Direitos fundamentais na relação de trabalho e poderes do empresário

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1. Introdução

No Brasil ainda é bastante recente a expressão “direitos sociais”, envolvendo não apenas o direito do trabalho mas também o direito assistencial e previdenciário. Nesse sentido, Cesarino Júnior[2] Cesarino Júnior defende a designação direito social como a ciência dos princípio e leis geralmente imperativas, cujo objetivo imediato, visando ao bem comum, é auxiliar as pessoas físicas, dependentes do produto de seu trabalho para subsistência própria e de suas famílias, a satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais e a terem acesso à propriedade privada, abrangendo o direito do trabalho (individual e coletivo), o direito assistencial e o direito previdenciário.

A ampliação do estudo das disciplinas que integram o direito social permitiria o entendimento e atendimento das necessidades sociais de forma mais ampla e satisfatória. Atualmente, o estudo estanque de tais disciplinas leva ao olhar muito concentrado, impedindo que se veja a questão como um todo, o que leva apenas à solução parcial dos problemas, principalmente aqueles relacionados aos direitos fundamentais na relação de trabalho.

Mesmo em se abstraindo a atual crise financeira, é inegável o poder do empresário em relação ao trabalhador. Sob a ótica da sociedade, é ele o detentor dos meios de produção e do capital. Sob a ótica do trabalhador, é o empresário quem assume posição de comando, manejando sua força de trabalho para a produção de riquezas. Embora tal poder devesse limitar-se sempre à ordenação e condução do trabalho, não é o que ocorre na prática.

O poder diretivo, não raras vezes, extrapola os limites do razoável e deriva para a agressão (descumprimento) a direitos dos trabalhadores, muitas vezes direitos fundamentais. É nesse caso de extrapolação que a atuação da iniciativa privada se traduz numa ameaça potencial aos direitos fundamentais, não somente do empregado mas da pessoa humana representada por aquele empregado. Num primeiro momento, por vezes, nem mesmo o trabalhador reconhece a lesão a direito seu. Depois, ainda que a perceba, sujeita-se a ela em razão da dependência que a relação de emprego gera. Já para o empresário, nem sempre é fácil perceber onde está o limite de seu poder diretivo, por concentrar suas atenções ao que considera o fim principal de sua empresa: gerar bens, riquezas, lucro. Nesses casos, estende-se a essa relação privada a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, impondo certa limitação aos poderes de direção empresarial.

A inserção do trabalhador na empresa representa também sua inserção social, na medida em que o trabalho revela, perante os olhos críticos da sociedade, a capacidade do indivíduo de prover-se dos meios necessários à sua sobrevivência. Se o trabalhador é respeitado e prestigiado por seu empregador, o que era simples inserção transforma-se em identidade entre o empregado e a empresa, passando este a sentir-se parte do empreendimento, comprometendo-se com seus destinos. O contrário, o desprestígio do empregado sob qualquer forma, faz com este deixe de sentir-se responsável pelos destinos da empresa, comprometendo não somente a produtividade como também sua saúde financeira e sua existência.

Nesse ponto, a temporalidade faz diferença quando se trata de garantir direitos fundamentais. A determinação do prazo contratual se traduz, em última instância, na quebra da garantia de continuidade da sobrevivência, além de não refletir a realidade empresarial, visto que as empresas não funcionam com prazo determinado. Desta forma, a determinação de prazo apenas traz instabilidade. Não apenas ao empregado como também à empresa, por promover rotatividade de trabalhadores com a consequente falta de comprometimento destes, o que decerto afeta seu fim institucional.

2. Direitos fundamentais na relação de trabalho

A OIT, em suas declarações sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, assim os considera aqueles referentes à liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; efetiva abolição do trabalho infantil; eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação e igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor.

Conforme se observa, os direitos elencados pela OIT podem-se dizer genéricos e revelam um mínimo a ser observado em qualquer relação de trabalho. Alguns dos direitos, porém, inserem-se mais no campo do que se considera conduta desejável em termos sociais, como é o caso da efetiva abolição do trabalho infantil, quando se sabe que tal situação indesejável reflete muito mais um problema social do que propriamente trabalhista.

