Assédio moral na relação de emprego

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1 INTRODUÇÃO; 2 ASSÉDIO MORAL; 2.1 Preliminar; 2.2 Conceito; 2.2.1 Análise dos termos da expressão “assédio moral”; 3 ASSÉDIO SEXUAL; 3.1 Preliminar; 3.2 Tipificação Penal; 3.3 Caracterização do Assédio Sexual; 4 RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO; 5 INDEFINIÇÃO DO ASSÉDIO MORAL; 6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS; 6.1 Primazia dos Princípios Constitucionais; 7. VITIMOLOGIA; 7.1 Preliminar; 7.2.Noção de Vitimologia; 7.3 Vítimas Natas; 7.4 Personalidade da Vítima; 7.5 Vitimologia como Instrumento de Auxilio; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

 

1 INTRODUÇÃO

O tema, assédio moral na relação de emprego, será exposto, inicialmente, de forma a entendermos sua figura contrastando com assédio sexual, bem como, delineando conceitualmente, à luz da doutrina pátria, relação de emprego e relação de trabalho.

A escolha do tema surgiu da necessidade de melhor entender o assédio moral na relação de emprego e sua argüição para pleitear indenizações em ações trabalhistas. Além de, ainda, buscar responder se é ou não justo condenar alguém a pagar uma indenização em razão do reconhecimento da ocorrência de assédio moral. Tudo, pelo fato de que o assédio moral vem sendo indiscriminadamente argüido e reconhecido na esfera trabalhista a ponto de se banalizar e transformá-lo em um instrumento de enriquecimento ilícito.

Trará, também, à discussão, o terceiro elemento, qual seja, a vítima, isto porque só se estuda o autor do assédio moral (o “criminoso”) e o assédio moral (o “crime”), deixando-se de trazer, também, para análise do problema como um todo, o indivíduo destinatário da referida violência (a “vítima”).

Por isso, o interesse em estudar o tema com o fim de melhor compreendê-lo para que se possa, fundamentadamente, emitir juízo de valor, o que possibilitará uma maior ponderação tanto no que se refere ao seu reconhecimento como na imposição das indenizações.

Esta é a linha que marca todo desenvolvimento do trabalho, isto é, o problema fundamental que se propõe a tratar.

Portanto, o trabalho não se destina a mera discussão do óbvio ou a repetição de conceitos, ou seja, dizer o que já está dito, busca-se, na verdade, questionar o que já está dito.

 

2 ASSÉDIO MORAL

2.1 Preliminar

Bem verdade que, embora medidas protetivas ou inibitórias sejam bem vindas no sentido de coibir a prática do assédio moral, especialmente pelo fato de se tratar de proteção constitucional da dignidade da pessoa humana, há que se ter cautela, pois, na qualidade de base para responsabilizar civilmente terceiros, com a imposição da obrigação de reparar danos morais via indenizações financeiras, torna-se necessário definir, para segurança jurídica, quais os limites do que seria assédio moral.

Isto é, até que ponto uma conduta pode ser considerada ilícita e capaz de gerar obrigação de indenizar, já que toda essa responsabilidade repousa, tão-somente, no livre e exacerbado arbítrio daquele que irá julgar.

 

2.2 Conceito

A figura chamada “assédio moral” não é exclusiva do nosso ordenamento, valendo dizer que, também, é conhecida como mobbing na Alemanha e Itália, harassment nos Estados Unidos, bullying na Inglaterra, harcèlement moral na França, ijime no Japão, psicoterror laboral ou acoso moral nos países de origem espanhola, terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no trabalho nos países de origem portuguesa.

Vale citar a definição de Sônia Aparecida Costa Mascaro Nascimento, sobre “assédio moral” que diz:

Assédio moral se caracteriza por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. 1

 

2.2.1 Análise dos termos da expressão assédio moral

Vale ressaltar que, para melhor definir o conceito de assédio moral e, consequentemente, identificar que conduta seria caracterizada como tal, deve-se analisar os termos que compõem a expressão “assédio moral” individualmente.

