Consenso, dissenso e autopoiesis: critica di Niklas Luhmann alla teoria di Jürgen Habermas nella perspectiva del diritto

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Abstract: For Habermas, the Luhmann’s systems theory if gives to legitimize the power. For Luhmann, the communicative action theory and the discursive theory of Habermas alone can be affirmed as well intentioned. An interesting quarrel that has as background the problem of the self-implication of the theories and the possibilities of ideal reconstruction of the society – with the freedom pretensions of public speeches under ideal conditions (Habermas); or with the inevitable submission to the symbolically generalized medium (Luhmann). Whereas for Habermas the consensus is basic for the organization, constitution and evolution of the society, Luhmann sees the production and reproduction of the difference. In this context, this paper objective to describe main critical of Luhmann to the theory of Jürgen Habermas, with the importance of this quarrel for the sociology and the epistemology. The result is the experience of the finitude and the respective undecidability, that Habermas faces with the “soft transcendental” optimism; e that Luhmann sees as a paradox that it demands and self-producing creativity.
Word-key: Niklas Luhmann; Jürgen Habermas; consensus; dissent; autopoiesis.
Resumo: Para Habermas, a teoria dos sistemas de Luhmann se presta para legitimar o poder. Para Luhmann, a teoria da ação comunicativa e a teoria discursiva de Habermas só podem se afirmar como bem intencionadas. Uma discussão no mínimo interessante que tem como pano de fundo o problema da auto-implicação das teorias e das possibilidades de reconstrução ideal da sociedade contemporânea – com as pretensões emancipatórias de discursos públicos sob condições ideais (Habermas); ou com a inevitável submissão aos meios de comunicação simbolicamente generalizados (Luhmann). Enquanto que Habermas prima pelo consenso como forma de organização, constituição e evolução da sociedade contemporânea, Luhmann vê a produção e reprodução da diferença. Nesse contexto, objetiva-se descrever as principais críticas de Luhmann à teoria de Habermas, ressaltando a importância dessa discussão para a sociologia e para a epistemologia das ciências sociais. O resultado é a experiência da finitude e a respectiva indecidibilidade, que Habermas encara com o otimismo “quase transcendental” de sujeitos capazes de ação e linguagem; e que Luhmann vê como um paradoxo que exige e autoproduz criatividade.
Palavras-chave: Niklas Luhmann; Jürgen Habermas; consenso; dissenso; autopoiese.
 
Introdução
As críticas de Jürgen Habermas à teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann já são bastante conhecidas pelos sociólogos e filósofos contemporâneos. Entre os habermasianos há inclusive uma espécie de consenso em considerar a sociologia de Luhmann no marco ambivalente de: a) ora um empirismo desconstrutivista que tende mais às esquematizações do pós-estruturalismo francês de Derrida e Lyotard do que para o funcionalismo de Parsons; b) ora uma mera utilização de modelos da biologia (a autopoiese de Maturana e Varela) e da matemática (a second order cibernetics de Foerster e a teoria da forma de Spencer Brown) para constituir a sociedade através de velhos modelos organicistas. Uma leitura cuidadosa dos textos de Habermas, contudo, permite ver que as suas críticas mais contundentes levam mais a sério a teoria luhmanniana. E por isso, uma discussão das críticas de Luhmann à teoria da ação comunicativa e à teoria do discurso de Habermas torna-se, no mínimo, interessante.
As teorias de Habermas e Luhmann têm muito em comum. Ambas são teorias desenvolvidas na tradição da filosofia alemã, mas com conceitos da sociologia americana de Parsons, que por sua vez estudou na Alemanha. Ocorreu ali uma troca bastante frutífera de tradições européias e americanas. Resultado: duas teorias sofisticadas, com pretensões de universalidade e suficientemente complexas para entender a sociedade contemporânea. Duas teorias com as mesmas preocupações: entender e descrever as dinâmicas de organização, constituição e evolução da sociedade. Para Habermas, uma dinâmica que ocorre sob uma relação complexa entre sistemas funcionais (dinheiro e poder) e o “mundo vivido” compartilhado intersubjetivamente e que, por isso, pressupõe o consenso como categoria fundamental para a coordenação das ações sociais. Para Luhmann, uma dinâmica que ocorre sob uma relação complexa entre sistemas autopoiéticos, operativamente fechados, baseados em comunicação significativa e que por isso não pressupõem nenhum consenso intersubjetivo, mas sim a produção da diferença.
No fundo, a diferença fundamental entre as teorias de Habermas e Luhmann está no modo como cada um enfrenta o problema filosófico da finitude. Habermas parte da finitude para reconstruir as possibilidades de uma sociedade mais justa; enquanto que Luhmann parte da finitude para explicar como a sociedade cria e limita a suas próprias possibilidades. Habermas realiza um resgate dos ideais transcendentais de Kant, destranscendentalizando-os através da idéia do consenso conquistado intersubjetivamente; Luhmann, porém, resgata a dialética de Hegel, invertendo a identidade pela diferença (Luhmann, 1998b, p. 34), e observa que o mais importante para se entender o sentido da sociedade contemporânea não é o consenso, mas os processos de produção de diferença (Rocha, 2001, p. 126). Os problemas de dissenso e controle da sociedade então perdem relevância na teoria de Luhmann. A questão do dissenso e do controle é substituída pela questão da autonomia e da sensibilidade dos sistemas perante o ambiente; e a questão do planejamento e da evolução de sistemas estáveis é substituída pela questão da auto-efetuação de sistemas com estabilidade dinâmica.
Ambos compartilham a noção de que “a dialética do progresso se revela no fato de que – com a aquisição da capacidade de resolver os problemas – adquire-se consciência de novas situações problemáticas.” (Habermas, 1983, p. 145). Para Luhmann, contudo, esse problema é muito mais profundo: a própria colocação do problema já está pré-configurada pela solução. Ou seja, só se pode ver e chamar um problema de “problema” porque e enquanto ele já estiver estruturado para uma possível solução. Isso significa que há problemas na sociedade que não podem ser vistos como problemas, mas que nem por isso deixam de sê-los. A solução de um problema, portanto, está obrigada a manter-se dentro da estrutura do próprio problema. E isso significa que a solução é uma solução autoproduzida pelo próprio problema. O problema da solução, portanto, está no fato dele exigir redução de complexidade para poder ser formulado com vistas a uma solução. O problema é um axioma de incompletude, porque a sua solução é seu elemento e, por isso, o problema só é problema enquanto temporalização de uma solução. Desde a teoria da reminiscência de Platão se diz que a colocação do problema pressupõe saber-se o que se busca (solução). Mas como saber que não se sabe? Como é possível reconhecer um problema para solucioná-lo adequadamente? Essas questões revelam o paradoxo que constitui o esquema problema/solução: tanto a formulação do problema como a sua solução só são possíveis na finitude de uma seletividade, isto é, na finitude de uma redução de complexidade realizada pelas teorias e métodos científicos (Luhmann, 1996a, p. 302). A solução então economiza o problema para sempre poder ser reproblematizado.
