As situações subjetivas existenciais segundo Pietro Perlingieri: análise crítica

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Resumo: Em todo o mundo ocidental, as questões relativas aos direitos subjetivos existenciais sofrem ampla discussão. O jurista italiano Pietro Perlingieri demonstra, no Capítulo Décimo Sexto de sua obra “O direito civil na legalidade constitucional”, que os problemas enfrentados pelas democracias contemporâneas para assegurar os direitos existenciais são semelhantes. O presente artigo tem a pretensão de realizar uma análise compilada e crítica do pensamento do autor, manifestado no referido capítulo. A título de conclusão, observou-se que várias das ideias externadas no texto poderiam ser aplicadas na solução de problemas e conflitos de natureza fundamental experimentados pelos jurisdicionados do Brasil, o que demonstra o valor do estudo da obra dentro de um contexto civil-constitucional.

 

1 Introdução. Contextualização da análise

Perlingieri inicia o Capítulo décimo sexto de sua obra “O direito civil na legalidade constitucional” abordando a inconveniência prática de se estabelecer distinções entre o direito pessoal e o patrimonial, quando se trata da defesa dos direitos de personalidade. O leitor mais incauto poderia iniciar a leitura do texto, destacado do restante da obra, acreditando que o autor escreveu pensando especificamente no direito brasileiro, tamanho é o grau de aplicabilidade da análise ao nosso ordenamento e ao tratamento universal dado pelo autor à questão posta. Entretanto, uma pesquisa perfunctória é capaz de revelar que os dispositivos legais mencionados pelo autor1 não correspondem àqueles presentes na legislação brasileira. De fato, por exemplo, ali se menciona que o art. 1.174 do Código Civil contém a expressão “caráter patrimonial da prestação”, o que não ocorre no dispositivo correspondente da legislação brasileira.

Este alerta preliminar faz-se necessário em razão de que a forma de organização dos dispositivos e comandos legais – pelo menos no tocante à divisão por artigos – é compartilhada pelos dois países. Ou seja, ao contrário do que ocorre nas reminiscências a outras espécies legislativas, como as alemãs (que usam principalmente a divisão por parágrafos), é bem possível a um iniciante nos assuntos jurídicos fazer a leitura do texto crendo que o mesmo toma por base direta a legislação de seu país de origem, especialmente se não começar a leitura a partir do início da obra. Dada a semelhança das referências legais e a universalidade dos assuntos, o equívoco pode ser descoberto só muito mais tarde, com consequências que poderiam ser discutidas juntamente com a confecção deste item.

O Código Civil italiano guarda bastantes semelhanças com o Novo Código Civil brasileiro. Estruturalmente, é dividido em seis livros2 (Da pessoa e da família; Das sucessões; Da propriedade; Das obrigações; Do trabalho; Da tutela de direitos), introduzido por um com efeitos semelhantes à Lei de Introdução do Código Civil brasileira (Disposições sobre a lei em geral) e encerrado por outro que visa a gerir questões de caráter transitório (Disposições de aplicação e transitórias). Trata-se de uma divisão muito semelhante àquela adotada pelo Código Civil do Brasil (dividido em Parte Geral, com três Livros: Das pessoas; Dos bens; Dos fatos jurídicos; e Parte Especial, com cinco Livros: Do Direito das Obrigações; Do Direito de Empresa; Do Direito das Coisas; Do Direito de Família; Do Direito das Sucessões; e, enfim, um Livro Complementar – Das Disposições Finais e Transitórias. A referência realizada pelas disposições sobre a lei em geral, no direito italiano, ainda pode ser suprida no direito brasileiro pela Lei de Introdução ao Código Civil). Uma das principais distinções estruturais entre os Códigos Civis sob referência é que, enquanto no brasileiro a numeração dos artigos é sequencial entre os livros, no italiano ela se reinicia nas Disposições sobre a lei em geral e nas Disposições de aplicação e transitórias, como se não fizessem parte integrante do Código. Trata-se de uma providência que reduziu o número de artigos da codificação, que mesmo assim possui um número bem superior ao Código Civil brasileiro – 2.969 artigos no total, contra os 2.046 da codificação vigente no Brasil.

No tocante à matéria, adotando-se uma visão panorâmica, também são notáveis as semelhanças entre a legislação civil brasileira e italiana. Exemplo disso é a influência direta do Código Civil italiano na elaboração das novas bases do direito de empresa brasileiro. De fato, a codificação italiana é mais antiga (entrou em vigor com o Decreto Régio nº 262, de 16 de março de 1942) e, como tem por pressuposto os modernos fundamentos do Estado Democrático de Direito, sua experiência pode ser utilizada na renovação de ordenamentos com a mesma orientação, como é o caso do Brasil.

