Direito de fome: a segurança alimentar como direito fundamental e seus instrumentos públicos de realização

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RESUMO: Os sujeitos de direito, pessoas sobre as quais recai a proteção jurídica de determinados direitos tidos como fundamentais, necessitam de um mínimo essencial para sua sobrevivência. Entre aquelas primeiras exigências de direitos é a alimentação a principal das necessidades básicas, de qualquer sujeito e em qualquer que seja a sociedade. O direito à alimentação, portanto, envolve o direito humano fundamental de acesso aos meios de sustento que atendam às carências nutricionais e culturais de modo a permitir um desenvolvimento integral do ser vivente. Além da alimentação como critério básico e essêncial é imprescindível a adequação dos meios de proteção e efetivação deste direito humano para que seja realizado o direito à segurança alimentar. O Brasil apenas recentemente teve reconhecido – em status constitucional – o direito à alimentação; todavia, o sistema jurídico brasileiro ainda está longe de forncer reais condições de implementação de a segurança alimentar como um direito humano, imprescindível e fundamental. Para que seja possível reconhecer e buscar meios de efetivação a todas as pessoas – especialmente as carentes e miseráveis – de seu direito à alimentação, deve-se impreterivelmente consubstanciar a segurança quanto a este direito, de modo que se possa garantir a todos – direito em caráter universal – o seu pleno desenvolvimento em vias de ações políticas e sociais que tenham por meta a adequação dos meios de produção e a distribuição mais equitativa dos meios alimentícios, em uma verdadeira igualdade de acesso e de direitos humanos.

Palavras-chave: direito a alimentação; direitos humanos; segurança alimentar;

ABSTRACT: The subjects of law, people about whom rests the legal protection of certain rights regarded as fundamental, requiring a minimum essential for their survival. Among those rights is first requirements of food as the major basic needs in any subject and in whatever society. The right to food, therefore, involves the fundamental human right of access to livelihoods that meet cultural and nutritional needs to allow full development of a living being. Besides food and essentials as the basic criterion is the adequacy of the essential means of protection and effectiveness of this human right to be held the right to food security. Brazil has only recently had recognized – the constitutionals status – the right to food, however, the Brazilian legal system is still far from real conditions they provide for implementation of food security as a human right, essential and fundamental. To be able to recognize and seek effective ways to all people – especially the poor and destitute – of their right to food, it should be no later substantiate the safety net in this law so as to ensure to all – right in universal – its full development in the process of political and social actions that have a goal of matching the means of production and more equitable distribution of food resources in a truly equal access and human rights.

Keywords: right to food, human rights, food security;

“E’ questo dunque, mio buon amico, nei rapporti privati il nostro filosofo; ed è così anche nella vita pubblica, come ti dicevo all’inizio. Quando nei tribunali o altrove bisogna che, contro la sua volontà, tratti di cose che sono davanti a lui, sotto i suoi occhi, finisce non soltanto per far ridere le donne di Tracia, ma cade effettivamente nei pozzi, non esce dalle difficoltà della vita, per mancanza di esperienza, e la sua terribile goffaggine gli fa fare la figura dello stupido. Infatti, se è costretto a subire le cattiverie della gente, non sa lanciare a nessuno degli insulti perché non sa nulla dei mali di ciascuno: non se ne è mai occupato. Messo così in difficoltà, appare ridicolo. Di fronte agli elogi, all’arroganza cui gli altri si gloriano, non fa affatto finta di ridere, ma ride davvero, e in modo così aperto da essere scambiato per uno stupido”.

(Platone, Teeteto, 172 c – 177 c)

 

INTRODUÇÃO

A história do homem desde os seus remotos tempos é reflexo da busca do ser por sua sobrevivência.2 Enquanto ainda em estado primitivo, sob o dominío da barbárie, o critério de continuidade da vida ou mergulho na morte era representado pela busca incessante por proteção – das intempéries naturais e de possíveis perigos – a reprodução destinada à continuidade das espécies e à procura por meios de alimentação destinados à subsistência do sujeito. Ainda quando já vivente em uma coletividade sob diretrizes de determinadas regras de convivência e deveres jamais a preocupação quanto à consecução dos meios de alimentação deixaram o universo de atuação do ser.