Habermas acredita na possibilidade de uma teoria capaz de desencadear transformações na sociedade, enquanto Luhmann observa que as transformações na sociedade são desencadeadas e produzidas apenas dentro dos limites estruturais que a própria sociedade constrói: uma autoprodução de problemas e das respectivas soluções. Por uma questão puramente ecológica, por exemplo, a idéia de que os países de terceiro mundo poderão manter um mesmo padrão de vida e de liberdade dos países de primeiro mundo é, no máximo, uma idéia bem intencionada (Luhmann, 2000a, p. 497). Há uma limitação histórico-estrutural das possibilidades do futuro, que não é coordenada pela vontade consensual de todos, mas sim pelas próprias possibilidades auto-estruturadas pela trajetória histórico-evolutiva das dinâmicas comunicativas da sociedade. Daí o interesse de Habermas na teoria de Luhmann: “lo único que nos interesa de ella es saber donde está el error de contenido, en virtud del cual esa teoría se presta al cumplimento de la función latente de legitimar el poder” (Habermas, 1996, p. 309).
Três fases na teoria de Luhmann
Antes de se prosseguir com essa discussão, é importante desfazerem-se alguns preconceitos que existem sobre a teoria da sociedade de Luhmann. Em primeiro lugar, podem-se identificar duas fases – e mais uma terceira bastante sutil – no pensamento de Luhmann, cujas mudanças, contudo, implicaram pouquíssimas retratações e autocorreções. Na primeira fase – funcional-estuturalista – Luhmann está preocupado em criar as bases teóricas de uma sociologia adequada à descrição da sociedade moderna, que se caracteriza pela complexidade. Luhmann já supera, nessa fase, os problemas da sociologia dos papéis e da ação teleológica. A questão, nesta primeira fase, é descrever como a sociedade mantém a sua ordem (estrutura) em um ambiente sempre muito complexo, onde a função que cada subsistema social desempenha para o sistema total da sociedade passa a ser o critério de orientação – por isso funcional-estruturalista (Rocha et al, 2005). As implicações disso para a sociologia foram enormes: orientado à função, um sistema social pode modificar por si mesmo as suas estruturas.
Essa fase encerra-se com a incorporação do conceito de autopoiese, que se tornou explícito com a publicação, em 1984, da obra intitulada Sistemas Sociais (1998b) – embora o conceito já se encontrasse em textos anteriores. O conceito de autopoiese transfere a unidade de autoprodução, das estruturas, para os elementos do sistema. Como a estrutura de um sistema autopoiético também é produto de si mesmo e, portanto, contingente, a estrutura é constituída apenas por processos, apenas por operações. E a função passa a ser, então, uma autofunção e por isso deve ser distinguida das prestações que um sistema realiza para os demais sistemas que se encontram em seu ambiente. Aqui Luhmann teve que tomar uma decisão teórica importante: a ação, como tradicional unidade analítica da sociologia, foi substituída por uma unidade muito mais complexa: a comunicação – que passa a abranger a ação, a informação e a compreensão, sendo a ação, por sua vez, a unidade da diferença entre ação e vivência. O conceito de sociedade como comunicação exclui, portanto, o conceito de intersubjetividade (Luhmann, 1996a, p. 437).
E uma terceira fase, se é que se pode chamá-la assim, pode ser observada já no início da década de noventa, onde a teoria da evolução foi substancialmente aperfeiçoada através da distinção “meio/forma”. A forma “meio/forma” é um esquema conceitual que foi constantemente aperfeiçoado ao longo da produção científica de Luhmann. Pode-se observar que até e inclusive na obra “Sistemas Sociais”, a noção de “meio” desempenhava uma função descritiva mais tímida, freqüentemente ofuscada pela maior importância conferida ao problema da absorção estrutural da complexidade e da dupla contingência nas expectativas. Nas últimas produções de Luhmann, no entanto, a noção “meio/forma” ganhou maior amplitude: passou a ser uma unidade hologramática na teoria dos sistemas sociais autopoiéticos.
Escapa da proposta desta exposição a pretensão de explicar, ainda que resumidamente, os conceitos que formam a base teórica luhmanniana. O importante, para se entender as críticas de Luhmann a Habermas, é entender a autopoiese como um conceito. Autopoiese é só um conceito. E é um conceito que não indica e nem serve de critério para um tipo especial de racionalidade (Luhmann, 1996a, p. 487). Não é uma ferramenta neoliberal, disponível às pessoas, para transformar um sistema seguro, controlável e previsível em um sistema dinâmico, incontrolável, imprevisível e por isso arriscado. A teoria dos sistemas autopoiéticos não quer “autopoietizar” a sociedade. Ela não tem um conteúdo normativo. Ela não diz que um sistema, para ser bom, eficiente ou qualquer coisa, “deve” ser autopoiético. Nem descreve a sociedade como um conjunto de sistemas isolados uns dos outros, como se fossem mônadas ou partes de um todo chamado sociedade. Na teoria dos sistemas de Luhmann, cada sistema é ambiente para todos os demais.
As acusações de pretensões neopositivistas, neoliberais e a equiparação de Luhmann a Parsons, por exemplo, são absolutamente equivocadas – até porque Luhmann foi o principal crítico do estrutural-funcionalismo de Parsons. Só um observador neopositivista pode ver em Luhmann um neopositivismo, como também só um neoliberal pode ver isso na sua teoria. Um observador pode ver, na teoria dos sistemas autopoiéticos, o paradoxo da sua própria auto-observação. Trata-se de uma teoria que opera no nível da observação de segunda ordem (observação das observações de primeira ordem). Isso significa que ela se coloca exatamente na finitude do paradoxo da auto-observação, no ponto cego da observação de primeira ordem. Em termos práticos, significa que, por exemplo, dado que o neoliberalismo não existe nas coisas (como na metafísica clássica), nem no sujeito (como na filosofia da consciência), mas tão-somente nas distinções lingüísticas que o observador faz, observando as observações (distinções) desse observador que descreve algo como neoliberal, pode-se conhecer pouco sobre o neoliberalismo, mas muito sobre o observador (Simioni, 2006b, p. 39).
Autopoiese é um conceito, uma unidade topológica que se define por um tipo especial de relação entre seus elementos. Só pode ser observado como autopoiético um sistema que, em algum momento da história, resultou de uma semântica rígida o suficiente para manter-se estável diante da contingência na comunicação e adquiriu a capacidade de operar e de se reproduzir de modo autônomo em relação ao seu ambiente sociológico. E autonomia não significa independência: significa que o sistema mantém sua identidade, seus limites, diante de um ambiente que lhe é sempre muito mais complexo. Os sociólogos que lêem Luhmann com os olhos de Habermas podem ser levados pela aparência de que a teoria dos sistemas autopoiéticos é uma teoria feita para justificar a exclusão e as desigualdades sociais. Porque ela descreve a sociedade como sistemas que se autoproduzem sob um código binário que exclui outras possibilidades. Naturalmente, o mundo não cabe em um código binário. E é exatamente por isso que um sistema só pode diferenciar-se da complexidade do mundo se assumir uma forma baseada na diferença entre identidade e diferença, como Habermas faz na sua pragmática formal universal, com os códigos binários significado/validade, faticidade/validade, autonomia pública/privada, universalismo/contextualismo e etc.
