A ponderação judicial de princípios constitucionais à luz do neoconstitucionalismo

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RESUMO: Fronte o frenesi do Estado Constitucional e a decorracada do Estado Legislativo, é perceptível que com caminhar no tempo o constitucionalismo contemporâneo tem, claramente, definido suas características principais, mormente, quando se analisa os últimos cinquenta anos. Visível que após a Segunda Grande Guerra, o constitucionalismo modulou-se ao dinamismo, que é mastro do pós-positivismo e da pós-modernidade, tendendo a criação de um Estado Constitucional. Desta feita, indispensável à análise as questões pertinentes a forma em que a jurisdição constitucional atua, no tocante às idéias constitucionais, especialmente, em matéria de princípios. Tratar-se-á, portanto, a esmiuçar a questão da colisão de princípios constitucionais, habitando, incisivamente, o paradigma neoconstitucional e, ainda, tendo como objetivo claro como o instituto jurídico denominado ponderação judicial pode servir de instrumento para a justiça concreta. Ademais, presta-se, ao longo do texto, elucidar a existência dos princípios como estruturante da própria noção do Estado democrático de Direito, a serem assegurados por meio do exercício da jurisdição constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo. Embate Principiológico. Ponderação Judicial.

ABSTRACT: Front frenzy of the Constitutional State and decorracada State Legislature, it is apparent that the time to walk the contemporary constitutionalism has clearly defined its main features, especially when analyzing the last fifty years. Apparent that after the Second World War, constitutionalism modulated to the dynamism, which is the mast of post-positivism and post-modernity, tending to create a constitutional state. This time needed to analyze relevant issues in the way that the constitutional court acts in regard to constitutional ideas, especially in matters of principle. Treat will therefore scrutinize the issue of collision with constitutional principles, dwelling, pointedly, the paradigm neoconstitutionality and also, with the clear goal as legal institution called judicial consideration can serve as a tool for concrete justice. In addition, lends itself throughout the text, to elucidate the existence of structural principles as the very notion of a democratic state of law, to be secured through the exercise of constitutional jurisdiction.

KEYWORDS: Neoconstitutionality. Clash of principles. Judicial weighting.

 

1 INTRODUÇÃO

Na azáfama dos tempos modernos e com o aumento significativo na busca pela justiça pátria, desdobramento direto da redescoberta da cidadania e da massificação e eficiência, cada vez maior, do acesso à justiça, associados à circunstância da Carta Cidadã ter garantido aos cidadãos novos direitos, existe hodiernamente momento ímpar no estado brasileiro, extremamente propício à discussão pertinente ao papel do Poder Judiciário, notadamente, no âmbito do desenvolvimento político.

Vislumbra-se, portanto, uma percepção diferenciada, criada em virtude da velocidade de informação, exigindo do interprete não só o conhecimento e a interpretação pura da norma, mas também a visão holística dos acontecimentos sociais e dos outros temas que são imbricados à ciência do direito.

Com acerto costumeiro dispõe Luís Roberto Barroso

Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus1.

Nesse desiderato, mas do que nunca estão em clímax as decisões proferidas pelo Judiciário, que são o mastro das esperanças de transformação, sobretudo, no que atine aos direitos insculpidos na Carta Magna, dos quais se espera ao menos um tratamento, se não fidedigno, melhor do que vem sendo feito.

Com fulcro nessa perspectiva diferenciada é que se pretende observar o Poder Judiciário, em especial, quando refém da interpretação principiológica, que por sua gama de incidência, acaba, invariavelmente, se chocando, não dando outra opção ao julgador senão a sua adequada ponderação.

Para tanto, inamovível a percepção do modo de atuação jurisdicional quando diante de uma situação concreta de conflito entre normas basilares, contextualizando-se com a nova perspectiva neoconstitucionalista.

Pretende-se ainda buscar a atuação do Poder Judiciário quando diante da situação de colisão de tais princípios para, ao final, demonstrar a necessidade de se conceder liberdade ao julgador, para no caso concreto, realizar a harmonização entre eles pela chamada ponderação judicial.

Justifica-se a opção pelo tema pelo simples motivo de que será o intérprete diuturnamente bombardeado com casos concretos que o levem à aplicação, contraposição e compatibilização de preceitos jurídicos denominados “princípios”.

