A celeridade processual como pressuposto para um processo civil efetivo

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RESUMO: A questão da morosidade do processo atormenta tanto os magistrados e aplicadores do direito quanto à população em geral, que se vê nas mãos de um Judiciário fraco e sobrecarregado. Já se tornou lugar-comum na comunidade jurídica e nos meios de comunicação de massa essa deficiência deste Poder Estatal. A importância do tema na atualidade é notória. As pessoas em geral vêem o direito quando este é aplicado e principalmente na prática, ou seja, quando sua esfera de seus direitos é afetada, cabendo ao Estado interferir de maneira a solucionar as controvérsias e dissídios particulares. Então, a população espera que suas pretensões levadas a juízo sejam resolvidas de maneira célere e efetiva, de modo a proporcionar a maior satisfação a todos. Por isso, um processo célere constitui uma condição necessária para sua efetividade. Desta maneira, a celeridade processual é de extrema relevância no contexto social e jurídico brasileiro. Com o fito de aprofundar o tema, falar-se-á de assuntos que muito interessam a doutrina e a população em geral, que são as mudanças legislativas que ocorreram ao longo dos anos e suas conseqüências práticas, além da indicação de qual caminho deve ser seguido para tornar o processo mais rápido.

Palavras-chave: celeridade processual, segurança jurídica, processo civil efetivo.

ABSTRACT: The article purpose is to discuss the question of the process celerity, problem that torments as much the magistrates and applicators of the law, also the population in general, who is in hands of a weak and overloaded Judiciary. This deficiency of the State became place-common in the legal community and the means of comunication. The importance of the subject in the present time is well-known. The people in general see the right when this is applied and mainly in the practical one, that is, when the sphere of its rights is affected, fitting to State intervene to solve the particular controversies and agreements. The people want a fast judgment of their pretensions, in order to provide the biggest satisfaction to all. In this way, the process celerity is of extreme relevance in the Brazilian: social context and legal. The objective is study the process celerity, tracing the must interesting subjects to doctrine and population: the efficient and fast way to get a judicial solution of a conflict, and consequently attend the Brazilian society desire.

Keywords: process celerity, fast judgement, effective process

INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 instituiu diversos mecanismos para acelerar a prestação da jurisdição pelo Estado. O próprio art.5º da Constituição Federal sofreu alteração. Foi acrescentado um inciso que afirma que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Dessa maneira, houve a constitucionalização de um dos princípios mais discutidos na atualidade no processo civil brasileiro. A população brasileira anseia por uma melhoria do Judiciário e a mudança mais esperada é a tão sonhada agilidade na resolução dos conflitos levados a juízo. Pensam assim porque associam a idéia de celeridade com efetividade, ou seja, realização da própria justiça.

Dentro deste contexto, este estudo pretende abordar a questão da celeridade processual como um pressuposto ou condição necessária para a efetividade do processo civil, sendo que esta é conceituada como o procedimento que proporciona a satisfação do tutelado e a pacificação social, dando a quem é de direito o bem da vida pretendido.

Averigua-se a existência de uma relação conflituosa entre celeridade processual e segurança jurídica, uma vez que o excesso de formalismos que reinam no processo civil brasileiro conduzem a dilações indevidas dos procedimentos. Ou seja, a busca pela proteção dos direitos das partes pode fazer com que o direito maior de ter a prestação em tempo hábil não seja alcançado.

Além da existência de entraves relacionados ao próprio processo em si, verifica-se que a falta de estrutura e funcionários contribuem de forma decisiva para a atual situação do Judiciário brasileiro. Fala-se na ocorrência de uma má-vontade política em equipar tal Poder Estatal. Não se pode cobrar rapidez dos juízes e funcionários se não se proporciona a devida aparelhagem para que suas tarefas sejam feitas.

Vale ressaltar que a população brasileira tornou-se mais consciente de seus direitos pelos fatores ligados ao aumento da informação e da própria escolaridade. Dessa maneira, o próprio número de demandas aumentou, haja vista que as pessoas estão sempre em busca de fazer valer os seus direitos.

DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROCESSO CIVIL EFETIVO

O acesso à justiça como direito fundamental

A doutrina brasileira considera o direito de ação um direito fundamental. Isto é de grande importância, tendo em vista que o Estado é obrigado a proporcionar a efetivação dos direitos fundamentais mediante de diversas garantias.

Um exemplo de tais garantias é o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Significa de forma simples que ao Estado, que assumiu a tutela da resolução de conflitos, não é dado deixar de analisar um litígio à sua vontade. Está insculpido no art.5º, XXXV “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ao deter o monopólio da Jurisdição, o Estado estabeleceu que os conflitantes teriam um meio de acionar o Judiciário que seria a ação. Dessa maneira, a inafastabilidade da jurisdição surgiu como uma garantia de que as pessoas teriam seus direitos tutelados e que não ficariam lesados sem reparação.

Configura-se um direito social pela repercussão que traz à sociedade brasileira. É a própria afirmação do Estado Democrático de Direito. Proporcionar o acesso à justiça é uma maneira de proteger os cidadãos, proteção que abarca até outros direitos fundamentais.