Nesse passo, o termo “assédio” importa no reconhecimento de uma conduta insistente, impertinente, uma espécie de perseguição, ou seja, um comportamento constante. E, o termo “moral” significa que o bem, objeto da conduta, é composto por princípios ou valores ou sentimentos inerentes à personalidade de cada individuo.

Portanto, para que se caracterize uma conduta como assédio moral, aquela deve ter o caráter de continuidade e ter como alvo elementos da personalidade do assediado.

Além do que, vale dizer que não basta a reunião desses elementos para caracterizar o assédio moral, posto que não se concebe sua prática em ambiente que não haja uma convivência laboral, subordinada e continua, isto porque relação de emprego difere, significativamente, de relação de trabalho não subordinado.

 

3 ASSÉDIO SEXUAL

3.1 Preliminar

É necessário abordar, ainda que breve, o que se entende por assédio sexual, pois tanto este quanto o assédio moral são utilizados para responsabilizar civilmente indivíduos a pagar indenizações financeiras.

Além disso, pelo fato de que o assédio moral, que não tem previsão legal, vem sendo reconhecido segundo os mais variados critérios, isto é, segundo a livre e subjetiva valoração de cada julgador com relação ao ato praticado pelo agente, sendo, portanto, necessário que se demonstre alguns parâmetros ou requisitos objetivos que são exigidos para a configuração do assédio sexual e que servem, também, como base para o assédio moral, delineando de forma mais clara e objetiva a figura deste último.

 

3.2 Tipificação Penal

A despeito de especulações na doutrina no que diz respeito ao reconhecimento de uma conduta como assédio sexual, esta já se encontra tipificada no artigo 216-A, do Código Penal Brasileiro como se vê:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. 2

O tipo penal exige que a conduta prevista como crime preencha certos requisitos, estes, por sua vez, também servem de parâmetro para delinear a conduta do assédio moral.

 

3.3 Caracterização do Assédio Sexual

Não basta, para a caracterização do crime, um mero gracejo ou uma cantada inconveniente; e, lógico, ninguém poderá ser responsabilizado civilmente em razão do cometimento de um irrelevante penal sem resultado danoso.

A ação nuclear é o constrangimento, que não é praticado com emprego de violência nem grave ameaça, deve ser uma importunação que ofenda, chantageie o individuo subordinado.

O próprio tipo exige, também, que o ato seja praticado tendo como pressuposto uma relação de trabalho onde haja subordinação e que o agente se prevaleça de sua superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, como diz Fernando Capez – verbis:

Trata-se do chamado assédio laboral, pois o legislador somente tipificou o assédio decorrente de relação de trabalho. A lei exige que o crime seja praticado por agente que se prevaleça de sua condição hierarquicamente superior ou de sua ascendência, qualquer delas inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. 3

Ainda, vale dizer que, em razão de veto presidencial, o assédio praticado por aquele que se prevalece de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, bem como com relação àquele que abusa de dever inerente a oficio ou ministério (padres, pastores, freiras), não configuram o crime de assédio sexual.

Deve-se ter muita cautela para responsabilizar civilmente, na justiça do trabalho, alguém a pagar uma indenização financeira em razão do reconhecimento da ocorrência de assedio moral ou sexual, pois essas condutas devem ser estudadas criteriosamente a luz do direito.

Exemplificando, vale dizer que, dentro do contexto do direito do trabalho, a empregada doméstica pode ser vitima de assédio sexual, já que há uma relação de emprego, há um vínculo empregatício; e, portanto, um superior hierárquico ao qual a vitima está subordinada.

Porém, com relação às diaristas, o autor do presente trabalho entende que não há ocorrência, tudo pelo fato de que inexiste vínculo empregatício; e, consequentemente, não há a figura do superior hierárquico, ainda que se considere que a diarista esteja inferiorizada na relação de trabalho, esta, como dito, é de trabalho (sem subordinação) e não de emprego.

