A inviolabilidade de domicílio em face da constituição federal

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Resumo:

A Constituição Federal consagra a casa como asilo inviolável do indivíduo, delimitando taxativamente em quais hipóteses tal direito fundamental pode ser suplantado (art. 5º, inciso XI da Carta Magna). Trata-se de cláusula pétrea, e, portanto, não pode sofrer alteração. Este trabalho busca uma reflexão acerca de tal direito, que, essencialmente visa combater indesejáveis excessos e arbítrios oriundos da atividade estatal, ao mesmo tempo em que permite o equilíbrio entre as diferentes instâncias de investigação, acusação e julgamento. Nessa tarefa o enfoque está em sua aplicabilidade prática, bem como em outros direitos e garantias que se colidem com esse preceito, devendo-se utilizar nessas hipóteses, mormente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Palavras-Chave: Inviolabilidade, Domicílio, Violação, Garantia, Direito, Proteção, Constituição Federal.

 

  1. INTRODUÇÃO

A revolução francesa, momento histórico de grande importância baseou-se em ideais que envolviam a liberdade, a igualdade e a fraternidade, e através dos mesmos fora criada a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 pela Assembleia Nacional Constituinte, assegurando princípios relativos às necessidades da época, e muitos perduram até os dias atuais.

Princípios são bens valorativos, valores estes que não podem ser negados ao próximo. Um Estado não pode negligenciar-se a ponto de querer roubar um pouco de cada cidadão para si, cada qual possui seus direitos e deveres e o dever do Estado nada mais é do que além da manutenção da ordem – ditando regras comportamentais para os que infringirem a lei, assegurar a aplicabilidade e eficácia dos devidos princípios.

Os princípios abrangem tanto direitos quanto garantias fundamentais, que tem o intuito de reparar ou buscar acesso à justiça, podendo fazer uso dos mesmos quando necessário.

Os direitos podem se dividir em quatro gerações (ou dimensões): a primeira envolve liberdades públicas e direitos políticos, a segunda liga-se aos direitos sociais, culturais e econômicos, a terceira demonstra a relevância do preservacionismo ambiental e proteção de consumidores e o quarto, diz respeito à engenharia genética e sua abragência.

Exemplos, segundo o texto legal: dignidade da pessoa humana, direito de ir e vir, isonomia, livre manifestação do pensamento, juiz natural, inafastabilidade da jurisdição, harmonia e independência entre as funções do poder estatal, legalidade, entre outros, que podem ser encontrados nos primeiros artigos do texto da Constituição Federal de 1988, em vigor (direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e até mesmo partidos políticos). 

 

2. A INVIOLABILIDADE DOMICILIAR E A SUA EVOLUÇÃO

A casa como asilo inviolável é uma garantia expressa e se faz presente no art. 5º, XI da Constituição Federal.

O artigo quinto, em seu inciso onze diz: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante de delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

A determinação judicial que o texto menciona só ocorrerá durante o dia; em caso de flagrante delito, desastre ou socorro, poderá entrar sem permissão do morador sem determinação judicial e a qualquer momento – que seria, para a maioria dos doutrinadores, entre as seis da manhã e às seis da tarde.

Tal preceito constitucional consagra direito radicado mundialmente, oriundo do Direito Inglês, conforme podemos conferir no discurso de Lord Chatham no Parlamento Britânico: “O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”. Entre nós, vigora desde o Império.1

Vê-se que essa norma é uma das mais remotas e importantes garantias individuais de qualquer sociedade civilizada, pois conglomera a tutela da intimidade, da honra, vida privada, bem como a proteção individual e familiar da tranquilidade e da paz, que salvo algumas exceções, não serão ameaçadas ou perseguidas pelo Estado ou por qualquer particular.

Casa, segundo a doutrina e todo aparato jurisprudêncial, ultrapassa o conceito de domicílio (com ânimo definitivo ou não), compreendendo garagens, escritórios, oficinas. O local onde ocupamos, seja individual ou coletivamente, sendo em alguns casos admissíveis os quartos de hotéis.