Contudo, não se confunde apenas com o acesso ao Judiciário. Há que se proporcionar também o ingresso a outros meios de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem. O Estado ao instituir os Juizados Especiais Cíveis (Lei 9099/95) estabeleceu no diploma legal que a princípio ter-se-á a tentativa de conciliação das partes. Assim, mesmo que não adentrem necessariamente a um processo, mas consigam resolver seus litígios de uma maneira diversa, como o é a conciliação, as partes terão tido o acesso à justiça. A doutrina fala então em um conceito mais amplo de acesso à justiça. Como será debatido ao longo deste trabalho, o Estado não tem sido eficaz na solução de controvérsias pelo meio tradicional que é o processo. Portanto, como foi dito que o acesso à justiça é um direito fundamental, que cabe àquele proporcionar à população, é um dever estimular a solução dos litígios por métodos alternativos.

Muitos doutrinadores dizem que este direito fundamental não se resume simplesmente apenas em se proporcionar o acesso ao Judiciário ou outro mecanismo alternativo. Não basta apenas o indivíduo poder requerer a solução de sua controvérsia. Faz-se necessário também que seja proporcionado a ele um processo justo, ou seja, que o devido processo legal seja observado. Por conseguinte, não se deve ter uma visão pequena sobre este conceito fundamental. Além de se referir ao acesso não só à Jurisdição, também não se resume na simples admissão. A justiça só será alcançada quando o processo for efetivo e eficaz ou o interesse for solucionado por mecanismos alternativos.

Nesse sentido surgiram críticas pelo fato de que nos últimos anos se proporcionaram diversos mecanismos de acesso à justiça, mas não houve um aparelhamento do Judiciário a fim de que a efetividade ocorresse. Um dos exemplos é o caso dos Juizados Especiais Cíveis. Nas demandas até 20 (vinte) salários mínimos não se exige o acompanhamento por um advogado. Além disso, a assistência proporcionada pela Justiça Gratuita facilitou a vida das pessoas que não tem condições de arcar com as elevadas custas do processo, e a prestação da assistência judiciária pelas Defensorias Públicas também contribuíram e muito.

Apesar dessas mudanças, a estrutura da Justiça continuou a mesma. A Lei dos Juizados Especias Cíveis (9099/95) afirma que é de 15 dias o prazo para que a audiência de conciliação seja realizada após o registro do pedido pelo autor. Contudo, em Uberlândia por exemplo, tal audiência não consegue ser marcada antes do prazo de 06 (seis meses). Diante desta situação, a maioria dos advogados preferem adentrar com suas ações no procedimento ordinário, deixando de lado o procedimento sumaríssimo dos JESPs. Com isso, tem-se falado na criação de tribunais arbitrais para a resolução de demandas consumeristas para o desafogamento dos Juizados, tendo-se em conta que grande parte de seus litígios baseiam-se em lides referentes a consumidores insatisfeitos.

O devido processo legal

O conceito de devido processo legal estampa diversas garantias constitucionais e do próprio processo civil em si. Como exemplos, pode-se citar as garantia da ampla defesa, do contraditório (art.5º, LV da Constituição Federal) e do juiz natural (art.5º, LIII da CF).

Dentro da ampla defesa estão englobados mecanismos que permitem às partes a participação dentro do processo de forma a que a sua convicção seja levada a juízo, ou seja, que se permita que possam se defender. Assim surgem uma gama de recursos técnicos e fáticos para que isto aconteça de forma efetiva. Parte da doutrina afirma que a ampla defesa não constitui um direito subjetivo de uma parte contra a outra, mas sim que seja utilizado como meio de participação. Com isso, é insensato usá-lo como forma de protelar o processo em detrimento do direito da outra parte em ter o litígio solucionado.

O contraditório baseia-se na idéia de participação das partes, que estão em condição de isonomia. Dessa forma, liga-se à noção de formação da convicção do juiz. As partes terão condições paritárias de serem ouvidas e ouvirem o que acontece dentro do processo civil. Liga-se muito ao conceito de ampla defesa, já que são princípios e garantias constitucionais umbilicalmente entrelaçados. Ambos compõem processo democrático. Sem eles o processo torna-se inquisitório, o que não se amolda ao conceito atual de jurisdição.

Já o termo juiz natural designa a garantia de que não haverá a formação de tribunais de exceção, pois de antemão as partes saberão qual será o juízo competente. Tal direito é de extrema importância dentro do Estado Democrático de Direito. Resume-se em três conceitos:

A) Só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; B) Ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2006, pg.58).

Efetividade do Processo Civil

O processo civil efetivo nada mais é do que aquele que consegue ao final de toda a marcha processual, proporcionar o bem da vida pretendido a quem é de direito de forma que ele ainda lhe seja útil, ou seja, que ainda possa usufruí-lo. É o que afirma Fernando da Fonseca Gajardoni (2003).

Passa pela observância de todos os princípios constitucionais do processo civil brasileiro, quais sejam: contraditório, ampla defesa, isonomia, proporcionalidade e devido processo legal.