Auto-referência e transcendência “fraca”
Tanto Habermas como Luhmann fazem parte de uma matriz teórica pragmática (Rocha, 2001, p. 126). A semelhança é inclusive metodológica. Habermas também utiliza esquematizações binárias como unidade analítica. Em Luhmann, a unidade analítica é a aplicação recursiva da forma “meio/forma”, sobre a qual é desenvolvida a diferenciação “sistema/ambiente”. Por um detalhe fundamental das teorias de ambos é que seus resultados desencadearam expectativas diferentes. Enquanto Habermas opta por um transcendentalismo fraco que combina auto-referência com transcendência, Luhmann opta por uma perspectiva radical, anti-transcendental, baseada tão-somente na auto-referência. É esse detalhe sutil que cria a diferença entre a perspectiva reconstrutiva de Habermas e a perspectiva descritiva de Luhmann. E é esse detalhe também que cria, em Habermas, a esperança de vencer a finitude de um futuro (transcendental) que pode ser melhorado comunicativamente, onde Luhmann vê apenas a produção da incerteza e do risco vinculados sempre a expectativas criadas pela trajetória evolutiva dos sistemas. Desse detalhe surge a diferença entre a descrição da sociedade, em Habermas, como uma relação de oposição – Habermas fala em tensão – entre sistema e “mundo vivido”, que Luhmann prefere ver como uma relação recursiva, não linear – e por isso inclusiva – entre sistema e ambiente (Luhmann, 1996a, p. 77).
A vantagem da teoria de Habermas é que ela, optando em não se manter na finitude da auto-referência, pode transcendentalizar um pouco, isto é, pode criar expectativas de um mundo melhor, comunicativamente arranjadas sob condições ideais. A sua desvantagem, no entanto, é que o preço dessa transcendência são déficits graves de verificação empírica. Basta considerar, por exemplo, que mesmo com todo o êxito de um discurso sob condições ideais, resultando em um consenso unânime em nível mundial, esse consenso não criaria órgãos vitais para transplantes – que não dependem de dinheiro e por isso escapam às críticas inteligentes de Habermas, que tenta reduzir a teoria dos sistemas de Luhmann a uma “justificação funcionalista […] para fazer aceitáveis normativamente as extremas diferenças sociais em uma sociedade de cidadãos constituída democraticamente” (Habermas, 2000, p. 123). E por outro lado, a vantagem da teoria de Luhmann, optando em manter-se na finitude da auto-referência, é uma descrição com graus bastante altos de verificação empírica e de sensibilidade às tensões que se estabelecem na trajetória evolutiva dos sistemas da sociedade. A sua desvantagem, contudo, é que não se pode transcendentalizar e, por isso, não há espaço para expectativas de reconstrução ideal do mundo.
Habermas, na teoria da ação comunicativa, estabeleceu a sua pragmática formal universal a partir de uma combinação simultânea de auto-referência (significado/validade) e de hetero-referência programada condicionalmente na forma de três referências simultâneas de validade: a verdade epistêmica referida ao mundo objetivo, a correção normativa referida ao mundo social e a sinceridade referida ao mundo subjetivo. Com a teoria dos sistemas sociais autopoiéticos de Luhmann, pode-se questionar a “validade” de cada uma dessas três referências como um critério possível de validade para fins de coordenação da ação e, consequentemente, torna-se questionável também o potencial de coordenação da ação através do consenso a respeito de pretensões de validade. E na medida em que não há essa coordenação na ação, muito menos se pode acreditar no potencial de mudança social controlada através do conteúdo normativo de um consenso sob condições ideais. Mas Luhmann vai mais longe: seguindo a coerência não-linear (circular, recursiva, autopoiética) da sua teoria dos sistemas autopoiéticos, ele vai questionar a própria utilidade social de uma racionalidade normativa como instrumento de mudança social.
O que acontece depois do consenso?
Luhmann reconhece o mérito da teoria da ação comunicativa, principalmente ao enfrentar o problema da coordenação das ações sociais no nível da comunicação (Luhmann, 2005, p. 118). Mas uma ação comunicativa continua sendo uma ação. E como toda ação, precisa transcendentalizar-se em uma finalidade. A ação então leva à observação de sujeitos[1]. E a ação comunicativa leva à observação de sujeitos de sistemas de interação presencial (participantes de um discurso), a qual termina quando termina a interação. Mas a sociedade não termina quando termina um discurso e, por isso, tem que se prestar atenção não apenas a) às ações racionais (Weber) e b) àquilo que as conecta – como o entendimento comunicativo orientado a pretensões de validade (Habermas) –, mas também c) aquilo que faz com que uma ação produza outras ações e incorpore ações de outros (Luhmann, 2000b, p. 5), ou seja, a comunicação como sistema autopoiético: a comunicação como uma dimensão lingüística que se reproduz sob uma base codificada (sentido/não-sentido, aceitação/negação) em uma dinâmica evolutiva de autoprodução de repetições (redundância), de excedentes (variação) e de exclusões. Naturalmente, isso incorpora o esquema fins/meios da racionalidade de Weber, porque a comunicação não precisa de um fim que, quando atingido, daria os seus meios por cumpridos e os extinguiriam. A comunicação se conecta a outras comunicações precedentes, produzindo e incorporando, autopoieticamente, mais comunicação. Ela depende da ação na medida em que não existe comunicação sem um âmbito sobre o qual pode tematizar-se. Mas a sua autopoiese segue a uma lógica própria, que não está coordenada pela ação, mas tão-somente pela diferença entre comunicação com sentido e não-comunicação (não-sentido) para uma aceitação ou negação. Naturalmente, é mais fácil reconhecer e julgar ações do que comunicações. A ação simplifica a complexidade de um acontecimento comunicativo (Luhmann, 1998b, p. 166). Mas a coordenação das ações sociais condiciona e é condicionada pela comunicação. E isso significa que um consenso comunicativo, sob condições ideais ou não, não possui as condições sob as quais as ações poderiam encontrar uma base unívoca de coordenação. Basta perguntar-se, por exemplo, o que acontece depois do consenso?
Por isso Luhmann escreve que “nada pode ordenar-se tão-somente por meio do fluxo de um discurso de justificação. Há mil boas razões para não se casar e mil razões ainda melhores para não se casar com uma pessoa determinada. Se não se estabelecer uma eleição de relevância muito forte (existindo muitos exemplos bons no campo da argumentação jurídica), a comunicação pode, de fato, não conduzir a nada” (Luhmann, 2005, p. 119). A comunicação é coordenada pelas comunicações precedentes. Ela só se coordena a si mesma. E por isso, as ações orientadas ao entendimento mútuo até podem encontrar na comunicação um suplemento normativo, mas essa comunicação não é resultado de um consenso entre ações: ela é resultado de si mesma, isto é, resultado da limitacionalidade autoconstrutiva das comunicações precedentes. Um consenso comunicativo, portanto, não pode mudar a história da comunicação, porque só a comunicação produz comunicação. Daí que, por mais bem intencionada que seja a teoria da ação comunicativa de Habermas, sempre haverá a possibilidade de se saltar fora do discurso quando se vê para onde a discussão está se encaminhando (Luhmann, 2005, p. 119).
A comunicação, observada na forma de um processo auto-referencial, revela-se uma auto-efetuação sem um início absoluto e sem uma finalidade necessária. Revela-se dotada de autopoiese. E como tal, a própria comunicação produz contradições, produz conflitos, produz dissenso. Assim, na medida em que a possibilidade de comunicação, desencadeada pelos proferimentos lingüísticos dos participantes do discurso, é resultado das comunicações precedentes, toda comunicação será, inevitavelmente, pouco sincera. Em outras palavras, a comunicação pré-condiciona o âmbito de discussão em uma estrutura binária (sentido/não-sentido) que seleciona apenas os argumentos que farão sentido na discussão e, ao mesmo tempo, duplica essas possibilidades pré-selecionadas a cada proferimento lingüístico para uma aceitação ou negação. Portanto, na medida em que a comunicação opera seletivamente sobre si mesma (fechamento auto-referencial) e, ao mesmo tempo, sofre as interferências temáticas do ambiente (abertura da hetero-referência), ela se estrutura com autonomia em relação a qualquer pretensão de validade dos participantes de uma interação.