Há a devida punição quando infringido, segundo o artigo 150 do Código Penal, que pode variar de um a três meses ou seis meses a dois anos, podendo o autor ser contemplado com multa, além da pena correspondente à possível violência.

Segundo Cleonice Pitombo, em Da busca e apreensão no processo penal, Ed RT, São Paulo – SP, 1998, página 48: “A tradição constitucional brasileira demonstra, portanto, o cuidado, em todos os tempos, em amparar a casa, ao estabelecer, de modo expresso, os limites e as hipóteses autorizantes de entrada, sem o consentimento do morador (…)”. ’’

O direito constitucional é o mais alto nível da esfera jurídica, segundo Kelsen e o modelo piramidal de hierarquia normativa criado pela interpretação de doutrinadores. O mesmo demonstra que a evolução sem a interdependência dos ramos não se desenvolve por completo, uma clara situação seria a de que não há apenas uma punição em âmbito penal, mas há a possibilidade de também existir uma penalidade em âmbito civil, e assim por diante.

 

3. Enquadramento (ou Natureza Jurídica) de DOMICÍLIO

No âmbito constitucional, ao contrário do direito privado, o conceito de casa é muito mais amplo. Não se trata apenas da moradia, a habitação com intenção definitiva de residência, mas todo local determinado que alguém ocupe com exclusividade, a qualquer título, inclusive em caráter profissional. A respeito do local da profissão como uma das formas consideradas como domicílio, surge entendimento do Supremo Tribunal Federal, que justifica que nessa relação entre indivíduo e espaço preserva-se, imediatamente, a vida privada do sujeito.

Essa garantia constitucional compreende:

. consultórios,

. pousadas, hotéis e motéis,

. casas de veraneio,

. complementos da habitação (jardins, pátios, quadras de esporte, quintais, garagens, etc)

. escritórios de empresas comerciais, etc. 2

Estão excluídos, por exemplo, um restaurante, uma boate, um bar, uma lancha de serviço ou de passeio, um ônibus ou lugares em geral abertos ao público, porque nessas conjecturas não existe o elo de particularidade que une o sujeito à coisa.

Contudo, a inviolabilidade domiciliar não pode ser transformada em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se praticam. 3

A regra é que alguém só poderá entrar numa casa se o morador permitir. Mas o próprio inciso XI do artigo 5º admite exceções:

. flagrante delito4;

. desastre ou para prestar socorro;

. por sentença judicial5.

Relevando-se o princípio na reserva de jurisdição, as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) não podem, por própria autoridade, sem ordem judicial, determinar a violação do domicílio.

Essas hipóteses acima relacionadas são permitidas sem que o morador consinta, durante o dia.

Durante a noite, sem o consentimento do morador, a violação do domicílio é permitida somente nas hipóteses:

. fragrante delito6;

. desastre ou para prestar socorro.

A justificativa de tais exceções constitucionais é aquela referente, por exemplo, a flagrantes, incidentes graves, inundações, incêndios, a intromissão domiciliar demonstra-se útil, pois estará protegendo o maior de todos os bens: a vida.

 

4. DIA / NOITE – Delimitação do período diurno

Anteriormente à Carta de 1988, eram permitidos os mandados de busca e apreensão no período noturno. Hodiernamente, qualquer ordem judicial autorizando violação do domicílio deverá obrigatoriamente ser durante o dia.

Não há posição unânime entre os doutrinadores sobre a extensão real do período diurno para a finalidade da proteção do domicílio. Há uma corrente que se utiliza do critério “físico-astronômico” 7, segundo o qual a iluminação solar é que define o dia. E há outra corrente doutrinária que se prende ao critério horário. Há os que misturam as duas possibilidades, considerando ainda o que pode acontecer durante o “horário de verão”, período em que há a presença do sol até além das 20 horas. No quadro adiante, a posição de alguns estudiosos, onde pode-se verificar o alcance dessa divergência:

Autor

Obra

Posição sobre o período diurno

Alexandre de Moraes

Direito Constitucional. 23ed. SP: Atlas, 2008, p. 56

Aplicação conjunta dos critérios: admite cumprimento de mandados após as 18h, desde que não seja noite.