Ao cabo, deve-se perquirir também acerca dos efeitos e causas que fundamentaram o nascedouro dessa nova modalidade de interpretar e pensar a ciência jurídica e que, sobretudo, legitima o Poder Judiciário à atuação ativa na construção e desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.

 

2 A GÊNESE DO NEOCONSTITUCIONALISMO

Partilhando da mesma vereda construtiva do Prof. Dr. Luís Roberto Barroso2 deve-se segregar a movimentação do processo evolutivo do neoconstitucionalismo em três esferas fundamentais, quais sejam a histórica, teórica e filosófica. Nestas estão contidas as idéias e as mudanças de paradigma que movimentaram a doutrina e a jurisprudência nesse período, criando uma percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica geral.

Em razão do comprometimento específico do trabalho tratar-se-á das três construções.

Concebe-se como marco histórico do novo direito constitucional, restringindo-se a análise da Europa Continental, o constitucionalismo do pós-guerra, sobretudo aquele utilizado na Alemanha e na Itália, as nações que passaram, respectivamente, pelos regimes autoritários, nazista e fascista, este sobre o comando de Mussolini e aquele sob a direção de Füher, Adolf Hitler. No Brasil, a constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar.

A nova perspectiva constitucional da Europa, na iminência do término da 2ª Guerra Mundial e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A simbiose entre as ideologias constitucionalistas e democráticas produziu uma nova forma de estruturação política, denominadas cotidianamente por Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático e, nas palavras de Luís Roberto Barros, seria mau investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas na matéria3.

Referência precípua ao desenvolvimento do neoconstitucionalismo é a Carta Constitucional Alemã de 1949 e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí, surgiram inúmeras produções jurisprudenciais e, sobretudo, teóricas, responsáveis pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica.

Há também outro referencial indispensável à percepção histórica, qual seja a Constituição Italiana, de 1947, e a instalação da Corte Constitucional, em 1956. No transcorrer da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debato sobre o novo direito constitucional4.

A “fênix” da redemocratização brasileira, se é que assim se pode dizer, surgiu, assim como nos países do velho continente, no clima da redemocratização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. De importância ímpar a tal acontecido por ter marcado não só a pura e simples modificação teórica no campo do direito, mas sim, pelo fio de esperança trazido após anos de ferro.

A respeito do tema, brilhantemente expõe Luís Roberto Barroso

Mais que isso: a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país. E não foram tempos banais. Ao longo da sua vigência, destituiu-se por impeachment um Presidente da República, houve um grave escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da República, foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores, surgiram denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento eleitoral e de vantagens para parlamentares, em meio a outros episódios. Em nenhum desses eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Nessa matéria, percorremos em pouco tempo todos os ciclos do atraso.

Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor.

Do ponto de vista teórico, duas são as grandes modificações que revolveram as ideologias majoritárias até o momento e promoveram um vanguardismo às formulações constitucionais, quais sejam: i) o reconhecimento da força normativa à Constituição; ii) a expansão da jurisdição constitucional. Pelo comprometimento ao tema apresentando deve-se expor, de forma lacônica, as mutações acima expostas.

i) O reconhecimento da força normativa à Constituição: Dentre as inúmeras mutações paradigmáticas ocorridas ao longo século XX, está compreendida a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica, tendo deixado de lado a forma de mera carta política.

Com a reconstitucionalização que sobreveio à Segunda Guerra Mundial, na ordem e forma cronológica exposta alhures, não só o modo de interpretação foi alterado, mas também se passou a jungir de imperatividade, atributo de toda norma jurídica, as disposições constitucionais. Além disso, houve também mudanças pertinentes há sua inobservância, que passou a deflagrar os mecanismos próprios de coação.

As discussões atinentes à força vinculante constitucional tiveram sua gênese no direito brasileiro ao longo da década de 80, obviamente, percebendo à sua frente enfrentamentos doutrinários clássicos.

Luís Roberto Barroso assim diz

Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade constitucional. Não é surpresa, portanto, que as exortações ao legislador infraconstitucional, sem aplicabilidade direita e mediata. Coube à Constituição de 1988, bem como à doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de sua promulgação, o mérito elevado de romper com a posição mais retrógrada5.