Ao se vincular a uma relação laboral, o trabalhador sujeita-se a certos poderes do empregador, sem que tal sujeição signifique a diminuição de sua dignidade. Por certo que os poderes de direção, organização e disciplinamento do sistema de produção de cada empresa têm como limite a dignidade do trabalhador. Não se obsta, assim, o exercício dos poderes inerentes à organização produtiva. Exige-se, porém, que o empregador, ao fazer uso de tais poderes, respeite certos direitos e garantias relacionadas ao trabalhador.

Como os direitos se fazem acompanhar por deveres, pressupõe-se que também o empregado obrigue-se por deveres em relação ao seu empregador. Porém, a legislação laboral brasileira em momento algum deixa claro quais os deveres pelos quais o empregado se obriga perante seu empregador por força de um contrato de trabalho. Adiante veremos quais as consequências de tal falta de clareza.

No Brasil, admite-se que o contrato de trabalho se perfaça sem maiores formalidades, não se exigindo sequer forma escrita e por vezes admitindo-se o contrato tácito. Por tal motivo, as obrigações contratuais nem sempre são claras para as partes, levando a interpretações dúbias ou mesmo à sensação de que os direitos fundamentais não se aplicam às relações de emprego.

Ao pactuarem contrato de trabalho as partes se inserem numa relação em que as regras já estão quase todas estabelecidas pelo poder estatal: pagamento de salário, manutenção do ambiente salubre, dignidade, integridade física e psíquica (por parte do empregador) prestação de trabalho, atendimento às determinações da empresa relativas ao trabalho, resguardo das informações da empresa, instalações e clientela (por parte do empregado), dentre outras inerentes ao contrato de trabalho. Não há, portanto, efetivamente pactuação de cláusulas contratuais entre as partes, a não ser aquelas relativas ao valor do salário e função a ser desempenhada. Assim, a amplitude daqueles direitos genéricos elencados pela OIT é apenas intuída pela maioria dos empregadores.

O Código do Trabalho de Portugal, em seus artigos 120, 121 e 122, fixa claramente deveres, direitos e garantias do empregado, bem como do empregador. Embora possa parecer, num primeiro momento, que as disposições ali contidas são singelas, observa-se que estão elencadas condutas que, se seguidas, evitam atitudes equivocadas e mantêm as partes dentro de limites claros.

É o caso,por exemplo, do art. 120, c, que estabelece que é dever do empregador proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral. O empregado sabe que sua integridade física e moral devem ser preservadas, sendo este um dever do empregador.

A clareza de direitos e deveres elencados em lei não deixa os direitos e deveres das partes contratantes ao alvedrio da intuição, permitindo, ainda, que cada parte saiba quando há violação a direitos.

A Legislação Laboral da Espanha é também bastante clara em relação aos direitos e deveres, tanto do empregado como do empregador.

No art. 4.2 estabelece que os trabalhadores, na relação laboral, têm direito à ocupação efetiva, promoção e formação profissional, direito a não ser discriminado, integridade física e política adequada de segurança e higiene, respeito à intimidade, com expressa vedação ao assédio, pontualidade no pagamento dos salários, dentre outros. Estes são alguns dos deveres do empregador em relação ao empregado.

No art. 5º estão os deveres do empregado em relação ao empregador: cumprir com as obrigações de sua função, observar medidas de segurança e higiene adotadas pela empresa, cumprir ordens e instruções do empregador (relacionadas ao trabalho), não concorrer com a atividade da empresa, contribuir para a melhora da produtividade, dentre outros.

Também aqui a clareza da lei facilita a conduta correta das partes em relação a seus direitos e deveres, norteando-as dentro do contrato de trabalho

A Constituição Federal do Brasil dedica um de seus artigos (art. 7º) exclusivamente aos direitos dos trabalhadores, sem que aquele extenso rol (34 incisos) esgote os direitos a eles atribuídos. Tanto é que ali não se encontra o direito a um ambiente de trabalho salubre física, moral e psiquicamente.

Embora o valor social do trabalho seja reconhecido como princípio fundamental, entendemos que era desnecessária a inclusão do art. 7º na Constituição Federal, sendo mais adequada sua localização dentro da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, dado o teor dos direitos protegidos.