Aury Lopes Jr.

Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I, RJ: Lúmen Júris, 2007, p. 665

Critério horário – 6h às 20h

Fernando Capez

Curso de Processo Penal. 11ed, SP: Saraiva, 2004, p. 288

Critério físico-astronômico

Fernando da Costa Tourinho Filho

Processo Penal. Vol. I, 27ed, SP: Saraiva, 2005, p. 242

Critério horário – 6h às 18h.

Gilmar Ferreira Mendes et al

Curso de Direito Constitucional. SP: Saraiva, 2007, p. 381

Critério físico-astronômico

Guilherme de Souza Nucci

Código Penal Comentado. SP: RT, 2000, p. 398

Critério físico-astronômico

José Afonso da Silva

Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ed. SP: Malheiros, 2008, p. 437

Critério horário – 6h às 18h

Julio Fabbrini Mirabete

Processo Penal. 17ed. SP: Atlas, 2005, p. 347

Critério horário – 6h às 18h

Kildare Gonçalves Carvalho

Direito Constitucional. 13ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 602

Critério físico-astronômico

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior

Curso de Direito Constitucional. 10ed. SP: Saraiva, 2006, p. 157

Critério físico-astronômico

Pedro Lenza

Direito Constitucional Esquematizado. 13ed. SP: Saraiva, 2009, p. 686

Aplicação conjunta dos critérios: admite cumprimento de mandados após as 18h, desde que não seja noite.

Uadi Lammêgo Bulos

Curso de Direito Constitucional. 5ed. SP: Saraiva, 2010, p. 561

Critério horário – 6h às 18 h.

 

 

 

 

Analisando-se esses doutrinadores, vê-se que a maioria utiliza o critério horário como definidor do período diurno; nota-se ainda que o período compreendido entre 6 às 18 horas é o mais referenciado.

 

5. A ação policial e a INVIOLABILIDADE DOMICILIAR

Serão analisados três aspectos a partir de agora, são eles: o poder de polícia chocando-se com a proteção constitucional, invasão nos casos que envolvam flagrante de delito e busca e apreensão em face da Constituição Federal.

5.1) O Poder de Polícia x Proteção Constitucional

O que seria poder de polícia e como a Constituição considera abuso desse poder em investigações policiais?

Casa, como já fora discutido anteriormente, poder ser qualquer lugar habitado, qualquer lugar em que haja habitação coletiva ou o local onde determinada pessoa exerça sua profissão. Poder de polícia seria o poder da administração pública em limitar interesses de particulares, em face da ordem e paz social, não se utilizando da competência para ultrapassar o que está estipulado legalmente, sem a observância constitucional.

A Constituição federal considera válida a atitude de manter a ordem dentro da estrita legalidade, mas quando há o ferimento de determinado princípio, como a quebra da inviolabilidade domiciliar, deve-se equiparar a norma ao caso concreto e analisar o fato diante do princípio da proporcionalidade, se tudo fora feito dentro de níveis de ponderabilidade aceitáveis, então será considerável a ação externada e seus efeitos.

Logo, deve haver consonância entre o poder destinado a quem por caráter funcional o mereceu, mas respeitando de forma coesa e coerente o que está expresso no artigo 5º, inciso XI da Carta Magna.

Um exemplo atual seria a atuação conjunta das forças constituídas do Estado no Complexo do Alemão, em que muitos moradores deixaram suas casas em virtude dos tiroteios e ao voltarem tiveram suas residências reviradas e objetos desaparecidos. Segundo algumas testemunhas, ladrões oportunistas se valeram do arrombamento de portas para saquear o local, levando a crer que o que ocorreu foi obra policial, desrespeitando o princípio da inviolabilidade – pressupõe-se que a ação policial fora emergencial, pois existiam bandidos nos locais temporariamente abandonados, e estes oficiais envolvidos agiram mediante uma situação de crise, não retirando a ilegalidade da situação.