Nesse desiderato, importante perceber que a compatibilização do sistema vinculante da constitucional cresceu, e cresce, de forma gradual, haja vista que as alterações legislativas passam por um período de prova social, devendo desfigurar a idéia de norma vã, para a completude da confiança social e jurídica.

ii) A expansão da jurisdição constitucional: Em nosso país a figura do controle de constitucionalidade existe desde a Constituição Republica, de 1891. Por outro lado, a denominada ação genérica, destinado ao controle por via direta, foi inserido pela EC nº 16, de 1965, que agrega legitimação à sua propositura exclusivamente ao Procurador-Geral da República.

Verdade seja dita, a jurisdição constitucional a partir da Carta Cidadã de 1988. A causa precípua a essa inclusão foi à extensão a gama de legítimos à propositura no controle concentrado, fazendo com que este deixasse de ser mero instrumento de governo e passasse a estar disponível para as minorias políticas e mesmo para segmentos sociais representativos.

Desta feita, percebeu-se de 88 pra cá inúmeras modificações atinentes ao controle de constitucionalidade, evoluindo e dando abrangência massificada ao controle constitucional direto.

É ponto final de discussão deste tópico por ser, ao meu alvitre, o mais importante à mutação constitucional.

O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo. Filho da junção, às vezes platônica e às vezes carnal do jusnaturalismo moderno6 e do positivismo7, este se demonstra como uma via diplomática entre as concepções “superiores na árvore genealógica”. O pós-positivismo não trata com descaso as deas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política8.

A doutrina pós-positiva, não se coloca alheia ao pragmatismo normativo, contudo, leva também em consideração outros meios de controle social, sejam eles filosóficos, consuetudinários, sociais, dentre outros. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que se albergam no paradigma em produção, inserem-se a inclusão dos valores na interpretação jurídica, levando-se em consideração o conhecimento de normatividade aos princípios e sua diferenciação qualitativa em relação às regras.

Por fim, não obstante ao apreço literal visivelmente exposto ao longo deste tópico, dispõe, novamente, com maestria Luís Roberto Barroso

O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo é, em parte, produto desse reencontro entre a ciência jurídica e a filosofia do Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios, cujas potencialidades só foram desenvolvidas mais recentemente, como o da dignidade da pessoa humana e o da razoabilidade9.

 

3 O EMBATE DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Fronte as mudanças paradigmáticas advindas da transformação do direito e, sobretudo, social no tempo presente, vislumbra-se, explicitamente, o reconhecimento da força normativa do Tomo Imperioso, o crescimento da jurisdição constitucional e o desenvolvimento da nova interpretação constitucional.

As mutações oriundas dessa modificação filosófica, social e doutrinária trouxeram ao direito novas mixórdias, que não haviam ainda sido enfrentadas em razão da forma e diferença do positivismo kelseniano, notadamente, conflitos principiológicos, agora com força vinculante.

Partilhando da ideologia de Luís Roberto Barroso, deve-se ocupar o intérprete a perceber que o reconhecimento da normatividade dos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras é um dos símbolos do pós-positivismo. Princípios não são, com as regras, comando imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios10.

Nesse desiderato, considerando-se os princípios constitucionais como enunciados prescritivos com grau constitucional, entende-se que todo ordenamento jurídico deve ser compreendido e aplicado a partir deles, a fim de que efetivamente se realize a chamada filtragem constitucional que, nas palavras de Paulo Ricardo Schier, significa

A normatividade constitucional impõe-se de maneira positiva, exigindo que se faça uma leitura da ordem infraconstitucional através daquela. Em outras palavras, os valores constitucionais primeiramente devem buscar realização, impondo-se mediante a ordem infraconstitucional11.

Ainda nesta senda, os dispositivos basilares impõem sua observância não somente sobre a aplicação da legislação infraconstitucional como também sobre a criação de normas processuais infraconstitucionais, sob pena de se verificar uma flagrante inconstitucionalidade por violação a Direitos fundamentais, os quais, de acordo com Luigi Ferrajoli

Equivalem a vínculos de substancia y no de forma, que condicionan la validez sustancial de las normas producidas y expresan, al mismo tiempo, los fines a que está orientado ese moderno artificio que es el Estado constitucional de derecho12.