Os direitos elencados na Constituição Federal são, na quase totalidade, de ordem remuneratória. Uma das exceções, por exemplo, é o inciso XXII, que consagra como direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Além da falta de clareza, o texto constitucional remete o cumprimento do direito à existência de normas regulamentadores que, se não existirem, afetam a própria existência do direito. Esse é o caso, por exemplo, do “direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei” (inciso XXI). Como nunca houve a regulamentação a que a Constituição se refere, o direito ao aviso prévio proporcional não passa do papel, aplicando sempre o mínimo, que é de 30 dias, não importando se o trabalhador prestou seus serviços a uma empresa por 1 ano ou por 30 anos.

Os direitos dos trabalhadores brasileiros são todos aqueles estabelecidos na CLT e na Constituição, além de outros que possam vir a ser criados.

Porém, não se encontra, em lugar algum, quais os deveres desse mesmo trabalhador em relação a seu empregador. Ora, se uma relação de emprego pressupõe direitos e deveres recíprocos, no mínimo causa estranheza que não estejam expressos os deveres inerentes aos direitos conferidos.

Muito timidamente pode-se considerar que o art. 482 da CLT contenha os deveres dos trabalhadores em relação aos empregadores, verbis:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Como tais comportamentos por parte do empregado permitem que a empresa o dispense por justo motivo, pode-se deduzir que o comportamento contrário se incluiria dentro dos deveres do empregado em relação ao empregador. Assim, seriam deveres do empregado a probidade, bom procedimento, não praticar concorrência desleal, não sofrer condenação criminal, não ser negligente, preguiçoso, moroso, não embriagar-se em serviço, não embriagar-se habitualmente fora de serviço, não violar segredo da empresa, ser disciplinado e atender às ordens do empregador, comparecer pontualmente ao trabalho, respeitar a honra alheia em serviço, respeitar a honra do empregador, não ser viciado em jogos de azar e não praticar atos atentatórios à segurança nacional.

Analisando-se o artigo citado, verifica-se ser pouco provável que o trabalhador médio consiga compreender facilmente conceitos como desídia, improbidade, incontinência de conduta. Estes são termos que não fazem parte do vocabulário normal do cidadão comum, logo, como pretender seja ele conhecedor dos deveres que se espera que cumpra?

O contrato de trabalho no Brasil, em geral, constitui-se muito mais de cláusulas implícitas e intuídas do que propriamente expressas, sendo a falta de clareza o maior obstáculo ao desenvolvimento de um contrato sem lesões a direitos recíprocos.

Poder-se-ia dizer que uma das regras básicas dos contratos de trabalho seria a de tratar o empregado da mesma forma que você gostaria de ser tratado. Talvez este simples preceito fosse suficiente para evitar muitos dos problemas que hoje lotam o Judiciário laboral. O problema situa-se mais no campo da consciência do que propriamente em termos de positivação.

Isto se dá porque, permeando todas as cláusulas, sejam elas pactuadas ou estejam implícitas, encontra-se a boa fé das partes contratantes em seus atos, que termina por erigir-se em princípio de hermenêutica.

3. A bilateralidade do contrato de trabalho

Chama-se bilateralidade à idoneidade do contrato de forma que este se mostre apto a conciliar os interesses das partes, partindo-se da premissa de que ambas estão em situação de equilíbrio.[3] Esta conciliação de interesses se revela, num primeiro momento, pela possibilidade de pactuação/negociação de cláusulas entre ambas as partes, confirmando a existência do necessário equilíbrio e independência à realização de um contrato bilateral idôneo. Não se trata, assim, de simples adesão a cláusulas preestabelecidas por uma ou outra parte. Por certo que os contratos de adesão são válidos e idôneos, não são porém bilaterais justamente em razão da impossibilidade de modificação do referido contrato. Cabe à parte que a ele adere apenas duas opções: ou o aceita ou não, não havendo efetiva conciliação de interesses. Em análise mais aprofundada, a conciliação de interesses se verifica pela inexistência de relação de subordinação entre as partes contratantes, o que poderia de alguma forma viciar a vontade da parte mais frágil ou subordinada, premida por circunstâncias pessoais.