No que pertine à análise realizada neste tópico – que se limita a tratar, também em uma visão geral, da pertinência da divisão entre o direito pessoal e o patrimonial na tutela dos direitos de personalidade –, a semelhança entre o direito civil italiano e o brasileiro é suficiente para assegurar que o autor faça considerações pertinentes aos dois sistemas, respeitadas as particularidades e exemplificações, que são nitidamente dirigidas ao direito italiano. Mesmo assim, é possível ao intérprete cauteloso realizar o cotejo entre as duas codificações, tornando a análise compatível com o sistema brasileiro em medida adequada a permitir a boa compreensão do tema.

 

2 Considerações iniciais sobre a matéria analisada

O espectro do capítulo analisado abrange os direitos existenciais, aí incluídos, segundo Perlingieri, a personalidade e o nome, a saúde, o meio ambiente, as relações familiares, a liberdade de expressão, a educação e a moradia. Cada um deles recebe tratamento específico e distinto, levando em consideração os principais fatos jurídicos a eles relativos nos dias atuais e a posição do ordenamento italiano no que lhes toca.

Antes, porém, de iniciar o estudo dividido por matérias, o autor faz considerações sobre a inadequação da divisão dos direitos civis em pessoais e patrimoniais. Para Perlingieri, tal divisão constitui um obstáculo à aplicação dos direitos existenciais, porque lhes nega a sua natureza coletiva, universal. Tal separação seria baseada em uma falsa pressuposição de que a divisão de tais direitos é necessária para assegurar a sua aplicação. Na verdade, “o fato de a personalidade ser considerada como valor unitário, tendencialmente sem limitações, não impede que o ordenamento preveja, autonomamente, algumas expressões mais qualificantes como, por exemplo, o direito à saúde (…), ao estudo (…), ao trabalho”3.

Segundo tais considerações, o autor aponta que a existência de divisões dentro do direito civil suporta o risco da criação de categorias diferentes desses direitos, quando na verdade estão todos dentro de um mesmo patamar. Na verdade, não é apenas uma espécie ou categoria de direitos capaz de conferir personalidade a um sujeito, mas um complexo desses direitos, impossível de se categorizar, porque tais direitos se interrelacionam.

A separação dos direitos civis fundamentais pode trazer, na prática, o risco de se fazer com que a tutela da pessoa se esgote no ressarcimento do dano, descuidando-se de adotar uma tutela preventiva, que evite a ocorrência do mal jurídico em vez de apenas indenizá-lo4. Daí a crítica veemente, e correta, do autor à sua aplicação.

Para o autor, importa conferir um único fundamento para todas as exigências básicas do ser humano, eis que elas encontram-se reunidas em apenas um princípio – a dignidade da pessoa humana. É assim porque o valor da pessoa humana, defendido por tal princípio, não varia conforme o direito que se tem em perspectiva. E é esse valor que realmente importa5.

A crítica se estende a outros direitos juridicamente relevantes, como por exemplo, aqueles que dependem de uma regulamentação ainda inexistente. Para o autor, se um direito está previsto na Constituição, deve ser possível gozar dele de imediato, sob pena de existir uma contradição no sistema6. Para solucionar tal contradição, não basta opor ao jurisdicionado a ausência de um instrumento jurídico capaz de manejar o direito; a única alternativa é a efetiva aplicação da garantia, ainda que por outro meio.

Tais considerações soam como uma crítica dura ao tratamento dado pela doutrina e jurisprudência ao sistema de direitos constitucionais brasileiro. Como a Constituição de 1988 é altamente garantista, nem sempre o Estado tem condições de oferecer todos os direitos ali presentes. A solução jurídica adotada é a restrição, sob argumentos como a malversação da teoria da reserva do possível ou a divisão das normas constitucionais segundo a sua “eficácia” (plena, contida e limitada), quando na verdade tal eficácia deveria ser absoluta em qualquer hipótese.

Quando se têm em conta os graves problemas de representatividade e mesmo de eficiência do Poder Legislativo, a falta de verdadeira eficácia de normas constitucionais representa uma questão a ser enfrentada com urgência pelos cidadãos brasileiros. O Poder Judiciário, único capaz de reverter tal situação, só passou a agir recentemente neste sentido, combatendo o uso nocivo da divisão das normas constitucionais conforme sua eficácia. Exemplo disso foi a determinação do emprego da Lei 7.783/89, dirigida originariamente apenas aos trabalhadores privados, também aos servidores públicos, enquanto não seja sancionada lei específica com esse fim. Tal providência, adotada pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção nºs. 670, 708 e 712, julgados em 25 de outubro de 2007, corrigiu uma injustiça de décadas: por falta de regulamentação, os servidores públicos poderiam ter suas greves julgadas ilegais, pouco importando o mérito da paralisação. Era como se o direito de greve, constitucionalmente reconhecido como essencial para a dignidade de todos os trabalhadores, fosse subtraído.

