Corrupção, natureza humana e castigo

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Se, como disse Aristóteles, “a virtude moral assegura a retitude do fim que perseguimos, e a prudência a [retitude] dos meios para chegar a este fim…”, o único corrupto virtuoso é o que está morto.

As virtudes mais próprias da vida pública são a justiça e a honradez. Sem instituições justas e sem políticos e funcionários honrados mal pode funcionar adequadamente a vida democrática. Contudo, em um País que segundo o ranking/2011 da Transparência Internacional comparece como um dos países mais corruptos do mundo (sobre 183 analisados, o Brasil ocupa o 73º lugar), o aumento alarmante, indigno e intolerável da corrupção e da impunidade acelera a ominosa decadência do Estado de Direito e da ética pública, provocada por aqueles indivíduos que, conhecendo os “benefícos” da corrupção, são tocados pela ambição que lhes incita a enganar e a estafar de maneira imprópria, sem nenhum tipo de escrúpulo.

Mas não somente isso. A hipocrisia e o cinismo antropológico têm contribuído a despolitizar o fenômeno da corrupção pela via da banalização inespecífica: não há um problema de corrupção política, distinto do problema da corrupção administrativa, distinto do problema da corrupção judicial, distinto do problema da corrupção econômica privada, etc., senão que a natureza humana, em geral, seria pronta ao suborno1. Consolo para políticos e funcionários públicos corruptos (ou irresponsáveis) e pretexto para os protestos de agudeza de jornalistas e colunistas de grandes revistas semanais, o discurso político do problema da corrupção é substituído pela reafirmação da doutrina paulina da corrupção geral da natureza humana como consequência da caída de nossos pais no pecado original2.

Em seu ensaio The White Album, Joan Didion recorda que “nos contamos contos a nós mesmos para poder viver”. Com esses contos reafirmamos nossas crenças, abraçamos informação que apoia o que preferimos ou que serve para justificar e confirmar nossas hipóteses (independentemente de serem ou não verdadeiras), expressamos nossas opiniões e encontramos a maneira de navegar pelas estranhas águas da vida. A ideia de que a corrupção ou inclinação para ser corrupto ou corruptor é um dos ingredientes da natureza humana forma parte desse tipo de contos. Histórias que consolam, enganam e até seduzem, mas histórias ao fim e ao cabo.

Afortunadamente não temos que recordar todos os disparates e truanices que ouvimos na vida!

 

Corrupção e natureza humana

É razoável e viável conceber a atividade pública, que pretenda ser digna de algum crédito na atualidade, desvinculada do caráter e da virtude moral do sujeito-agente em um Estado republicano? Francamente creio que não.

No Livro IX da Ética Nicomáquea3, Aristóteles apresenta um esquema ético-social da relação entre a virtude pessoal e o bem-estar coletivo ou o bem público. A interpretação mais natural e corrente deste texto declara o seguinte:

1) Que há homens bons e homens maus.

2) Que os homens bons são virtuosos, e que ser virtuoso quer dizer “estar em harmonia consigo mesmo”, “querer sempre as mesmas coisas”, não ter uma vontade volúvel ou caprichosa, e desejar ao mesmo tempo o que convém – e se deve- a si mesmo e o que convém – e se deve – aos demais.

3) Que os homens maus, ao contrário, são viciosos que nem estão em harmonia consigo mesmos pelo traço mudadiço de sua vontade, nem podem tê-la com os demais ao antepor sistematicamente seus próprios interesses particulares do momento ao que se deve aos demais (e a si mesmo no futuro).

Essas três afirmações admitem a seguinte reformulação: os homens maus o são porque não conseguem resolver um dilema do prisioneiro que seus eus presentes jogam contra seus eus futuros, e pelo mesmo motivo que se maltratam a si mesmos, têm que maltratar também aos demais; o homem mau é um free rider com os demais porque o é desde logo consigo mesmo. O homem bom, em câmbio, é um jogador de lei, que pelo mesmo motivo que trata bem a seus eus futuros e está em harmonia consigo mesmo, o está também com os demais.4

A partir daí pode derivar-se uma conclusão de ética social descritiva e uma conclusão político-normativa. A inferência descritiva é a seguinte: uma comunidade política ou sociedade civil de homens maus não terá bens públicos, e ao revés, em uma comunidade de homens virtuosos fluirão abundantemente os bens públicos. A inferência normativa é esta: em uma comunidade na qual, como é realista supor, coexistam homens bons e homens maus, devem necessariamente mandar os homens bons e virtuosos, impondo-se aos maus e viciosos. Do contrário, a comunidade política se destruirá pelo império da “discórdia pugnaz” e o descuido dos “serviços públicos”. A virtude moral, portanto, seria uma condição indispensável para o exercício pleno e legítimo da função política, administrativa e judicial.