Relativamente à sinceridade referida ao mundo objetivo, que é condição de possibilidade para uma atitude performativa no discurso, Luhmann observa que se trata de algo incomunicável. Não há como dizer a própria sinceridade. Isso significa que a própria comunicação carrega paradoxos que não são comunicáveis e, por isso, a sinceridade performativa em uma interação comunicativa é sempre uma ilusão. “A saída, no melhor dos casos, será então uma insinceridade cultivada (politesse)” (Luhmann, 2005, p. 119). E esse é um paradoxo que a ação comunicativa tenta esconder atrás daquilo que Habermas chama de “crítica psicoterapêutica” da autenticidade subjetiva de um participante da interação (Habermas, 1988, p. 151). Mas a sinceridade ou autenticidade do mundo subjetivo é incomunicável. “A inocência não deve saber que é inocente, pois a comunicação mesma da inocência já a faz culpável. Vemo-nos assim levados à conclusão de que a comunicação da sinceridade deve ser insincera, e só a comunicação da insinceridade pode ser sincera” (Luhmann, 2005, p. 121). Essa descrição de Luhmann coloca em dúvida a possibilidade de uma atitude performativa, exigida por Habermas como condição de validade do consenso discursivo. E mais: ela coloca em dúvida a própria possibilidade do entendimento comunicativo como mecanismo de coordenação da ação. Luhmann chama a atenção para o fato de que esse paradoxo é produto da própria comunicação (Luhmann, 1998b, p. 150): um participante que comunica estar agindo performativamente já perdeu a inocência da performatividade. E como se trata de um paradoxo produzido pela própria comunicação, o potencial de coordenação das ações, pela orientação ao entendimento mútuo, fica comprometido pelo próprio entendimento mútuo. Em outras palavras, a comunicação comunica também a sua não-comunicação. Por isso, na medida em que a comunicação autoproduz seus próprios paradoxos como condição do próprio entendimento comunicativo, todo consenso comunicativo autoproduz também dissenso, para poder haver outro consenso para novos dissensos (Luhmann, 2005, p. 129). Enquanto Habermas pensa em uma práxis comunicativa que, partindo do “mundo vivido” intersubjetivamente compartilhado, pode orientar a sociedade para a obtenção, manutenção e renovação do consenso, Luhmann destaca, contudo, a inevitabilidade da orientação dessa práxis comunicativa para a obtenção, manutenção e renovação, simultaneamente, do consenso e do dissenso.
Luhmann questiona também a utilidade prática de uma teoria que tem que supor uma atitude performartiva e que, por isso, ao mesmo tempo exclui do seu mundo os verdadeiros problemas: o “egoísmo, a mediocridade, a virtude soberba e a maldade desmedida” (Luhmann, 2005, p. 121). Para Luhmann, Habermas exclui da sua teoria todo o mundo dos homens verdadeiramente viventes. E é exatamente para incluir o mundo dos homens que Luhmann vê, como condição essencial de todo entendimento, não os princípios, nem discursos, nem qualquer a priori social, nem mesmo as razões que satisfaçam as pretensões de validade de uma interação comunicativa, mas simplesmente “la comunicación de lo incomunicable, es decir, la no comunicación sobre sí misma” (Luhmann, 2005, p. 122). Esse é o paradoxo da comunicação: a comunicação pode comunicar sobre tudo, menos sobre si mesma. A comunicação, na perspectiva luhmanniana, é seletividade autocoordenada (Luhmann, 1998b, p. 153), que produz, simultaneamente, diferentes observações e diferentes pontos de vista. Em outras palavras, a comunicação produz o seu próprio sentido e também o seu próprio ruído (não sentido). Ela produz diferença como condição de sua própria possibilidade. E por isso, comunicação produz diferença, e não consenso (Luhmann, 1998b, p. 168). Pensa-se, por exemplo, em um diálogo bastante simples sobre o desarmamento, que inclua todos os possíveis atingidos, isto é, que inclua também os bandidos. Após restringirem-se as alternativas em apenas duas – permitir armas ou não permitir armas – os participantes de um discurso podem chegar, no máximo, à seguinte conclusão condicional: todos nós nos desarmamos somente se todos nós nos desarmamos. Será necessário então criar uma diferença para sair desse paradoxo. E essa diferença já estará criada pela própria colocação do problema da violência: nós nos desarmamos somente se vocês também se desarmarem. Observa-se que, para sair do paradoxo resultante da inclusão discursiva, a própria comunicação criou exclusão: separou novamente o “nós” e os “eles” que o discurso pretendeu incluir. Mas para todos os efeitos da racionalidade comunicativa, o consenso poderá ser julgado como um sucesso. E no minuto seguinte já poderão surgir outras justificações para comprometer a validade universal desse consenso que, agora, com generalização simbólica produzida pela diferença traçada no consenso, pode ser julgada como dissenso para novos consensos.
A produção de dissenso pela própria comunicação não ocorre apenas porque as motivações pessoais para uma ação de adesão são produzidas também individualmente (e não só intersubjetivamente), mas também porque o aumento da diferenciação funcional da sociedade cria âmbitos de comunicação fechados e, por isso, imunes a negações simultâneas. Em outras palavras, as negações a pretensões de validade referidas a um dos três mundos formais da teoria da ação comunicativa, não implicam em negações às pretensões de validade referidas aos outros (Luhmann, 1998b, p. 103). Existe uma autonomia operacional entre esses mundos, que os tornam independentes operativamente uns para os outros. O próprio Habermas tem que pressupor isso quando distingue sistema de “mundo vivido”. Por exemplo, a negação da pretensão de verdade a respeito de algo no mundo objetivo não importa na negação também da correção normativa a respeito do mundo social, como ocorre com as ficções jurídicas. Pode ser falsa a afirmação de que um adolescente de 15 anos não tinha consciência da ilicitude de um delito por ele praticado, mas nem por isso essa afirmação deixa de ser correta juridicamente. Como também uma asserção comunicativa pode não satisfazer pretensões de correção normativa referidas ao mundo social, em que pese poder ser verdadeira na sua referência ao mundo objetivo.
Essa policontexturalidade, isto é, essa existência simultânea e não sincronizada de âmbitos comunicativos autônomos e diferenciados funcionalmente (sistemas), desencadeia um processo recursivo de efetuação que escapa a qualquer tipo de controle. “Isto bloqueia crescentemente a obrigação de consenso em relação às coisas objetivas, por um lado, e, por outro lado, com as ‘teorias consensuais da verdade’” (Luhmann, 1998b, p. 103). Nesse sentido, Luhmann é mais radical do que Habermas: “a comunicação é sempre um fato social e não é possível de outra maneira. Envolve mais que uma consciência e mais que uma ação isolada. Nessa medida, a verdade é sempre algo socialmente constituído, e resulta secundária a questão de se ocorre ou não um consenso” (Luhmann, 1996a, p. 205). Em uma sociedade diferenciada funcionalmente, cada sistema é ambiente para todos os demais. E isso significa simultaneidade. Se se observar, agora, as condições para um consenso em uma perspectiva temporal, logo se poderá concluir que a própria possibilidade de consenso sobre pretensões universais de validade já transforma essas pretensões. A própria sondagem sobre as possibilidades de um consenso já transformam, por exemplo, os ânimos com os quais alguém pode se resignar. E essa transformação já modifica, também para os demais participantes, a situação ideal de fala, que então já será novamente outra situação para modificar novamente os ânimos (Luhmann, 1996a, p. 217). Nessa perspectiva temporal, o consenso não difere muito da idéia de burocracia: manter na memória consensos tomados no passado para economizar discussões futuras. No fundo, esse é o objetivo do procedimentalismo: manter a irreversibilidade do tempo através da institucionalização dos princípios do discurso. Mas mesmo assim, os participantes do discurso não poderão esperar mais que resultados conformes ou discrepantes ao conteúdo normativo do consenso, para sempre novos consensos no futuro. Isso significa que o consenso, resultante do discurso, pode ser um meio inteligente para institucionalizar expectativas normativas, reduzindo a complexidade aberta do futuro. Mas não pode coordenar as ações em termos lineares. Por mais legitimidade que um consenso produza, sempre haverá melhores razões para, em situações concretas, justificar uma exceção: o consenso autoproduz também o seu dissenso.