Em uma sociedade infinitamente mais desenvolvida, quando em comparação aos primeiros tempos e se observada do ponto de vista dos avanços cientifico-tecnológicos, embora quanto à valorização do humano ainda estejamos sobremaneira atrasados. O cenário que atualmente se revela as relações comerciais e financeiras são as diretrizes da movimentação da engrenagem mundial, triste é constatar que o direito mais básico de todos (vida) ainda se denota negligenciado.

Assim, no primeiro capítulo comporemos uma análise do direito à vida como direito fundamental, isto é, seu reconhecimento em nível político como àquele inerente a todas as pessoas. Para isso mostraremos o mutualismo existente entre o direito à vida e o direito à alimentação, pois este é o meio pelo qual se realiza a manutenção da vida, a sobreviência do ser protegido juridicamente.

Em etapa sucessiva buscaremos enfatizar no segundo capítulo as principais ações oriundas das esferas de governo e poder em nível federal onde através de programas sociais e determinadas políticas públicas fora almejado a erradicação da fome e da miséria causada pela carência alimentar. No terceito capítulo, procuramos demonstrar que além dos esforços à garantia do mínimo essência de existência por meio das políticas públicas e programas de combate à fome, paralelamente é iniciado o avanço rumo à efetivação da garantia de segurança alimentar. Além do reconhecimento do direito à alimentação como um direito humano de obrigatoriedade por parte do Estado em fornecer os meios necessários para sua efetivação é preciso que se tenha por foco a obrigatoriedade de uma mínima segurança alimentar para que o direito humano não se dissolva no vazio de sua não realização plena.

 

1 – O DIREITO DE FOME E A VIDA COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL.

Todo o direito somente se concebe existência em razão e a serviço do ser humano. Qualquer organização política, social ou de outra ordem é realizada por pessoas para o bem destas mesmas que integram o grupo. O papel do Estado, portanto, resume-se a possiblitar a integração de toda coletividade a partir do estabelecimento de regras universais e derivadas desta conjunção de interesses e necessidades os direitos e deveres de cada um.

Em sistemas democráticos é a Constituição que procura estabelecer os direitos das pessoas frente à limitação de poder do Estado. Entre esses direitos albergados na carta política temos àqueles denominados fundamentais e aos quais não podem ser suprimidos. São os verdadeiros direitos matrix de todos os outros direitos. Quando estes encontram guarida na organização de outras entidades nacionais temos assim uma semelhança de garantias. Os direitos humanos, portanto, consubstanciam-se em direitos fundamentais de ordem internacional que devem ser respeitados, não somente pelo Estado nacional origem da pessoa, mas por todos os países e organizações em nível mundial.3

Não sendo diferente, a Constituição da República Federativa do Brasil eleva à vida à categoria de direito fundamental, relacionando-o no art. 5° caput, entre os título de direitos e garantias fundamentais. Mesmo contendo a referência à proteção máxima da vida, a carta constitucional brasileira sempre se manteve ignorante e alheia às condições necessárias e suficientes à manutenção desta vida, protegida juridicamente. Ora, o ser humano em qualquer que seja o estado em que se encontra e independente de sua fase de desenvolvimente necessita de um mínimo de necessidades entre as quais seja de fundamental relevância a da alimentação.

Apenas recentemente a Constituição Brasileira inclui a alimentação como um direito fundamental, classificando-o como um direito social (art. 6°, caput), inerente a todos que integram o grupo de pessoas sobre as quais se regula as atividades do Estado. Essa inclusão do direito à alimentação reconhecido como um direito fundamental geral somente veio a ocorrer com a Emenda Constitucional n°. 64, de 04 de fevereiro de 2010.

Vê-se, portanto, que o direito à vida e em consequência o direito à alimentação são resultados de processos de desenvolvimentos sociais das instituições jurídicas e de poder no decorrer dos anos:

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à vida, à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana.4

O direito à alimentação como consequência e pré-requisito do direito à vida necessita de instrumentos reais à sua realização precisa de abandonar os discursos institucionais e políticos para tomar forma rela no mundo que o concebe. Enquanto direito humano é inconcebível de minimização ou de formas de obstrução.

Esse direito univesal e irrestrito, que não concebe a origem nem os motivos determinantes de sua carência, deve envolver todas as ferramentas capazes de construi-lo em meios verdadeiros. A sobrevivência so sujeito do direito fundamental é o risco em jogo e não se pode arriscar quando o valor a ser perdido envolve uma ou muitas vidas pela simples omissão e negligência do Estado e de toda sociedade.