É nessa perspectiva que se observa a motivação que levou o legislador a erigir os dispositivos principiológicos à categoria de Direitos Fundamentais, cuja menor densidade jurídica impede que se extraia de suas normas, abstratamente, o fim das questões sobre as quais incidem, impondo-se a atuação do intérprete na definição concreta de seu sentido e alcance13.

Com efeito, na medida em que a amplitude e abrangência de seu conteúdo permitem, em sua abertura, que exista a colisão de normas constitucionais. Tal fato ocorre justamente porque os princípios encerram grau de abstração maior que os demais elementos do sistema, havendo, por óbvio, apanágios específicos que permeam a abstratalidade, inderteminação, vaguidade e baixa densidade normativa, até funcionalidade diversa14.

As características expostas alhures cumprem papel de desmistificar a abertura do sistema jurídico, permitindo, portanto, que se verifique o direito enquanto sistema dinâmico, em evolução e mutação diuturna. Em razão disto, concebe-se também a idéia de que existe um diálogo permanente entre a gama principiologica, que muitas vezes conduzirá a um choque de preceitos basilares.

Quando a isso, Barroso preleciona

As Constituições modernas são documentos dialéticos, que consagram bens jurídicos que se contrapõe. Há choques potenciais entre a promoção do desenvolvimento e a proteção ambiental, entre a livre iniciativa e a proteção do consumidor. No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um indivíduo pode conflitar-se com a de outro, o direito de privacidade e a liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais15.

Andando de mãos dadas com a verdade, não se pode falar em aplicação imediata de normas constitucionais, principalmente quando tratam-se de princípios constitucionais, isso porque as soluções cotidianas, aquelas aptas a saciar o afã dos conflitos existentes na aplicação concreta da norma não satisfazem por essa aplicação aberta.

Torna-se, por óbvio, diuturna, a abertura e o debate, haja vista que o neoconstitucionalismo trouxe consigo uma nova tendência hermenêutica constitucional, lastreada fundamentalmente à perspectiva principiológica do direito.

Neste viés, vislumbra-se que os princípios coadunam-se com uma textura aberta do direito, volta a todos aqueles valores intrínsecos aos ditames pós-positivos, de maneira que, em conformidade com Paulo Márcio Cruz, tem-se que,

[…] a textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso16.

Derradeiramente, imperiosa a percepção de que o apanágio aberto da textura é o veículo permissivo à ocorrência dos embates de princípios constitucionais, levando em consideração a impossibilidade humana de prever amplamente as situações e antecipar todos os conflitos possíveis.

Ainda nesta senda, entende-se, nestas condições, que deve ser atribuído ao julgador um poder discricionário, no intento de dar cabo à lide, o que deverá, obviamente, ser feito em função do critério da ponderação.

 

4 A PONDERAÇÃO JUDICIAL DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Fronte ao exposto alhures, verifica-se que, no que pertine às regras, não há maiores controvérsias quanto à solução para possíveis conflitos existentes, resolvendo-se por meio dos critérios clássicos de solução de conflitos normativos, quais sejam, hierárquico, cronológico e da especialização.

Nesse viés, percebe-se que o objeto do presente estudo cinge-se na pujança de conflitos entre princípios constitucionais em que a proposta de solução adormece na ponderação judicial que, segundo Barroso e Ana Paula de Barcellos, consiste

[…] em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostra insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas17.

A estrutura endócrina do raciocínio ponderativo ainda não tem cognição massificada, contudo, está, efetivamente, associada ás noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas. A importância que o tema ganhou no dia a dia da atividade jurisdicional, todavia, tem levado a doutrina a estudá-lo de forma detida. Em síntese, é viável a descrição da ponderação em três etapas, doravante relatadas.

Na primogênita destas, é função do intérprete observar no baldrame sistêmico as normas relevantes para a solução do caso, identificando possíveis embates entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito – insuperável pela subsunção – é o ambiente próprio de trabalho da ponderação18. Obtempera-se que a norma não se confunde com dispositivo: por vezes uma norma será o resultado da conjugação de mais de um dispositivo. Noutro norte, um dispositivo isoladamente considerado pode não conter uma norma ou, ao revés, abrigar mais de uma. Ainda nesta senda, os inúmeros embasamentos normativos, isto é, as diversas premissas maiores atinentes, são aglutinados em razão da satisfação que estejam sugerindo. Com efeito, aqueles que indicam a mesma solução devem, obrigatoriamente, formar um conjunto de argumentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo.

