A norma aplicável ao Direito da Concorrência no Brasil: Estrutura da competência para julgar e modelos de regulação econômica

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A norma aplicável ao Direito da Concorrência estudado:

A norma substantiva que irá delinear o projeto de dissertação que se intitula: “A extraterritorialidade do Direito da Concorrência”, tendo como exemplo a legislação norte-americana, com a edição do “Sherman Act”, temos no Brasil a promulgação da Lei 8.884 de 11 de junho de 1994, atual diploma que rege a matéria sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Com a edição desta norma o CADE transforma-se em autarquia federal e beneficia-se com orçamento próprio, maior autonomia decisória e independência com relação a interesses políticos ou setoriais.

Estrutura e competência do CADE:

Referida autarquia tem a seguinte estrutura organizacional: 01 Presidente, 05 Conselheiros e 01 Procurador-Geral.

A legislação que criou o CADE, além de definir conceitos e critérios referentes ao controle do abuso do poder econômico, conferiu novos contornos ao CADE, dando a este uma maior autonomia, com uma efetiva possibilidade de intervenção estatal nos negócios privados quando houver necessidade de manter a liberdade de iniciativa e a concorrência em nosso país.1

Portanto, temos aqui uma grande evolução no que tange o tratamento infraconstitucional para os assuntos relativos ao mercado concorrencial, já que a Carta de 1988 formatou como deveria ser a repressão e o tratamento para os atos que caracterizassem abuso de poder econômico e lesão ao mercado, conforme artigo 170 e seguintes.

As normas antitruste têm sua base solidificada em “teorias econômicas elaboradas para explicar e prever o funcionamento dos mercados a partir de sua estrutura, isto é, de fatores como o processo de produção, as características da demanda e da oferta,d a distribuição, entre muitos outros, apontados como esses fatores influenciam o processo de concorrência.”2

Quando falamos sobre Lei 8884/94, não podemos deixar de abordar os aspectos que constituem infração aos princípios ditados por referido diploma. Este tema é tratado junto aos artigos 20 e 21, que informam sobre os atos que constituem infração à ordem econômica, mesmo que referidos atos não tenham, necessariamente, produzido os efeitos insculpidos na legislação.

A legislação antitruste nacional, em seu artigo 20 traz um rol exemplificativo de condutas que não exclui aplicação da legislação, no caso de a ação não produzir efeitos, conforme dito anteriormente. A aplicação do rigor legal independe da culpa do agente3. Portanto, temos as seguintes condutas: “I – Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – Dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – Aumentar arbitrariamente os lucros; e IV – Exercer de forma abusiva posição dominante.”

Quanto ao artigo 21 da Lei 8884/94, temos uma mesma aplicabilidade da norma contida no artigo 20, entretanto, há uma maior descrição das condutas tidas como prejudiciais ao mercado, não obstante o fato de que não existe um tratamento diferenciado no rol do artigo 21 às práticas que possam configurar os efeitos descritos junto ao artigo 20.

Ainda, no que se refere aos atos de concentração e dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, a Lei 8884/94 traz em seu artigo 54, importantes manifestações acerca do tema, inclusive sobre a notificação prévia para que o CADE possa dar seu parecer sobre referidos atos. A autarquia federal informará se o ato está dentro dos parâmetros da legalidade imposta e se não há lesão aos princípios que regem uma concorrência sadia para o mercado e para os consumidores.

Havendo alguma restrição, o CADE poderá restringir o ato e aplicar multa pecuniária para o caso de haver descumprimento das ordens oriundas do plenário do CADE que, sempre se reunirá após receber os pareceres técnicos da SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, ligada ao Ministério da Fazenda e da SDE – Secretaria de Direito Econômico, autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, órgãos estes que atuam diretamente no auxílio técnico das questões referentes à legislação antitruste e atos de concentração e dominação de mercados relevantes no Brasil.

