Egologismo e teoria tridimensional do direito: o problema da conduta humana regulada. uma posição crítica

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Resumo: Correlacionar egologismo e tridimensionalismo é remeter ao problema da conduta humana regulada pelo direito e como a intenção dessa conduta pode ser analisada em relação às finalidades e valores queridos quando do ato juridicamente relevante. O egologismo trata do aspecto existencial do ato e a tridimensionalidade de Reale da intenção de querer valores culturalmente postos.
Resumé: Corréler egologisme et tridimensionalisme se réfère au problème de la conduite humaine régie par la loi et l’intention de ce comportement peut être analysé en rapport avec les buts et les valeurs chères à agir lorsqu’il est juridiquement pertinent. Les offres egologico avec l’aspect existentiel de l’acte et la tridimensionnalité du Reale de l’intention de vouloir y mettre les valeurs culturelles.
 
1.     O egologismo jurídico
Egologismo é a escola de pensamento jurídico argentina fundada por Carlos Cossio na primeira metade do século XX. Ela se baseia na construção de uma normatividade jurídica a partir da análise da relação sujeito existencial com a norma, frisando que direito é a tutela da conduta humana em sociedade, conduta objetivada em atos e tutelável pelo Estado.
Para Cossio, deve-se frisar a análise da conduta humana na normatividade, da conduta como meio de se formar a norma jurídica, a qual não tem razão de ser senão na relação com a pessoa tutelada.

      O termo egologismo remete exatamente à análise, pelo direito, da natureza humana em sua esfera do eu, da egoidade, portanto, da existência psicológica e livre do homem em sociedade.
O egologismo foi uma escola de pensamento que proliferou basicamente na América Latina e no mundo hispânico em geral.

      O egologismo é uma manifestação da fenomenologia existencialista no direito. Cossio debateu longamente com Hans Kelsen, pois este era um neokantiano positivista e para ele a normatividade existe a despeito da análise a priori da conduta, e para cossio o sujeito humano em suas especificidades existenciais seria elemento imprescindível na construtividade da norma jurídica.

      Outra esfera do debate de Cossio com Kelsen advém da natureza do juízo da normatividade, se seria disjuntivo, posição de Cossio, ou seja: dado “a” deve ou não ser “b”, ou se o juízo seria conjuntivo, como para Kelsen, dado ‘a’ deve ser ‘c’, se não “c”, deve haver sanção “b”.

Juízo conjuntivo é a construção de um juízo jurídico a partir da premissa maior do silogismo produzindo conseqüências determinadas. Por exemplo: matar alguém (premissa maior), possui sanção de x anos (conseqüência). Esse juízo é intermediado por uma premissa menor (que é se o fato praticado pelo agente for típico conforme a premissa maior).

Já um juízo disjuntivo admite conseqüências diferenciadas a partir da premissa maior, algo pode ser ou nao. Por exemplo: a penalização decorrente da tipificação(com atribuição de culpabilidade) pode dar-se em termos de sanção ou não-sanção, penas alternativas previstas na Lei 9.099 de 1995 são um exemplo, a pena é a prestação de serviços alternativos ou pagamento de quantum pecuniário, vê-se, portanto, que a norma estatui uma sanção a ou b.
Na verdade, a controvérsia de Cossio com Kelsen significou que o primeiro defendia que o direito se origina da existência humana e suas intenções e o segundo colocava a origem e finalidade do direito na ordem jurídica considerada em sua validade interna normativa auto-referente, independente de valores e cultura.
Claro que emana facilmente a posição reducionista do fenômeno jurídico a apenas uma de suas dimensões para Kelsen: a norma (BOBBIO, 1995). A posição de Cossio parece mais rica em termos de alargamento do campo de experiência do que é e, mais ainda, do que pode ser o direito.
O egologismo, como visto, é uma forma da gnoseologia que jurídica que estuda as possibilidades do saber jurídico como teoria dos fenômenos jurídicos no geral e em particular e como teoria aplicável, como visto, à análise do ato jurídico concreto e sua estrutura de juízo de validade.
 
2.     O tridimensionalismo jurídico
Um dos mais conhecidos métodos da gnoseologia jurídica é a tridimensionalidade realeana, que conhece o direito a partir de uma fenomenologia que analisa o fato, o valor e a norma como dimensões dinâmicas e correlacionais do direito no âmbito fático-cultural e, como conseqüência desse primeiro plano, no campo normativo.

O direito pode ser conhecido para Reale pela sua constituição fenomenal. Aplica-se ao direito o caráter de ser ontognoseológico, formado para Reale numa correlação entre sujeito que conhece (gnose-logia) e objeto conhecido (ontos-lógico).
O ser-conhecido do direito é a apreensão de sua tridimensionalidade concreta e das relações sociais que essas três facetas revelam. No entanto, é de se criticar a metodologia de saber jurídico de Reale a partir de uma visão crítica dos pressupostos metafísicos da fenomenologia jurídica.