Isso corre porque na sociedade contemporânea tudo acontece simultaneamente. Só eventos globais podem coordenar uma comunicação mais ou menos unívoca. Mas também nesse caso, a univocidade temática não transmite o mesmo significado para todo o mundo. Isso torna absolutamente excluída a possibilidade do consenso sob condições ideais de discurso como uma estratégia de coordenação efetiva. O mundo teria que parar enquanto se leva adiante uma discussão que não poderia ter fim. Por isso Luhmann prefere entender a coordenação das ações sociais não pelo entendimento comunicativo – que ainda disponibiliza sempre a dupla possibilidade de um sim ou um não –, mas pelos meios de comunicação simbolicamente generalizados, que transformam motivações altamente improváveis em uma combinação improvável de seleção e motivação para a aceitação. São meios de comunicação simbolicamente generalizados, por exemplo, o amor, a verdade, os valores, o dinheiro, o poder, as leis. No caso da verdade, Habermas a considera como uma pretensão de validade relacionada ao mundo objetivo. E nesse sentido, um consenso a respeito da verdade sobre algo no mundo garantiria a continuidade da comunicação verdadeira. Em Luhmann, não é o consenso que garante a verdade, mas a comunicação da verdade é que garante o consenso sobre a verdade. A verdade é um meio de comunicação simbolicamente generalizado que tem a função de garantir um consenso ainda quando esse consenso seja improvável (Luhmann, 1996a, p. 205). E mesmo que não haja consenso, a comunicação da verdade não se interrompe. A comunicação da verdade subsiste a qualquer dissenso. Não porque ela seja absoluta, mas porque é exatamente o dissenso sobre a verdade que faz com que a sua comunicação não se interrompa, isto é, faz com que o discurso continue, faz com que haja mais comunicação para aquele dissenso virar, inclusive, notícia nos meios de comunicação de massa. A comunicação de algo produz dissenso para que ela não se interrompa. Aquilo que já não é mais dissentido cai no esquecimento ou se estabiliza na forma dos a-problemáticos meios de comunicação simbolicamente generalizados, para servir de base para a autoprodução de novos dissensos.
Racionalidade sistêmica e racionalidade normativa
Outro aspecto que Luhmann levanta na teoria de Habermas é a possibilidade da razão comunicativa servir de meio de transformação da sociedade. E mais: Luhmann coloca em dúvida a própria utilidade social de uma racionalidade comunicativa. Nas sociedades complexas, há uma finitude nas possibilidades de interferência no que acontece simultaneamente. E quanto mais complexo é o sistema da sociedade, “mais sólida é a simultaneidade e, por tanto, a impossibilidade de exercer influência no que sucede de fato a cada momento. E muito mais ilusória é a fé em que (na forma de interação, mediante o diálogo, através de intentos de acordos entre interlocutores que podem entender-se reciprocamente) tudo isto possa ser levado de maneira racional” (Luhmann & De Giorgi, 1993, p. 365).
Daí que a própria idéia de racionalidade comunicativa, em Habermas, é vista por Luhmann como apenas um caso particular de racionalidade, isto é, um tipo especial de racionalidade, abrangido pela racionalidade de um princípio geral da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos, que é o princípio da diferença (Luhmann, 1996b, p. 47; 1992a, p. 68). Para Luhmann, “Racionalidade só se pode entender como rendimento sistêmico e diverge então segundo as referências sistêmicas” (Luhmann, 1996a, p. 486). Em outras palavras, Luhmann define a racionalidade conforme a base de auto-referência de cada sistema da sociedade. E como cada sistema possui uma base distinta de referência – porque se assim não fosse não haveria diferença – cada sistema da sociedade constrói uma identidade própria exatamente a partir da diferença. A economia segue uma racionalidade própria, que é diferente da racionalidade do direito. A política, a ciência, a religião, a saúde também têm racionalidades distintas. Só é possível falar-se em direito, em economia, em política, em ética, em ciência e etc. porque cada um desses sistemas opera a partir de referências sistêmicas diferentes. Em outras palavras, cada âmbito comunicativo da sociedade opera com referência a um código diferente. E isso significa que qualquer tentativa de descrição de uma racionalidade igual para todos os sistemas, seja na forma da racionalidade instrumental de Weber, seja na forma da racionalidade comunicativa de Habermas, será uma descrição bastante artificial para a sociedade complexa e, por isso, só teria sentido como uma racionalidade normativa.
Esse caráter normativo da teoria de Habermas, sem dúvida, provoca paixões e renova utopias. Mas aqui novamente caberia a pergunta de Luhmann: que importância teria isso para a sociedade? “Não ajuda dissimular a dimensão desta catástrofe semântica e recorrer a composturas ou repetições, por exemplo apostar, hoje como antes, em uma racionalidade entendida como capacidade humana que deve assegurar-se, ao modo antigo, diante da corrupção; ou ao modo moderno, diante da dominação por outros” (Luhmann, 1996a, p. 486). Para Luhmann, coerente com a sua descrição de operações comunicativas referidas a si mesmas (auto-referência), a racionalidade também só pode ser entendida como uma racionalidade que se produz a partir de si mesma. Uma racionalidade que é, então, autoproduzida pela própria sociedade. Naturalmente, qualquer um pode criar um conceito de racionalidade e aplicá-lo, normativamente, para a sociedade. Mas uma racionalidade normativa não diz nada a respeito da sociedade, salvo que a sociedade deveria ser assim ou assado e fundamentar esse dever-ser normativo em valores simbolicamente generalizados. Uma racionalidade normativa então não é um problema para si mesma. Mas fora da sua normatividade sempre sobra toda a realidade de uma sociedade que é complexa e desigual. E que por isso só faz sentido mediante diferenciações. Para Luhmann, “a razão novamente deve ser colocada de um lado, só que esse lado já não pode ser comprovado como a priori. Racionalidade (se se distingue assim) só é possível como racionalidade sistêmica em um mundo que parece tolerá-la” (Luhmann, 1996a, p. 487).