Modelos anteriores de regulação econômica:

No início do colonialismo no Brasil pela coroa portuguesa, notamos uma fase denominada “fiscalista”, que foi marcada pela “atuação, por parte da metrópole, de uma política eminentemente fiscalista, ou seja, a coroa buscava a utilização de sua soberania para efeitos fiscais, impondo à colônia o pagamento de impostos que garantissem o abastecimento de seus cofres.” 4

Nesta época seria difícil falar em defesa da livre concorrência, uma vez que não havia nenhum tipo de concorrência no Brasil, mesmo porque o mercado consumidor interno não assumia nenhum papel que demandasse uma atuação direta do governo.

A atuação do Estado sobre e na economia “não era fenômeno isolado, mas, ao contrário, a linha de atuação da metrópole. Qualquer resquício de liberalismo econômico, neste período, há de ser visto sob esta ótica.” 5

O desenvolvimento econômico do Brasil inicia-se com a chegada de D. João VI, que acabou por fomentar a orientação econômica e social, ditada essencialmente pela necessidade do governo português de transferir para o Brasil sua sede.

Foi então que o Brasil experimentou os primeiros passos de uma “liberdade” e incentivo ao desenvolvimento. No ano de 1808 é criado o Banco do Brasil e há uma abertura do portos para as nações amigas.

Devemos observar que no mesmo ano o Visconde de Cairu, com sua influência junto ao império, cria no Rio de Janeiro a cadeira de ciência econômica, dando inicio aos estudos do liberalismo econômico. Entretanto este liberalismo é implementado na medida permitida pela Inglaterra.6

O próximo período a ser analisado é aquele após a independência do Brasil que, que pode ser dividido entre o primeiro reinado, período regencial e segundo reinado7.

No primeiro reinado, as graves crises que assolaram o Brasil não permitiram a continuidade de um ambiente favorável ao desenvolvimento dos produtos manufaturados, pois havia um mercado produtor e consumidor exíguos.

Salvo algumas alterações, no período regencial e no segundo reinado, os liberais também não tiveram êxito junto ao imperador, como havia sido no início com o Visconde de Cairu. A classe que se afirma neste período histórico é o da cultura do café, que se beneficia dos altos lucros, dando maior ênfase à classe agrária.

Em alguns momentos históricos temos figuras como Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, que de alguma forma, trouxe a industrialização para o Brasil, mas não o suficiente para sensibilizar o governo da época.

No período histórico em comento, como dito anteriormente, não podemos falar em um mercado concorrencial, pois as mercadorias aqui consumidas eram, de origem estrangeira, e as políticas da época não visavam a proteção de mercado interno. Portanto até esta época, no Brasil, não havia uma preocupação com a proteção e com as relações mercadológicas existentes, sendo que esta preocupação somente surge com as Constituições brasileiras de 1934, 1937 e Decreto-lei 869 de 18 de novembro de 1938.

Dentro do quadro evolutivo da defesa da livre concorrência que apresentamos até o momento, temos como origem a defesa da economia popular com a “percepção da lesividade das práticas abusivas descontroladas dos agentes econômicos, antes do que uma crença genuína nos valores da livre iniciativa e da livre concorrência”. 8

No campo legislativo observamos a edição do Decreto-lei 869 de 18 de novembro de 1938 que penalizava as infrações contra a economia popular. Destacavam-se alguns dispositivos sobre as práticas que envolvessem a manipulação de mercado, a eliminação de concorrentes e, ainda, concentração de empresas, tudo de uma forma embrionária, se comparado com as inovações trazidas com a Carta de 1988 e a edição da Lei 8884/94

No que diz respeito aos fatores da concorrência, a aplicação do mencionado Decreto-lei foi mínima, de modo que não se pode analisar as interpretações referentes aos atos de proibição da concentração de empresas.9

Uma maior sistematização, e conseqüente balizamento, da matéria sobre a da defesa da concorrência ocorreu com o advento do também Decreto-lei 7666 de 22 de junho de 1945, conhecida também como “Lei Malaia”, legislação esta que introduziu verdadeira inovação no país, notadamente pela conceitualização de abuso de poder econômico, influenciando o sucessivo tratamento constitucional da proteção à concorrência.” 10

É com a edição do Decreto-lei 7666 que o CADE – Comissão Administrativa de Defesa da Concorrência é criado, trazendo a matéria da concorrência para o campo administrativo.