     O pensamento realeano é estruturado dentro de uma visão crítica de como o direito forma-se enquanto objetualidade de um fenômeno, e não como ele pode apresentar-se como discurso. Mas de antemão critica-se Reale: o que é o direito senão uma narrativa discursiva institucionalizada em normatividade ?

A teoria tridimensional do direito é uma vertente do culturalismo jurídico da Escola de baden, cidade universitária alemã onde se desenvolveram amplas pesquisas de cunho neokantiano em torno da questão dos valores do direito, e acerca da cultura como ente intermédio entre o valor e a natureza.
Reale, sofrendo influência da escola culturalista, que associou cultura, direito e valor, julga ter encontrado a fórmula integradora e concretizadora da típica dualidade kantiana entre ser (natureza) e dever-ser (valor), formula esta que é a concepção tridimensional da cultura, entendida por ele como momento concreto de integração fático-valorativa, e de posterior síntese normativa.
Todo o processo cultural, para Reale(1999), é uma tríade composta de fato, elemento primário da natureza humana e realística (influência do empirismo), valor, que é o dever-ser de conteúdo significativo que o homem, enquanto ser espiritual e cultural, coloca sobre a natureza(influência do neokantismo axiológico) e norma, que é o momento de interpretação e de positividade, de formalização e concreção final do fato valorado.
Esse processo triádico e dialético-complementar fático-valorativo-normativo é denominado de tridimensionalidade concreta realeana. O direito, enquanto realidade sócio-cultural, situa-se dentro desse processo de desenleio cultural, estruturando-se a partir dos fatos sociais, que são compreendidos em função do conjunto axiológico da sociedade (as "invariantes axiológicas" de REALE, 1999), e concretizados finalmente no âmbito normativo do Estado, através do direito positivo e sua estrutura normacional.
Essa estruturação do valor para Reale, resolvendo-o em função do direito positivo, apresenta-se como de cunho positivista. Pode-se, para usar um exercício crítico, caracterizá-lo como um "culturalista legalista", que entende a cultura como direcionada para um momento de estabilização formalista na norma.
Reale entende que a obra de arte, isso em referência a uma aplicação de sua teoria à estética, é o fito conclusivo da inspiração artística, pois para sua acepção filosófica, só o momento formal e cultural (obra) é que estabiliza a subjetividade.
           
Essa incursão pelo campo estético serve para demonstrar que a conduta em Reale (1999) é “vida humana objetivada” em atos intencionais de escolhas de valores culturais e de concretização desses valores em expressões jurídicas de comportamento regulável.
 
     O problema central da teoria de Reale é o não tratamento lingüístico (mas somente metodológico-formal) da norma, pois a normatividade é deve ser analisada pela sua aparição no processo, sua revelação de sentido dá-se processualmente, em forma de análise de discurso e de revelação das simbologias de poder e de estruturação de saber que permeiam o discurso normativo (GIORGIO AGAMBEN,2004;MICHEL FOUCAULT,2002; ROSEMIRO LEAL,2002).

     Uma gnoseologia jurídica na atualidade que seja consciência de uma metodologia pós-metafísica deve superar a dicotomia sujeito-objeto na qual Reale funda seu pensamento jurídico, pois a relação jurídica não é só sujeito ou só objeto, nem a mera relação metodológica de interação entre ambos, mas consiste o significamento imagético ou verbal que passa a mensagem do referente ao significado (conceito formado pelo sujeito receptor da mensagem), e ambos que vão formar um signo lingüístico que se assume no sujeito como um pragma (função existencial do signo, influindo na conduta do sujeito)

     Esse processo semiótico (referente-significante-significado-signo-pragma) se dá em nível de jogos lingüísticos, sejam verbais (lingüísticos strictu sensu) ou semióticos (imagéticos ou não-verbais em geral).

Analisar o discurso jurídico é partir dessas relações de significância do discurso jurídico, e não buscar encontrar uma relação de cognição abstrata, formal, teorética entre um sujeito transcendental e um objeto anódido (não-determinado), este último determinável somente pela estruturação que lhe dá o sujeito.
Essa forma de conhecimento do direito pela teoria tridimensionalista leva a instauração da "filosofia da mente" ou da subjetividade (HABERMAS, 1997), isto é, o sujeito passa a ser o portador dos sentidos em sua mente, olvidando o processo de formação semiótica do sentido e da pragmatização do mesmo enquanto assunção pela sua existência do significado do sentido (mensagem).
Isso leva um juiz, por exemplo, a interpretar um texto legal a partir dos sentidos que possui na mente, como se ele fosse portador dos sentidos e não tivesse que realizar um trabalho de análise do discurso normativo e das condições estruturantes dos meios pelos quais ele pretende concretizar um determinado sentido da norma.

Seria interessante a instauração de um procedimento lingüístico discursivo para a desbastação dos sentidos pré-configurados pelo julgador, a fim de que se faça a apreensão de novos sentidos e a estruturação de uma racionalidade jurídica processual, como perseguido pela teoria neoinstitucionalista do professor Rosemiro Leal (2002).
 