Mas há algo mais: no contexto do complicado atuar humano, o que faz com que algumas pessoas levem uma vida reta e honrada e que outras pareçam cair com facilidade na imoralidade e o delito? Que fatores ou influências guiam nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossos atos para o bom ou o mau caminho? Até que ponto o comportamento vicioso está à mercê de nossa natureza inexoravelmente “corrupta e caída” ou de acontecimentos situacionais cumulativos, isto é, da situação e do momento em que nos encontramos?

O melhor recurso contra o descaro antropológico de que a corrupção estaria na “natureza humana” é a evidência de que somos tanto o resultado dos extensos sistemas – riqueza e pobreza, educação, predomínio cultural e religioso, etc. – que governam nossa vida como das situações concretas em que nos encontramos a diário. Por sua vez, estas forças interagem com nossa biologia e nossa personalidade. Somos uma mescla de instintos em que o potencial para a bondade e para a perversão é inerente à complexidade da mente humana. Juntos, o impulso para o mal e para o bem compõe a dualidade mais básica da natureza humana. Isto implica que a trajetória da ação que adotamos em um determinado momento e situação é o resultado de um estado mental emergente selecionado pela interação do complexo meio circundante em que opera o cérebro, isto é, de que existem infinidades de influências que guiam nossas condutas e nossos juízos morais. (M. Gazzaniga, 2011)

Desafortunadamente, a maioria das pessoas se nega a reconhecer que embora a virtude se exerça de maneira unificada em um conjunto de situações significativas, em determinadas situações podem existir forças externas e internas potentes, mas sutis, com poder potencial de transformá-las. Se negam a admitir que certos estados de coisas influem em nossos próprios estados motivacionais alterando o comportamento e que é necessário uma grande disposição e força de vontade para paliar as falhas do autocontrole. Por isso que resulta tentador rever essas ideias concebidas por cérebros teologicamente condicionados para, com o que se sabe hoje acerca da plasticidade do desenvolvimento do cérebro humano, incluir a “plasticidade” da natureza humana. (R. Weiss, 2005)

Esta forma de conceber a moral afasta-nos das inferências estúpidas, encontra as raízes da moralidade em como somos, no que nos ocupa e o que nos preocupa, quero dizer, em nossa natureza, nos correlatos que no cérebro parecem ditar o sentido do comportamento moral. A natureza humana se plasma em um cérebro plástico e complexo, que coordena e controla a conduta do indivíduo em função da informação que recebe do entorno, orientando-se tanto por seus próprios sentimentos e preferências congênitas como pelas normas culturais adquiridas. Todos estes fatores restringem, mas não (pré-) determinam em todos os seus detalhes o que vamos fazer ou a forma como vamos comportar-nos. Sempre há uma margem de manobra (ainda que inibitória) que dirigimos segundo nossas eleições e decisões. Nisso consiste nosso “livre-arbítrio”5.

Claro que um político ou funcionário corrupto é assustadoramente egoísta e busca a justificação para seus atos nos rincões mais escuros de sua mente doentia; que seu comportamento perverso, imoral, cínico e perigoso não pode suportar que a luz da virtude brilhe com demasiada força no fascinante mundo da imoralidade. Talvez por isso não resulte difícil exagerar, em tema de corrupção, a influência generalizada que tem o hedonismo e o egoísmo sobre o pensamento das pessoas, que os seres humanos que a praticam são corruptos por natureza (no melhor estilo paulino) e que esta circunstância se considera o produto de um realismo clarividente.

O problema é que o comportamento humano também é compatível com a hipótese contrária: alguns políticos e funcionários são claramente honrados, não atacam a moral, não traem a ideia de virtude e não se empenham em destruir tudo aquilo o que uma sociedade decente defende. Embora existam razões suficientes para acreditar que estes tipos de políticos e funcionários sigam sendo uma espécie ameaçada, a mera existência dos mesmos deveria ser suficiente para pôr em dúvida as posturas que tendem a apresentar ao indivíduo como animado única ou primordialmente por seu próprio interesse egoísta, ou como se diz agora com feio anglicismo, “auto-interesse”6. E isso pode fazer-se de dois modos distintos: descritiva ou normativamente.