Como se vê, Luhmann coloca o problema das condições sociais da aceitação de um conceito de racionalidade pela sociedade global. Todos os esforços de racionalidade só aparecem no nível de cada um dos sistemas parciais da sociedade global, que no entanto são autônomos uns em relação aos outros. Existe um esforço de racionalidade econômica, de racionalidade política, de racionalidade jurídica, de racionalidade científica e etc. E cada sistema então disponibiliza para todos os demais a sua própria racionalidade. Cada sistema reconstrói uma racionalidade própria para toda a sociedade. No fundo, o funcionamento de cada um dos sistemas da sociedade não depende daquilo que as teorias e métodos do sistema científico da sociedade chamam de racionalidade – até porque essa racionalidade é tão-somente a racionalidade científica. Um sistema autopoiético não depende de nenhuma racionalidade para a sua efetuação. Um problema de racionalidade é um problema do observador, não do sistema (Simioni, 2006a). A comunicação, por exemplo, é autônoma em relação a qualquer expectativa de racionalidade. Ela produz a sua própria gramática, a sua própria semântica e, por isso, ela pode evoluir para formas sempre novas de comunicação. Isso significa que um critério universal-normativo de racionalidade não é mais que uma expectativa, isto é, uma expectativa que, na exata medida do seu dever-ser, deve também estar preparada para a contingência da sua própria frustração – e isso vale tanto para expectativas neoliberais como para expectativas socialistas, tanto para o planejamento do Estado de Bem-Estar Social como para o do Estado Liberal.
Normatividade do consenso e planejamento social
A provocação de mudanças discursivamente planejadas na sociedade, portanto, não é algo tão simples que dependa somente da opinião e da vontade livre de todos os implicados. Supondo-se a possibilidade de um consenso universal, cosmopolita, sob condições ideais, a persistência da memória discursiva do que não se quer não pode ser imunizada diante da persistência da memória discursiva do que se espera para o futuro. E essa tensão entre passado e futuro fica escondida pela teoria do discurso. Em outras palavras, a normatividade do consenso, caso fosse possível, falsificaria a persistência da realidade. Um consenso sob condições ideais produziria o efeito de generalizar simbolicamente expectativas normativas, para servir de faticidade para sempre novas expectativas cognitivas. Isso significa que, apesar de todos os esforços na busca de critérios normativos universais de racionalidade ou de moralidade, a comunicação de um critério sempre é um acontecimento novo. E por isso é sempre um acontecimento distinto do acontecimento anterior. E sendo distinto, a comunicação já produz, independentemente de se querer ou não, uma diferença a respeito do que não ocorreu ou do que poderia ter ocorrido de modo diferente. Sempre alguém poderá agir cinicamente e dizer: “eu disse que isso iria ocorrer”. E sempre alguém poderá questionar: “o que teria acontecido se a decisão fosse outra?” Mas como “nenhuma operação pode observar ou descrever a unidade ou a diferença produzida por ela mesma” (Luhmann, 1996a, p. 489), toda conexão entre as operações autopoiéticas de um sistema social e as expectativas normativas de mudança, são, na realidade, falsificadas pela própria normatividade da expectativa.
Essa falsificação ocorre porque toda vontade de (poder) fazer algo não pode observar-se a si mesma como tal. Toda operação tem um “ponto cego” que “não vê o que não vê”. As decisões judiciais, por exemplo, decidem se uma determinada pretensão material deduzida em juízo é direito ou não-direito. Mas nenhuma decisão judicial pode decidir se é direito distinguir entre direito e não-direito. Como também a ciência não pode decidir se é verdade distinguir entre a verdade e a falsidade, como também a política não pode decidir se é uma perspectiva de governo distinguir entre governo e oposição ou se essa distinção é uma perspectiva da oposição. Esses paradoxos são o “ponto cego” da auto-observação. E como paradoxos, eles exigem transcendentalizações, isto é, exigem hetero-referência, exigem uma abertura do sistema para buscar uma referência desparadoxizante na complexidade disponibilizada pelo seu ambiente. Esse paradoxo, como demonstrado acima, existe na própria comunicação. A comunicação mesma não pode comunicar sobre si mesma, a não ser na forma transcendentalizada (desparadoxizante) de uma metacomunicação que, no entanto, continua sendo comunicação. Por isso, do mesmo modo que não se pode distinguir se é direito ou não-direito aquilo que o próprio direito diz que é direito – salvo transcendentalizando a observação com princípios não jurídicos – também não é possível distinguir se é igualmente bom ou mal para todos aquilo que a própria bondade simétrica do consenso de todos diz que é igualmente bom para todos. E esse paradoxo se multiplica em todas as dimensões.
Para utilizar-se um exemplo concreto, pensa-se em um consenso universal sobre os ideais de vida boa de uma sociedade: o conteúdo normativo de um consenso sobre isso seria uma ou várias normas prima facie que não serão mais que um excelente critério para distinguir aquilo que, na realidade, está conforme ou não a esses ideais de vida boa. Então, toda complexidade comunicativa da sociedade ganhará uma diferença entre o que está conforme àqueles ideais de vida boa e o que não está conforme. Situações futuras, que sequer foram pensadas na ocasião do procedimento discursivo, poderão ser então adjudicadas pela racionalidade discursiva no lado “conforme” ou no lado “não-conforme” da diferença produzida, gize-se, pelo próprio consenso. E isso significa que o desenvolvimento autopoiético dos sistemas da sociedade, pré-estruturados tão-somente por cada uma das suas trajetórias evolutivas, poderão ser vistos como conquistas sociais resultantes daquele consenso. E todo o resto da realidade, inclusive aquela desencadeada por ressonâncias intersistêmicas provocadas pelo próprio consenso, poderão então ser vistas como “não-conforme” ao conteúdo normativo do consenso para, então, a comunicação exigir a sua própria continuidade: um novo consenso para novos dissensos, para novos consensos sobre dissensos.
Em cada passo que se dá na busca do consenso sobre expectativas normativas, sempre se abem duas possibilidades auto-excludentes: aceitar ou negar. Isso significa, para os sistemas, um desenvolvimento caótico – como metáfora, pode-se utilizar a imagem de um fractal – que, mesmo assim, pode ser falsificado pelas teorias, métodos, análises e também pelo consenso, como se fosse um progresso. Por isso que não há problema algum em se acreditar na possibilidade de mudar o mundo através de um conceito normativo de racionalidade. Desde que se tenha a consciência de que “é bastante arriscado pretender-se a constituição de um juízo global correto sobre o sistema em um sentido racional ou moral” (Luhmann, 1996a, p. 489). Porque cada sistema da sociedade cria a sua própria complexidade, na margem de qualquer controle ou ingerência linear planejada.
Importante observar que Luhmann não nega a existência de interferências planejadas na trajetória evolutiva dos sistemas. Mas essas interferências são o resultado da própria racionalidade de cada um dos sistemas às interferências. Uma mudança na lei, por exemplo, devidamente “planejada” por deputados, provoca repercussões na política e na economia. Mas as respostas da política e da economia àquela mudança planejada na lei são respostas pré-condicionadas pelas racionalidades sistêmicas da economia e da política (Simioni, 2006b). Um consenso universal também pode provocar interferências nos demais sistemas da sociedade, inclusive nos sistemas de consciência – os seres humanos –, que no entanto sempre terão abertas as duas possibilidades: negar ou aceitar esse consenso como premissa para novas operações.