Daí a importância de se analisar prudentemente a conduta do individuo para que não se cometa injustiça, pois não é raro encontrar entendimentos que são flagrantemente contrários ao que a lei já previu como ilícito ou tipificou como crime, como se vê do artigo do magistrado Rodolfo Pamplona Filho professor titular de Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador – UNIFACS, professor adjunto da faculdade de direito da UFBA – Universidade Federal da Bahia, mestre e doutor em direito do trabalho pela pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Academia Nacional de Direito e professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Mato Grosso que diz – verbis:

Por se constituir em uma violação do princípio de livre disposição do próprio corpo, esta conduta estabelece uma situação de profundo constrangimento e, quando praticada no âmbito das relações de trabalho, pode gerar conseqüências ainda mais danosas.

E a expressão “quando praticada no âmbito das relações de trabalho” é aqui utilizada não como mero recurso de estilística, mas sim para destacar que este fenômeno social não se restringe aos vínculos empregatícios como tipificado no Brasil. De fato, pode o assédio sexual se dar em várias outras formas de relação social, sendo exemplos didáticos o meio acadêmico (entre professores, alunos e servidores), o hospitalar (entre médicos, auxiliares e pacientes) e religioso (entre sacerdotes e fiéis). 4

Referido artigo, salvo melhor juízo, revela irresignação contra o dispositivo legal que define o crime de assédio sexual, pois pretende dizer que é assédio sexual conduta que o próprio artigo 216-A, do código penal não define como tal.

Tanto é verdade que referido artigo afirma que o assédio sexual pode ocorrer no meio religioso (entre sacerdotes e fiéis), olvidando que não configura crime o abuso de dever inerente a ministério ou oficio.

É comum a utilização do assédio sexual para nortear a idéia do assédio moral e ambos utilizados para condenar na indenização por dano moral na justiça do trabalho.

Por isso, há que se ter cautela, pois existe uma série de requisitos para configuração do assédio sexual, não se podendo lançar mão da criatividade, pois há limites traçados pela lei; e, da mesma forma, com relação ao assédio moral que, embora não tenha previsão legal, também há limites e requisitos para seu reconhecimento.

 

4 RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO

De suma importância, para o tema objeto do presente trabalho, demonstrar a diferença entre relação de trabalho e relação de emprego que, na qualidade de ambiente de ocorrência do ato, determinará a existência ou não do assédio moral.

Isto porque, tanto para o reconhecimento do assédio moral quanto para o sexual, exige-se que o agente tenha a qualidade de superior hierárquico, que só existirá quando houver vínculo empregatício ou subordinação nos casos de exercício de cargo ou função.

Com relação ao assédio moral, não há como admitir sua ocorrência contra pessoa que não esteja subordinada ao agente; e, com relação ao assédio sexual, em razão do próprio tipo penal que assim determina.

Mauricio Godinho Delgado assim define relação de trabalho – verbis:

Refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.5

Ainda, Mauricio Godinho Delgado apresenta os elementos que compõem a relação de emprego – verbis:

Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não-eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade.6

Portanto, vale dizer que não é em qualquer relação de trabalho que poderá ocorrer o assédio moral, este só existirá no ambiente laboral onde haja a figura do superior hierárquico, ou seja, na relação de emprego ou na relação de trabalho onde haja subordinação, o que elimina algumas figuras de assédio moral criadas pela doutrina tais como o assédio moral vertical ascendente (o hierarquicamente inferior assedia o superior), o assédio moral horizontal (entre os hierarquicamente iguais) e o assédio moral misto.

