A teoria da ação finalista e o uso indiscriminado do “dolo eventual” como elemento identificador do vínculo subjetivo dos concorrentes

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Sumário:

1. Introdução – 2. O dolo eventual como proposta de superação da dificuldade da identificação do vínculo subjetivo na conduta dos concorrentes – 3. A incompatibilidade das presunções com a “Teoria da Ação Finalista” – 4. A violação à presunção de inocência e ao sistema acusatório. 5. Conclusões. 6 – Referências bibliográficas.

Resumo:

Este estudo consiste na investigação da validade do recurso reiteradamente utilizado pela jurisprudência brasileira para caracterização da identidade do elemento subjetivo no concurso de agentes: o dolo eventual. Em muitos casos, a simples concordância quanto à escolha dos instrumentos utilizados no crime, caracterizam, segundo muitos Tribunais, a aceitação do risco de causar o resultado. Será demonstrado, por uma pesquisa teórica, como essa presunção é incompatível com a “Teoria da Ação Finalista” e as violações à presunção de inocência e ao sistema acusatório que dela derivam.

Palavras-chave: Dolo eventual no concurso de agentes – escolha dos instrumentos para a prática do delito – Teoria da Ação Finalista – presunção de inocência e sistema acusatório – ofensa.

1 – INTRODUÇÃO.

O art. 29, §2º do Código Penal Brasileiro consagra uma regra fundada na garantia da culpabilidade e representa proteção do indivíduo contra sua incriminação pela ocorrência de fatos não provenientes de seus comportamentos dolosos ou culposos. Acontecimentos imprevisíveis ou que não perpassaram a esfera de possibilidade de conhecimento da pessoa jamais podem a ela ser imputados, pois esta é exatamente uma das funções que exerce o princípio da culpabilidade no ordenamento jurídico: proibir a responsabilização penal objetiva. De acordo com os axiomas de Ferrajoli: nullum crimen sine culpa2.

Quando dois ou mais sujeitos se unem para a prática de uma infração penal pode haver convergência de vontades durante todas as etapas do iter criminis. Embora não se exija pactum sceleris para configuração do concurso de pessoas, é comum que haja prévia combinação e o crime seja arquitetado em conjunto, na esperança de que o desprendimento de esforços comuns resulte em maior êxito na empreitada delitiva.

Entretanto, nada impede que um dos agentes, no momento da execução do crime, desenvolva ação diferente da que havia sido ajustada, ou mesmo que se exceda em seu comportamento, provocando um resultado diverso e, pior, mais grave do que o planejado a priori.

A questão que se coloca, nessas situações, é tentar identificar se a consumação do crime mais grave é produto de desígnios individuais e particulares de apenas um dos sujeitos ou se é fruto do propósito comum, isto é, uma obra coletiva. A repercussão jurídica é absolutamente diversa para cada um dos casos.

No primeiro, a homogeneidade do elemento psicológico somado a outros requisitos indica a existência de concurso de pessoas, o que implica na responsabilização de ambos pela(s) mesma(s) infração(ões), segundo a teoria monista adotada pelo Código Penal.

Se, pelo contrário, ficar constatado que houve desvio subjetivo de conduta por parte de algum dos concorrentes, cada qual irá responder pela infração que desejou cometer, assegurando-se àquele que quis participar de crime menos grave o direito de não responder pelo resultado mais grave causado por outrem.

Como se percebe, a diferenciação apontada funda-se em um critério de natureza puramente subjetiva: o dolo do participante na infração penal.

Em se tratando de crimes de roubo à mão armada com resultado morte (modalidade de latrocínio), por exemplo, a incorreta identificação elemento subjetivo poderá trazer como consequência a subsunção da conduta do partícipe na regra do art. 157, §3º – que prevê pena de reclusão de 20 a 30 anos – ao invés da aplicação das penas do caput do art. 157, majorada pelos incisos I e II do §2º, com possível aumento até metade caso o resultado morte lhe fosse previsível – o que alteraria os parâmetros legais para uma sanção de reclusão de 9 a 22 anos.

Apesar de sua enorme importância, já que implica em tipos penais diferenciados e/ou imposição de quantidades de penas absolutamente distintas aos agentes do delito, a extrema dificuldade de aferição desse elemento subjetivo tem servido a parcela dos operadores do Direito para formulação de presunções contrárias ao princípio da culpabilidade. Alguns Tribunais, inclusive Superiores, tem feito uso constante do “dolo eventual” valendo-se da tese de que o consentimento na escolha dos instrumentos empregados no cometimento da infração penal configura aceitação do risco de produção do resultado: assim, no roubo seguido de morte, por exemplo, a concordância na utilização de arma de fogo gera presunção de assentimento do risco de causação da morte.

