

§ 12°. Os juros moratórios sobre honorários advocatícios incidem a partir da data do pedido de cumprimento da decisão que os arbitrou.

O §13º contém regra já consagrada a respeito do advogado que atua em causa própria:

§ 13°. Os honorários também serão devidos nos casos em que o advogado atuar em causa própria.

Outra regra interesse está prevista no art. 328 do projeto, que prevê a possibilidade de retificação do polo passivo da lide em casos em indicação equivocada:

Art. 328. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado na inicial, o juiz facultará ao autor, em quinze dias, a emenda da inicial, para corrigir o vício. Nesse caso, o autor reembolsará as despesas e pagará honorários ao procurador do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada.

Referido dispositivo também consagra o princípio da causalidade, na medida em que prevê condenação em honorários do autor que indicar parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide.

No que tange ao processo de execução por quantia certa de título extrajudicial, o projeto dispõe que o juiz deve fixar de plano honorários advocatícios na base de 10%, montante este que pode ser reduzido até a metade em caso de pagamento no prazo de três dias, bem como acrescido até o limite de 20%, dependendo do trabalho do advogado após a citação:

Art. 752. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.

§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de três dias, a verba honorária será reduzida pela metade.

§ 2º Rejeitados os embargos eventualmente opostos pelo executado ou caso estes não tenham sido opostos, ao final do procedimento executivo, o valor dos honorários poderá ser acrescido até o limite de vinte por cento, em atenção ao trabalho realizado supervenientemente à citação.

O processo executivo e o projeto do novo código de processo civil execução

Origens do processo executivo

A função executiva encontra fundamento na própria ideia de jurisdição enquanto estrutura estatal voltada para a heterocomposição dos conflitos. Com efeito, enquanto o processo de conhecimento transforma o fato em direito, e o processo de execução transforma o direito em fatos7.

Todavia, sabe-se que qualquer prestação jurisdicional demanda uma atividade de cognição, de modo que, hoje, não se fala mais em processo de conhecimento e processo executivo como campos estanques dentro da marcha processual.

Segundo Dinnamarco, a função executiva do processo compreende o conjunto de atos estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do devedor (e até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo direito objetivo material8.

A execução em sentido técnico-processual, portanto, é a execução forçada. Não é execução, nesse sentido, a satisfação voluntária extraprocessual, mediante a qual o devedor cumpre por atos próprios a sua obrigação, nem a realização, por órgãos judiciários ou administrativos, ou mesmo por particulares, de atos destinados a registrar a sentença ou a documentar seu conteúdo (execução imprópria – p.ex., atos do registro civil ou imobiliário).

O processo de execução visa a uma prestação jurisdicional que consiste em tomar efetiva a sanção, mediante a prática dos atos próprios da execução forçada. No processo executivo põe-se fim ao conflito interindividual, nem sempre inteiramente eliminado mediante o de conhecimento (e às vezes sequer sujeito a este: execução por título extrajudicial)9.

Na concepção de Liebman, a sentença condenatória, ao aplicar a sanção, constitui a situação jurídica que abre oportunidade para a execução. Liebman demonstrou, de fato, que a condenação opera um fenômeno complexo e vasto, que consiste na constituição de uma nova situação jurídica, autônoma no que concerne à relação substancial obrigacional, fundada na concreta vontade do Estado de que a sanção executiva seja atuada, e que se resolve subjetivamente no poder do órgão processual de proceder à atuação da sanção executiva, no poder do credor de provocá-la (ação executiva) e na sujeição do devedor a suportá-la (responsabilidade executiva)10.

Princípios específicos orientadores da execução

Segundo Araken de Assis11, em obra específica sobre o tema, a execução é inspirada pelos princípios gerais de processo civil, além de princípios específicos, quais sejam:

  1. Princípio da autonomia: segundo o qual a função executiva é diversa da função cognitiva do processo;

  2. Princípio do título: pelo qual a execução necessita de um substrato material para ter início, consubstanciado a máxima nulla executio sine titulo;

  3. Princípio da responsabilidade patrimonial: aduz que a execução deve recair sobre o patrimônio do devedor;

  4. Princípio do resultado: de caráter finalístico, informa que a execução objetiva entregar ao credor o bem perseguido no processo;

  5. Princípio da disponibilidade: pelo qual o credor pode dispor da execução independentemente da aquiescência do devedor;

  6. Princípio da adequação: os atos executivos devem ser úteis à satisfação do crédito do exequente.

Cumprimento de sentença e ação de execução

Antes do projeto de novo Código de Processo Civil, houve uma grande alteração na sistemática vigente a respeito do processo executivo, especialmente no que tange a sua autonomia frente ao processo de conhecimento.