Outras inovações que merecem destaque são as tentativas de se conceituar, de forma mais ampla, o significado de “empresa”. A Lei Malaia, como dito anteriormente, controlava a atividade do poder econômico em território brasileiro, dando ao governo a possibilidade de atuar com uma forte política protecionista. Entretanto, referido Decreto-Lei foi revogado com a queda de Getúlio Vargas, não tendo superado três meses de vigência.11

Outro marco histórico na evolução histórica da legislação da concorrência no Brasil se dá com o advento da Constituição de 1946, que em seu artigo 148 rezava: “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamento de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”. Neste momento governo cria subsídios para a elaboração de uma legislação antitruste.

Em 1962 temos a promulgação a Lei 4137, no dia 10 de setembro, com o objetivo de regular a repressão ao abuso do poder econômico, criando o CADE – Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (diferente do Decreto-Lei 7666/ 45), com competência para aplicar a lei, investigar e reprimir os abusos do poder econ6omico que, porventura fossem efetuados por empresas no Brasil.

Junto ao artigo 2o da Lei 4137/62, nota-se a descrição de uma série de práticas consideradas abuso do poder econômico, portanto, “estabelecia-se um mecanismo de controle de atos de concentração, que emprestava à lei um caráter regulativo da atividade econômica e do mercado nacional, encaminhando-a mais na direção de um direito econômico, no qual a autoridade antitruste tinha um controle sobre as práticas potencialmente prejudiciais à livre concorrência (…)”. 12

Com a edição da Lei 8158 de 8 de janeiro de 1991, em um momento em que se alardeava a abertura dos mercados no Brasil, os mecanismos de controle prévio dos atos que, potencialmente, pudessem ser prejudiciais à livre concorrência. Trata-se de um importante avanço para a regulação do mercado e do atitruste, dando-se um “caráter regulador da economia e da promoção da livre concorrência, inserindo-se mais claramente num quadro de direito econômico, ao invés de permanecer dentro de limites mais rígidos das normas de caráter penal (…).” 13

No tocante a este diploma legal, também procurou-se agilizar o procedimento administrativo de apuração das práticas que violavam a ordem econômica, com a criação da SNDE – Secretaria Nacional de Direito Econômico, vinculada ao Ministério da Justiça. Neste momento o CADE passa a funcionar junto à SNDE, tendo desta um suporte administrativo.

 

 

Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Saraiva, 1990.

FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Editora RT, 1998.

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Lei da Concorrência conforme interpretada pelo CADE. São Paulo: Singular, 1998.

NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica. O controle dos Atos de Concentração no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2002.

NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. São Paulo: Editora RT, 2000.

SUNDFELD, Carlos Ari (coordenador). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.

1 v. TAVARES, André Ramos. ob. cit., p. 264.

2 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, in SUNDFELD, Carlos Ari., op.cit., p. 163.

3 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, in SUNDFELD, Carlos Ari., op.cit., p. 168.

4 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste, p. 88

5 FORGIONI, Paula A. ob. cit., p.91

6 vide FORGIONI, Paula A. ob. cit., p. 94 e 95

7 vide FORGIONI, Paula A. ob. cit., p. 97

8 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. ob.cit., p. 218

9 vide NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. ob. cit., p. 219 e 219.

10 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. ob.cit., p. 219.

11 vide FORGIONI, Paula A. ob. cit., p. 114

12 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. ob. cit., p. 221

13 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. ob. cit., p. 224

Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo

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