5.2) Invasão nos casos de flagrante delito

Via de regra, só é possível ingressar em propriedades com a autorização da pessoa que vive no local ou através de uma ordem judicial e durante o dia. Existem exceções a respeito do princípio tratado, a violação da regra ocorre quando, sem determinação judicial, o crime for descoberto de imediato (como prestar socorro, desastre, incluindo o flagrante de delito) e são casos que acontecem com uma maior freqüência, seja durante o dia ou noite.

Uma típica situação poderia ser a contravenção penal denominada perturbação do sossego, em que um vizinho após as dez horas da noite, onze horas, aumenta o volume do som de sua casa e recusa-se a abaixá-lo quando questionado pelo porque da altura do mesmo. Nesse caso, a polícia deve intervir, e prender o vizinho em flagrante.

Outro caso é briga entre marido e mulher e a chamada da polícia para o lugar do ocorrido, o agressor é preso em flagrante se for verificado a veracidade das alegações. Também é considerada prisão em flagrante os casos de crimes permanentes, em que o autor mantém um carro roubado em sua casa e ainda utiliza-se de um cômodo escondido para traficar drogas, mais um bom exemplo a ser dado.

A polícia apenas faz uso da chamada ostensividade para a preservação da ordem, fundamentação prevista no artigo 144, § 5º, da Constituição Federal e também através do artigo 23, inciso III, do Código Penal.

5.3) Busca e Apreensão – em face da Constituição

Nesse tópico leva-se em consideração além do local inviolável em que reside determinada pessoa, sua integridade física e moral.

De acordo com o Código de Processo Penal, artigo 246, deve-se respeitar o princípio garantido constitucionalmente em casos de busca em locais que envolvam o domicílio, seja habitado por um ou mais indivíduos, ou local onde há pessoas envolvidas com o trabalho (ambiente fechado e/ou com acesso restrito ao público).

Existem requisitos e finalidades estipuladas perante o corpo de normas processuais, dizendo que não é apenas encargo do juiz estipular a autorização condizente com o caso concreto, mas deve este conferir se estão presentes os elementos essenciais para que se configure tal ato. Devida fundamentação encontra-se no artigo 240 do Código de Processo Penal, medida cautelar, conferindo afrontamento a direitos individuais.

Primeiramente, deve-se ter certeza da ocorrência de crime; segundo, a natureza do mesmo deve se valer de uma busca minuciosa para o recolhimento das provas necessárias, para que se pratique tal ato devem existir fortes indícios do envolvimento do indiciado (sua culpabilidade); e para finalizar, a busca é feita objetivando encontrar o que, a princípio, uma culpabilidade aparente, nada além do que fora permitido investigar, pensando que a prova do crime ou delito cometido será confirmada pelo que encontrarem no local examinado.

Tudo se baseia em uma suspeita grave, séria e aparente, que deve ser confirmada, a pessoa ou coisa necessária para a retirada da prova possível será descoberta se forem praticadas as diligências autorizadas em juízo. Não se admite prova obtida por meio ilícito. 

 

6. Exemplos de Inviolabilidade

Há a existência de outras formas de inviolabilidade, algumas muito abordadas nos últimos anos, outras apenas dúvidas e sugestões que poderiam ou não se enquadrar ao tema, de acordo com o que diz o texto legal.

O primeiro caso a ser analisado envolve a inviolabilidade de domicílio em quartos de hotéis, ainda ocupados, para o recolhimento de provas essenciais, sem mandado judicial expedido. Tal situação está presente no RHC número 90376, requerido na cidade do Rio de Janeiro, capital.

Outro momento em que se caracteriza a invasão é aquele em que há violação de domicílio virtual, sendo o endereço eletrônico a fixação espacial correspondente à determinada pessoa jurídica ou física (sede empresarial), que nele exerça profissão. Um local onde a pessoa está, deveria estar ou presume-se que está localizada.