O presente trabalho irá demonstrar de que forma isso tem acontecido nestes crimes, a partir da confrontação de alguns julgados dos tribunais brasileiros com as ideias propostas por Hans Welzel na teoria finalista da ação, adotada pelo legislador brasileiro na reformulação da Parte Geral do Código Penal, em 1984.

Também será evidenciada a violação aos princípios do sistema acusatório e à presunção de não-culpabilidade que tal argumentação encerra, a partir da exposição de algumas opiniões doutrinárias.

As conclusões serão fundamentadas em critérios objetivos que permitirão sua aplicação não somente aos casos de latrocínio, mas em qualquer hipótese de discussão do problema que se pretende enfrentar.

2 – O DOLO EVENTUAL COMO PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DA DIFICULDADE DA IDENTIFICAÇÃO DO VÍNCULO SUBJETIVO NA CONDUTA DOS CONCORRENTES.

Com preocupante frequência, alguns Tribunais tem se inclinado para a invocação indiscriminada do instituto do dolo eventual, como alternativa para a resolução de casos em que a tese de desvio doloso entre os concorrentes na empreitada delitiva é suscitada.

A ineficácia da regra contida no §2º, do art. 29 do Código Penal Brasileiro é verificada por Guilherme de Souza Nucci, que assevera:

Tal dispositivo também vem sendo muito pouco aplicado na jurisprudência pátria. Vários tribunais se valem da tese do dolo eventual, ou seja, a previsibilidade do resultado mais grave seria tão evidente que configuraria a sua aceitação. Por isso, em lugar de aplicar a pena do crime menos grave, termina-se por impingir a sanção do delito mais séria. Entretanto, não se poderia generalizar, o que, na realidade, vem ocorrendo em várias cortes brasileiras.3 (sem grifos no original).

Corroborando essa afirmação Führer destaca que:

Aqui também os tribunais não costumam reconhecer o benefício, prevalecendo o entendimento de que o agente atua pelo menos com dolo eventual de latrocínio, se tem conhecimento de que seu companheiro está armado.4

A constatação de Nucci e Fuhrer encontra fundamento na análise de parcela do repertório jurisprudencial nacional:

TRF-1: O partícipe, ou seja, aquele que apenas concorre de alguma forma para a realização do crime, só responde pelo crime menos grave se as circunstâncias da ação indicarem que a conduta do executor do delito mais grave represente um rompimento evidente da corrente causal. Sem dúvida não é o que acontece com o crime de roubo à mão armada, onde a morte embora não desejada de forma direta e exclusiva (pois se fosse, seria hipótese de crime de homicídio), sempre é um elemento aceito pelo agente, que tem na arma não somente um instrumento de intimidação, mas também um meio de eliminar quem crie obstáculo à sua ação.5 (grifo nosso)

RT 579/381: Quem se associa a outrem com a finalidade de praticar assalto sabendo que o comparsa está armado assume o risco de responder como co-autor de latrocínio se da violência à vítima resultar morte, sendo irrelevante a circunstância de não ser o autor do disparo.6

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que:

No roubo a mão armada, respondem pelo resultado morte, situado em pleno desdobramento causal da ação criminosa, todos os que, mesmo não participando diretamente da execução do homicídio (excesso quantitativo), planejaram e executaram o tipo básico, assumindo conscientemente o risco do resultado mais grave durante a ação criminosa ou durante a fuga.7

As decisões expostas têm em comum a presunção da convergência de vontades nos crimes de roubo à mão armada, com base na tese do dolo eventual do concorrente que, mesmo não tendo causado a morte da vítima, teria assumido o risco de sua ocorrência a partir da concordância no cometimento do assalto com arma de fogo.

Esse modelo de decisão tem se repetido à risca pelos Tribunais pátrios e o argumento do dolo eventual se multiplicado quando os magistrados se deparam com o problema.

3 – A INCOMPATIBILIDADE DAS PRESUNÇÕES COM A “TEORIA DA AÇÃO FINALISTA”.

