Breves considerações sobre o princípio da responsabilidade e o meio ambiente: aspectos filosóficos e jurídicos

Redazione 04/10/07
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Adilson Cunha Silva

 

 
SUMÁRIO: 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES; 2 ASPECTOS FILOSÓFICOS DA RESPONSABILIDADE; 3 ASPECTOS JURÍDICOS DA RESPONSABILIDADE; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
 
 
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
 
Um dos efeitos que deriva da “angústia cultural” se encontra na contingência de danos irreversíveis ao Ambiente, que acabem por impossibilitar o pleno desenvolvimento da vida na Terra, ou, até mesmo, em um lugar específico, geograficamente limitado.
Surge daí uma série de questões. Entre estas encontramos as seguintes: Como barrar, ou, se não for possível, minimizar ao máximo, a degradação ambiental? Diante de situações complexas, como a não identificação do causador do dano ambiental, de quem seria a responsabilidade pelo dano? Quais as dimensões dessa responsabilidade? A sociedade de risco se constitui em uma sociedade irresponsável?
Diante de tantos questionamentos sobre a responsabilidade, torna-se perceptível a complexidade no que tange a ela, pois esta deve ser vista como princípio norteador de toda ação humana.
No entanto, temos visto, cotidianamente, a concretização de um novo modelo de sociedade, que assume riscos que superam os limites da tolerância sócio-ambiental, dando ensejo a uma organização da irresponsabilidade e da falta de ética nas práticas científicas, como bem coloca Cristiano Luis Lenzi, ao comentar o pensamento de Ulrich Beck e Antony Giddens:
 
A SR [Sociedade de Risco] propicia um quadro difuso e complexo em que os riscos produzidos não são atribuíveis a ninguém. Essa impossibilidade de atribuir responsabilidade pela produção desses riscos conduz ao que Beck […] chama de irresponsabilidade organizada. Esse conceito busca traduzir a contradição institucional latente, na qual ameaças são produzidas, mas ninguém é responsável por elas. Essa irresponsabilidade organizada aponta para uma crise de responsabilidade institucional das sociedades modernas. […]. (LENZI, 2006, p. 145).
 
 
Ademais, vemos o surgimento de várias divergências sobre as dimensões bioética, jurídica e moral do Princípio da Responsabilidade, quando envolve questões ligadas a vida. É bom lembrar que estas divergências decorrem da pluralidade sócio-cultural e é necessário que se estabeleça um ponto comum de convergência, aonde se situe preceitos éticos/bioéticos, plurais e dinâmicos, evitando com isso o estabelecimento de olhares fundamentalistas que acabariam por desconfigurar o principal objetivo de disciplinas como a bioética.
 
Pretender formatar a bioética com um viés fundamentalista, tradicional e dogmático – o que fazem muitos teólogos e especialistas vinculados a esferas religiosas ou os metafísicos – significa desviar-se da especificidade das questões em seus contextos. A dinâmica, o espírito da bioética, ao contrário, nos convida a substituir a perspectiva fundamentalista por uma outra, a “perspectiva reguladora”, a fim de possibilitar a criação de um ética pública comum. (ZUBEN, 2006, p. 2006)
 
O viés não fundamentalista, plural e não dogmático, também vale para a análise jurídica, que deve dar visibilidade à pluralidade de opiniões, de informações e de pensamento. Viabilizando, com isso, o diálogo, sensocomunizando o conhecimento, promovendo o autoconhecimento e o surgimento de novos olhares e discursos que tratam da ética da vida, da moral e da responsabilidade, nas suas mais amplas dimensões, visando, por fim, uma fusão desses diversos horizontes, para o estabelecimento de um novo senso-comum.
2 ASPECTOS FILOSÓFICOS DA RESPONSABILIDADE
 
Como antecedente das questões jurídicas ligadas à responsabilidade encontramos algumas questões filosóficas ligadas à teoria da moral e da ética, de extrema importância, não só à análise da responsabilidade, mas, também, no estabelecimento e identificação dos seus aspectos fundantes.
Assim, diante da iminência dos danos decorrentes dos produtos da tecnociência/biotecnociência ao Ambiente e à vida, se impõe uma responsabilidade moral individual e coletiva, que possibilite o mínimo de segurança sócio-ambiental. Esta, no entanto, não pode se concretizar se não houver por parte do sujeito, no plano individual, o autoconhecimento, que o possibilite a compreender o sentido da sua existência e como esta se relaciona com as demais.
 