Nesse passo, vale trazer o entendimento jurisprudencial que, além de determinar que o agente deve ser superior hierárquico, exige que este tenha, também, utilizado sua superioridade hierárquica para constranger a vitima com o fim de obter a vantagem sexual:

Para a configuração de delito de assédio sexual é necessário que o réu tenha se prevalecido de sua superioridade hierárquica para constranger a vitima no intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. 7

 

5 INDEFINIÇÃO DO ASSÉDIO MORAL

O assédio moral não está tipificado no código penal brasileiro como crime, nem há legislação tratando-o como tal.

O interessante que se pode observar é que o próprio conceito de “assédio moral” é tão indefinido na doutrina quanto o é para se afirmar que determinada conduta importa na sua ocorrência.

Isto porque, a uma, como se vê do conceito trazido por Sonia A. C. M. Nascimento, fica identificado que, para sua ocorrência, exige-se um especial fim de agir, qual seja, excluir o assediado do emprego ou deteriorar seu ambiente de trabalho, isto é, deve haver a finalidade de exclusão ou deterioração.

A duas, há o entendimento de que exige-se, também, a ocorrência de um dano psíquico-emocional, como resultado da conduta “ilícita” para se poder determinar a ocorrência do assédio moral e sua conseqüente responsabilização civil, como se vê dos dizeres de Sonia A. C. M. Nascimento:

A configuração do assedio moral depende de prévia constatação da existência do dano, no caso a doença psíquico-emocional. Para tanto, necessária a perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal. 8

Todavia, há entendimento diverso, a exemplo do ilústre professor Rodolfo Pamplona Filho que diz, equivocadamente, não ser exigível o dano – verbis:

Sendo o assédio moral a conduta lesiva; o dano psíquico-emocional deve ser entendido como a conseqüência natural da violação aos direitos da personalidade da vítima. Note-se, portanto, que a necessidade do dano não é um elemento da caracterização do assédio moral, mas, sim, da responsabilidade civil decorrente de tal conduta. Neste ponto, discordamos da ilustre e culta colega Sônia A. C. Mascaro Nascimento, ao afirmar que “a configuração do assédio moral depende de prévia constatação da existência do dano. De fato, a doença psíquico-emocional, como patologia, pode advir do assédio, mas não necessariamente ocorrerá, nem é elemento indispensável, pois o que é relevante, na caracterização do mobbing, é a violação do direito da personalidade, cuja materialização ou prova dependerá do caso concreto. 9

Ora, se o dano não é exigido para caracterizar o assédio moral, como então responsabilizar o agente na reparação de dano moral resultado de assédio moral ?

A três, como não há dispositivo legal que defina assédio moral, o julgador é obrigado a recorrer, exclusivamente, ao seu sentimento íntimo, as suas convicções pessoais, o que torna por demais subjetiva a aferição da ocorrência do assédio moral; e, mesmo que se recorra ao entendimento do homem médio ou busque sentido na adequação social da conduta, para encontrar um parâmetro, ainda assim, persistirá a insegurança jurídica para reconhecer a ocorrência do assédio moral e responsabilizar civilmente alguém pelo mesmo, especialmente, se inexistir resultado danoso.

Além do que, vale dizer que transformar uma conduta não prevista como crime nem contravenção num verdadeiro “quase crime”, com sanções mais severas que muitos crimes de pequeno potencial ofensivo (já que são resolvidos muitas vezes com meia dúzia de cestas básicas), além de outros exemplos que ocorrem na justiça do trabalho que bem revelam o seu perfil, é assumir-se como autosuficiente, olvidando a necessidade do direcionamento dos outros ramos do direito.

E, a quatro, ainda que se utilize como parâmetro o delito de assédio sexual para se afirmar o assédio moral como uma conduta real e objetiva, o resultado acaba sendo o inverso, pois exige uma relação de subordinação ou seja, que haja um superior hierárquico, bem como deverá haver, de fato, um especial fim de agir, como se vê o código penal brasileiro em seu artigo 216-A.

Vale afirmar que, tão-somente a exigência da figura de um superior hierárquico já torna inexistentes as figuras do assédio moral vertical ascendente, do assédio moral horizontal e o assédio moral misto, como já dito.