Pressuposições que pretendem igualar sem antes conhecer, correm o risco de equiparar quem se comportou de modo desigual, ferindo a mais incipiente concepção de Justiça que desde a antiguidade se impôs com o pensamento de Aristóteles:

É no atribuir, no conferir a cada um o seu, que reside o próprio ato de justiça particular distributiva (…). A distribuição, portanto, atingirá seu justo objetivo se proporcionar a cada qual aquilo que lhe é devido, dentro de uma razão de proporcionalidade participativa, pela sociedade, evitando-se, assim, qualquer um dos extremos que representam o excesso (tò pléon) e a falta (tò élatton).8

Mesmo para quem entende que o simples fato de anuir na prática de roubo com arma municiada constitui circunstância objetiva determinante para reconhecimento do dolo eventual dos demais concorrentes é preciso, ter em mente, que foi a “Teoria da Ação Finalista”9 a baliza do legislador quando da reformulação da Parte Geral do Código Penal em 1984.

E, por essa teoria proposta por Hans Welzel, impõe-se a diferenciação (edificante para esta pesquisa) entre a escolha dos meios e a seleção dos instrumentos para prática do crime.

Na teoria da ação finalista está consignado que o ser humano parte da finalidade e utiliza sua vontade na direção (instrumentalização) dos meios para se atingi-la. Assim, idealizado o fim, o homem escolhe os meios para se alcançá-lo.

A estrutura da ação finalista proposta por Welzel inicia-se por uma fase intelectiva ou subjetiva, que se passa na mente do agente, onde são idealizados:

1) o objetivo que se quer alcançar;

2) os meios que se emprega para alcançá-lo;

3) as consequências secundárias, que estão necessariamente vinculadas com o emprego dos meios.10

Em seguida, passa o agente a exteriorizar seu plano mental, pondo em prática a execução da infração:

De acordo com a antecipação mental do fim, a seleção dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes, o autor leva a cabo sua ação no mundo real. Põe em movimento, conforme um plano, os meios da ação anteriormente escolhidos (fatores causais), cujo resultado é o fim junto com os efeitos concomitantes que foram incluídos no complexo total a ser realizado.11

Como ressalta Fábio André Guaragni, citando o penalista alemão, os meios não se reduzem aos instrumentos, isto é, o meio escolhido para a prática de um crime não é somente uma faca ou uma arma de fogo, por exemplo. É, principalmente, além do instrumento, “a maneira como o sujeito pretende dele dispor.”12

A prova de que alguém consentiu na prática do roubo à mão armada, não significa que assentiu no emprego dela e tampouco na efetuação de disparos pelo outro concorrente. Isso deve ser objeto de prova e não de presunção ilícita, como demonstrado na jurisprudência que invoca indiscriminadamente a tese do dolo eventual para essas situações. O assentimento na escolha de arma carregada para a prática do crime, por parte daquele que não efetua qualquer disparo, pode sim significar dolo eventual quanto ao resultado morte produzido por outrem.

Mas também poderá conter outros fins que não esse, como a efetivação de disparos com fins intimidatórios para se evitar uma perseguição, ou mesmo a concordância na provocação de lesões contra outrem, sem que isso signifique aceitação do resultado mais grave (morte), sobretudo se este foi alcançado por conduta dolosa alheia.

Isso porque, como demonstrado, a escolha do meio, para a doutrina da ação finalista, abrange, além do instrumento, e principalmente, a forma de sua utilização.

O que esse tipo de jurisprudência tem feito equivale à consagração do dolo indeterminado no sistema jurídico-penal brasileiro. Por esta espécie de dolo, ante a indeterminabilidade da intenção do agente, seu dolo é determinado pelo resultado, ou como alude o brocardo latino: dolus indeterminatus determinatur eventu. Maggiore explica: “a indeterminação da intenção se precisa com o resultado efetivamente alcançado.13. Por sinal, Ingeborg Puppe nos demonstra a evolução histórica do antigo dolo indeterminado para o que hoje corresponde o atual conceito de dolo eventual14.

Adotando a tese aqui sustentada aponta-se as seguintes decisões:

Reconhece-se a participação de crime menos grave se os partícipes, desarmados, desejavam colaborar em crime de furto e o executor, até então desarmado, comete tentativa de roubo impróprio, visto que o resultado mais danoso lhes era imprevisível. TACRIM-SP – AC – Rel. Nogueira Filho – RJD 8/155 apud Silva Franco.

Se o intuito do agente era participa tão somente de roubo e se não foi ele o autor dos disparos letais, inviável a sua responsabilização pelo latrocínio. Nesta hipótese, impõe-se a desclassificação para o delito de menor gravidade com agravamento da pena em razão da previsibilidade do resultado, conforme o art. 29, §2º do CP. TJSP – AC – Rel. Renato Nalini – RT 672/309

4 – A VIOLAÇÃO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AO SISTEMA ACUSATÓRIO.