A consciência de responsabilidade é característica de um indivíduo-sujeito dotado de autonomia (dependente como toda autonomia). A responsabilidade contudo necessita ser irrigada pelo sentimento de solidariedade, ou seja, de pertencimento a uma comunidade. (MORIN, 2005, p.100).
 
A relação entre a existência responsável do sujeito com a existência de outros sujeitos, com as suas recíprocas responsabilidades devem se dar no plano da consciência, proporcionando um fortalecimento das micro-relações sociais, produzindo novas conexões relacionais, ampliando o sentido individual da existência e da responsabilidade ético-moral.
A partir da consciência da responsabilidade ético-moral mínima e da necessidade do estabelecimento de relações sociais responsáveis, há uma auto-reprodução consciente de responsabilidade que produzem, como conseqüência, uma rede de solidariedade. Esta solidariedade, por trazer consigo valores morais plurifacetados, nos remete à consciência da existência vinculada a uma co-existência com outros indivíduos e também com o Ambiente.
O Ambiente ao se inserir nas relações individuais e coletivas nos leva a uma outra dinâmica que se dá no plano da identificação de uma nova compreensão ampla da vida, ou seja, numa perspectiva ético-responsável, onde o uso de produtos naturais e artificiais devem se dar de maneira razoável e ponderada, tendo em vista, a complexa interação que passou a existir, entre o desenvolvimento tecnocientífico/biotecnocientífico, o natural e o artificial.
Diante disso, temos todo um processo que nos remete à lógica do círculo hermenêutico, quando no interior desse processo de compreensão e consciência/autoconsciência da existência, relacionada ao sentimento e reconhecimento de uma co-existência, nos dá o sentimento consciente de pertencimento a uma determinada comunidade, que aqui será concebida no âmbito global.
A consciência de pertencer a uma coisa maior nos transporta a um clássico pressuposto positivista, que se viu suplantado pelo pressuposto da ordem e do progresso, a solidariedade e a responsabilidade coletiva.
Esta, conseqüentemente, ganha um grau de virtualidade materializada no Estado, nas organizações internacionais, nas pessoas jurídicas lato sensu. Com isso, temos uma interação de autonomias numa dinâmica relacional complexa, aonde, a mínima falta de consciência abre espaço para o estabelecimento de irresponsabilidade, surgindo vazios, que se auto-reproduzem, instabilizando as relações sociais.
O estabelecimento da inconsciência existencial, corporificada na irresponsabilidade, ou no desconhecimento do sujeito responsável, torna possível a transição do risco controlado para o dano consumado, gerando uma situação de desestruturação existencial tendente ao estabelecimento da inexistência.
A materialização da inexistência seria a conseqüência máxima do status sócio-político-econômico-jurídico da irresponsabilidade. Esta, portanto, deve ser evitada, a partir daquilo que chamamos de conhecimento ético-responsável.
No âmbito da filosofia das ciências, uma das principais preocupações reside na responsabilidade científica e intelectual. Quando há o cometimento de um determinado erro ou dano temos que ter um responsável, mesmo que este não seja o causador direto do dano. Com isso, preenchemos os vazios da irresponsabilidade que colaboram com as conexões de estabilidade relacional.
Preocupado com a responsabilidade intelectual, Karl R. Popper (2006) nos apresenta doze sugestões para uma nova ética profissional. Ao tratar da permissividade do erro, Popper chama atenção para a necessária vigilância e responsabilidade, para que, no plano da construção do conhecimento, não seja instaurado o status de irresponsabilidade.
A emergência de construção de uma responsabilidade ética se dá em um contexto aonde o fortalecimento da consciência individual, coletiva e global, se constitui no principal instrumento de transformação social, possibilitando soluções plurais e ética de preservação das presentes e futuras gerações; e sustentabilidade de um Ambiente viável à vida.
 
 
 
Tendo em vista, a necessária complexização do conhecimento construído a partir de uma abordagem transdisciplinar, que neste trabalho se dá numa perspectiva bioético-jurídica. Não podemos deixar de lado a transposição da responsabilidade e de seus pressupostos para o plano da concretude juridicamente estabelecida.
Diante disso, as diversas possibilidades de responsabilidade jurídica nos coloca diante de um dilema, que se transporta do plano teórico para o plano prático, que consiste na sua existência formal e material. Além disso, temos a insuficiência de instrumentos institucionais que, de fato, possibilitem a concretização, ou seja, materialização da responsabilidade. Quando isso não ocorre, vemos o surgimento do sentimento de efetivação da irresponsabilidade.
É bom frisarmos que, não há, eticamente falando, como abrir exceções à responsabilidade, para o estabelecimento de uma irresponsabilidade, como nos chama atenção Maria Garcia (2004, p. 260-261) ao afirmar:
 
Em termos de responsabilidade adentramos o mundo jurídico, o âmbito do Direito. Ora, somente a liberdade iguala. A igualdade está na liberdade (autonomia, no sentido kantiano): dessa situação de igualdade, decorrente da liberdade/autonomia que pressupõe, evidentemente, alternativas e a possibilidade de escolhas, opções. Nesse contexto, inexistem exceções à ética da responsabilidade.
 