O nome de domínio impossibilita que decoremos grandes sequências numéricas para que identifiquemos uma rede de computadores, e consequentemente demonstra onde se encontra a pessoa procurada, seja ela física ou jurídica.

Logo, há a quebra de segurança para que ocorra a interceptação de mensagens de emails importantes, retirada de dados pessoais sem devida autorização, apropriação de documentos por emails, apropriação de imagens pessoais, roubo de senhas, etc.

A inviolabilidade em sociedade empresária é considerada uma forma de invasão e não mera especulação a respeito. Fundamentada através do artigo 75 do Código Civil em vigor, diz o seguinte: ‘’ (…) IV – o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. § 1º Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. § 2º Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante as obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. ’’

Portanto, estando em nosso ordenamento, há a possibilidade de ser violado o domicílio de pessoa jurídica, especificamente a sociedade conhecida como empresária. É a corrente adotada por uma parte dos doutrinadores.

Último exemplo a ser exposto seria o da entrada de agentes públicos em imóveis fechados para solucionar problemas de doenças contagiosas, como a dengue. Um claro caso seria o do prefeito Cesar Maia, que permitiu a entrada desses funcionários para combater os focos de dengue, pois o Rio de Janeiro sofreu bastante com a epidemia proveniente do mosquito há pouco tempo atrás.

De acordo com o brocardo ‘’mens legis’’, devemos levar em conta a proporcionalidade e a razoabilidade no momento de interpretarmos a lei dentro do caso concreto. Seria razoável deixar que o vírus evolua para um nível que levaria a morte de muitos cidadãos?

O princípio da proporcionalidade nos mostra o que deve ser avaliado: a integridade física, a vida do indivíduo ou a lei ao pé da letra? Se houver a declaração de testemunhas para comprovação de imóvel abandonado não é aceito o exemplo externado, mas quando não houver o descobrimento de ser ou não um local desabitado?

O poder de polícia dá permissão para atos que sejam praticados em benefício de todos e em função da administração pública; se houver lei ordinária municipal referente ao assunto ou decreto por parte do poder legislativo, não fere o direito em questão abordado pelo nosso artigo 5º, inciso XI da Constituição. Fundamentação legal presente nos artigos 196 e 197 da nossa Carta Magna.

 

7. Dos Crimes contra a Inviolabilidade do Domicílio – comentários ao art. 150 do Código Penal Brasileiro

Trata do Caput do art. 150 do Código Penal: “Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências.” Vê-se que em sentido amplo, o domicílio deve esta protegido de eventuais invasões provocadas pelo arbítrio, e que a inviolabilidade do domicílio é uma conseqüência imediata tanto do direito de propriedade quanto da segurança pessoal do indivíduo. O enunciado da lei permite um leque de situações para que ocorra crime, pois se faz necessário que o agente adentre ou permaneça em casa alheia ou em suas dependências, contra a vontade expressa ou tácita do morador. Cabe observar que a permanência é fator necessário para caracterizar crime.

Intrigante é que qualquer pessoa pode cometer esse crime, mesmo sem perceber que está cometendo-o. Exemplificando, utilizaremos o pai, separado judicialmente, que entra na residência de sua ex-esposa, sem que a mesma consinta, para apanhar os filhos e leva-los a um passeio. Outro caso usual é o do proprietário de imóvel alugado que se acha no direito de entrar neste imóvel quando bem entende.

A pessoa que pratica tais ilícitos é chamada de sujeito do delito, e, a que sofre, sujeito passivo do crime. Destarte, sujeito passivo é aquele que tem o poder de impedir a entrada de outrem em sua casa, não importando que seja proprietário, arrendatário, comodatário, etc.

A violação do domicílio tem algumas qualificadoras:

a) Cometido durante a noite;

b) Em lugar ermo (deserto, desabitado) – considera-se que o agente aproveita-se dessa situação;

c) Emprego de violência – essa violência pode ser contra a pessoa ou a coisa, as duas qualificam crime, não havendo distinção entre elas.