O direito à alimentação envolve em primeiro lugar a possibilidade de acesso permanente e irrestrito aos meios saudáveis e essencias de qualidade e quantidade. O acesso irrestrito não significa de nenhum modo o pagamento por sua produção ou compensação ao produtor, distribuidor e revendedor, mas primeiramente que o irrestritabiliade nesse caso se refere à possibilidade de acesso justo, por valores razoáveis e que todos tenham condições de arcar e conseguir. Segurança Alimentar envolve o exercício do direito de alimentação a partir de práticas alimentares saudáveis e que promovam a saúde sem compromoter o pleno desenvolvimento e manutenção da pessoa.

 

2 – INSTRUMENTOS PÚBLICOS DE REALIZAÇÃO: INICIATIVAS E PROGRAMAS.

Os países da América Latina de um modo geral sofreram cada um à sua medida e época com explorações oriundas do sistema de colonização impelementados pelos países europeus por mais de quatro séculos. A independência política desses países ainda que se possa ser entendida como uma vitória a partir da libertação do jugo opressor dos colonizadores, como resultados dessa exploração por anos a fio constatamos números altíssimos de miseráveis e abandonados sociais. O Brasil não foi diferente. Mesmo depois de muitos anos de libertação e independência o sistema jurídico de direitos e o sistema político de atuação do Estado ainda se consubstanciam em fases intermediárias de avanço.

Considerando a imensidão do território brasileiro5 com suas inúmeras terras cultiváveis e possibilidades de plantio e incentivo à agricultura é de se espantar o fato de 11,2 milhões de pessoas conviverem diariamente com a fome no país, onde ainda é assustador o fato de 30,2% da população, ou seja, 60 milhões de brasileiros estarem em situação de insegurança alimentar6. Isto significa dizer que um em cada três brasileiros não tem garantia de acesso a um mínimo razoável de segurança alimentar que garanta uma alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficientes à sua manutenção segundo suas necessidades básicas diárias. Dados do IBGE revelam ainda uma pesquisa visando traçar o perfil, até então inédito, da Segurança Alimentar no Brasil, mapeando-se as principais contigências regionais e a divisão extrema entre faixas etárias e classes sociais.7

Aqui adentraremos em pormenores e demais informações estatísticas quanto à incidência e grau de insegurança alimentar constatados na Pesquisa PNAD 2004, todavia, a partir dessa abordagem estatística foi possível criar a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) com vistas a classificar os domicílios pesquisados em quatro categorias: domicílios que apresentam segurança alimentar (SA), incidência insegurança alimentar leve (IA leve), insegurança alimentar moderada (IA moderada) e insegurança alimentar grave (IA grave). O objetivo deste trabalho, porém, não é de analisar a pesquisa referida acima, mas sim constatar a ocorrência de grande incidência de insegurança alimentar e assim quais foram as principais medidas tomadas nos últimos anos para combater este problema. Para maiores detalhes quanto a esta importante pesquisa remetemos o leitor ao domínio onde encontrar-se-á maiores detalhes.

Àqueles que passam por qualquer tipo de restrição à uma alimentação estão desamparados em seus direitos humanos fundamentais, albergados na Carta Constitucional. Já entre aqueles que possuem meios de alimentação poucos são os que exercitam este direito em plenitude, conforme os mandamentos da Segurança Alimentar nos termos e cumprimentos estabelecidos pela FAO – Fundação das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

No caso do Brasil anteriormente à Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 – documento este que instituiu juridicamente o Estado Democrático de Direito com a previsão de direitos/objetivos fundamentais – pouco se falava sobre o problema da fome no país e nada ainda se discutia sobre medidas de implementação e garantia à segurança alimentar. Discutir sobre a fome era um tabu, estudá-la um desafio maior ainda. Foi somente com os estudos8 de Josué de Castro (1908 – 1973) na década de 1950 que o país passou a enfrentar a sua realidade social de miséria e a ineficiência e omissão dos órgãos do governo, insensíveis ao sofrimento de grande parcela da população brasileira.

Nesse escopo nasceu a proposta de criação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) convergindo todos os esforços para a implementação de um Sistema de Alimentação Nacional sem esquecer a imprescindível participação da sociedade civil, instituições e ONG’s, além de movimentos sociais e partidos políticos comprometidos com a criação de políticas públicas e ações governamentais de educação e concientização quanto à segurança alimentar.