Pode-se dizer – no plano descritivo – que os indivíduos, de fato, só ou primordialmente estão motivados por seu próprio interesse, mais ou menos ilustrados; ou se pode sustentar – no plano normativo –, e sem dúvida com maior refinamento, que sejam quais forem de fato as motivações dos indivíduos, à hora de desenhar instituições sociais, jurídicas e políticas é melhor aceitar, segundo sugeriu Hume em seu dia, o suposto universal de corrupção e vilania para fazer instituições duradouras e eficazes, ou seja, à prova de vilões e corruptos. Quer dizer, à hora de fazer construções normativas é melhor imaginar o pior e sentar critérios operativos também para o caso de que todos sejam vilões.

Ambos monismos motivacionais – o descritivo e o normativo – andam errados. Se isso é pessimismo antropológico, há de dizer que esse pessimismo é, como já advertido antes, irrealista na consideração dos fatos (e especialmente de nossa natureza) e irrealisticamente contraproducente no que se refere ao desenho de um modelo institucional e ético-jurídico.

No plano descritivo, não há que negar nunca a importância e ainda a legitimidade do motivo do interesse próprio na ação humana (desde o  de Aristóteles até o amour de soi rousseauniano e o selfinterest de Adam Smith, passando pela conservatio sui spinoziana – ou, para chegar até hoje mesmo, a “ação estratégica” de Habermas); o que há que negar, bem realisticamente por certo, é que este motivo tenha o monopólio da motivação humana. Por outro lado, no plano normativo: não há que rechaçar a ideia de que se tenha de construir instituições à prova de vilões e corruptos; o que há que negar é que isso possa fazer-se realisticamente desenhando-as a partir do suposto de vilania e corrupção universais7.

Portanto, segundo esta perspectiva do pluralismo motivacional (tão própria da tradição republicana8), o mais razoável é partir sempre, e explicitamente desde Montesquieu, da hipótese de que todos são corruptíveis – não corruptos ou depravados inatos –, crendo, à diferença de Hume, que a mais realista maneira de desenhar instituições duradouras e à prova de corruptos é deixar-se guiar pela ideia que o melhor Robespierre – o que reintroduziu, por vez primeira na Europa moderna, o sufrágio universal característico das poleis democráticas do mediterrâneo oriental antigo – expressou assim: “Toute institution qui ne supose pas le peuple bon, et le magistrat corruptible, est vicieuse”.(Robespierre,1965)

Seja como for, a corrupção no Brasil é um fato e a impunidade um fenômeno exposto à vista de todos. Além disso, a ingente necessidade (descritiva e normativa) de instituições à prova de vilões e corruptos parece ter o mesmo significado que para um cego representa a beleza de um crepúsculo: um conto, uma metáfora, nada mais. E é precisamente a atual e pavorosa orgia brasileira de corrupção e impunidade a principal causa da degradação da confiança e da inquietante anarquia moral que infectam nossas instituições públicas.

 

Corrupção e castigo

Perguntar-se como combater e eliminar o comportamento corrupto é, em boa medida, considerar a possibilidade de eleger dizer não a um tipo de discurso político deplorável, de manipulação e de dissimulação no que à corrupção se refere, uma rapsódia de disparates fingidos e infundados que parece só saber fabular e galhofar do problema da impunidade e da morbosa carência de moralidade pública.

Ninguém pode negar que a corrupção é um ato de maldade, um mal que afeta principalmente às pessoas, atenta contra os direitos fundamentais, enfraquece a república, destrui a institucionalidade democrática, impede a igualdade de oportunidades, o exercício das liberdades e acentua as desigualdades (Villanueva Haro, 2012). Um ato de poder que, atuando por encima dos princípios e normas de um Estado de Direito, viola sistematicamente as expectativas dos bons cidadãos. Um comportamento que debilita a coesão social ao carcomer paulatinamente um conjunto de valores importantes para a sociedade, gerando altos e intoleráveis níveis de paranóica desconfiança. Uma prática perversa que, fomentada por alguma função institucional ou autoridade que lhe dá permissão para atuar de maneira anti-social e desonesta contra outras pessoas, predispõe e incita o agente corrupto a “fazer a guerra” em benefício próprio.