 

8. Considerações sobre os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade e o Direito Fundamental da Inviolabilidade do Domicílio

Como já discorrido anteriormente, a inviolabilidade do domicílio não pode ser transformada em garantia de impunidade de delitos ou como local que possa ocultar provas de crimes. Recente julgado do STF entendeu por maioria que a escuta ambiental pode ser instalada em escritório do advogado durante o período noturno, sem ofensa ao dispositivo em tela.

Enfatizou”-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo dever-poder de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão (…). De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição consequente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que se desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que “a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.” 8

Vê-se então, que não existe direito em caráter absoluto, mesmo os que estão entre os de caráter fundamental, principalmente quando entra em choque com outra garantia legal: a da ordem pública. Nesse sentido, a inviolabilidade perde seu caráter incondicional quando o conceito de casa, ou domicílio, deixa de servir como moradia e trabalho, para atingir fins de ilegalidade.

Há os que, por outro lado, defendem que mesmo sendo o sujeito suspeito ou investigado, não se deve permitir flexibilizar qualquer garantia constitucional, posto que abale os pilares do Estado Democrático de Direito.

Aí está a necessidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, especialmente quando dois direitos colidem-se.

 

9. A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO E O FISCO

Nossa apreciação recairá sucintamente, nos artigos 194 a 200 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo este derradeiro o alvo da presente análise.

Há de se destacar que alguns Estados vanguardistas no que concerne ao ramo do Direito Tributário, entre outros, como Paraná (Lei Complementar 107/05) e São Paulo (Lei Complementar nº 939/03) buscaram legitimar muitos desses conflitos, criando seus Códigos de Defesa do Contribuinte.

Tal iniciativa se dá para evitar dubiedade de entendimentos com relação aos limites de atividade de atuação de fiscalização, coibindo abusos, quer do fisco, quer do contribuinte.

Numa fiscalização, devem ser observadas determinadas regras, quer pelo agente de fiscalização, quer pelo empresário fiscalizado.

Há também de se ressaltar que, em respeito à primazia do interesse público sobre o privado, não cabe ao contribuinte se contrapor à fiscalização, desde que seja de forma regular e legal. Nesse sentido, não pode o Estado (entende-se “fisco”) exceder no poder e extrapolar o limite daquilo que se entende por fiscalização.

O Código Tributário Nacional, através de seu artigo 200 concede permissão às autoridades administrativas para requisitarem a ajuda das forças públicas para cumprir o seu dever, desde que tenham sofrido embaraços ou desacato. Faz-se necessário diferenciar duas situações: aquelas em que a própria autoridade administrativa pode requerer o auxílio da força pública e aquelas em que somente por autorização judicial poderá se valer de tal auxílio, evitando-se, dessa forma, que o referido dispositivo legal descumpra garantias constitucionais como a inviolabilidade do domicílio, a inviolabilidade de correspondências, comunicações telegráficas e telefônicas e de quaisquer dados.

“Tais garantias constitucionais impõem limitações ao alcance do art. 200 do Código Tributário Nacional, que há de ser então interpretado de conformidade com a Constituição. Assim, a autorização de requisição da foa pública diretamente pela autoridade administrativa fica restrita às hipóteses na quais o mesmo pode ser validamente aplicado. Nos casos em que o uso da foa pública possa estar em conflito com as garantias constitucionais do contribuinte deve este ser objeto de prévia autorização judicial, (..)”. MACHADO, Hugo de Brito. 2003

O STF tem se posicionado de modo que, não obstante a prerrogativa do Fisco de solicitar e analisar documentos, os agentes fiscais só podem ingressar em escritório de empresa quando autorizados (pelo proprietário, gerente ou preposto). Em caso de recusa, não podem os agentes simplesmente requerer auxílio de foa policial, eis que, forte na garantia da inviolabilidade do domicílio, oponível também ao Fisco, a medida dependerá de autorização judicial.