Há ainda diversos direitos constitucionais de natureza fundamental que não se fazem dotados de verdadeira eficácia, como o salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas da família (art. 7º, IV, da Constituição), e o atendimento à saúde gratuito e de qualidade. Muito trabalho ainda pode ser exigido dos órgãos do Poder Judiciário no sentido de garantir a eficácia desses direitos elementares.

 

3 Direito à saúde

Perlingieri confere à saúde uma análise compreensiva, dividindo-a conforme a necessidade de conferir tratamento à integridade física e à psíquica. Na primeira dessas dimensões, inclui a garantia de oferecimento de condições sanitárias adequadas, assim como o direito ao meio ambiente equilibrado. Todas elas devem receber atendimento igualmente relevante, devendo o tratamento psicoterápico deixar de ser considerado um luxo.

Em se levando em consideração a necessidade de conferir importância ao tratamento psíquico equivalente ao físico, o autor levanta questões curiosas. Uma delas é o dever de o Estado intervir, oferecendo tratamento a um deficiente mental, contra a sua vontade. Para o autor, isto só deve acontecer quando o doente não tratado oferecer perigo sério à sua própria integridade física e à daqueles que o rodeiam, e com o único objetivo de eliminar ou atenuar tal periculosidade. Não havendo tal possibilidade, tal tratamento deixa de ser legítimo7.

O autor reconhece ainda a possibilidade de o paciente não apenas conferir o seu consentimento, mas abusar do tratamento gratuito oferecido pelo Estado, por razões patológicas ou não. De toda maneira, não havendo necessidade ou utilidade do tratamento, o Estado poderá recusá-lo sem incidir em violação a direito fundamental.

Com respeito à capacidade civil dos indivíduos afetados por enfermidades mentais, o autor bem observa que a legislação tende a excluí-los da vida civil, com o intuito de protegê-los. Trata-se de um procedimento equivocado, pois tais pessoas encontram-se doentes, não mortas8. Assim é que o juiz, ao apreciar as condições psíquicas do interditando, aliado a um profissional capaz de orientá-lo nesse sentido, poderia definir limites não tão rígidos quanto à eficácia dos negócios jurídicos por ele celebrados. Tudo dependeria da capacidade de manifestação de vontades legítimas por parte do interditando. Importa é que a interdição absoluta não pode servir como remédio jurídico para todos os tipos de enfermidade mental.

O autor elege a curatela como instrumento aplicável tanto para solucionar tal problema, quanto para satisfazer às necessidades do interditando que extrapolem as patrimoniais, aí incluídas as decisões relativas a seu cotidiano. Daí a responsabilidade do juiz em fazer boa escolha neste sentido.

As considerações do autor sobre a concessão de um grau de liberdade adequado às faculdades mentais da pessoa estendem-se aos idosos. Para Perlingieri, não é dado ao Estado impor qualquer grau de limitação a uma pessoa, levando em conta apenas a sua idade9. Para o autor, dever-se-ia considerar idoso não quem atingisse determinada idade, e sim quem passasse a sofrer limitações em suas estruturas e funções psicofísicas10. Trata-se de uma crítica plenamente aplicável, no Brasil, à disposição do art. 1.641, II, do Código Civil, que estabelece obrigatoriamente o regime de separação de bens para as uniões em que um dos nubentes é maior de 70 anos de idade11. Assim, cria-se a presunção legal, iura et de iure, de que os nubentes nesta idade já não são capazes de gerir seu próprio patrimônio adequadamente, e o Estado precisaria intervir para protegê-los. Poder-se-ia mesmo dizer que, segundo a lei civil brasileira, a partir dos 70 anos a senilidade é presumida.

Ao conter disposição desse calibre, o tão celebrado Código Civil de 2002 caminha em direção oposta à modernidade. Como bem ressalta Perlingieri, em um mundo cada vez mais regido pela tecnologia, as pessoas idosas com capacidade mental intacta têm lugar assegurado, pois a limitação que a idade notoriamente traz é apenas a física – e esta tem sido relativizada pelo uso de insumos diversos como cadeiras de rodas movidas a eletricidade e computadores que atendem a comandos por voz. Na verdade, o que se verifica é a prevalência dos idosos no mercado de trabalho por muito mais tempo, tendo em vista a impossibilidade de o regime previdenciário geral conferir renda digna, e o fato de que eles são dotados de uma experiência prática absolutamente inalcançável pelos mais jovens, porque insubstituível por décadas de estudo. Há de se considerar, ainda, que uma pessoa de idade avançada que ainda se considera competente e inteligente tem maiores perspectivas de manter-se economicamente ativa, por se mostrar mais resistente às enfermidades psicológicas que afetam o ser humano em todas as idades.