Direito, democracia e integração social
A sociedade contemporânea, portanto, é uma sociedade que já produz e reproduz seus próprios riscos (Luhmann, 1992b, p. 149). Ela mesma produz a sua própria comunicação de si mesma: até para dizer algo novo sobre a sociedade ela teve que ser chamada de pós-moderna (Luhmann, 2000b, p. 33). E se é verdade que “a realidade já não obriga mais ao consenso” (Luhmann, 2000b, p. 135), as condições ideais do discurso parecem então ser uma tentativa moderna de substituição funcional dos velhos heróis. As quais encontram no direito, segundo Habermas, um importante mecanismo de mediação social da tensão entre faticidade (da racionalidade instrumental) e validade (da racionalidade comunciativa). Na sociedade contemporânea, onde as colisões de direitos crescem e multiplicam-se, parece que “os intérpretes da Constituição necessitam da referência a um direito mais alto ou a algo maior, para liberar-se de suas inseguranças” (Luhmann, 2000a, p. 70). A referência a valores ou à moral pode satisfazer essa necessidade. Os valores e a moral transcendentalizam o paradoxo do direito. Com valores e com a moral o direito pode assimetrizar seus paradoxos, pode tornar-se razoável e ponderável diante de colisões de preceitos fundamentais.
Mas ao mesmo tempo, embora os valores e a moral tenham qualidades retóricas decisivas para a argumentação jurídica, eles não são mais apropriados – tal como observado por Habermas – para fundamentar a validade das normas jurídicas (Luhmann, 2000a, p. 102). Habermas então substitui aquela moral tradicional (conteudística) por uma moral procedimental e utiliza os princípios da universalização e da ética do discurso para fundamentar a validade discursiva das normas jurídicas. Para Luhmann, “um critério assim para poder diferenciar a validade da não-validade não pode ser comprovado no foro jurisdicional: não é jurisdicionável, não pode ser praticado dentro do sistema jurídico mesmo” (Luhmann, 2000a, p. 72). E por isso só pode funcionar como uma suposição, como uma ficção legal. A própria validade, que constitui o critério de distinção entre as normas válidas e as inválidas, fundamenta-se “em uma espécie de idealização do ausente” (Luhmann, 2000a, p. 72). E se essa idealização for a orientação às conseqüências – como proposto na teoria dos discursos de aplicação –, a validade poderá então estar fundamentada em uma idealização do futuro, ou seja, fundamentada em premissas que ainda não se verificaram no presente e que podem não se verificar no futuro. O futuro, na teoria dos sistemas, tem sempre a liberdade de ocorrer de modo diferente. Autopoiese também significa isto: cada sistema constrói, a partir de si mesmo, as suas próprias possibilidades de futuro.
Que condições o direito tem então de ser um instrumento de integração social? Enquanto Habermas confere ao direito a responsabilidade pela integração social, Luhmann questiona a possibilidade de se alcançar uma compreensão normativa simétrica entre todos os participantes (Luhmann, 2000a, p. 93). E por isso, para Luhmann a validade do direito não pode estar no consenso por dois motivos básicos: a) o consenso, seja em perspectiva local, e com mais razão ainda em uma perspectiva universal, sempre é questionável (Luhmann, 2000a, p. 209); e b) ele excluiria qualquer evolução do direito. A validade do direito não pode estar sob uma base questionável, porque senão já não haveria mais diferença, por exemplo, ente direito e moral. Tudo no direito pode ser questionável. Podem haver inconstitucionalidades e etc., mas a sua base de validade não pode ser ela mesma questionável. Mas Habermas cuidou desse detalhe e deslocou a base da validade do direito, do consenso, para as condições ideais do discurso, da qual o consenso é um resultado. Mas um resultado sempre provisório, sempre questionável, que por isso deve pressupor a possibilidade de que, na incerteza do futuro, apareça um novo consenso para dizer que aquele foi ou não adequado para cumprir as finalidades que legitimaram a adesão de todos os seus participantes. Em outras palavras, essa provisoriedade do consenso significa que os participantes do discurso estão obrigados a discutir sobre suposições de possibilidades reais. “Sem dúvida, esses últimos podem funcionar sob ‘condições de laboratório’, como as que Habermas tem esboçado, mas não podem funcionar na realidade objetiva, que é algo determinado tanto pela organização como pelo fator humano” (Luhmann, 2000a, p. 470). E referido a um futuro comum, a possibilidade de um consenso multiplica a sua inviabilidade: tendo o futuro como base de referência para as discussões, todas as premissas da discussão passam a ser idealizadas no futuro e então basta um pouco de criatividade para tornar válida qualquer pretensão de assertibilidade racional baseada na grande quantidade de possibilidades abertas no futuro.
Na medida em que o futuro disponibiliza um grande número de possibilidades de acontecimentos, as expectativas individuais a respeito uma das outras – as expectativas de alguém sobre as expectativas dos outros – não teriam como se coordenar. O direito então presta essa importante função de coordenação das expectativas que merecem confirmação contrafática (normativa) mesmo diante da contingência de frustrações (Luhmann, 1983; 2000a, p. 471). No fundo, o direito não cria consenso, economiza-o (Luhmann, 1983, p. 80). Ele antecipa expectativas sobre expectativas, ele se coloca como pressuposto de uma relação social, ele reduz o âmbito temático de tudo aquilo que poderia ser argumentado em um discurso público. De modo que o deslocamento do símbolo imutável de validade do direito – que em Luhmann é a própria diferença autoconstitutiva entre direito e não-direito – para um âmbito provisório como é o consenso resultante de um discurso sob condições ideais, já não teria mais a capacidade de estabilizar um marco de referência intersubjetivamente aceito, como é o conceito de “mundo vivido” em Habermas. A comunicação, como já salientado, não precisa de consenso, até porque o dissenso também pode ser comunicado e virar notícia para a opinião pública subsidiar novos dissensos na política. A comunicação tem a liberdade de desencadear um sentido diferente em cada participante da interação comunicativa.
O discurso da teoria do discurso
Há uma síntese para essa dialética entre Habermas e Luhmann? Quer dizer, há uma síntese entre descrição auto-referencial e reconstrução “quase transcendental”? Auto-referência e hetero-referência são operações irredutíveis uma à outra e é exatamente aí que está o paradoxo fundamental entre o pensamento de Habermas e o de Luhmann. Mas agora se pode, ao menos, responder à pergunta da autojustificação sociológica da teoria de Habermas: a sua reconstrutividade. Só tem sentido uma teoria social reconstrutiva diante de outras descritivas, como só tem sentido falar-se em hetero-referência diante da auto-referência e vice-versa. Ao colocar-se na tradição crítica da Escola de Frankfurt, a teoria de Habermas cria, assim, uma distinção de si mesma em relação a todas as outras teorias. E é essa distinção que lhe confere identidade como identidade diante da diferença. Se isso está correto, então a teoria discursiva do direito é um produto comunicativo produzido pela própria sociedade, que só tem sentido enquanto houver outras teorias que se distinguem dela pela a) desconstrução da razão no plano filosófico e pela b) descrição auto-referencial no plano sociológico.
Isso significa que é precisamente a) o dissenso entre razão universalista e desconstrução contextualista no plano filosófico, bem como b) o dissenso entre reconstrução e descrição no plano sociológico, que fundamentam a teoria de Habermas como identidade a partir da diferença. E esse esquema de observação – que é a observação de segunda ordem da teoria dos sistemas autopoiéticos de Luhmann – permite ver isso em todas as dimensões da teoria de Habermas. A coordenação da ação baseada no entendimento mútuo se justifica somente se e enquanto não há coordenação baseada no entendimento mútuo (os mecanismos de integração sistêmica); como também as condições ideais do discurso se justificam somente diante da improbabilidade do seu próprio cumprimento; a democracia cosmopolita somente se justifica diante da persistência de experiências autoritárias; o consenso como formação livre da vontade e da opinião pública somente se justifica a partir da sempre presente possibilidade de influências ideológicas na formação da vontade e da opinião pública; o poder comunicativo como resultado do consenso discursivo entre autonomia pública e privada só se justifica diante da possibilidade de um poder não comunicativo (administrativo, burocrático, econômico e etc.); a normatividade baseada na legitimidade de uma inclusão discursiva ideal só se justifica diante da persistência da exclusão social; a reconstrução dos ideais de vida boa diante da persistência da racionalidade sistêmica (no sentido da teoria da ação comunicativa de Habermas); a igualdade de direito diante da desigualdade de fato, enfim, tensões fundamentais (Habermas) ou paradoxos autoconstitutivos (Luhmann) que criam expectativas de um futuro que também só se justifica diante do passado.