De fato, a última etapa da unificação do processo de conhecimento e do processo de execução de sentença ocorreu com a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Essa lei eliminou, especificamente para a sentença que condena ao pagamento de quantia certa, a necessidade de ação de execução de sentença. Isso quer dizer que o sistema de execução de sentença, após esta lei, passou a fundar-se nos art. 461, 461-A, e, no que diz respeito à sentença que condena ao pagamento de quantia certa, no procedimento instituído a partir do art.475-J do Código de Processo Civil.

O processo de conhecimento, instaurado para verificar com quem está a razão diante do litígio, não mais termina com a sentença que fica na dependência da execução. Agora, o processo de conhecimento prossegue até que a tutela do direito almejada seja prestada, mediante a atividade executiva necessária. Isto porque o processo, ainda que vocacionado à descoberta da existência do direito afirmado, destina-se a prestar tutela jurisdicional à parte que tem razão, o que não acontece quando se profere sentença de procedência dependente de execução12.

Principais inovações no projeto de novo Código de Processo Civil

Tecidos os comentários introdutórios acima, passe-se à análise de algumas alterações significativas previstas no projeto de Novo Código de Processo Civil.

De início, tem-se o art. 520, que põem fim aos embargos à execução oponíveis pela Fazenda Pública.

Pela nova sistemática, a Fazenda será intimada para apresentar impugnação à execução, e não mais embargos à execução:

Art. 520. A Fazenda Pública será intimada para, querendo, no prazo de trinta dias e nos próprios autos, impugnar a execução, cabendo nela arguir: (…)

A Fazenda, assim, apresentará impugnação nos próprios autos, afastando-se, portanto, a necessidade de ajuizamento de ação autônoma de defesa, o que simplifica o trâmite da execução em face do poder público.

O art. 731 contém nova disposição a respeito do papel do juiz na execução. Segundo esse dispositivo, o juiz poderá determinar, de ofício, medidas executivas com o fim de auxiliar o cumprimento da obrigação, tais quais o fornecimento de informações relacionadas ao objeto da execução:

Art. 731. O juiz pode, em qualquer momento do processo:

(…)

III – determinar que pessoas naturais ou jurídicas indicadas pelo credor forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável.

Art. 732. O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias ao cumprimento da ordem de entrega de documentos e dados.

Fica positivado, portanto, o dever de colaboração do juiz na execução, fulcrado no princípio do resultado, acima mencionado, que impõe que o processo executivo corra em favor do credor.

O art. 810 torna claro o procedimento de penhora de ativos financeiros, conhecido como Bacenjud, atribuindo ao juiz o dever de determinar, de ofício e em até 24 horas, o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, independentemente de pedido do devedor atingido pela constrição:

Art. 810. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º No prazo de vinte e quatro horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.

O §8º do mesmo dispositivo, também benvindo, prevê hipótese de responsabilidade da instituição financeira pelo bloqueio excessivo, bem como pela demora no cancelamento do bloqueio:

§ 8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de vinte e quatro horas, quando assim determinar o juiz.

O art. 821 unifica a nomenclatura a respeito dos métodos de alienação judicial de bens, denominando-a de leilão, independentemente de se tratar de móveis ou imóveis (põe fim à antiga diferença entre praça e leilão). Além disso, concede preferência legal pelo leilão eletrônico em detrimento do presencial, muito mais custoso:

Art. 821. Não sendo possível a realização de leilão por meio eletrônico, este se dará de modo presencial.

O art. 839 prevê hipótese de rejeição liminar dos embargos à execução, aplicável também aos casos de impugnação à execução (art.520), quando, em se tratando de alegação de excesso de execução, não for apresentada memória de cálculo do valor que se entende devido por parte do devedor/embargante/impugnante:

Art. 839. O juiz rejeitará liminarmente os embargos: (…)

§ 1º Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.

Por fim, o art. 895 do projeto, que prevê o incidente de resolução de demandas repetitivas não afasta seu cabimento durante o processo executivo. Nesse caso, o referido incidente poderá ser utilizado para resolver questões de direito em demandas repetitivas suscitadas apenas na fase de execução. Tal procedimento se mostra bastante útil, por exemplo, em execuções fracionadas, com grande número de exequentes, privilegiando os princípios da isonomia e da celeridade processual.