O mais acertado seria estabelecer o regime de separação como excepcional ao idoso em vias de se casar. A pretensão de adotar outro regime de bens deveria ser levada a juízo. Com o auxílio de um perito, o julgador, atestando a existência de capacidade mental hígida, conferiria a autorização judicial necessária à celebração do casamento no regime desejado.

Outra crítica do autor plenamente aplicável ao ordenamento brasileiro é a criação de regras específicas para os idosos em geral. A pretexto de atender o conteúdo do princípio da isonomia, tal providência é adotada como se os idosos constituíssem uma classe a ser marginalizada12. É o que ocorre com a Lei 10.741/03, também conhecida como Estatuto do Idoso, e que estabelece uma série de prerrogativas para os maiores de 60 anos, bastando que alcancem tal idade.

Sem questionar o merecimento de tais privilégios para as pessoas mais vividas, o autor aponta corretamente que o princípio da isonomia não se resume a separar as pessoas em razão de sua idade. Para que se possa verificar a necessidade de tratamento privilegiado, é necessário o reconhecimento efetivo de um handicap13, de uma condição que realmente fragilize o indivíduo em face do restante da sociedade. A verdade é que, quando a comunidade percebe a existência de pessoas plenamente funcionais lançando mão de prerrogativas destinadas a deficientes, a aplicação do princípio da isonomia perde sua força normativa, como se ele não tivesse existência além das palavras impressas.

A título de sugestão, as prerrogativas conferidas a pessoas que atingem determinada idade deveriam ser gozadas mediante a apresentação de um documento próprio, cuja emissão estaria condicionada à realização de exames capazes de comprovar a limitação física ou psíquica sofrida, ou mesmo a decisão judicial favorável.

De fato, o Poder Judiciário pode mostrar-se como um aliado no controle das limitações impostas pela acepção de pessoas por idade. É o que já ocorre em certos concursos públicos, que determinam um limite de idade, de altura ou de peso a ser observado pelo candidato. A jurisprudência demonstra que a matéria não se submete à discricionariedade do administrador, e que a aplicação de tais limites demanda a existência de motivação justa.

No que pertine ao meio ambiente, as considerações do autor são compatíveis com a orientação assumida pelo ordenamento brasileiro, inclusive quanto à aplicação do princípio da prevenção, uma das bases da proteção moderna ao ambiente. Aliás, a noção de que atividades potencialmente nocivas devem ser restringidas até que se delineiem as regras de sua plena segurança é fundamento de um direito civil que procura evitar o dano em vez de simplesmente indenizá-lo, o que, como visto, o autor já defendera abertamente em item anterior.

 

4 Direito à personalidade e a disposição do próprio corpo. Relações familiares

A noção de que o mero assentimento da parte interessada não é suficiente para se tornar lícita a realização de atos que possam colocar em risco a sua integridade psíquica é reconhecida pelo autor, assim como ocorre no ordenamento brasileiro (art. 11 do Código Civil). Isto demonstra o caráter universal desse direito, característica evidente de todo direito que instrumentalize o princípio da dignidade da pessoa humana. A mesma regra aplica-se aos atos de disposição do próprio corpo; assim, não importa quão nobre seja a finalidade, uma pessoa não pode dispor de si, colocando em evidente risco a própria vida, com vistas a salvar outra, ou com vistas a encontrar o próprio conforto psíquico.

No caso dos atos visando à mudança de sexo, o autor reconhece a possibilidade de se proceder a alterações físicas com vistas a refletir um sentimento psicológico divergente, ou seja, a possibilidade de se alterar a aparência física para refletir o sexo a que a pessoa sente pertencer14. O autor ousa ir além, reconhecendo a possibilidade de haver mudanças neste sentido, ao longo da vida, influenciadas tanto pelo meio social quanto por fundamentos psicológicos, que justifiquem a mudança de sexo.

O autor destaca muito bem que a principal variável a ser considerada neste ponto é o efeito da mudança sobre terceiros. Não é dado à pessoa simular um sexo que não possui, para obter vantagens jurídicas ou psicológicas às custas do consentimento de outra pessoa, baseado essencialmente nas aparências. Neste sentido, antes de se conferir a liberdade de uma pessoa aparentar sexo diverso daquele que realmente possui – ou mesmo, que possuiu –, seria necessário discutir os meios de se assegurar que aqueles em vias de encetar um relacionamento psicológico (especialmente o amoroso) com tais pessoas saibam de antemão desta condição, bem como da possibilidade de sofrer os efeitos fáticos advindos desse relacionamento.