Já se fala ultimamente que muitos estudiosos estão confundindo a busca pela efetividade do processo com a celeridade processual. Alguns afirmam que o primeiro conceito não se resume ao segundo e que as incessantes mudanças que vem sendo paulatinamente feitas na busca por uma solução ágil não estão tornando o processo mais efetivo, mas sim com menos garantias para as partes.

Surge aí a noção de segurança jurídica. Desde o princípio da Jurisdição, tinha-se muita desconfiança com a atuação imparcial do juiz. Procurou-se dar uma gama variada e repleta de garantias para as partes. Tudo isso em nome do princípio da segurança jurídica, que dentro do contexto da efetividade do processo civil pode ser resumido na idéia de realmente proporcionar a justiça a quem merece usufrui-la.

Dentre esses mecanismos podem ser citados os recursos contra as sentenças, os agravos contra decisões interlocutórias e diversas outras maneiras previstas pelo CPC de forma a permitir a participação das partes na convicção do juiz e também diminuir os amplos poderes que estes podem deter durante o procedimento. Por isso, ocorre um embate entre o excesso de formalismo e a busca pela celeridade processual.

Fernando da Fonseca Gajardoni (2003) afirma: “a celeridade processual não pode ser confundida com precipitação, e nem a segurança jurídica com eternização do processo”. Ou seja, precipitar-se em busca de uma aceleração pode trazer mais prejuízos ainda para as partes.

Sabe-se que realmente algumas vezes a fim de protelar o andamento do processo , as partes utilizam de mecanismos dados a elas como garantias. Mas com isso não se pode ter o entendimento de que simplesmente um corte nestas garantias ressolverá o problema. Além disso, o devido processo legal será ferido.

Um destes mecanismos que dizem ser utilizados apenas para protelar a execução das sentenças é o duplo grau de jurisdição. Renata Malta Villas Boas faz uma explanação que merece ser indicada:

Aqueles que são contrários à existência do princípio do duplo grau de jurisdição defendem que essa estrutura só faz com que se atrase o processo, já que não há garantia de que o vício seja sanado em âmbito do segundo grau. Se caso a decisão de segundo grau mantiver a decisão de primeiro grau então estamos diante de uma ofensa ao princípio da celeridade haja vista que segundo esse entendimento o processo se tornou moroso sem necessidade, porém se a decisão de segundo grau vier a reformar a decisão de primeiro grau então estaremos diante de uma situação em que irá ofender o princípio da segurança jurídica, haja vista que não teremos certeza de qual das duas decisões é a mais correta, a mais justa (VILAS-BOAS, 2010).

A CELERIDADE PROCESSUAL COMO PRESSUPOSTO PARA UM PROCESSO CIVIL EFETIVO

A crise do Judiciário Brasileiro

A falta de estrutura física é apontada por alguns doutrinadores como o maior problema do Judiciário brasileiro, aliado à falta de pessoal. Dentro deste estudo, pautar-se-á na idéia de que realmente o que deve ser feito são investimentos na estrutura, tanto física quanto de pessoal, e não somente uma mudança na letra lei. Para isto, analisar-se-á dados estatísticos informados pelo CNJ em seu relatório anual referente ao ano de 2009 (JUSTIÇA EM…, 2009).

Tais dados indicam que em Minas Gerais existem 1.645 (mil seiscentos e quarenta e cinco) magistrados, sendo que 858 (oitocentos e cinquenta e oito) estão alocados no 1º grau e nos Juizados Especiais. O CNJ informa também que são 10.931 (dez mil, novecentos e trinta e um) o número de servidores lotados na 1ª Instância e nos Juizados Especiais de Minas Gerais. São aproximadamente 12 (doze) por magistrado. Em São Paulo, em termos de comparação, são 20 (vinte) por magistrado. Já o Tribunal do Paraná possui média de apenas 6 (seis).

Com relação ao número de casos novos por magistrado, Minas Gerais fica abaixo da média nacional, apesar de ser um dos Tribunais de “grande porte” do país. Segundo os dados estatísticos divulgados pelo CNJ em seu relatório anual de 2009, são 1.434 (mil quatrocentos e trinta e quatro) casos novos por magistrado na Justiça de primeira instância e nos Juizados Especiais de Minas Gerais. Comparando-se com São Paulo, que possui 3.109, o número é bem menor.

Além destes dados, o CNJ informa também a carga de trabalho dos magistrados, que é “ o indicador utilizado para verificar, em média, durante um ano, o número de processos por magistrado” (JUSTIÇA EM…, 2009).

Segundo o relatório, cada magistrado de 1º grau em Minas Gerais possui 4.888 (quatro mil oitocentos e oitenta e oito) processos em média. Isso coincide realmente com o número de processos indicados nos dados levantados da 1ª Vara Cível de Uberlândia, em que o acervo existente possui cerca de 5.000 (cinco mil) autos (JUSTIÇA ABERTA…, 2009). Situação crítica parece viver o Estado do Rio de Janeiro, onde tal número é de 21.792 (vinte e um mil, setecentos e noventa e dois).