Portanto, quando se fala em indefinição do assédio moral, está se falando, também, em inexistência de uma conduta prevista como ilícito (civil ou penal) pelo fato de que nem mesmo a doutrina chega a uma definição sobre o que seria suficiente para caracterizar uma conduta como assédio moral.

Nesse passo, é por demais temerário responsabilizar civilmente alguém por assédio moral na forma como vem, notoriamente, ocorrendo na justiça do trabalho que, por sua vez, deveria voltar os olhos aos outros ramos do direito para poder melhor distribuir a justiça, já que a conduta humana não pode ser tratada nem matematicamente nem como uma dívida sem recibo; e, a justiça do trabalho não pode atuar como se bastasse a si mesmo.

É preciso cautela, pois se todo esse esforço objetiva a proteção dos aspectos de personalidade em razão do principio da dignidade humana, idêntico tratamento deve existir com relação às garantias individuais daqueles aos quais se imputa determinada conduta considerada “ilícita”, tudo por respeito também ao principio da isonomia, legalidade, devido processo legal, e ampla defesa, que são normas jurídicas que impõem regras que devem respeitadas, como será demonstrado em seguida.

 

6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Nunca é demais lembrar que nenhuma convicção pessoal, nenhum sentimento íntimo de justiça, nenhuma valoração subjetiva serão capazes de suplantar as regras extraídas dos princípios constitucionais.

Nesse passo, a figura do assédio moral, ainda não delineada de forma definitiva pela doutrina, necessita para o seu reconhecimento não só o preenchimento de certos requisitos (tomando-se como modelo o assédio sexual), mas também a obediência aos princípios e dispositivos constitucionais, sob pena de subversão da ordem jurídica.

O ordenamento jurídico brasileiro está subalterno aos princípios e dispositivos constitucionais, levando-se em conta uma interpretação constitucional.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que o termo princípio poderá possuir três significados, sendo dois deles de conotação prescritiva e um deles de conotação descritiva – verbis:

 

Os juristas empregam o termo ‘princípio’ em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam ‘supernormas’, ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas – ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma ‘abstração por indução.10

Embora o termo princípio tenha essa indefinição, a interpretação constitucional coloca os princípios numa posição de proeminência fazendo com que os mesmos tenham o papel principal do ordenamento jurídico.

Nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello, diz – verbis:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais (…)11

Como se vê, os princípios são normas jurídicas dotadas de positividade bem como possuem caráter vinculativo.

Ruy Samuel Espíndola diz sobre o caráter normativo – verbis:

Não é predicado somente dos ‘princípios positivos de Direito’, mas também, como já acentuado, dos ‘princípios gerais de Direito’. Reconhece-se, destarte, normatividade não só aos princípios que são, expressa e explicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluentes de seu sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito.12

Ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello diz que principio é o mandamento nuclear de um sistema – verbis:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (…)13

 

6.1 Primazia dos Princípios Constitucionais

A Constituição é a base do ordenamento jurídico brasileiro; e, consequentemente, os princípios constitucionais estão colocados numa posição de superioridade com relação a todas as outras normas.

Luiz Antonio Rizzato Nunes, sobre a importância dos princípios constitucionais diz – verbis:

E essa influência tem uma eficácia relativa, real, concreta. Não faz parte apenas do plano abstrato do sistema. É de ser levada em conta na determinação do sentido de qualquer norma, como exigência de influência plena e direta. Vale dizer: o princípio, em qualquer caso concreto de aplicação de normas jurídicas, da mais simples à mais complexa, desce das altas esferas do sistema ético-jurídico em que se encontra para imediata e concretamente ser implantado no caso real que se está a analisar. Não é preciso, pois, nada aguardar, nada postergar, nem imaginar que o princípio fique apenas edulcorando o universo ético, como a constelação iluminando o céu. Ele é real, palpável, substancial e por isso está presente em todas as normas do sistema jurídico, não podendo, por conseqüência, ser desprezado.14

Portanto, a interpretação de um fato ou da lei deve ser realizada a luz dos princípios constitucionais.