Sem dúvida, cabe ao ordenamento assegurar a cada um o arcabouço de direitos fundamentais oriundos da condição humana, independentemente do sexo biológico ou psicológico, escolhido ou demonstrado. Entretanto, não menos certo é que também se deve assegurar o direito aos terceiros que pretendem um relacionamento mais aprofundado com essas pessoas a conhecer qual é a natureza desse sexo, sob pena de se proteger a ocorrência de um possível dano psicológico a se revelar no futuro. Neste caso, o interesse do terceiro é evidente, pois relaciona-se a questões biológicas da união conjugal. Ao se casar, a pessoa pode ter a pretensão de gerar filhos biológicos por vias naturais, o que a técnica médica ainda não tornou possível para as pessoas que mudam de sexo; e este fato claramente demonstra o interesse do nubente em conhecer a condição sexual anterior de seu parceiro.

Há de se reconhecer que a atuação do direito, neste ponto, é deveras difícil. A criação de qualquer meio de se provar a situação sexual anterior do indivíduo poderia ser razão de preconceito15, proporcional à sua publicidade. Poderia ser possível a manutenção da condição anterior em um arquivo sigiloso, a que somente pessoas com verdadeiro interesse teriam acesso, mediante autorização judicial.

Certo é que, na opinião do autor, a mudança de sexo por motivos cosméticos, desvinculados de razões graves de saúde, não pode ser autorizada pelo ordenamento.

No tocante à problemática relacionada à fecundação in vitro e à inseminação artificial, o autor segue a orientação ética geral, de que o procedimento deve ser realizado excepcionalmente, quando o casal em questão tiver problemas para gerar filhos biológicos. Poder-se-ia acusar o autor de defender o óbvio, mas a verdade é que o caso envolve uma questão mais delicada – a humanização das relações biológicas. Trata-se de uma questão ética semelhante àquela envolvida na discussão da clonagem humana, proibida entre os países que compõem a União Europeia.

De toda maneira, o autor demonstra que a manutenção desses valores não se superpõe ao desejo de construir uma família, até porque a família une-se com base no amor e no afeto. Assim, é plenamente aceitável a adoção de procedimentos biológicos artificiais para a concepção de uma criança ainda que a mãe não esteja acompanhada de um companheiro16. Ao nosso ver, noção semelhante deverá orientar a possibilidade de adoção por um indivíduo só, desde que se comprove a existência de estabilidade psicológica suficiente para levar a cabo a tarefa de cuidar de uma criança.

Em todo caso, o autor reconhece o direito de a criança ter acesso à sua ascendência biológica. Nos dias atuais, este direito pode ser considerado como fundamental, pois sabe-se que certas doenças genéticas podem ser tratadas e até curadas antes de sua manifestação, bastando-se o conhecimento de que os ascendentes eram seus portadores. Assim, a vedação do conhecimento da origem biológica do filho adotivo, ou gerado por inseminação artificial heteróloga, pode ser considerada uma violência exercida pelos pais – e não deve merecer guarida do ordenamento. Os poderes governamentais deverão opor-se a isso, tornando obrigatória a manutenção de um sistema de banco de dados consultável pelos interessados, especialmente os filhos.

Já a via recíproca não é verdadeira. O pai biológico de filho adotado, ou gerado por outra pessoa via inseminação artificial, não tem direitos ou obrigações em relação ao mesmo, especialmente em âmbito patrimonial. Tal situação só se inverte em casos absolutamente excepcionais, como a morte da família adotiva17.

Estas conclusões derivam da necessidade de se estabelecer vínculos entre as pessoas envolvidas. Para o autor, a família compreende o “lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes”18. Deste modo, assim como as relações não biológicas entre pais e filhos que não se conheceram não devem ser estimuladas, também não se pode exigir que filhos reconhecidos partilhem o mesmo sepulcro da família na qual nunca foram introduzidos19. No Brasil, dada a ausência de um tradicionalismo semelhante, esta questão não é especificamente tão discutida. Tendo havido o reconhecimento ou a comprovação da paternidade biológica, o filho participa de todos os direitos patrimoniais que o pai pode proporcionar. O desfrute da intimidade da família paterna é uma questão a ser resolvida pelo desenvolvimento da convivência entre os indivíduos envolvidos.