O contrato de trabalho, porém, caracteriza-se desde o início pela existência de relação de poder de uma das partes sobre a outra, revelando desde então a desigualdade desta relação. Nela, o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho, que é colocada à disposição do empregador, não tendo qualquer poder para discutir cláusulas contratuais que possam conciliar seus interesses aos da empresa que o contrata. Para o trabalhador, o contrato de trabalho não passa de um contrato de adesão, onde todas as suas características já estão previamente definidas.

O fundamento para o reconhecimento da autonomia da vontade na relação contratual é a existência de igualdade entre as partes, igualdade essa que não basta ser formal, há que ser real. E quando se trata de realidade, é inegável a inexistência de igualdade entre as partes contratantes no contrato de trabalho, seja porque o poder de barganha é inexistente quanto ao empregado seja porque a apropriação dos meios de produção por parte do empregador o tornam estruturalmente superior ao empregado. A subordinação à estrutura da empresa é o que mais afeta a autonomia da vontade do empregado em relação a seu empregador.

A existência dessa subordinação fez com que surgisse todo um sistema destinado a limitar o poder do empregador, garantindo a dignidade e a liberdade do trabalhador, justamente por perceber que de tal relação desigual e subordinada não poderia surgir um contrato idôneo e conciliador de interesses. Algumas vozes se levantam contra a interferência estatal na iniciativa privada no tocante às relações de trabalho, afirmando a plena capacidade de negociação do empregado frente ao empregador. Porém, a desigualdade de condições existente entre as partes permite concluir que essa alegada capacidade é apenas teórica e retórica. A se aceitar a prevalência do negociado nestas condições, restaria ao trabalhador, muitas vezes, o constrangimento de aceitar o que lhe fosse oferecido em termos de salário e condições de trabalho, em detrimento de sua dignidade. Tais condições poderiam fazer com que as relações de trabalho retrocedessem ao início da Revolução Industrial, com ambientes insalubres, excesso de jornada de trabalho e pagamento insuficiente para satisfazer as condições mínimas de sobrevivência, enfim, precarização do trabalho.

Assim, o mesmo fim institucional que dá poderes ao empregador (direção, variação e disciplinar), também dá poderes ao Estado para limitar aqueles poderes, justamente por reconhecer que não há igualdade entre as partes contratantes.

A confirmar tal fato observa-se recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho, onde se reconheceu que o instituto da arbitragem não é compatível com o Direito do Trabalho porque a desigualdade (econômica e jurídica) existente entre as partes não permite a livre manifestação de vontade do empregado. Nesse caso, a arbitragem não coloca as partes em situação de equilíbrio, viciando a transação levada a efeito através desse instituto.

Muito se discute, também, acerca do negociado em oposição ao legislado. Em algumas circunstâncias é de se admitir a prevalência do negociado sobre o legislado, atentando-se para alguns requisitos, tais como a existência de negociação coletiva e concessões recíprocas. Isto se dá porque na negociação coletiva deixa de haver a pressão sobre o ente individual, que é mais frágil, permitindo que a esta se estabeleça em base menos desigual. Já a concessão recíproca é parte fundamental da negociação, já que a falta desta implica mais em adesão a termos unilaterais do que propriamente uma negociação bilateral. A negociação individual fragiliza o emprego enquanto a negociação pela via coletiva tende a fortalecê-lo por representar não o anseio isolado de um trabalhador mas de toda a categoria.

4. Limites ao poder do empresário

A liberdade empresarial se ampara na economia de mercado que, é certo, é necessária à geração de empregos, bens, riquezas. Aliás, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é justamente a livre iniciativa como valor social (art. 1º). Coerentemente, no mesmo inciso (IV) encontram-se o trabalho e a livre iniciativa como valores sociais, permitindo intuir que a intenção do legislador era a de que ambos os valores se complementassem com a finalidade de constituir uma sociedade fraterna, dotada dos valores supremos constantes no preâmbulo da Constituição.