É certo que a corrupção sempre existiu e seguirá existindo, mas tal coisa não exime a nenhum Estado de desenvolver e preparar todo um conjunto de dispositivos institucionais para tratar de erradicá-la, de minimizar seu alcance e de castigar todos os atos indevidos por parte de certos indivíduos que obtêm um benefício pessoal que é, ademais de grotesco e cruel, ilegal, ilegitímo e inumano. Mas também depende de se os cidadãos e as instituições que efetivamente dispõem das condições favoráveis para tanto seguem ou não em sua maioria apáticos, indiferentes a este tipo de prática que debilita tanto as bases da igualdade e da vida social comunitária como a eficácia mesma da liberdade. Se descuidam ou não da “eterna vigilância cidadã” (republicana), que trata de evitar que o comportamento corrupto por parte dos mais astutos rompa os vínculos da igualdade cidadã e rebaixe as concepções da justiça e da ética a uma banalização do uso do poder ao serviço de espúrios e injustificados interesses egoístas, isto é, degrade a res publica à res privata.

Parece haver chegado o momento de lutar pró-ativamente, com irresignação e “fúria justa contra este tipo de epidêmica pornografia moral, cuja única finalidade é a de sumir a massa na ignorância, na impotência e na pobreza mais profunda. É o momento de lutar para restabelecer a confiança, a virtude e a honradez pública de um Estado impotente e ineficaz, que continua a distribuir de forma tão grosseiramente desigual recursos, oportunidades e riqueza, e de forma tão incivil como escassa a liberdade, assistência sanitária, a educação, a segurança pública,…

É necessário perseguir, julgar e castigar severamente todo e qualquer agente corrupto, porque a pobreza, a ignorância, a falência do sistema de ensino e da saúde pública e as desigualdades não são meramente males em si mesmos, senão uma consequência direta do desbarate egoísta e malicioso da usurpação pessoal dos recursos públicos. Recordemos que tanto os atuais modelos teóricos como as provas experimentais indicam que, à falta de castigo, a solidariedade mútua e o significado social de uma vida digna não se sustentam em presença de aproveitadores, e decaem. Com o fim de que sobreviva a cooperação social, é imprescindível e iniludível condenar e punir os desonestos. Se a responsabilidade e o castigo se eliminam, a sociedade se desmorona. (M. Gazzaniga, 2012) De fato, a mera possibilidade de aplicar uma penalização não só favorece atuações morais senão que funciona como uma forma eficaz de incrementar a cooperação: a moral e a cooperação prosperam se o castigo é possível e deixam de funcionar se é eliminado (P. Churchland, 2011). Dito de outro modo, a virtude unifica, os vícios dispersam e o castigo corrige.

Assim que já não é suficiente a indignação, é necessário reação contundente, severa e incondicional; já não é suficiente a “tolerância zero”, é necessário “intolerância radical” com relação a esses monstros talhados pelas circunstâncias de um Estado, de uma “República”, que SIM tolera “o poder que corrompe e […] admite o poder que se deixa corromper9 – do contrário, resulta francamente evidente, o Brasil não se destacaria entre os países mais corruptos do mundo.

Pessoalmente, e desde meu assumido ceticismo, me limito a conjecturar – parafraseando a máxima de Jean Meslier – que a praga da corrupção só será definitivamente erradicada quando o último corrupto houver morto estrangulado com as tripas do último sacerdote pedófilo. Mas isso é outra história.

 

1 Disse Alan Greenspan, acaso o principal responsável político de uma das eras de cobiça e corrupção econômica mais despiadadas do último século. (A. Domènech, 2009)

2Porque sabemos que la ley es espiritual; mas yo soy carnal, vendido a sujeción del pecado. / Porque lo que hago, no lo entiendo; ni lo que quiero, hago; antes lo que aborrezco, aquello hago. / Y si lo que no quiero, esto hago, apruebo que la ley es buena. / De manera que ya no obro aquello, sino el pecado que mora en mí. / Y yo sé que en mí (es a saber, en mi carne) no mora el bien: porque tengo el querer, mas efectuar el bien no lo alcanzo. / Porque no hago el bien que quiero; mas el mal que no quiero, éste hago. / Y si hago lo que no quiero, ya no lo obro yo, sino el pecado que mora en mí. / Así que, queriendo yo hacer el bien, hallo esta ley: Que el mal está en mí.” (Pablo, Romanos, 6, 14-21)

3 1167B (versão espanhola): “Ahora bien; esta clase de concordia se da entre los hombres buenos, pues éstos están en armonía consigo mismos y entre sí, y teniendo, por así decirlo, un mismo deseo (porque siempre quieren las mismas cosas y su voluntad no está sujeta a corrientes contrarias como un estrecho), quieren a la vez lo justo y conveniente, y a esto aspiran en común. En cambio, en los malos no es posible la concordia, salvo en pequeña medida, ni tampoco la amistad, porque todos aspiran a una parte mayor de la que les corresponde de ventajas, y se quedan atrás en los trabajos y servicios públicos. Y como cada uno de ellos procura esto para sí, critica y pone trabas al vecino, y si no se atiende a la comunidad, ésta se destruye. La consecuencia es, por tanto, la discordia pugnaz entre ellos al coaccionarse los unos a los otros y no querer hacer espontáneamente lo que es justo.”