3.     O problema da conduta
 Em Hans Wenzel tem-se a aplicação mais contundente do finalismo do jurídico sobre a análise da conduta juridicamente relevante. A busca da intencionalidade do agente criminoso direito penal e a definição do dolo como elemento específico da conduta relevante para que o ato seja considerado típico e anti-jurídico, foi uma conquista da fenomenologia para o direito,e Welzel deve ser elogiado por isso.
A avaliação da conduta jurídica,mormente em um campo delicado e crucial como o penalista, ganhou bastante precisão técnica com a adoção da teoria de Welzel.
No entanto, no campo do direito penal, a partir de Jonhanes Wessels, que é o pai do direito penal social, obtém-se a vinculação com a dimensão social da pena, e, portanto, a conduta do agente vem a ser analisada por outra ótica, consistido na construção social e cultural que envolve o direito.
Na verdade, o que se avalia na teoria social da pena é a causalidade social da vontade de praticar o ilícito e, mais importante, na conseqüência da penalidade para a própria sociedade, no sentido de privação de um individuo do convívio comum e da violência do Estado sobre ele, quando em verdade são o ente estatal e o sistema econômico os causadores das condições de desestruturação pessoal que levam à violência.
     Observa-se que para o modelo da teoria social substitui a idéia de punibilidade pela de ressocialização em função de penas alternativas e medidas compensatórias, elevando a uma visão pragmática, efetivadora, os direitos humanos.
     Visões alternativas à restrição de liberdade são importantes, pois elas mitigam os efeitos perniciosos de um sistema jurídico-penal (FOUCAULT, 2002), o qual avilta mais do que ressocializa o criminoso, agindo sobre ele com uma violência psico-sociológica e, por vezes física, brutal. O monopólio de violência do Estado e o uso da mesma sobre o indivíduo possuem a função de garantir a dominação de classe de elites que monopolizam o poder.
     Assim, uma fundamentação filosófica para a temática da ressocialização implica na retomada de pressupostos não meramente finalísticos e internos da conduta, mas de reconstruir a conduta com fulcro na visão social de seu significado de ação, isto é, como o indivíduo deve ser tratado com dignidade e, ao mesmo tempo, como pode sofrer a sanção em um sentido socialmente útil.
 
4.     Conclusão: aplicação do direito e participação popular: o desafio da ampliação da legitimidade
      Direito e sociedade surgem como fatos sociais permeados pela noção de poder e de adequação das pessoas ao poder social dominante (FOUCAULT, 2002). Ora, se as relações são permeadas de poder elas tendem a organizar-se e, assim, surgiu o direito ordem coercitiva em Kelsen (BOBBIO, 1995).
     Em qualquer acepção conceitual que se queira, tanto formalista quanto jusnaturalista, o direito é fenômeno derivado do poder, e assim, depende dele para caracterizar-se (AGAMBEN, 2004).
    O direito, para legitimar o uso da força, tenta legitimar seu poder na forma de Estado de Direito, Estado Ético, Teocracia etc (ADEODATO, 1989).
Os historiadores da formação social mostram isso e os historiadores do Direito também (AGAMBEN, 2004; FOUCAULT, 2002).
     Deve ser aplicado com a participação maximizada da população, dentro de uma visão crítico-discursiva e ampliadora dos canais democráticos (LEAL, 2002), que favoreçam a discussão efetiva das leis e não o domínio ideológico em nível de decisão política pretensamente fundamentada no voto popular (parlamento), como se isso bastasse para assegurar uma democracia material e um direito socialmente justo.
            A regulação da conduta humana a partir dos paradigmas do egologismo e da teoria tridimensionalista implica na observação da esfera íntima, no primeiro, e na esfera cultural, no segundo. Mas é preciso frisar as esferas lingüística, democrática e social do direito a fim de se regular com justiça a ação humana juridicamente valorada.  
        O fato é que a abordagem lingüística e procedimental do direito alarga o trato do fenômeno jurídico como sendo voltado para sua vinculação com os procedimentos discursivos que o estruturam (LUHMANN, 1980; HABERMAS, 1997), superando a mera análise não lingüística e não semiótica do direito no egologismo e na teoria tridimensionalista.
       Assim, a questão da intenção da conduta juridicamente relevante deve receber um tratamento de análise lingüística, procedimental e semiótica, isso, aliado a uma critica do poder e da normatividade que estruturam o fenômeno jurídico, a fim de torná-lo mais democrático.
 
 
Newton de Oliveira Lima[1]
 
 
 
5.     Bibliografia
ADEODATO, João Maurício Leitão. O problema da legitimidade no rastro do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo, Boitempo, 2004.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico- lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2002.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, vols. 1,2.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: Edunb, 1980.
REALE, Miguel. Paradigmas da Cultura Contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1999.
 


[1] Professor Assistente da UFPB. Autor da obra “Jurisdição Constitucional e construção de direitos fundamentais no Brasil e nos Estados Unidos” (mpeditora.com.br). Membro do Conselho Científico da I Vardande, Revista Eletrônica de Semiótica e Fenomenologia Jurídica.

Newton de Oliveira Lima

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