Em matéria penal tais ilações e presunções de aceitação do risco adquirem contornos ainda mais graves, porque a prova do elemento subjetivo daquele que se pretende condenar é ônus do órgão de acusação, o Ministério Público.

Para justificar o argumento do dolo eventual, alguns juízes ainda fazem menção à teoria monista ou à própria teoria do domínio do fato, como se o art. 29 do Código Penal derrogasse o sistema acusatório de processo penal:

PROCESSO PENAL: REVISÃO CRIMINAL – LATROCÍNIO – CONCURSO DE AGENTES – DOLO EVENTUAL – Improvida. No crime de latrocínio em que há concurso de agentes, o dolo eventual inunda o elemento subjetivo do agente e de todos os que participam da ação, salvo quando ocorre demonstração inequívoca de que o agente efetivamente desejava participar de crime menos grave, o que não ocorre no caso em análise. Inexistindo prova nova que afaste o dolo eventual do requente é de se improver a ação rescisória. (TJDF – REVISÃO CRIMINAL VC 18597 DF – Registro do Acórdão Número: 103844 – Data de Julgamento: 11/03/1998 – Câmara Criminal – Relator: P. A. ROSA DE FARIAS – Publicação no Diário da Justiça do DF: 30/04/1998 Pág.: 61) (grifo nosso)

Evidente que não cabe ao acusado provar que desejou praticar crime menos grave, mas sim do Ministério Público se deve exigir prova inequívoca do dolo eventual do partícipe.

O que se pretende aqui sustentar não é a impossibilidade de existência de dolo eventual do concorrente quanto ao resultado mais grave. O que se busca é apenas criticar o modo superficial como a jurisprudência brasileira vem, atualmente, tratando o assunto, abstraindo da meticulosa análise do conjunto probatório e aplicação dos princípios processuais penais para, com base no dolo eventual, esquivar-se da problemática prova do elemento subjetivo do agente, que sempre deve estar fundada em elementos objetivos e circunstâncias do fato punível.

O ônus da prova, na ação penal condenatória, é todo da acusação e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado, afirmado na denúncia ou queixa; conclusão esta que harmoniza a regra do art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal com o salutar princípio in dubio pro reo.15

Na medida em que se impõe o encargo processual de demonstração da culpa do agente ao titular da ação penal, a presunção de culpa retira dele o ônus da sua não comprovação, violando não somente o sistema acusatório como um todo, mas o principal axioma que deve permear a persecução criminal: a presunção de inocência. Nas lições de Aury Lopes Jr.:

A garantia de que será mantido o estado de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória implica diversas consequências no tratamento da parte passiva, na carga da prova (ônus da acusação) e na obrigatoriedade de que a constatação do delito, e a aplicação da pena, será por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença fundamentada (motivação como instrumento de controle da racionalidade).16

Nesse sentido há quem sustente que a morte no crime de roubo praticado com arma de fogo não pode ser imputada, indistintamente a todos os participantes do delito:

Embora escorreita a fundamentação contida na r. sentença, da lavra do Dr. Donizeti Aparecido da Silva, com a qual rejeitou a tese da defesa, no sentido de afastar a qualificadora decorrente do resultado morte, invocando, inclusive, acórdão por mim redigido como relator, tenho que, neste caso, a razão está com a Procuradoria de Justiça. O apelante, assim como o réu Victor Estole, não detinham o completo domínio do fato; estava a vítima completamente à mercê do comparsa enquanto se afastavam para tentar, pela segunda vez, efetuar saques com seu cartão magnético. É isso, aliás, o que sempre declararam, com o respaldo do menor. A teoria monística, relembrada na r. sentença, foi abrandada na reforma do Código Penal, procedida em 1984. Ao contrário do previsto no art. 25 da primitiva Parte Geral a respeito da co-autoria, com o responsabilizar quem, de qualquer modo contribuísse para o crime – verdadeira responsabilidade objetiva objurgada pela moderna ciência penal – o art. 29 da atual restringiu a reprovabilidade do co-autor ou partícipe, no tocante às penas cominadas ao crime, “na medida de sua responsabilidade”. O avanço coibiu iniqüidades insolúveis no sistema anterior. E foi além – previu como causas de redução de pena a participação de menor importância ou em crime menos grave (§§ 1º e 2º). No caso de o co-autor ter querido praticar crime menos grave, como é o caso do apelante, que desde o início planejara roubo qualificado pelo concurso de agentes e emprego de arma de fogo, há de incorrer nas penas a este cominada, mas com aumento até de metade, porque previsível o resultado mais grave. Deixaram o menor armado, com a vítima à sua mercê e, como é sabido, durante roubo à mão armada, no caso de reação da vítima, o agente pode atingi-la com disparos. A previsibilidade desse resultado, no entanto, não pode ser tributada aos co-autores a título de dolo eventual, pois não assumiram o risco de sua ocorrência, mas de culpa consciente, dentro da linha tênue que separa o elemento subjetivo de cada um desses fatos ilícitos. Posto isso, dou provimento parcial ao recurso do réu Eurandir Félix de Araújo para reformar parcialmente a sentença, a fim de condena-lo por infração ao art. 157, § 2º, incisos I e II, c/c o § 2º do art. 29, ambos do Código Penal. (Voto do Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, citado no Recurso Especial nº 418.183 – DF (2002/0025038-6), de relatoria do Ministro Felix Fischer)