No que diz respeito à manipulação genética, o autor enfrenta as questões éticas envolvidas, acolhendo-a, quando for o caso de eliminar enfermidades graves que possam afetar futuramente a pessoa gerada. Entretanto, o autor não parece reconhecer a validade de tal procedimento para o tratamento de doenças crônicas, que não chegam a ser graves. É que, em sua opinião, a manipulação genética não pode ser utilizada para gerar seres ideais, ou seja, promover a eugenia. De fato, trata-se de uma questão ética tratada da mesma forma pela grande parte do pensamento jurídico atual, mas que ainda promete celeumas. Qual é o pai que, podendo, não desejaria eliminar do filho a tendência genética a desenvolver miopia, mesmo sabendo que há diversas técnicas capazes de extinguir tal desvantagem biológica, como o uso de óculos ou lentes de contato? Enfim, até que ponto a terapia genética deixa de ser curativa e passa a ser eugênica? Trata-se de uma questão que sempre acompanhará o desenvolvimento biotecnológico, e que será discutida ao longo das próximas décadas, e talvez séculos.

 

5 Direito à liberdade de imprensa

Em breves palavras, Perlingieri aclama a liberdade de imprensa como um dos fundamentos do Estado de Direito. Para o autor, isto significa a ausência de prévia censura, ou seja, a possibilidade de divulgação de qualquer assunto sem apreciação inicial por parte de qualquer órgão. Entretanto, o autor concorda em que a divulgação de fatos e notícias nunca pode ser irresponsável, conferindo ao membro da imprensa o poder de distorcer informações e provocar dano à imagem de qualquer pessoa.

Assim, por exemplo, não é dado ao jornalista divulgar fatos indecorosos, lesivos à honra e à boa fama de certa pessoa, com base apenas na premissa de que são verdadeiros20. Na verdade, a divulgação de notícias pela imprensa deve atender a uma função social, que dela não se separa: a utilidade da informação na promoção e desenvolvimento da personalidade do público21.

A consideração destas linhas gerais se faz muito relevante no momento histórico atualmente atravessado pelo Brasil. Por decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, a Lei 5.250/67, mais conhecida como Lei de Imprensa, foi julgada incompatível com a Constituição Federal, e portanto, inaplicável. A Lei de Imprensa constituía o único diploma responsável, por exemplo, por regular institutos como o direito de resposta frente a uma manchete injuriosa. Apesar de que, neste caso, a questão deveria ser levada ao Poder Judiciário para apreciação (eis que o direito de resposta continua existindo, porque previsto no art. 5º, V, da Constituição, como direito fundamental), o Poder Executivo Federal já se adianta para preencher o vácuo legislativo com a criação de uma agência reguladora capaz de apreciar o conteúdo veiculado pelo rádio, TV e mídia impressa.

Está claro que a mídia não pode ser vista como um “quarto poder”, capaz de desmandos de qualquer natureza e sem nenhuma responsabilidade ou limitação material. No entanto, a aplicação de qualquer medida que represente ato de censura prévia viola a Constituição. O melhor cenário para a situação há de ser aquele em que o Poder Judiciário atue com prontidão e eficiência para coibir abusos do direito de informar, como as perseguições gratuitas a celebridades e as violações públicas de direitos de personalidade.

De fato, nas palavras de Perlingieri, “para que a notícia jornalística seja lícita, não é suficiente que seja verdadeira, socialmente útil e expressa de forma civilizada; é necessário que seja também essencial”22. Ausente tal premissa, estará aberto o caminho para a atuação do Poder Judiciário, no sentido de coibir os abusos. É esta a orientação a ser seguida não apenas pelos juízes, mas também pelo legislador, em caso de sanção de uma futura Lei de Imprensa.

 

6 Direito à educação

Perlingieri inicia suas considerações acerca do direito à educação reconhecendo sua intrínseca relação com o direito à informação, já tratado acima. Não se pode considerar uma pessoa informada, se ela não tem o nível de educação mínimo necessário a que assimile, processe e entenda a informação posta à sua disposição. Somente assim o ser humano é capaz de exercer um juízo de valor crítico acerca do mundo ao seu redor, e é isso que torna possível a tomada de decisões de cunho político.

As considerações de Perlingieri tornam possível presumir que, na Itália, o sistema educacional público alcança a todos os cidadãos, oferecendo-lhes um nível de qualidade compatível23. Trata-se de uma realidade muito distante da brasileira, em que os grotões do Norte e Nordeste sofrem com a falta de infra-estrutura das escolas, e em que os professores não têm oportunidades de capacitação ou valorização remuneratória. Mesmo nas regiões mais desenvolvidas do país, impressiona o número de alunos em séries avançadas incapazes de compreender textos mais complexos ou de realizar operações matemáticas. O resultado é que os alunos brasileiros aparecem entre os últimos colocados em avaliações feitas por órgãos independentes, envolvendo os países desenvolvidos e em desenvolvimento24, o que evidencia a incapacidade, ou o descaso, das autoridades brasileiras com relação ao tema.