 

4El hombre perverso, sin duda, no es uno, sino múltiple, y en el mismo día es otra persona e inconstante. (…) el hombre bueno no tiene que andar haciéndose reproches a sí mismo todo el tiempo, como el incontinente; ni su yo presente nada que reprochar al del pasado, como el arrepentido; ni su yo pasado al del futuro, como el mentiroso.” (Et. Eu., 1240B)

5 Sobre a questão de se somos ou não livres, tudo depende do que entendamos por livre-arbítrio. Se por livre-arbítrio entendemos que atuamos de uma forma controlada de modo que somos capazes de reconhecer as consequências de nossas intenções, então, claro que temos livre-arbítrio. Mas, se por livre-arbítrio entendemos uma espécie de criação desde “nada” por uma alma não física, então não, não temos uma coisa assim. Por exemplo, o famoso experimento realizado Benjamin Libet parece indicar que o cérebro decide o que vamos fazer antes de que sejamos conscientes de tomar a decisão. Estou seguro de que a maior parte do que o cérebro faz se produz fora de nossa consciência, e isto inclui muitas decisões. Mas isso não significa que não temos liberdade ou responsabilidade. Como explica Chris Frith (2008), o sentimento de tomar decisões livres é uma parte fundamental de nossa experiência consciente. Sejamos livres ou não, o importante é que nos experimentamos como agentes livres; também experimentamos as outras pessoas como agentes livres. E esta experiência tem uma função muito importante. Em resumo, desde uma perspectiva mais naturalista, parece certo que não nos criamos completamente a nós mesmos, no sentido de que tem que haver algo em nós do qual não somos a causa. Mas o problema central com respeito a nosso interesse pela liberdade não é se os acontecimentos em nossa vida volitiva estão determinados causalmente por condições externas a nós. O que realmente conta, no concernente à liberdade, não é a independência causal. É a autonomia. E a autonomia é essencialmente uma questão de se somos ativos e não passivos em nossos motivos e eleições; de se, com independência do modo em que os adquirimos, são motivos e eleições que realmente queremos e que, portanto, não nos são alheios. (H. Frankfurt, 2004)

6 Como sugere R. Feynman (1998), as exceções servem precisamente para confirmar que a regra é…errônea.

7 O sentido comum aceitou desde sempre a mundana realidade dos vilões e os corruptos, e é sentir comum também a necessidade de enfrentá-los como tais. Mas a máxima protoliberal de Hume vai muito mais além disso: o que recomenda é enfrentar-se ativamente a todo mundo com “ferro em mão” se por acaso forem vilões. ( P. Pettit, 1999)

8 Neste ponto, a principal diferença da tradição republicana com relação a tradição liberal parece ser a seguinte: os republicanos tendem ao pluralismo motivacional; os liberais, ao monismo motivacional. Já se disse também que a diferença entre ambas as tradições tem que ver com seus respectivos otimismo e pessimismo antropológicos. Isso é verdade somente em parte. Certamente o liberalismo é herdeiro do extremo pessimismo antropológico paulino do cristianismo reformado (o protoliberal Hobbes foi um devoto da leitura luterana da Epístola aos Romanos; e de tronco evangélico são os mais genuínos representantes do liberalismo propriamente dito – do século XIX – até nos países católicos: protestante foi Benjamin Constant, protestante Guizot). ). É, em câmbio, falso que a tradição republicana seja otimista antropologicamente. Nem sequer o maninelo exemplo do paranóico Rousseau seria aqui conveniente. Para desmenti-lo, bastaria citar dois republicanos, ferventes devotos de Rousseau, aos que os liberais contemporâneos consideram – quem sabe com que direito – como seus: com cauta tibieza a Kant; com aviltante ignorância a Adam Smith. (A. Fernandez, 2007)

9 Fragmento do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello (STF), na AP 470/MG, na sessão plenária de 1º de outubro de 2012.

Atahualpa Fernandez

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