Para se verificar a influência dos investimentos na Justiça Estadual de 1ª Instância (incluídos os JESPs) e suas conseqüências quanto ao bom andamento da justiça, far-se-á uma análise de três estados: Minas Gerais, Distrito Federal e Piauí. Como se sabe, os três têm características bem diferentes. Os dois primeiros são grandes economias do país, já o Piauí é um dos mais pobres.

A análise recairá sobre os dados informados pelo CNJ em seu relatório anual de 2009 (JUSTIÇA EM…, 2009), o qual já vem sendo a base deste estudo quando se fala em termos estatísticos.

Em Minas Gerais, por exemplo, o gasto com a Justiça Estadual corresponde a R$ 107, 00 por pessoa. O Distrito Federal gasta o valor de R$ 527,00. Já o Piauí tem como média R$ 62,00. Com relação ao número de servidores por magistrado, Minas Gerais possui 13 (treze) em média, Distrito Federal 10 (dez) e o Piauí 8 (oito).

Quanto à quantidade de magistrados para cada cem mil habitantes, estão na ordem de : 5 (cinco) para Minas, 12 (doze) para o Distrito Federal e apenas 4 (quatro) para o Piauí.

Já de antemão percebe-se que o maior investimento em pessoal vem do Distrito Federal, que além de possuir uma maior média de magistrados por habitante, possui dentre os três, o segundo percentual de servidores por magistrado (dez). Isso se reflete no fato de que a Justiça deste Distrito ser a mais cara dentre as analisadas, custando R$ 527,00 por pessoa, ou seja, quase nove vezes a mais que o pequeno estado do Piauí (R$ 62,00). Este por sua vez, ficou com os piores resultados, sendo que o número de magistrados para cada cem mil habitantes chama atenção: apenas 4 (quatro) aproximadamente.

Então surge a dúvida se realmente isto vai influir no rendimento da Justiça. Para verificar tal ocorrência, far-se-á um exame dos indicadores referentes à carga de trabalho e à taxa de congestionamento dos três estados.

Tais informações do estado de Minas Gerais já foram apontadas acima, contudo cabe indicá-las aqui novamente. Este é o estado, dentre os três, que possui a maior carga de trabalho, cerca de 4.888 (quatro mil oitocentos e oitenta e oito) por magistrado, sendo seguido pelo Distrito Federal, com 3.063 (três mil e sessenta e três) e o Piauí, com 992 (novecentos e noventa e dois). Um dos motivos pela discrepância está relacionado à população de cada um, haja vista Minas Gerais ser um dos estados mais populosos do país.

Com relação à taxa de congestionamento, surge aqui o dado que pode revelar que investimentos são necessários. O estado do Piauí possui o maior índice (85%), com Minas Gerais (60%) e Distrito Federal (64%) possuindo indicadores bem mais baixos que o estado nordestino. Tais informações significam nada mais que apenas 15% dos processos de 2009 do estado do Piauí foram baixados. O restante vai depender do ano seguinte para ter uma solução, e se ela vier realmente.

Portanto, após análise de todos estes dados, verifica-se que a lógica aconteceu. O Piauí apresentou os piores indicadores nos três quesitos de estrutura analisados: número de magistrados por cem mil habitantes, número de servidores por magistrados e custo da Justiça Estadual de 1ª instância por pessoa (partindo-se do pressuposto que um custo maior significa melhor investimento). E isso se refletiu no acúmulo de processos, tendo-se em conta que mesmo que a carga de trabalho deste estado seja a menor dentre os pesquisados, a taxa de congestionamento foi a maior deles, com um número bem mais elevado. Apesar disso, o impacto destes investimentos no PIB estadual tem o maior índice no Piauí, com investimento de 1,17% do PIB, seguido pelo Distrito Federal com 1,16% e Minas Gerais 0,75%.

Segundo dados do CNJ, somente em 2009 ingressaram mais de 18,7 milhões de processos na Justiça Estadual de primeiro grau. Em Minas Gerais, por exemplo, foram 1.539.748 novos processos, sendo que 1.310.638 foram baixados. Ou seja, a balança ficou “negativa”.

As despesas aumentaram cerca de 9% se comparadas com as de 2008. Seu total representa cerca de 1,2% do PIB nacional. Contudo, o Judiciário não somente gasta, ele também arrecada. Assim, a afirmação de que um aumento no orçamento pode onerar demais o Estado deve ser analisada com cautela. Tal relatório informou que 54,6% dos gastos realizados foram devolvidos por meio de arrecadações. Em comparação:

Em 2006, os EUA gastaram US$ 46 bilhões em todos os níveis de Justiça (Estadual e Federal), o que representaria R$ 82 bilhões em valores atualizados (ou seja, mais do que o dobro do gasto brasileiro, da ordem de R$ 37,3 bilhões)i.

 

Um dado importante deste relatório merece ser dito. A Justiça Federal, se comparados os dados da justiça de primeira instância estadual e do trabalho, foi a única que conseguiu baixar mais processos do que receber novos. Segundo tais dados, em 2009 foram ingressados 948.901 processos novos, sendo que 1.263.267 foram baixados.