Analisa-se, portanto, que a utilização de força policial, barrando a entrada e saída de bens e pessoas no estabelecimento fiscalizado, além de denegrir a imagem do local perante o público, sem ter havido qualquer recusa, embaraço ou desacato, fere princípios constitucionais como o da razoabilidade e da proporcionalidade, o direito à honra e à imagem, fazendo inclusive nascer o direito de reparação pelos danos.

Os contribuintes que devam se submeter à fiscalização não podem ser tratados como se tivessem cometido alguma infração ou delito sem que realmente o tenha feito. E essa é a impressão que se passa quando o fisco age sem motivo com o auxílio de força policial. O interesse público pode e deve ser resguardado, tendo o fisco o direito de realizar a fiscalização e o contribuinte o dever de a ela se submeter, mas tudo dentro dos parâmetros instituídos pelo ordenamento jurídico, nesse caso, a Constituição Federal.

 

10) CONCLUSÃO

O direito fundamental vem para compor o texto normativo e fazer do mesmo um meio de acesso à justiça. A possibilidade de fazer valer um direito seu através de um provimento jurisdicional que seja cabível a situação é uma das maiores conquistas da justiça brasileira em termos de prescrição de condutas comportamentais e direitos, princípios e garantias.

Nossa Constituição, por estar inserida em um Estado Democrático de Direito, atende ao constitucionalismo rígido, e não simbólico – aparente –, a eficácia dos direitos somente nascera do exercício dos mesmos, principalmente da ajuda proveniente das garantias fundamentais de direitos individuais e coletivos, presentes no artigo 5º em nosso ordenamento legal.

Rígida é – como fora citada anteriormente – nossa Constituição para que a modificação de artigos, incisos e alíneas seja de uma forma que não se altere, há um grande processo para que surjam novos moldes comportamentais, por exemplo, no caso das denominadas ‘’cláusulas pétreas’’ – estas só seriam retiradas de nosso meio social de convívio e aplicação caso existisse um estudo e confirmação da elaboração de uma nova Constituição, através do Poder Constituinte Originário.

Deve-se fazer o uso da harmonização dos direitos fundamentais regulados no corpo constitucional ao direito vigente em nosso país, há sempre evolução, pois o direito não se prende ao comodismo jurídico, acompanha caso a caso de forma precisa, para que ao proferida a decisão, esteja sempre presente o caráter objetivo da mesma (assim como o subjetivo, quando houver o julgamento do mérito da questão).

Segundo Konrad Hesse, existe a caracterização dos direitos fundamentais através da objetividade presente. Estes direitos seriam “bases da ordem jurídica da coletividade”, porque além das diligências necessárias à sua configuração, tem-se que a estruturação de todos os direitos fundamentais, nossos valores ou pensamentos, englobando a vida em sociedade, nesse prisma basear-se-ia, auxiliando no desenvolvimento da efetividade estatal.

A inviolabilidade do domicílio, constante em nosso ordenamento há muito tempo, desde a Constituição proveniente do Império, encontra-se garantido pela nossa Carta Magna, é de caráter fundamental, e por isso, não há – via de regra – como afrontá-lo, a não ser que seja por um bem jurídico fundamental para que seja mantida a ordem e a pacificação da sociedade como um todo.

Logo, deve-se aceitá-lo e aplicá-lo de acordo com previsão legal, trazendo sua eficácia em face da concretude dos fatos, analisando caso a caso, utilizando quando necessário à proporcionalidade e razoabilidade em conjunto com a interpretação normativa, discutindo a respeito dos tipos polêmicos que geram dúvidas entre doutrinadores, juízes e Tribunais.

Há os casos permissivos, e as excludentes de ilicitudes (onde não se pode considerar a invasão domiciliar como pertinente), tudo se baseando no texto constitucional, artigo 5º, inciso XI, em que nos espelhamos para a reunião de fatos a respeito do assunto abordado, pesquisando conforme nossa linha de alcance bibliográfico.