Avançando, vislumbra-se que a segunda etapa, tende a examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos19. Perceba, em consonância com o disposto anteriormente, a importância assumida pelos fatos e pelas conseqüências práticas da incidência da norma na moderna interpretação constitucional. Embora os princípios e regras tenham uma existência desgarrada, ao menos em tese, no mundo abstrato dos enunciados prescritivos, é no instante em que se comunicam com as situações concretas que seu conteúdo se jungirá de sentido real e eficiente. Deste modo, a análise percuciente dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência.

A segregação das normas aplicáveis e a compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam easy cases ou hard cases. É na terceira fase que a ponderação irá se eivar de apanágio singularizado vis-à-vis a subsunção. Como brilhantemente dispõe Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos

[…] os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinantes limites, podem ser aplicados com maior intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade20.

Nesta seara, insta dizer que nessa fase destinada à decisão, os segregados grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma comum, de maneira que apure os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar o caso. Ademais, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas, e a solução por ele indicada, deve sobrepor-se em razão dos demais, isto é, havendo a possibilidade de graduar a força da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Toda essa máquina intelectual tem como veículo o princípio instrumental da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante disso, percebe-se, efetivamente, a entrada da ponderação no sistema da hermenêutica constitucional como uma necessidade, antes como opção filosófica ou ideológica. Imperiosa a amostragem também de que há quem critique essa necessidade e a própria conveniência de aplicar-se a ponderação a temas constitucionais que, por seu caráter fundamental, não deveriam estar sujeitos a avaliações tão subjetivas como as que ocorrem em um processo de ponderação.

É incontestável que cada uma das três fases acima esmiuçadas envolve avaliações de caráter subjetivo, que poderão variar em função das circunstâncias pessoais do intérprete e de outras tantas influências. É de se perceber que alguns dos principais temais da atualidade constitucional no Brasil tem seu equacionamento posto em termos de ponderação de valores, podendo-se destacar o debate atinente a relativização da coisa julgada, oportunidade em que se contrapõe o princípio da segurança jurídica e outros valores socialmente relevantes, como a justiça, a proteção dos direitos da personalidade e outros; o debate atinente a intitulada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”, envolvendo a aplicação das normas constitucionais às relações privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a efetivação dos direitos fundamentais; o debate relativo ao papel da imprensa, liberdade de expressão e direito à informação em contraste com o direito à honra, à imagem e à vida privada.

Sobre o desfecho do tema assim preleciona Luís Roberto Barroso

Embora tenha merecido ênfase recente, por força da teoria dos princípios, trata-se de uma idéia que vem de longe. Há quem a situe como um componente do princípio mais abrangente da proporcionalidade e outros que já vislumbram como um princípio próprio, autônomo, o princípio da ponderação. É bem de ver, no entanto, que a ponderação, embora preveja a atribuição de pesos diversos aos fatores relevantes de uma determinada situação, não fornece referências materiais ou axiológicas para valoração a ser feita. No seu limite máximo, presta-se ao papel de oferecer um rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto21.

Dentro deste alvitre, cabe dizer que a utilização transcende o pólo exclusivamente positivo das modalidades de resolução conflitual, não sendo a subsunção, meio adequado à nova visão do direito. Resta ainda, nos atentar para o fato de que as idéias lastreadas, eminentemente, ao positivismo ainda existente, são incompatíveis aos novos rumos sociais. Retrocesso abrupto seria a extirpação completa de princípios pelo fato de inaplicabilidade integral conjunta ao caso concreto, pelo que se deve preservar àquelas ideologias compatíveis aos preceitos intrínsecos ao Estado Democrático de Direito.