O número de magistrados no Brasil também é pequeno se comparado com o de outros países. Na Justiça Estadual, constatou-se que existem:

6 (seis) magistrados por cem mil habitantes, com 70,5% dos juízes e 72,8% dos servidores atuando nesse ramo da Justiça (…) A título de comparação, a Espanha possuía 10,1 magistrados por cem mil habitantes, a Itália possuía onze magistrados por cem mil, a França possuía 11, 9 magistrados por cem mil e Portugal possuía 17,4 magistrados (JUSTIÇA EM…, 2009).

Outro ponto de relevo foi a informação de que a Justiça Estadual foi a maior demandada, com o ingresso em 2009 de 8.859 novos processos para cada cem mil habitantes. Com relação à Justiça Estadual de 1º grau, são 1.276 casos novos por magistrado. Houve uma diminuição com relação a 2008, em que foram registrados 1.424.

O relatório final apontou ainda que a Justiça do Trabalho é a mais célere dentre as três (Federal e Estadual).

TENTATIVAS DE SOLUÇÃO

A crença na mudança apenas da letra da lei

Por muitos anos acreditava-se que uma mudança na lei faria com que os procedimentos se tornassem mais célere. Assim, foram feitas inúmeras mudanças no procedimento, mas nenhuma surtiu grandes efeitos capazes de fazer com que a morosidade do processo tivesse fim.

(…)diversas pesquisas realizadas nos Estados Unidos sobre essa temática colocam que alterações no art. 6º de sua Constituição (que garante o direito ao “Speed Trial Act”), pela via do estabelecimento de um prazo máximo para a duração do processo não foram capazes de alterar o cenário de morosidade judicial vivenciado pelo país ao longo das décadas de 1970 e 1980. Ainda de acordo com a revisão dos estudos sobre essa temática, apenas a alteração das formas de condução do processo como um todo, e ainda a inserção da figura de um juiz corregedor que impedia que certos juízes demorassem mais do que o previsto com o processo em suas mãos, foi capaz de reduzir o tempo de duração dos processos (SIEGEL, SENNA, 2007).

A seguir serão feitas considerações sobre as principais leis e mudanças que ocorreram desde a edição do Código de Processo Civil de 1973 e também sobre os avanços que a Constituição Federal de 1988 trouxe ao mundo jurídico no aspecto do processo civil, com enfoque na área do processo de conhecimento, especificadamente da Justiça de Estadual de primeira instância.

As alterações legislativas que visavam a celeridade processual

Primeiramente tecer-se-á comentários sobre a importante Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Dentre as mudanças implementadas por tal Emenda, pode-se citar a criação do Conselho Nacional de Justiça, a inclusão no art.5º da Constituição Federal de um inciso que trata da celeridade processual, além da inserção no art.93 do inciso XIII, que afirma que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”. Além disso, adicionou como requisito para a propositura do recurso extraordinário a necessidade de demonstração da repercussão geral. Por fim, tem-se a instituição do funcionamento ininterrupto da função jurisdicional e a distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição.

O CNJ

O CNJ é um órgão do Poder Judiciário que coordena, controla administrativamente e aperfeiçoa o serviço público de prestar a Justiça. Tem sede em Brasília/DF e atua em todo o âmbito nacional. Foi uma mudança de grande importância para o Judiciário brasileiro. Tal órgão possui como membros representantes dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, além de membros do Ministério Público, advogados e cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. É regulado pelo art.103-B da Constituição Federal, que indica as maneiras de formação de seus membros.

Dentre suas funções estão o zelo pela autonomia do Judiciário, busca pela observância do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, receber e conhecer de reclamações contra membros e órgãos do Poder Judiciário, dentre outras que podem ser sintetizadas no controle externo da atuação do Judiciário.

Nesse sentido, já se percebe a importância de tal criação. Muitos membros do Judiciário eram contra tal inovação. Mediante sua instituição é possível controlar as estatísticas de cada juízo pelo acesso de dados disponíveis no site do Conselho. Conforme o inciso VI do art.103-B da Carta Magna, ele pode “elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário”.

Além disso, o inciso VII do mesmo artigo informa que lhe compete “elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho (…)”. Esta proposta será encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, que remeterá a mensagem ao Congresso Nacional.

A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, que tem como Ministro-Corregedor o representante do Superior Tribunal de Justiça, exerce o controle disciplinar e promove a correta administração da justiça, buscando fazer com que os princípios constitucionais administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência sejam observados. Portanto, foi e está sendo de grande valia a atuação deste Conselho, uma vez que permitir e promover a transparência do Judiciário e procurar melhorar sua atuação podem fazer com que realmente o processo seja realmente justo, efetivo e célere.

Proporcionalidade dos juízes

A referida proporcionalidade prevista no inciso XIII do art.93 da Constituição não trouxe grandes avanços. Conforme já foi indicado com dados acima, a proporção de juízes não é suficiente para atender à demanda da população. No Estado do Piauí, por exemplo, já foi dito que são apenas 4 (quatro) magistrados para cada cem mil habitantes.