Outra questão levantada pelo autor, e que apresenta importância decisiva, é o fato de que a educação como um todo não se resume aos procedimentos formais lecionados na escola. A educação completa de um indivíduo envolve o ensino de comportamentos, por meio do exemplo e do testemunho; a introdução em atividades culturais, espirituais e recreativas; e o oferecimento de um suporte psicológico e patrimonial25. Assim, não se pode esperar que um indivíduo seja completamente formado apenas passando a maior parte do dia dentro dos muros de uma instituição escolar. Ele precisa de bases familiares sólidas, sob pena de suportar frustrações e dúvidas insanáveis quando for necessário tomar decisões que nada têm a ver com o conhecimento científico, mas sim com a moral e a ética. Estes ensinamentos só podem ser transmitidos por uma entidade familiar com efetiva presença na vida do indivíduo. O próprio autor resume a questão da melhor forma: “o poder familiar de educar, que caracteriza aquele dos genitores derivante da procriação, é a matriz de qualquer outro, é o mais amplo”26.

Por outro lado, Perlingieri surpreende ao dizer que os estudos tidos como facultativos podem não ser oferecidos gratuitamente pelo Estado. Com esta ideia em suspensão, não esclarece qual seria a espécie de estudo a ser considerada como facultativa. Nos dias de hoje, a obtenção de um grau em nível superior, no Brasil, pode ser entendida como fundamental para se obter um salário capaz de satisfazer as necessidades mais básicas da vida. Neste sentido, o fornecimento pelo Estado de uma formação gratuita em nível superior justifica-se. Não se deve ignorar, entretanto, que existem níveis de capacitação obtidos como desenvolvimento natural de uma carreira, e que podem por ela ser financiados, sem intervenção do Estado. Cabe ao administrador público traçar diretrizes sobre essa tormentosa questão.

 

7 Direito à moradia

Perlingieri finaliza o Capítulo Décimo Sexto de sua obra “O direito civil na legalidade constitucional” realizando algumas considerações sobre o direito fundamental à moradia. Apesar de tratar brevemente do assunto, o autor reconhece a relevância do direito na caracterização da dignidade da pessoa humana.

É de se observar, entretanto, que as poucas palavras do autor a respeito do assunto valem por muitos tratados que já foram escritos sobre o tema. É assim porque Perlingieri reconhece um grave problema político que tem se abatido sobre a problemática da moradia digna: a ideia de que basta a realização de desapropriações pouco criteriosas para se entregar a terra a quem dela precise27, com isto considerando-se realizada a reforma agrária e uma urbanização ordenada.

O ser humano tem, em geral, profunda identificação com o lugar em que reside, com o seu lar. Esta identificação origina-se dos tempos remotos do desenvolvimento humano, em que era necessário um abrigo natural para se proteger das intempéries. Com o desenvolvimento tecnológico, ainda que primitivo, o homem passou a construir seus próprios abrigos, ocupando regiões antes inabitáveis e expandindo o conceito de “lar”.

Com o desenvolvimento político e a ocupação cada vez maior das terras disponíveis, surgiu a inevitável desigualdade de posses entre as pessoas, capaz de subordinar boa parte dos cidadãos à indigência e à miséria. A solução moderna adotada pelo Estado brasileiro para esta situação tem sido promover a desapropriação do que se entende por “grandes latifúndios”, com apoio de movimentos sociais de fundamentação ideológica marxista.

Entretanto, o colono é assentado sem qualquer contraprestação, e sem que se lhe garantam condições mínimas de iniciar a produção. Muitas vezes, o indivíduo sequer aprende a lidar com a terra que recebe. Assim, o movimento de reforma agrária tem fracassado, sendo utilizado para a ascensão política dos dirigentes dos movimentos sociais que pleiteiam a sua realização – sempre com maior força, já que o grande problema da insuficiência de terras não é resolvido.

Para solucionar a questão, o autor suscita a necessidade de o colono atribuir um valor próprio à terra que obteve. Isto se faz por meio da organização de sistemas de financiamento, de modo que pelo menos uma parcela do imóvel obtido seja paga. No Brasil, a instituição de um sistema semelhante tem sido adotada de modo paulatino para o financiamento de residências urbanas, por meio da Caixa Econômica Federal. É do interesse social que programas deste tipo produzam frutos consistentes, de modo a aliviar o grave problema de moradia por que passam os brasileiros mais carentes.