 

5 CONCLUSÃO

Ao cabo, percebe-se que a ponderação, enquanto método, não explica, teoricamente, porque um princípio há de pesar mais que o outro, apenas traça um campo de debate no intento de apontar os pesos de cada princípio no seu confronto recíproco, já que não existem normas de segundo grau que classifiquem as forças diferentes dos princípios em embate. Ainda pode-se observar que a constituição não estabeleceu entre os princípios em choque uma hierarquia predeterminada, e de que eles estão vocacionados para a máxima realização possível, no plano dos fatos e no contexto normativo de que fazem parte, que resulta a necessidade da ponderação. Por isso, a ponderação não dispensa a proporcionalidade, o esforço por “construir uma ordem de preferência adequada a um caso concreto”.

Contudo, em momento algum se pode olvidar a hipótese de que a ponderação, à luz do neoconstitucionalismo, eleva a utilização da proporcionalidade e razoabilidade ao status de elementos inamovíveis dos provimentos jurisdicionais e, ainda, tornam o sistema jurídico compatível, não só com o neoconstitucionalismo, como também com as ânsias sociais.

Deve-se levar em consideração ainda que a ponderação socorre-se, fundamentalmente, ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade para consagrar a estado quase utópico a concordância material entre as garantias em conflito. No plano abstrato, o hermeneuta deve, obrigatoriamente, fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, almejando o máximo possível de cada um deles. Obtempera-se, todavia, que existirão situações em que a compatibilização será inviável e impossível, casos estes em que o intérprete precisará fazer escolhas, logicamente limitadas às permissões legislativas, determinando no caso fático o princípio ou garantia que irá prevalecer.

A imbricação das diversidades normativas, científicas e, sobretudo, ideológicas ao provimento jurisdicional, não se faz pela simples beleza de uma simbiose evolutiva; tal acontecimento reflete diretamente na confiabilidade social no judiciário, levando a efeito a tão almejada aproximação do conceito de Direito ao conceito de Justiça.

 

6 REFERÊNCIAS

ALVIN, Machado. Análise das concepções romanas da propriedade e das obrigações. Reflexos no mundo moderno. Revista de Direito Civil. V. 12, p. 26 e ss.

BRASIL, Bárbara Dayana. A ponderação Judicial de Princípios Constitucionais no Neoconstitucionalismo. Disponível em http://www.cejur.ufpr.br/revista/artigos/002-2sem-2007/artigo-10.pdf. Acesso em: 19 ago. 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Ed. Saraiva. 2009.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf. Acesso em: 30 de ago. 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito Acesso em: 02 jul. 2011.

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COMPARATO, Fábio Konder. Direitos Humanos: direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. Disponível em HTTP://www.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo11.htm. Acesso em: 03 jul. 2011.

FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez. Madrid: Trota, 1999

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1999.

1 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito Acesso em: 02 jul. 2011.

2 Idem.

3 Idem.

4 Idem.

5 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Ed. Saraiva. 2009, p. 263.

6 O jusnaturalismo moderno foi desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crença em princípios de justiça universalmente utilizados, foi a mola propulsora dos movimentos liberais e alcançou o ao seu clímax com as Constituições escritas e as codificações.

7 O postivismo em busca de objetividade científica equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça, e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX.

8 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Ed. Saraiva. 2009, p. 248.

9 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Ed. Saraiva. 2009, p. 250.

10 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito Acesso em: 02 jul. 2011.

11 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Porto Alegre: Fabris: 1999, p. 103.

12 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez. Madrid: Trota, 1999, p. 22.

13 BRASIL, Bárbara Dayana. A ponderação Judicial de Princípios Constitucionais no Neoconstitucionalismo. Disponível em http://www.cejur.ufpr.br/revista/artigos/002-2sem-2007/artigo-10.pdf. Acesso em: 19 ago. 2011.

14 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 89.

15 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito Acesso em: 02 jul. 2011.

16 CRUZ, Paulo Márcio; GOMES, Rogério Zuel. Princípios constitucionais e direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2007, p. 29-30.

17 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto (org). A nova interpretação constitucional: ponderação, direito fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 345-346.

18 Idem.

19 Idem.

20 Idem.

21 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em http://www.femparpr.org.br/userfiles/file/texto_principios_constitucionais_barroso.pdf. Acesso em: 30 de ago. 2011. p. 21.

Heitor Amaral Ribeiro

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