Conclusão. Honorários advocatícios e processo executivo no projeto de novo Código de Processo Civil: uma visão crítica

Quanto ao processo executivo, nota-se que a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, estabelecendo o sistema do cumprimento de sentença, acabou dar um grande salto nas reformas de que o Código de Processo Civil necessitava, de modo que o projeto de novo código não contem mudanças radicais no que tange aos procedimentos da execução.

De toda forma, as mudanças apontadas foram adequadas ao atual estágio de amadurecimento do processo civil, e visam a melhoria e agilidade da prestação jurisdicional.

Já no que tange aos honorários advocatícios, a análise dos dispositivos referentes aos honorários advocatícios no projeto de novo Código de Processo Civil permite que sejam feitas algumas outras considerações.

A primeira delas diz respeito ao indisfarçável intento do projeto de atribuir aos honorários advocatícios um caráter puramente remuneratório, afastando-se por completo da ideia de honorários advocatícios enquanto reparação das despesas havidas pelo vencedor da demanda para custear o seu advogado.

Já há algum tempo – desde o Estatuto da OAB – que a propriedade dos honorários foi atribuída ao próprio advogado e não mais à parte vencedora, como constava no CPC originariamente.

Todavia, se por um lado esse entendimento procura valorizar a profissão de advogado – o que é louvável – deixa-se de refletir sobre as consequências dessa postura no próprio sistema processual.

De fato, um sistema que conceba honorários advocatícios puramente remuneratórios (não ressarcitórios) pode tender para a majoração de demandas judiciais, ao invés da desejada redução.

Do mesmo modo, a majoração da condenação em honorários advocatícios (com a condenação de honorários em cascata, por exemplo) pode dificultar a resolução amigável dos litígios, ante a considerável perda remuneratória que os advogados sofreriam com a utilização desses métodos.

Para se chegar a essa conclusão, basta notar que, pelo projeto, os honorários advocatícios podem atingir o total de 35% do benefício econômico perseguido na ação (na sentença, de 10 a 20% ou de 1 a 20%, se vencida a Fazenda Pública, somados aos devidos em grau de recurso, chegando ao teto 25%, somados, por fim, aos 10% devidos no cumprimento de sentença). Considerando que, ao lado dos honorários sucumbenciais tem-se também os honorários contratuais (que giram em torno de 30% do valor da causa), tem-se que o total auferido, por processo, no que tange aos honorários advocatícios, pode atingir em torno de 50% a 60% do valor do proveito econômico da demanda.

Assim, pode-se intuir que, mais das vezes, a resolução amigável das demandas implica a redução da verba honorária devida ao advogado, na medida em que porá fim, de modo antecipado, ao processo.

Dessa forma, a majoração da condenação da verba honorária, com a condenação em honorários advocatícios em várias fases processuais, inclusive em grau de recurso, antes de redundar na diminuição das demandas temerárias, pode acabar por incentivar ainda mais a litigância exagerada.

Portanto, deve-se buscar adequar a condenação em verba honorária a um patamar razoável, remunerando devidamente o advogado, mas evitando que tal verba lhe sirva de motor para litigar mesmo quando houver possibilidade de resolução amigável do conflito.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 2007.

CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios. 3ª Edição, Revista dos Tribunais: 1997.

CARNELUTTI, Diritto e Processo, n. 176.

CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual, vol. III.

CICERÓN. Sobre los Deberes. Trad. de José Guillén. Tecnos: 1989.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 5ª Edição, 1997.

GRINOVER. Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 2006.

HUGHES, James, SNYDER, Edward. Litigation under the English and American Rules: Theory and Evidence. The University of Chicago Press, 1992.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, Vol. 3, 2008.

 

1 CICERÓN. Sobre los Deberes. Trad. de José Guillén. Tecnos: 1989, p. 179

2 CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios. 3ª Edição, Revista dos Tribunais: 1997, p. 24

3 CHIOVENDA apud CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 28.

4 CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 40, citando Carnelutti, Andrioli, Liebman, entre outros, que adotam a teoria da causalidade.

5 CHIOVENDA, Instituições de Direito Processual, vol. III, p. 285.

6 HUGHES, James, SNYDER, Edward. Litigation under the English and American Rules: Theory and Evidence. The University of Chicago Press, 1992.

7 CARNELUTTI, Diritto e Processo, n. 176, p. 283-284.

8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 5ª Edição, 1997, p. 115.

9 GRINOVER. Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 2006, p. 334.

10 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, Vol. 3, 2008, p. 33.

11 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 2007, p.96-107.

12 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 53.

Carlos Henrique Costa Leite

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