Maria Garcia (2004), no entanto, ao fazer esta afirmação, que é correta, partiu dos clássicos paradigmas do Direito, pautados, principalmente, no indivíduo. Ocorre que, há uma nova configuração de responsabilidade jurídica, que não se enquadra nos standards jurídicos modernos, demonstrando, portanto, o atual estado de crise no qual se encontra o Direito.
No entanto, no meio desta crise fica perceptível a assimilação pelo Direito de possibilidades que venha a constituir um sistema aberto, maleável, que possibilite a construção de soluções de determinados problemas e a superação dos velhos standards jurídicos; como, por exemplo, as possibilidades de solução para responsabilidade civil e administrativa por danos causados ao Meio Ambiente, como determina a Lei n.º 11.105 de 24 de março de 2005, que estabelece no seu art. 20 as regras para o estabelecimento desta responsabilidade.
O reconhecimento e a ampliação teórico-prática dos princípios da moralidade e da boa-fé se constituem em demonstrações das preocupações, no âmbito da ciência do Direito, com a transmutação dos riscos, decorrentes da sociedade tecnológica, em danos efetivos.
As novas modalidades jurídicas de responsabilidade, vinculadas aos danos, decorrentes da tecnociência/biotecnociência, ao Ambiente, redimensionam conceitos seculares, como: culpa, nexo causal, obrigação, propriedade, posse, tempo da ocorrência do fato, etc.
Ademais, vinculada à responsabilidade civil pelos danos causados ao Ambiente, surgem responsabilidades que se projetam para o futuro, como as relacionadas aos direitos das futuras gerações, que só poderá ser compreendida numa perspectiva transdisciplinar e que, necessariamente, envolverá aspectos jurídicos, bioéticos, filosóficos, morais, biológicos, entre outros.
Ligado ao princípio da responsabilidade e aos direitos das gerações presentes e futuras encontra-se o princípio da precaução, que consiste, diferentemente da prevenção, em um princípio de ação na incerteza.
Dessa discussão, aflora, ainda, as questões ligadas à ambivalência da sociedade de risco, que ao criar os riscos e percebê-los como iminente, buscam soluções a partir de construtos discursivos e estruturais como os sistemas de biossegurança, tentando, com isso, equilibrar os estados de tecnofobia e tecnolatria/tecnofilia/tecnomania.
Não há, pois, como negar a necessária vinculação entre os diversos campos de conhecimento, que no nosso caso específico, devem estar presentes, como eixos epistemológicos centrais, a Bioética, a Filosofia e o Direito, não prescindindo de outras áreas que, com certeza, estarão em constante diálogo e interação com estas três.
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Diante de tudo isso, afirmamos que, novas possibilidades de responsabilidades jurídicas, como a que vincula um sujeito existente aos direitos de não-sujeitos, ou sujeitos inexistentes, nos leva a repensar sobre os planos de existência e a projeção de existência para além da nossa vida individual. Virtualizando, pois, a vida, projetando-a para um futuro incerto, mas que deve estar presente na consciência atual, que se comunica com o passado, reconhece os erros e os acertos, se transforma no presente, possibilitando uma esperança no futuro.
REFERÊNCIAS
 
 
GARCIA, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana, a ética da responsabilidade. São Paulo: RT, 2004.
LENZI, Cristiano Luis. Sociologia ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade. Bauru, SP: Edusc, 2006.
MORIN, Edgar. O Método 6: ética. Tradução de Juremir Machado da Silva. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.
POPPER, Karl R. Em busca de um mundo melhor. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ZUBEN, Newton Aquiles von. Bioética e tecnociências: a saga de Prometeu e a esperança paradoxal. Bauru, SP: Edusc, 2006.
 
 


 
* ADILSON CUNHA SILVA – Advogado, Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito – UFBA, Pós-Graduando em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito – UFBA, Mestrando em Direito Privado e Econômico da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Professor de Introdução ao Estudo do Direito I e História do Direito da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB.

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