Funcionamento ininterrupto da justiça

Os juízes gozavam de 60 (sessenta) dias de férias, ocorrendo as chamadas férias coletivas, o que fazia com que nos meses de dezembro e julho não houvesse expediente forense. Com a introdução da EC nº 45 tornou-se vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de 2º grau (o que não abrange o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores). Além disso, quando não houver expediente forense, funcionarão juízes em plantão. Contudo, cabe ressalvar que a regulamentação desta matéria causa certa polêmica. Alguns doutrinadores dizem que as regras insculpidas no Código de Processo Civil sobre a matéria foram tacitamente revogadas, aplicando-se apenas aos tribunais superiores.

Já outros, como Costa Machado afirmam que se aplicam ainda, mas com ressalvas. Um exemplo disso é o fato de que a regra do art. 173 do CPC (“durante as férias e nos feriados não se praticarão atos processuais”) deve ser lida como “durante o recesso forense e nos feriados não se praticarão atos processuais” (MACHADO, 2006). O dispostos no art.174 do CPC (que trata dos processos que se processam durante as férias e não se suspendem pela superveniência delas), para Machado (2006) foi revogado por tal emenda constitucional, haja vista o desaparecimento das férias coletivas. Além disso, ele ressalva que somente os atos dos incisos do art.173 serão praticados, não correndo os respectivos processos durante as férias.

Art. 173 – Durante as férias e nos feriados não se praticarão atos processuais. Excetuam-se: I – a produção antecipada de provas; II – a citação, a fim de evitar o perecimento de direito; e bem assim o arresto, o seqüestro, a penhora, a arrecadação, a busca e apreensão, o depósito, a prisão, a separação de corpos, a abertura de testamento, os embargos de terceiro, a nunciação de obra nova e outros atos análogos. Parágrafo único O prazo para a resposta do réu só começará a correr no primeiro dia útil seguinte ao feriado ou às férias.

Distribuição imediata dos processos

Sua instituição não trouxe grandes avanços. Tentou-se evitar que os procedimentos ficassem um tempo demasiado junto ao distribuidor, fazendo com que a distribuição imediata já o direcione ao juízo competente. Contudo, se antes os processos demoravam muito na sala do distribuidor, hoje eles continuam com morosidade, o que aconteceu foi somente uma mudança de local. Agora, eles ficam estagnados junto ao próprio juiz em seu gabinete ou com a secretaria da vara.

A Tutela Antecipada e Mecanismos de Urgência

Com a edição de Lei nº 8952 de 1994 houve a introdução da antecipação de tutela no processo de conhecimento, previsão expressa do art.273 do CPC. Tem como requisitos o abuso de direito ou de defesa e o manifesto protelatório do réu, além de outros que serão indicados a seguir.

Um dos pontos visados por este mecanismo é evitar os efeitos maléficos que o tempo pode trazer para o objeto do processo. Assim, por meio de tal instituto a parte usufrui do direito de forma provisória sem que haja sentença, sendo concedida através de uma decisão interlocutória. É posta a favor do autor, que como Marinoni (2008) diz em seus estudos, é a parte que mais sofre com os efeitos do tempo do processo.

Com ela se realiza de imediato a pretensão, e não apenas se assegura, como ocorre com a cautelar. Além dos requisitos de manifesto propósito protelatório do réu e abuso de direito de defesa, existem os seguintes, conforme lição de Humberto Theodoro Júnior: “requerimento da parte, produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial, convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação da parte, fundado receio de dano irreparável e possibilidade de reversão da medida” (THEODORO JUNIOR, 2008).

Percebe-se então que sua criação contribuiu de maneira a construir um mecanismo comparado a uma válvula de escape para a morosidade do processo ordinário. Rompe-se a clara divisão entre processo de conhecimento e processo de execução, tudo para promover a efetividade do processo civil.

É sem dúvida uma das mais eficientes modificações que o Código de Processo Civil sofreu com o intuito de tornar mais efetiva a prestação da tutela jurisdicional. Se o processo ordinário é tão moroso que pode fazer com que o bem da vida pretendido pereça com o tempo, correto é conceder sua satisfação antes do provimento final do processo de conhecimento.

As leis nºs 11.277 de 2006 e 11.678 de 2008

A Lei nº 11.277/06 inseriu no ordenamento jurídico brasileiro os julgamentos de improcedência prima facie, já a Lei nº 11.678/08 introduziu os julgamentos de recursos repetitivos perante o Superior Tribunal de Justiça. Dentro do contexto deste estudo, tecer-se-á mais comentários com relação à primeira lei, haja vista que a segunda se refere a julgamentos em um tribunal superior.

Ambos os institutos são semelhantes no sentido de aderirem a um conceito vindo dos países do common law, em que o legislador valora os precedentes judiciais, dando importância para eles no julgamento de outras demandas.