Valendo dizer que, para se reconhecer a ocorrência de assédio moral e a obrigação de indenizar em razão do mesmo, será necessário balizar a atuação do operador do direito, principalmente, pelas regras extraídas dos princípios constitucionais que, em razão da inexistência de dispositivo legal que regule o “assedio moral”, são instrumentos que imporão limites ao subjetivismo exacerbado do julgador que não atuará segundo suas convicções pessoais, mas sim segundo os princípios constitucionais que poderão ser aplicados ao caso, quer seja o principio da legalidade que impede a criação de ilícitos, quer seja o principio da isonomia que determina o tratamento igualitário, quer seja o principio do devido processo legal que determina a observação da regra processual, e, o principio da ampla defesa e contraditório que garante ao individuo o direito a uma justa defesa, que jamais poderão ser olvidados.

 

7 VITIMILOGIA

7.1 Preliminar

A abordagem da vitimologia, que é matéria inerente ao direito penal, não vibra fora da tônica, pois, quando se fala em assédio moral e assédio sexual na seara trabalhista para fins de indenização, naturalmente, surgem as figuras do sujeito ativo (o agressor), a conduta tida como ilícita (o assédio) e o sujeito passivo destinatário da violência (a vítima); e, em razão desse fato, para melhor prestação jurisdicional em termos de justiça, imperiosa é a reflexão auxiliada pelos outros ramos do direito, sob pena de agir-se como animais de tração cujos antolhos direcionam um só caminho.

 

7.2 Noção de Vitimologia

No curso da década de 1970 cresceram os estudos sobre a vítima. Percebeu-se que o dualismo crime e criminoso já não era mais suficiente para melhor entender o problema do crime, sendo necessário o estudo, também, da vítima na qualidade de colaboradora da conduta ilícita, como ressalta Vitorino Prata Castelo Branco – verbis:

Até há pouco tempo, o dualismo: crime-criminoso era a base do direito penal. Ultimamente, porém, com as pesquisas de Von Henting (The criminal and his Victim), percebeu-se que no fato humano condenável pela legislação, havia outra personagem importante, ou seja, a vítima, indispensável na estrutura do crime. A vítima, não apenas como sujeito passivo, mas como colaboradora do ato criminoso. Se não era possível conhecer, perfeitamente, o problema do crime, somente com o estudo da figura delituosa clássica, também não o era, com o conhecimento positivo da pessoa do criminoso, se não estudássemos, outrossim, a pessoa da vítima, peça indispensável à trilogia do fenômeno criminal. E o estudo da vítima tem de ser tão aprofundado quanto tem sido o estudo do criminoso, o qual é examinado sob todos os aspectos biológicos, antropológicos, psicológicos e sociológicos.15

Bem verdade que os mais afoitos podem dizer que a vitimologia está exclusivamente ligada a criminologia e, consequentemente, ao direito penal; porém, vale citar Edgar de Moura Bittencourt que diz que a missão da vitimologia geral não se limita apenas ao estudo das vitimas de crime – verbis:

Mendelsohn salienta a natureza, os limites e a missão da vitimologia geral. Assumindo uma posição polêmica, ele dá ênfase à observação de que limitar a vitimologia ao estudo das vítimas de crimes – ao invés de todas as vítimas – constitui uma visão muito estreita do que a vitimologia poderia e deveria fazer, relegando-a a uma posição auxiliar em relação à criminologia.16

Por isso que, no trato das questões relativas ao assédio moral, é perfeitamente possível averiguar não só o autor do assédio e o assédio em si, mas também, a pessoa destinatária de referida “violência”, na qualidade de elemento colaborador do ato tido como ilícito.