5 – CONCLUSÕES.

Com estas breves considerações se quis apresentar que os Tribunais brasileiros têm, de um modo geral, se valido do uso recorrente e indiscriminado da tese do dolo eventual como forma de se superar os problemas ontológicos na identificação do elemento subjetivo dos concorrentes durante a prática da infração penal.

No entanto, essa proposta guarda uma contradição com a própria “Teoria da Ação Finalista”, idealizada por Hans Welzel e adotada expressamente no Código Penal, como forma de se aproximar o Direito Penal das exigências do princípio da culpabilidade e do nullum crimen, nulla poena sine culpa.

Tal raciocínio ainda equivoca-se por infringir um dos principais corolários do sistema acusatório: a garantia da presunção de inocência.

Viu-se que o dolo eventual deve restar provado a partir do conjunto probatório coligido na instrução processual (ônus da acusação) e, havendo qualquer dificuldade em sua comprovação, isso se equivale à dúvida, devendo prevalecer a regra contida no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, decidindo-se, por consequência, pela absolvição do acusado pelo crime mais grave, já que não cabe a este provar o dolo de cometer crime de menor gravidade.

É necessário alertar-se para o questionamento daquilo que se coloca como certo até mesmo pelos profissionais mais experientes, porque este é o principal objetivo de qualquer ciência e do qual não pode fugir a dogmática jurídica, principalmente quando o estudo pode contribuir para a reflexão aprofundada de uma temática de relevância prática inquestionável, influenciando diretamente nos rumos que se pretende tomar com o Direito Penal.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 9ª Ed., rev. e aument. São Paulo: Atlas, 2011

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006;

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código Penal Comentado. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2008;

GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pré-finalista. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009;

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2002;

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. 5ªed. rev. e atul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010;

MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale. 5ª ed. Bologna: Ed. N. Zanichelli, 1955;

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª Ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010;

PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri/SP: Manole, 2004;

WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal: Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Teoría de la Acción Finalista. Astrea, 1951. Buenos Aires: Editorial Depalma.

2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2ª ed., rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 447.

3NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª Ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 300.

4FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código Penal Comentado. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2008, pág. 93

5 Jurisprudência extraída do voto do Min. Ricardo Lewandowski no HC 90.017/AP.

6 No mesmo sentido RT 432/319, RT 634/265 e RT 651/266.

7 STJ, REsp 2.395/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Assis de Toledo, DJU de 21/05/90.

8 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 9ª Ed., rev. e aument. São Paulo: Atlas, 2011, pág. 133.

9 WELZEL, Hans. Teoría de la Acción Finalista. Astrea, 1951. Buenos Aires: Editorial Depalma.

10 …la voluntad finalista se extiende a todas las consecuencias que el autor debe realizar para la obtención del objetivo; es decir, a: 1) el objetivo que quiere alcanzar; 2) los medios que emplea para ello; y 3) las consecuencias secundarias, que están necesariamente vinculadas con el empleo de los medios. WELZEL, Hans. op cit. p. 21.

11 WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal: Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 33-34.

12 GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pré-finalista. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009 . p. 150.

13 MAGGIORE, Giuseppe. Diritto Penale. 5ª ed. Bologna: Ed. N. Zanichelli, 1955. p. 1951.

14 PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri/SP: Manole, 2004. p. 23-30.

15 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p 214.

16 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. 5ªed. rev. e atul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.194.

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Rafael Santos Soares

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