Quanto ao julgamento de recursos repetitivos, está inscrito no art.543-C do Código de Processo Civil. Com ele, o Superior Tribunal de Justiça ao se deparar com multiplicidade de recursos que apresentam questões de direito idênticas, admite um ou mais deles que irão representar tal demanda e os julgará, suspendendo os demais até o julgamento dos admitidos. Tem a clara missão de desafogar o STJ, com a utilização de um julgamento único de processos que possuem identidade de direito. Como fora introduzido em 2008, seus reflexos ainda estão sendo esperados, mas as perspectivas são boas. Uma crítica que a doutrina faz é que tal instituto suprime a garantia do contraditório e da ampla defesa.

A Lei 11.277 de 2006 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o art.285-A do Código de Processo Civil, que trata dos julgamentos de improcedência prima facie de ações repetitivas, quando “a matéria for unicamente de direito (ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência, segundo entendimento jurisprudencial) e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”, sendo que “poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada” (art.273).

Houve certa crítica em relação à supressão do contraditório e da ampla defesa, assim como foi dito a respeito do art.543-C do CPC. Fala-se que não se pode admitir que haja um julgamento de improcedência sem que seja feita citação do réu. Mas, como se sabe, tal indeferimento inicial beneficia o réu. Sua citação seria infrutífera, haja vista que já houve um julgamento de total improcedência da ação interposta pela outra parte. Sua esfera de direitos está preservada. Contudo, este não é o entendimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que adentrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.995/DF) visando a retirada do art.285-A do CPC.

Luis Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart apontam uma relação entre da ideia promovida por estas leis e a que adveio com a inserção do parágrafo do art.518 do CPC pela mesma Lei 11.277 de 2006, conforme explanação a seguir:

Mas há também outra modificação do CPC, realizada pela Lei 11.276/2006, que, acrescentando parágrafo ao art.518, afirma que o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. A relação entre as normas dos artigos 285-A e 518, §1º é visível. Ambas aludem a demandas repetitivas. A primeira se preocupa em racionalizar a administração da justiça diante dos processos que repetem teses consolidadas pelo juiz de primeiro grau ou pelos tribunais. A segunda objetiva impedir o prosseguimento do processo nas hipóteses em que há súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Tais normas se destinam a dar proteção aos direitos fundamentais de ação e à razoável duração do processo (ARENHART; MARINONI, 2007).

Conforme já dito pelos autores, a introdução de tais normas visam a proporcionar que a duração razoável do processo se efetive. Mas, segundo entendimento doutrinário compartilhado por Elpídio Dozinetti, “a celeridade não pode aniquilar outras garantias das partes, sob pena de não representar efetividade, ou, no máximo, uma efetividade malsã, que só visa o resultado” (DONIZETTI, 2007, pg.296).

A criação dos Juizados Especiais Cíveis

Após a Constituição Federal de 1988, uma das grandes mudanças que ocorreram na legislação foi a criação dos Juizados Especiais, principalmente no âmbito desta pesquisa, dos Juizados Especiais Cíveis para julgamento de causas até 40 (quarenta) salários mínimos. O próprio art.2º da Lei 9099/95 informa que um dos princípios norteadores será o da celeridade, sempre visando a conciliação e a transação, institutos que provocam a solução ágil do litígio.

A fim de que o processo seja realmente ágil, restringiu o procedimento às causas de menor complexidade, que não necessitam de perícia e não permite-se a citação por edital. Um dos mecanismos utilizados para a aceleração do procedimento é a conciliação prévia das partes, onde mediante um acordo as partes podem por fim ao litígio sem ter de esperar a demorada marcha processual do procedimento comum. Além disso, os conciliadores podem ser bacharéis em direito (nos dias atuais é usual que estagiários de direito voluntários realizem as audiência de conciliação) e juízes leigos, sendo que estes devem ser bacharéis em direito com mais de cinco anos de experiência. Ressalve-se que tal tentativa de conciliação é pressuposto necessário para que se possa adentrar à fase de instrução e julgamento. Além da conciliação, há a previsão da possibilidade do juízo arbitral, onde “as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei”(art.24).

Marinoni e Aranhart falam ainda que a participação de “leigos” na condução da audiência de conciliação e na arbitragem (o árbitro será escolhido dentre os juízes leigos), acaba “significando participação popular, além de contribuir para a educação cívica, atende à necessidade de legitimação democrática da administração da justiça” (ARENHART; MARINONI, 2007, pg.700). Além disso, ressalvam que:

Os vários problemas que marcam a administração da justiça e a tomada de consciência de que o que importa é a pacificação social – e não a forma através da qual ela é obtida -, levaram à retomada da arbitragem e da conciliação como formas alternativas à solução de litígios. Além disso, como já foi visto, o próprio processo, como técnica, passa por uma “deformalização”, procurando-se via menos formal e mais rápida e econômica para atender às pessoas que têm dificuldades de recorrer ao Poder Judiciário pelas mais diversas razões, dentre as quais se sobressai a questão do custo do processo, da lentidão da tutela jurisdicional e da inadequação dessa tutela para as diferentes espécies de direitos (ARENHART; MARINONI, 2007).