 

7.3 Vítimas Natas

Existem pessoas que cometem crimes; e, também, pessoas que contribuem como vítimas que desencadeiam o evento delituoso, geralmente, sujeitos tão perturbadores do equilíbrio quanto os criminosos.

Vale citar Vitorino Prata Castelo Branco que diz: “já se fala mesmo em ‘vitimas natas’, equiparadas socialmente aos ‘criminosos natos’. Quem vive mostrando a sua carteira, recheada de dinheiro, é uma delas.”17

 

7.4 Personalidade da Vitima

Não se pode deixar de reconhecer que a relação de emprego é, eminentemente, uma relação humana e, como tal, envolve pessoas com diferentes tipos de comportamento e personalidade, capazes de criar situações, provocar sentimentos e emoções além de, também, figurar como vitimas de seus próprios atos.

Vitorino Prata Castelo Branco faz um breve registro a respeito das vítimas potenciais dizendo – verbis:

São vítimas potenciais as personalidades insuportáveis, criadoras de casos, e que levam ao desespero aqueles com quem convivem. Geralmente, tipos humanos sarcásticos e irritantes que nascem e se destinam a vítimas de homicídios e lesões corporais dolosas, porque preparam, com as suas atitudes insultantes, o ambiente para o desfecho criminoso, especialmente no meio familiar ou social que freqüentam. Como há tipos indiferentes, tipos agressivos, tipos perigosos, também há tipos que irradiam misteriosamente, em torno de si, uma aura de perturbação maléfica. Tipos que, ao defrontarem-se com outras personalidades, de caráter antagônico, provocam explosão violenta de dissídios pelos quais foram eles próprios os maiores culpados. 18

Não há como negar que, em um ambiente de trabalho, no qual se convive por várias horas por dia, durante várias semanas seguidas ou até mesmo por anos, essas personalidades, de fato, existam e causem por seus próprios atos perturbadores uma situação de violência ou assédio contra si mesmas.

Mais uma vez Vitorino Prata Castela Branco diz – verbis:

Cada indivíduo tem a sua própria personalidade alegre, triste, indiferente, vibrante, assim como possui um sistema nervoso especifico, reagindo de modo diferente, pode-se dizer mesmo que cada ser humano é um reservatório de forças positivas e negativas equilibradas. Em alguns deles, porém, o equilíbrio desaparece e, por isso, se tornam extremamente simpáticos ou extremamente antipáticos, causando afeição ou aversão aos demais membros da família humana, de modo que as relações familiares ou sociais acabam sempre em explosões, geralmente homicidas ou lesivas, em que ambas as partes são culpadas pelas personalidades estranhas que possuem.19

 

7.5 Vitimologia como Instrumento de Auxilio

Justo é o estudar da vítima de assédio moral dentro de uma relação de emprego ou de trabalho onde haja subordinação hierárquica para melhor aferir o fato tido como delituoso ou ilícito, posto que, muitas das vezes, é ela, a vítima, a real causadora e única responsável pela violência ou ilícito perpetrado contra si.

Nesse passo, sempre que se for julgar ou analisar uma conduta tida como assédio moral para fins de reconhecer a obrigação de indenizar, será necessário, por questão de segurança jurídica, lançar mão de todos os meios, inclusive da vitimologia, que muito auxiliará na aferição do fato.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível afirmar que não há na doutrina um entendimento certo do que seria assédio moral capaz de gerar obrigação de pagar indenização financeira.

Além de não haver dispositivo legal que trate da matéria não há parâmetro ou balizamento definido, pois ora utiliza-se como base o assédio sexual, o que já limita a gama de ocorrências do assédio moral, ora lança-se mão das convicções pessoais em detrimento e contradição do modelo base do assédio sexual.

Há, também, entendimentos que exigem a comprovação do dano psíquico-emocional materializado, por outro lado, há quem sustente que para a ocorrência do assédio moral capaz de gerar indenização não necessitaria da demonstração do referido dano.