Porém, certos bens jurídicos dos trabalhadores conflitam com interesses da organização em que ele se insere, principalmente no que diz respeito aos custos e à forma de disciplinação e poder de variação. Da existência de tais conflitos surgem as lesões a direitos, materiais ou imateriais, exigindo a atuação do Estado no sentido de garantir não somente a reparação às lesões mas também garantir que elas não mais ocorram. A atuação firme do legislador e do julgador permite, num primeiro momento, a recomposição do statu quo ante, além de impedir que se instale a percepção de impunidade, que é multiplicadora de comportamentos indesejáveis por parte de empresas. Assim, quanto mais desigual for a relação existente entre empregado e empregador, mais intervencionista deve ser a atuação do legislador e do julgador. Nesses casos, a intervenção estatal é necessária e desejável para evitar a precarização das condições de trabalho porque coloca as partes contratantes dentro de uma situação momentânea de equilíbrio.

Não se pode dizer que a subsunção da empresa às regras de direito fundamental lhe retire a autonomia, principalmente quando tal autonomia importe em subtração da garantia de aplicação de direitos fundamentais. O atendimento a princípios constitucionais que garantem direitos fundamentais se insere dentro da função social da empresa, vinculando sua atuação, sem abalar sua autonomia perante os demais aspectos de gestão.

A busca da produtividade e da competitividade no mercado de trabalho não justifica a violação a direitos do empregado em nome da liberdade empresarial. O equilíbrio é possível e necessário, principalmente quando se observa que a produção de riquezas da empresa está necessariamente ligada à figura de seus empregados.

Se por um lado a produtividade se traduz em ganhos econômicos para a empresa, por outro lado tal produtividade deve reverter também em benefícios ao empregado (e consequentemente para a sociedade), na medida em que o empreendimento deve cumprir seus fins sociais. Nesse caso, é necessário que haja ponderação por parte dos empresários no tocante à forma como se exige a prestação de serviços, para que a produtividade não seja perseguida a qualquer custo.

É sabido que a lógica empresarial persegue o máximo ganho com o mínimo custo, considerando que o empregado faz parte desse custo. Sob essa ótica, o contrato de trabalho seria um limite para a atuação empresarial, já que não permite ao empresário a fruição ilimitada e abusiva da força de trabalho do empregado, protegendo este último.

Isto quando se trata de contrato de trabalho que atue não somente dentro dos limites impostos pela lei como também aqueles impostos por normas que se traduzem em garantia dos direitos humanos.

É falaciosa a argumentação de que é necessária a flexibilização das normas relacionadas ao trabalho subordinado porque o trabalho formal (carteira assinada) seria muito oneroso para as empresas, pelos encargos que sobre ele incidem. Embora os encargos representem valores que não redundam em ganho econômico para o trabalhador, seu custo representa a inserção do trabalhador em uma rede de proteção que, se não houvesse, recairia sobre o empregador, aí sim onerando-o gravemente.

É o caso, no Brasil, da exigência de recolhimentos previdenciários. A se admitir que não fossem exigíveis tais recolhimentos, por óbvio que caberia ao empregador a responsabilidade pela manutenção do empregado em caso de acidente de trabalho, não somente a manutenção de seu salário como também os custos de tratamento médico.

É também o caso do FGTS, que foi instituído em substituição à estabilidade no emprego, caso em que o empregador estava obrigado a indenizar proporcionalmente ao tempo de serviço. Atualmente os depósitos são feitos mensalmente, amenizando o impacto que antes ocorria por ocasião da dispensa imotivada.

Se em tese é o empreendimento o gerador de bens e riquezas, na prática é o empregado o efetivo gerador de tais frutos com sua força de trabalho. Ambos, porém, têm seus méritos, já que somente a força de trabalho seria insuficiente para gerar tais riquezas não fosse a existência de uma organização produtiva bem conduzida e vice-versa.

5. Conclusão

Ao abusar de seu poder (direção, variação disciplinar) e sofrer a sanção do Estado, a empresa afasta-se não somente de seu fim social como também do fim institucional. O fim social da empresa indica que esta deve promover o desenvolvimento de seus empregados e da sociedade ao mesmo tempo em que cresce economicamente. O fim institucional, indicado não apenas pelo crescimento econômico como também pela competitividade no mercado, restará abalado porque a sanção estatal, expressa em termos monetários, abala a competitividade.