 

Conclusão

Adotando-se um ponto de vista panorâmico do texto analisado, é possível observar que Perlingieri buscou, apesar do tratamento específico dado a cada questão enunciada, traçar linhas gerais a serem seguidas por todo direito fundamental. Isto se observa logo ao início da seleção analisada, quando o autor trata da necessidade de se superar a divisão entre direitos existenciais subjetivos e patrimoniais.

Entretanto, trata-se de uma característica que permeia todas as considerações inscritas no capítulo analisado. Por exemplo, a noção de que a convivência familiar é decisiva engloba tanto a possibilidade de reconhecimento do filho adotado por outra família pelo pai biológico, quanto a viabilidade de este filho pleitear direito de sepultura junto à família daquele mesmo pai. Outrossim, a mesma noção será retomada quando Perlingieri trata das questões educacionais em sentido lato, e da necessidade de sua vinculação à instrução cultural e à autoridade dentro da família, como elementos fundamentais à formação de indivíduos que possam se considerar bem educados.

Este suposto paradoxo, representado no fato de o autor tratar de questões universais mesmo analisando apenas o ordenamento italiano, de modo específico, é suficiente para evidenciar o acerto das suas considerações iniciais. É realmente válido entender que os direitos existenciais não podem ser separados entre si por sua natureza patrimonial ou subjetiva. Afinal, isto constituiria a negação de seu caráter principal – qual seja, a sua essencialidade para garantir o gozo da vida humana com dignidade.

Em outras palavras, não cabe ao intérprete fazer acepções de natureza de direitos existenciais, porque tais direitos já possuem uma única natureza, representada em sua essencialidade. Este é o único fator, ou característica, que merece reconhecimento. Entendendo-se como essencial um direito, o intérprete, o legislador e o juiz devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para torná-lo real, exercível, sob pena de grave violação ao próprio conceito de Estado Democrático de Direito.

Ao ressaltar ideia tão importante, bem como a sua presença em todos os principais âmbitos de aplicação de direitos essenciais, Perlingieri confere contribuição de relevância inegável ao direito ocidental contemporâneo. Ao realizar uma revisão crítica desta obra, é nosso dever reconhecer esta importância.

Referências

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ITALIA. Codice civile italiano. Regio Decreto 16 marzo 1942, n. 262. Disponível em: http://www.altalex.com/index.php?idnot=34794. Acesso em: 17 jan. 2011.

PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

ÚLTIMO SEGUNDO. Estudantes brasileiros ficam em 54º em ranking de 65 países. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/estudantes+brasileiros+ficam+em+ 54+em+ranking+de+65+paises/n1237852694731.html. Acesso em: 19 jan. 2011.

1 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 760.

2 As referências às nomenclaturas a seguir apresentadas são indicadas em tradução livre do italiano.

3 PERLINGIERI, ob. cit., p. 765.

4 PERLINGIERI, ob. cit., p. 768.

5 PERLINGIERI, ob. cit., p. 775.

6 PERLINGIERI, ob. cit., p. 771.

7 PERLINGIERI, ob. cit., p. 777-778.

8 PERLINGIERI, ob. cit., p. 782.

9 PERLINGIERI, ob. cit., p. 785.

10 PERLINGIERI, ob. cit., p. 790.

11 O dispositivo foi recentemente modificado pela Lei 12.344/10. Antes da mudança, o absurdo era ainda maior: a idade em que a escolha do regime de separação passava a ser obrigatória era de 60 anos.

12 PERLINGIERI, ob. cit., p. 789.

13 PERLINGIERI, ob. cit., p. 786.

14 PERLINGIERI, ob. cit., p. 815.

15 É esta razão que leva a lei civil, por exemplo, a desautorizar a existência de qualquer anotação indicando a condição do filho adotivo nos registros civis.

16 PERLINGIERI, ob. cit., p. 823.

17 PERLINGIERI, ob. cit., p. 825.

18 PERLINGIERI, ob. cit., p. 831.

19 PERLINGIERI, ob. cit., p. 840.

20 PERLINGIERI, ob. cit., p. 856.

21 PERLINGIERI, ob. cit., p. 857.

22 PERLINGIERI, ob. cit., p. 866.

23 PERLINGIERI, ob. cit., p. 878.

24 A participação no Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa), que avalia as habilidades dos alunos em leitura, ciências e matemática, realizada em 2009, posicionou o Brasil no 54º lugar entre 65 países avaliados. Notícia disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/estudantes+brasileiros+ficam +em+54+em+ranking+de+65+paises/n1237852694731.html. Acesso em: 19 jan. 2010.

25 PERLINGIERI, ob. cit., p. 880.

26 PERLINGIERI, ob. cit., p. 884.

27 PERLINGIERI, ob. cit., p. 889.

Alice Ribeiro de Sousa

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