Além do que, há entendimento de que, também, dever existir um especial fim de agir para a caracterização do assédio moral, além da relação de subordinação, sem a qual seria impossível a ocorrência do assediar moralmente, embora, como demonstrado, há aqueles que entendem possível sua ocorrência em relações onde não haja subordinação a exemplo do meio religioso (entre sacerdotes e fiéis), olvidando que não configura nem mesmo o crime de assédio sexual o abuso de dever inerente a ministério ou oficio, que dirá assédio moral.

Todos esses pontos são abordados para demonstrar o quanto volátil é a figura do assédio moral, o que torna por demais temerário condenar alguém a indenizar financeiramente pela ocorrência do mesmo, já que seu reconhecimento, no final, será aquele resultado das convicções pessoais do julgador.

Ademais, existe uma regra principiológica constitucional que limita a atuação do julgador que deverá respeitar a legalidade, a isonomia, o devido processo legal, ampla defesa dentre outros, já que são mandamentos nucleares de um sistema, o que impede, mais especificamente, a criação de figuras de “delito” ou ilícitos para condenar alguém a pagar indenizações.

A justiça do trabalho não se basta a si mesma, deve operar em perfeita harmonia com outros ramos do direito e deles se socorrer.

Nesse passo, vale dizer que, na análise de um fato tido como assédio moral, deve-se avaliar a pessoa vítima da violência que, muitas das vezes, é a real causadora da violência perpetrada contra si.

Pois, se se pretende adentrar no campo da conduta humana e emitir juízo de valor sobre a mesma, deve-se, então, fazê-lo por completo, isto é, utilizando-se de todos os instrumentos para tal, pois, caso contrário, estar-se-ia sob o falso pálio da celeridade e efetividade da justiça do trabalho, cometendo não só graves injustiças, mas também, subvertendo a ordem jurídica e as garantias constitucionais, tão duramente conquistadas a preço de sangue, menosprezando-as, banalizado-as e flagrantemente desrespeitando-as através de julgadores que se utilizam, exclusivamente, de suas convicções pessoais, transformando-se em verdadeiros criminosos com seus atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito.

 

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Edgar de Moura. Vitima. 2ª ed. São Paulo: Eud, 1978.

BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Criminologia. 1ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1980.

BRASIL. Código Penal. Dec.Lei nº 2.848/1940. Brasília, DF: Senado Federal, 2010.

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1 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Assédio Moral no Ambiente do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, v. 68, n. 08,ago. 2004. p. 922-930.

2 BRASIL. Código Penal. Dec.Lei nº 2.848/1940. Brasília, DF: Senado Federal, 2010.

3 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 3, p.43.

4 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio Sexual: questões conceituais. Artigo Publicado na FESMP, 2009. p. 2.

5 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8a ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 265.

6 Ibid., p. 269.

7 BRASIL. Ttribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. RCr 71002102325, Turma Recursal Criminal, rel. Juíza Laís Ethel Correa Pias, j. 8.6.2009.

8 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Assédio Moral no Ambiente do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, v. 68, n. 08,ago. 2004. p. 922-930.

9 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções Conceituais sobre Assédio Moral na Relação de Emprego. Artigo Publicado na FESMP, 2009. p. 9.

10 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho – Estudos em Homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento. Ed. Ltr, 1991, Vol. I, p. 73-74.

11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed. RT, São Paulo, 1980, p. 230.

12 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2 ed. São Paulo: RT. 2002. p. 60/61.

13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. RT, São Paulo, 1980, p. 230.

14 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo : Saraiva, 2002.

15 BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Criminologia. 1ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1980, pag. 233.

16 BITTENCOURT, Edgar de Moura. Vitima. 2ª ed. São Paulo: Eud, 1978, pag. 31.

17 BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Criminologia. 1ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1980, pag. 233/234.

18 Ibidem, 234.

19 Ibidem, 234.

Marcelo Joventino Coelho

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