O problema brasileiro conforme já ressaltado não é a ausência de terras cultiváveis ou mão de obras para o trabalho na agricultura. O ponto crucial ainda hoje presente, do mesmo modo, não é a baixa produção incapaz de atender às necessidades dos alimentandos e sim a má distribuição aliada à interesses restritos de latifundiários e grandes produtores que muitas vezes preferem perder parte da produção a vende-la por preços mais acessíveis, pela própria queda no mercado de preços da economia global. Frise-se ainda que grande parte da produção consumida no país tem sua origem em produções familiares e oriundas de pequenas propriedades o que mais se comprova a idelogogia econômica a ditar os rumos da efetivação dos direitos sociais, mais especificamente o direito a uma alimentação segura, digna e suficiente e quantidade e qualidade. Acresecente-se a falta de acesso que a maioria da população carente e desfavorecida tem aos alimentos de melhores procedências ou que apresentam valores absurdos para a realidade vigente:

A lo largo de la década de 1990, la hegemonía neoliberal llevó a retrocesos en las políticas sociales y en buena parte, de los programas de alimentación y nutrición. Se destaca la emergencia de la agricultura familiar como categoría socio política, en mediados de aquella década, así como la aprobación de una Política Nacional de Alimentación y Nutrición en 1999.9

Foi somente a partir de meados de 2003 que o combate à fome ganhou mais vigor no país, tratando como um dos pontos de abordagem a implementação de programas sociais que atendessem à supressão da fome com o respeito à segurança alimentar e cumprimento de suas matizes. A partir do primeiro mandato de Luis Inácio da Silva – o Presidente Lula – é que a atenção do governo se volta para o combate à fome e a miséria mediante a conseução de programas de incentivos e garantia de segurança alimentar nos moldes orientados pela FAO / ONU. Restabelece-se o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) enquanto é lançado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) por meio da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN); além da criação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome reunindo as ações e políticas de assistência social e combate à miséria aos programas de transferência de renda.

 

3 – MEDIDAS DE GARANTIA À SEGURANÇA ALIMENTAR COMO EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL.

Durante muito tempo tratar de Segurança Alimentar no Brasil era tido como defender discursos demagógicos de assistencialismo inúteis e irresponsáveis. Tratar deste tema como uma ação de iniciativa pública do Estado federal então era tomar graves ferrolhos contra a o sistema de economia vigente. Afinal, direcionar-se-ia a atenção do governo e de suas formas de atuação para os excluídos sociais, ou seja, àqueles que não seriam capazes de gerar lucros, retribuir as ações de auxílio e nem mesmo contribuir monetariamente para a manutenção desses programas que lhes atendiam.

A Lei n°. 11.346, de 15 de setembro de 2006, promulgada sob a nova mentalidade referente à importância e atenção, é destinada a se efetivar programas nacionais de implementação de ações visando a uma alimentação segura, além da elaboração de propostas para a Política Nacional de Segurança Alimentar. Referida legislação ao recriar o SISAN (Sistema Nacional de Segurança Alimentar) criando as condições mínimas e imprescindíveis para a formulação da Política e do Plano Nacional nesta área, a partir de diretrizes, prazos, metas, recursos e instrumentos de avaliação e monitoramento, tudo isso composto de ações e programas – políticas públicas – integrados envolvendo diferentes setores de governo e a sociedade, na busca pela alimentação suficiente e de qualidade para todos; princípio basilar do direito à vida e à aliemntação em conformidade com o valor de dignidade da pessoa humana.

Segundo os valores norteadores da Lei Nacional de Segurança Alimentar (LNSA) a alimentação adequada e suficiente – em quantidade e nutrientes – é direito fundamental de todo ser humano, especialmente em território nacional e independentemente de sua nacionalidae, origem ou motivos de infringentes de inseguranaça. Esse direito fundamental – consagrado e garantido na Constituição – como um mandamento de cumprimento seria a partir da LNSA realizado através de políticas públicas e ações que promovam e garantam a segurança alimentar e nutricional de toda população em Brasil. Sem se esquecer, sobretudo, de que embora tenham como origem o sistema nacional de atuação todas as medidas e programas devam ter respeito e consideração às diferenças e necessidades regionais, culturais, econômicas, ambientais e sociais:

Art. 3º. A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

As ações e iniciativas a serem promovidas ainda que aplicadas dentro dos limites de soberania do estado nacional brasileiro a cooperação internacional mediante a colaboração técnica e científica e, principalmente, entre estados latino-americanos deve ser buscada com vistas a se efetivar a realização do direito humano à alimentação segura e adequada em planos intenacionais (art. 6° da Lei Nacional de Segurança Alimentar). Essa previsão é sobremaneira importante pois, envolve aspectos da soberania alimentar consistente no direito de cada país em definir suas prórpias ações e políticas envolvendo a produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação em distribuição difusa (art. 5° da LNSA).