Cada uma dessas diferenciações produzem aquela marca, explicada por Luhmann, que separa o mundo em dois lados auto-excludentes: coordenação pelo entendimento/coordenação pelos meios de integração sistêmica, democracia/autoritarismo, igualdade/desigualdade, consenso/dissenso, validade/invalidade, condições ideais/condições reais e etc. Cada uma dessas diferenciações então permite a um observador julgar os acontecimentos do mundo sob essas formas. Permite, por exemplo, ver um contrato como coordenação pelo entendimento e como mecanismo de integração sistêmica, para então pensar-se reconstrutivamente em uma estratégia de mediação; ou ver os Estados-nação como uma tentativa de democracia cosmopolita, para a qual então faltam as condições ideais exigidas normativamente; ou ver uma realidade como incompatível com as promessas Constitucionais, enfim, cada uma dessas “formas” permite que um observador adjudique a realidade em um dos seus lados. Mas só existe o lado positivo dessas formas enquanto existirem os respectivos lados negativos. Que sentido faria, por exemplo, o capitalismo, se não houvesse o socialismo? Que sentido faria o consenso sob condições ideais se não houvesse a sempre presente possibilidade do dissenso sob condições reais?
E se Luhmann tem mesmo razão, a sociedade produz a sua própria justiça e também a sua injustiça, produz inclusão e exclusão, produz guerras mundiais para produzir também direitos humanos, e direitos humanos para novas guerras na atualidade. Comunica desastres para produzir a comunicação da solidariedade, produz comunicação e silêncio, informação e ruído. Enfim, produz tudo aquilo que a comunicação da sociedade pode comunicar. Mas então não dá para fazer nada? Como se explica, por exemplo, o luxo da passagem dos direitos de primeira geração para os direitos de segunda e terceira geração no Estado Constitucional? Essa é a questão. Habermas responderia com sua teoria normativa do discurso que seres humanos dotados de capacidade de ação e linguagem podem mudar e avançar em seus ideais de vida boa. São responsáveis pelos seus próprios destinos, desde que estejam sob condições ideais de discussão a respeito dos seus destinos. Luhmann responderia que esse tipo normativo de racionalidade não passa de uma ilusão de ótica, falsificada pelas próprias formas de assimetrização dos paradoxos da comunicação da sociedade. Mas não nega as possibilidades de conquistas evolutivas. Para Luhmann, a história evolutiva de um sistema não é um jogo de azar, que a cada jogada tem-se que recomeçar do zero. Há uma continuidade histórica de efetuações autopoiéticas. Sob certas condições, estabilizam-se semânticas, criam-se novos meios e as respectivas formas de diferença para estabilizarem-se em novos meios. O que Luhmann nega é a idéia de que seja possível um planejamento linear dos ideais de vida boa, e que esse planejamento possa ser imposto tão-somente pela força normativa do direito, seja ele fundado em si mesmo (auto-referência), seja ele fundado na vontade consensual de todos ou em qualquer outra transcendência.
A pergunta, por exemplo, pela possibilidade do direito regular a economia, seria facilmente respondida por Luhmann com um não. Entretanto, essa resposta não significa que o direito não faz mais nada para a sociedade (Habermas, 2003, p. 72), mas sim que é a economia que se autocontrola em face das irritações ou ressonâncias provocadas pelo direito. O direito não regula a economia porque só a economia pode se auto-regular, mas se auto-regula em face do ambiente, do qual o direito é um participante ativo. Sob o conceito de acoplamento estrutural, Luhmann explica como se dá essa dinâmica. A teoria luhmanniana pode servir como uma excelente ferramenta teórica para a descrição daquilo que se quer reconstruir com a teoria habermasiana. Ela dá, no mínimo, um pouco mais de realidade às idealizações da teoria discursiva. E também a teoria discursiva pode completar aquilo que falta na teoria de Luhmann: um pouco de ilusão performativa para que as assimetrizações dos paradoxos constitutivos da realidade possam ser, quem sabe, o resultado de ressonâncias intersistêmicas com origem em atos de vontade. Para que o sentido do que se faz na sociedade tenha sentido.
Considerações finais
Do ponto de vista político, pode-se julgar ambas as teorias como adequadas ou não à fundamentação normativa dos ideais democráticos da sociedade. Do ponto de vista jurídico, pode-se julgar ambas as teorias como adequadas ou não para a resolução dos problemas de decidibilidade com justiça. Do ponto de vista da economia, pode-se julgar ambas as teorias como adequadas ou não à maximização dos lucros e minimização dos prejuízos. Cada um desses pontos de vistas disponibiliza os critérios para esse julgamento, que não são critérios contraditórios, mas contingencialmente incompatíveis entre si.
O que cai como um pano de fundo de todos esses julgamentos é o observador e as distinções das quais ele parte para adjudicar, ambas as teorias, em um lado (e não no outro) de cada forma de diferença. Por isso que preferimos percorrer um caminho diferente aqui, não avaliando do ponto de vista de nenhum desses sistemas da sociedade, mas aplicando as distinções das teorias a si mesmas, isto é, aplicando recursivamente as teorias sobre si mesmas e uma sobre a outra. O resultado é o paradoxo autoconstitutivo (Luhmann) e a tensão fundamental (Habermas). E são essas diferenças que produzem a ambivalência constitutiva da sociedade. A ao contrário de um desânimo político, é ela que faz com que a sociedade continue criando perguntas para os problemas que sequer foram colocados nas agendas políticas da sociedade.
Rafael Lazzarotto Simioni[2]
 
Referências
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[1] Aqui inicia uma série de mal-entendidos sobre o lugar do sujeito na teoria da sociedade de Luhmann. Ao descrever os sistemas sociais como sistemas de comunicação, Luhmann não exclui os sujeitos da sociedade. A comunicação tematiza as ações dos sujeitos e, por isso, a comunicação passa a ser a unidade elementar da autoconstituição dos sistemas sociais autopoiéticos, enquanto a ação dos sujeitos passa a ser a unidade elementar da auto-observação e da autodescrição dos sistemas sociais (cf. Luhmann, 1998b, p. 171). Para a pergunta a respeito do que consistem os sistemas sociais, Luhmann responde: “de la comunicación y de su adscripción como acción. Ninguno de los momentos hubiera sido capaz de evolucionar sin el otro” (Luhmann, 1998b, p. 171). A colocação dos seres humanos no ambiente de um sistema social, ao lado de todos os demais sistemas que são ambientes uns para os outros – inclusive cada ser humano é sistema para seu ambiente social –, portanto, “no le impide a la sociedad desarrollarse ‘humanamente’” (cf. Luhmann, 1998a, p. 228).
[2] Professore nello Dipartimento di Diritto Privato dell’Universidade de Caxias do Sul/Brasil.

Simioni Rafael Lazzarotto

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