Não há o porquê da quebra do que fora estipulado perante a sociedade, pois conforme o trabalho ou os costumes locais, o dia tem maior ou menor duração, o horário de repouso também, logo, sem o mandado judicialmente formulado, sem riscos ou situações de extrema importância que envolva o perigo da demora, não há a mínima possibilidade de excepcionarmos um ato que contrarie o que alega a justiça (como prova resultante de diligência referente à busca e apreensão, sem a presença do mandado). Existindo ilicitude originária, existe a inadmissibilidade no que diz respeito ao tema tratado. Sendo assim temos a certeza de que podemos nos valer do direito fundamental expresso em nossa Constituição Federal.

 

11. BIBLIOGRAFIA

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. http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_24540/artigo_sobre_inviolabilidade_de_domicilio

. http://forum.jus.uol.com.br/7539

. http://jus.uol.com.br/revista/texto/12467/requisicao-da-forca-publica-pela-fiscalizacao-tributaria – Data da consulta: 15/03/2011

. http://www.altosestudos.com.br/ExibirNoticia.aspx?idt_conteudo=52045

. http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/parecerAMB_PEC84-2003.pdf – Data da consulta: 16/03/2011

. http://www.direitolegal.org/direito-digital/violacao-do-domicilio-virtual-uma-abordagem-civil/

. http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/29758/a-inviolabilidade-do-domicilio-e-as-acoes-policiais-nas-favelas-do-rio-de-janeiro

. http://www.fadep.br/fique-por-dentro/artigo-a-inviolabilidade-do-domicilio-da-sociedade-empresaria

. http://www.jusbrasil.com.br/noticias/223664/supremo-esquece-medina-e-analisa-devido-processo-legal

1 Previsão em nossas Constituições: Constituição de 1824 (art. 179, n. 7); Constituição de 1891 (art. 72, § 11); Constituição de 1934 (art. 113, n. 16); Constituição de 1937 (art. 122, n. 6); Constituição de 1946 (art. 141, § 15); Constituição de 1967 (art. 150, § 10); Emenda Constitucional n. 1/69 (art. 153, § 10)

2 Precedente: STF, RE 331.303-AgRg/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 10/02/2004.

3 Posição do TJSP: “A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto respeitada sua finalidade precípua de recesso do lar. Isso porque o direito constitucional de inviolabilidade domiciliar não se estende a lares desvirtuados, tais como locais ou pontos clandestinos de drogas”. (TJSP, 1ª Cam. Crim., ACrim 130.489-3/Porto Ferreira, Rel. Dês. Andrade Cavalcante, decisão de 1º/02/1993, JTJ/SP, Lex, 141:394)

4 Posição do STF: “Invasão de domicílio para realização do flagrante (…) Legitimidade do flagrante. Infração permanente. Estado de flagrância caracterizado, o que afasta a exigência de mandado judicial”. (STF, HC 70.909, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 25/11/1994)

5 Posição do STF: “A imprescindibilidade da exibição de mandado judicial revelar-se-á providência inafastável, sempre que houver necessidade, durante o período diurno, de proceder-se (…) a qualquer tipo de perícia ou à apreensão de quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público, sob pena de absoluta ineficácia jurídica da diligência probatória que vier a ser executada em tal local”. (STF, RE 24.877-1/GO, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 21/06/200, DJU de 03/08/2000, p. 68)

6 Posição do STF: “Cuidando-se de crime de natureza permanente, a prisão do traficante, em sua residência, durante o período noturno, não constitui prova ilícita”. (STF, HC 84.772, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 12/11/2004), isto é, o ingresso na casa do agente que está praticando tal espécie de crime não depende de ordem judicial, podendo ser feito a qualquer momento diante do estado de flagrância caracterizado.

7 Conceito físico-astronômico: para José Celso de Melo Filho, dia é o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepúsculo (Constituição Federal anotada, p. 442). Esse conceito físico astronômico gera inseguranças, pois nele não há especificação de horário. Por exemplo, os dias de inverno podem ser escuros e as noites de verão, claras. Quer dizer, a aurora funde-se com o crepúsculo.

8 STF – Pleno, Inq. 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20/11/2008

Rubia Spirandelli Rodrigues

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