As atuações condizentes à soberania alimentar quando analisada à luz do direito fundamental à vida e à aliementação diz respeito à obrigatoriedade do governo em importar (se necessário) os alimentos e insumos os quais não produz em seu território ou que os produz em quantidade insuficentes em atender as necessidades daquele determinado aliemento ou ingrediente; tais medidas devem ainda contar com o apoio de favorecimentos em comércio internacional que incentivem o ingresso dos insumos ou ingredientes faltantes com insenções tributárias e considerável diminuição da carga especulativa e lucrativa incidente sobre o interesse do produtor ao exportar sua mercadoria à outro país. É preciso a diminuição da resistência às barreiras tarifárias e medidas protecionistas econômicas quando o tema-produto tiver por finalidade a realização da alimentação e segurança em caráter mínimos.

O estado brasileiro, porém, sem se eximir, quanto ao seu dever, precisa mais vontade e ação para respeitar, proteger, promover informar, prover, monitorar, fiscalizar e realizar – por si mesmo ou por meio de parcerias e acordos – todos os meios disponíveis para a efetivação do direito à segurança alimentar e a um mínimo imprescindível capaz de garantir a existência plena do ser, corolário do direito humano de existência (art. 2° da LNSA).

Seguindo ainda as diretrizes ordenadas a partir da Lei n°. 11.346, de 15 de setembro de 2006 o dever do Estado e indiretamente de toda sociedade10 deve se basear no binômio: disponibilidade de bens alimentares (food security) associado à qualidade destes (food safety).

Assim, construindo-se o pensamento a partir de seus primeiros rascunhos é entendível o direito à vida como um direito fundamental (no âmbito consitucional interno; enquanto direito humano internacionalmente tutelado) e como consequência necessária dos meios materiais de manutenção da vida o direito à alimentação. Este direito de se alimentar não se restringe meramente ao ato instintivo de saciar a fome ou as necessidades prementes do organismo físico e biológico; ao contrário, envolve toda uma gama de fatores e ações condizentes em políticas públicas e iniciativas sociais onde se possibilite o acesso irrestrito à bens em quantidade, qualidade e valores condizentes com a necessidade vital da pessoa. Isto sim é a realização do preceito da segurança alimentar nas condições e objetivos humanistas.

 

No âmbito da segurança alimentar, os Estados devem construir políticas públicas que modifiquem as relações com a terra, que dividam esta de forma mais equânime, que propiciem fomento às novas realidades, que alterem o tipo de produção, processamento, distribuição de alimentos, relações de trabalho e sustentabilidade ambiental. Os Estados devem construir políticas públicas que efetivamente protejam os direitos humanos e as liberdades fundamentais.11

 

No entendimento da lei brasileira que trata do assunto a segurança alimentar e nutricional envolve a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, com especial atenção a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda. Finalmente se reconhece que não é o latifúndio ou grande propriedade que produz àquilo que as pessoas de um país comerão, e sim os pequenos produtores em trabalho associado e familiar que respondem pelo sustento de um País.

Para a garantia de uma alimentação segura é preciso também que os alimentos e insumos sejam livres de contaminação ou ameaças, somente conseguível através da utilização sustentável dos recursos e com respeito ao meio ambiente e à biodiversidade. Não se pode deixar de mencionar outro requisito elencado pela lei como essencial para a existência da segurnça alimentar que é a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos; o aproveitamento em suas máximas possibilidades, combatendo-se o desperdício, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica, racial, regional e cultural da população. Quanto ao respeito pela diversidade se faz imprescindível a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País.

A norma positiva abraçou a ideia de que a segurança alimentar não é uma medidade única e isolada, mas um conjunto de ações e iniciativas que somadas vão possibilitar a plena supressão da carência nutricional, combatendo-se à fome e a miséria, medidas relevantes quando se busca uma sociedade mais justa e solidária.