Esclareça-se que a sanção estatal não se refere ao pagamento de direitos sonegados ao empregado. Estes já estavam (ou deveriam estar) incluídos no custo empresarial e, ao serem sonegados, apenas aumentaram a competitividade. A sanção estatal importa na aplicação de multas, de forma que se torne economicamente inviável o abuso ou sonegação de direitos, inibindo a atuação inadequada do empregador.

Observe-se, ainda, que por vezes a própria sonegação de direitos no curso da contratualidade já importa em abuso na medida em que é de sua força de trabalho que o empregado retira seu sustento e de sua família. Isto ocorre, por exemplo, quando o empregador deixa de pagar os salários ao empregado. Ao ter negado seu direito mais básico, que é a contraprestação pelo serviço prestado, o trabalhador priva-se, e à sua família, dos meios mínimos para sobrevivência, além de não poder honrar eventuais compromissos assumidos.

Não interessa aos juízes, aos trabalhadores ou à sociedade o fechamento das empresas. Estas são fundamental fator de geração de emprego e renda, bens e riquezas. É certo, também, que cada cidadão, cada trabalhador, tem o dever de contribuir para uma sociedade mas justa. Porém, não se pode admitir lesões a direitos a pretexto de manter empresas em funcionamento, principalmente aquelas que insistem em desviar-se de seus fins. Tampouco se pode usar como pretexto a atual crise econômica mundial para simplesmente retirar garantias e direitos, principalmente os fundamentais. Acima da livre iniciativa está a dignidade humana, que deve ser preservada contra o abuso empresarial.

Em se tratando de relação laboral, a única hermenêutica possível é aquela assentada nos direitos fundamentais, admitindo-se ponderação apenas quando se trata de garantir a aplicação de mais de um preceito fundamental, porque também não se pode olvidar que também o empregador/empresa é detentor de direitos fundamentais.

Assim é que aplica-se ao trabalhador toda a gama de direitos fundamentais, não apenas aqueles relacionados diretamente ao contrato de trabalho. Em relação a estes, porque a clareza da norma constitucional não permite sua subtração (a não ser em determinadas situações, e mesmo assim apenas por negociação coletiva), em relação aos demais direitos fundamentais em razão da necessária manutenção da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, quanto mais desigual é a relação entre as partes contratantes tanto maior será a restrição à autonomia privada e maior será a intervenção estatal tendente a recolocar as partes num patamar o mais próximo possível de equilíbrio de poderes, entrando em campo a aplicação do primado da proteção de direitos fundamentais.

Ainda que se considere a atual crise econômica mundial, não se pode precarizar o trabalho (e muito menos negar direitos fundamentais) com a justificativa de reduzir custos. Não se pode olvidar que é a energia do trabalhador que impulsiona a produção, gera lucros e, em última análise, permite o soerguimento da economia mundial. Se há um investimento a ser feito, é no homem e em sua dignidade.

É justo que o empresário dirija seu empreendimento com a finalidade de obter lucros, sim, porque este é um dos objetivos da economia capitalista que domina a atualidade. A obtenção de lucro, porém, não pode servir de obstáculo à satisfação da função social da empresa naquilo que talvez ela tenha de mais eficiente, que é o poder de agregar e congregar pessoas em um fim (produção, geração de bens e riquezas), fazendo com que este poder extrapole para a realização da fraternidade, de modo a fazer com que as pessoas cresçam e, nessa caminhada, levem rumo ao crescimento e prosperidade aqueles que o acompanham na jornada.

A observância aos direitos fundamentais do trabalhador é medida que se impõe, por se tratar de aspecto que envolve a dignidade humana. Além disso, revela o comprometimento da empresa com seu fim social, que é a construção de uma sociedade mais justa e mais digna por meio do trabalho, considerando que a Constituição atribui a ambos, trabalho e livre iniciativa, o status de princípio fundamental.

O compromisso primeiro, seja partindo do próprio homem seja por parte da empresa, deve ser com o homem e com a dignidade humana.


[2] CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito Social – LTr. Ed./Editora da USP, São Paulo, 1980, p. 42

[3] SANTOS FERNANDEZ, Mª D. El contrato de trabajo como límite al poder del empresario, Bormazo, Albacete, 2005, p. 31.

Fatima Regina de Saboya Salgado

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