Nesse ponto a Lei de Segurança Alimentar foi um avanço. Isto porque estabeleceu o reconhecimento político e jurídico da segurança alimentar como uma das metas permanentes do Estado e da sociedade. Triste é que nestes tempos somente, na altura do século XXI, busca-se o bem estar do homem possibilitando exercer o seu direito de viver e se alimentar em condições de lhe possibilitar segurança e uma existência digna.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao final do presente artigo constatamos o avanço brasileiro na criação de um sistema de políticas públicas e ações governamentais visando a implementação do direito humano à Segurança Alimentar. Este direito permite o acesso à alimentos saudáveis, de qualidade e em quantidade sufientes à atender às necessidades pessoais de desenvolvimento e manutenção.

Na medida em que se deve comemorar o reconhecimento do direito à alimentação e à segurança inerente ao processo alimentar é triste e nada acalentador o fato de que muito ainda falta por fazer. Em um país com uma atividade econômica intensa como o Brasil convive ainda diariamente com episódios de miséria e fome. Àqueles que não sofrem do processo de inanição e carência diária ainda apresentam uma extrema insegurança alimentar. Os alimentos que conseguem e consomem ainda são insuficientes às suas necessidades e expectativas como realização do preceito de uma vida digna.

Esperamos que com a previsão constitucional elegendo o direito à alimentação à categoria de direito fundamental possa impulsionar a criação de mais programas de segurança alimentar com base na Lei Nacional de Segurança Alimentar (Lei n°. 11.346, de 15 de setembro de 2006). Os preceitos normatizados na referida lei apresentam bons conceitos e diretrizes de atuação por parte do Estado e da sociedade de um modo geral, porém, é preciso agir muito mais do que esperar.

Devem-se transformar em realidade os comandos previstos na lei de segurança alimentar. Isto somente se consegue quando o Estado brasileiro veradadeiramente passar a se dedicar efetivamente com sua atenção voltada à população: os que passam fome e os que ainda sofrem privações de certeza e segurança quanto à alimentação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Consitucional. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2008

CASTRO, Josué. Geografia da Fome. 05.ed. São Paulo: Brasiliense, 1957.

CASTRO, Josué. Geopolítica da Fome. 02.ed. São Paulo: Brasiliense, 1957.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 03.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MANIGLIA, Elisabete. As Interfaces do Direito Agrário e dos Direitos Humanos e a Segurança Alimentar. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

Construcción del Sistema y de la Política de Seguridad Alimentaria y Nutricional:la experiencia brasileña. Disponível em: [http://www4.planalto.gov.br/consea/publicacoes/publiucacoes-arquivos/construcao-do-sistema-e-da-politica-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional-a-experiencia-brasileira-espanhol]. Acesso em 30-03-2011.

IBGE diz que 11,2 milhões de brasileiros passam fome

Disponível em: [http://exame.abril.com.br/economia/brasil/noticias/ibge-diz-que-11-2-milhoes-de-brasileiros-passam-fome]. Acesso em 30-03-2011.

IBGE traça perfil inédito sobre Segurança Alimentar no Brasil

Disponível em: [http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=600]. Acesso em 30-03-2011.

 

 

2 CASTRO, Josué. Geopolítica da Fome. 02.ed. São Paulo: Brasiliense, 1957, p. 45.

3 Para conjurarmos o risco de consolidação da bárbarie, precisamos construir urgentemente um mundo novo, uma civilização que assegure a todos os seres humanos, sem embargo das múltiplas referências biológicas e culturais que os distinguem entre si, o direito elementar à busca da felicidade. (COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 03.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 540.)

4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Consitucional. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 562.

5 Segundo dados mais atualizados do IBGE (2011) o país possui 8.514.876,599 quilômetros quadrados de área, correspondente a 47% do território sul-americano.

8 CASTRO, Josué. Geografia da Fome. 05.ed. São Paulo: Brasiliense, 1957.

9Construcción del Sistema y de la Política de Seguridad Alimentaria y Nutricional:la experiencia brasileña. Disponível em: [http://www4.planalto.gov.br/consea/publicacoes/publiucacoes-arquivos/construcao-do-sistema-e-da-politica-nacional-de-seguranca-alimentar-e-nutricional-a-experiencia-brasileira-espanhol].

10 Art. 1º. Esta Lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, por meio do qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e implementará políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada.

11 MANIGLIA, Elisabete. As Interfaces do Direito Agrário e dos Direitos Humanos e a Segurança Alimentar. São Paulo: Editora Unesp, 2009.

Andre Luiz Valim Vieira

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