A respeito dos recursos, as decisões interlocutórias não podem ser recorridas (com exceção daquelas que podem gerar danos irreparáveis de direito). Uma forma de desestimular a instauração de recursos contra as sentenças é o fato de que em segundo grau as partes devem necessariamente estar assistidas por advogados e, diferentemente do primeiro grau, devem pagar as despesas (incluídas as de primeiro grau que foram isentas), além disso, se o recorrente for vencido tem de pagar honorários advocatícios. Caso transite em julgado a decisão do Juizado, não cabe a interposição de ação rescisória.

Dessa forma, percebe-se que o procedimento do Juizado Especial Cível é todo voltado para a prestação célere da justiça. Contudo, o que se verifica na atualidade é sua incompetência em proporcionar uma justiça rápida para a população. A informalidade e a oralidade pregadas não são mais vistas como meios de se findar a morosidade, mas sim como descaso.

Em Uberlândia, por exemplo, a morosidade, a falta de estrutura e funcionários foram temas de um debate ocorrido em 16 de Outubro de 2010, que contou com a presença de juízes do Juizado Especial de Uberlândia, o Coordenador dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Minas Gerais e o Presidente da Ordem dos Advogados de Uberlândia, Dr. Egmar Souza Ferraz. Segundo este:

A estrutura física do Juizado Especial é problemática. Não há espaço nas mesas. Os funcionários já estão praticamente escondidos atrás das pilhas de processos. Na avaliação da OAB Uberlândia seria necessário no mínimo aumentar para seis o número de juízes, além de fazer um mutirão para tentar diminuir a quantidade de processos acumulados (JUIZADO Especial…, 2010).

Em outubro de 2010, segundo o Presidente da OAB/Uberlândia, eram mais de 30.000 (trinta mil) processos paralisados no Juizado de Uberlândia. Dentre as mudanças propostas, estão: a procura por juízes das comarcas do Triângulo Mineiro que possam colaborar com pelo menos dois dias da semana, além do envio para juízes substitutos de processos que aguardam apenas sentença para que possam ser sentenciados e também a procura por estagiários provisórios, a famosa “mão-de-obra” barata, muito comum na atualidade, dada a falta de orçamento e a prontidão com que os estudantes de direito se oferecem para executar os serviços.

O Anteprojeto do novo Código de Processo Civil

Durante a consecução deste trabalho surgiu uma questão de extrema relevância para este estudo, que foi a criação do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil, sendo que dado o pacto assinado pelos três Poderes para dar celeridade à justiça, deve ter sua aprovação feita de maneira rápida.

Uma das mudanças que visam dar celeridade processual é a instauração do instituto da “resolução de demandas repetitivas”, inspirado no direito alemão, que consiste em se identificar processos que contenham a mesma questão de direito e que ainda estejam em primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.

O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes. É instaurado perante o Tribunal local, por iniciativa do juiz, do MP, das partes, da Defensoria Pública ou pelo próprio Relator. O juízo de admissibilidade e de mérito caberão ao tribunal pleno ou ao órgão especial, onde houver, e a extensão da eficácia da decisão acerca da tese jurídica limita-se à área de competência territorial do tribunal, salvo decisão em contrário do STF ou dos Tribunais superiores, pleiteada pelas partes, interessados, MP ou Defensoria Pública. Há a possibilidade de intervenção de amicus curiae. O incidente deve ser julgado no prazo de seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos, salvo os que envolvam réu preso ou pedido de habeas corpus (CÓDIGO de Processo…, 2010, pg.22).

Outra mudança é o fato de que os elaboradores do anteprojeto partiram da idéia de que a “satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criadas e não imposta pelo juiz” (CÓDIGO de Processo…,2010, pg.22). Assim, como regra, haverá uma tentativa de conciliação prévia das partes antes mesmo da contestação do réu, nos moldes do que já ocorre nos Juizados Especiais.

Ampliou-se também as possibilidades de satisfação antecipada do direito:

O Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano (CÓDIGO de Processo…, 2010, pg.22)..

CONCLUSÃO

Por muito tempo a doutrina brasileira e os legisladores tiveram a falsa crença de que as mudanças legislativas seriam a melhor maneira de tornar a justiça brasileira célere e consequentemente eficaz. Assim, diversas modificações foram feitas no Código de Processo Civil e na Constituição Federal.

Contudo, graças aos estudos que foram feitos a partir das modificações advindas com o fito de proporcionar celeridade processual, percebeu-se que elas não surtiram tantos efeitos benéficos como os planejados. Como exemplo, tem-se a instituição dos Juizados Especiais Cíveis, que na teoria seriam um grande avanço para a sociedade, principalmente para as camadas mais pobres da população, mas que na prática tornou-se no jargão popular um “elefante-branco” da justiça brasileira. Tudo isso pela sua ineficiência na solução rápida dos litígios e pela falta de garantias processuais para as partes, que vêem a falta de formalidade e a simplicidade como um descaso.

Em termos gerais, as mudanças também receberam críticas pelo de fato de muitas vezes aniquilam garantias dadas às partes do processo. Nessa linha de pensamento, surgiu a dúvida: até que ponto tantas modificações podem trazer celeridade sem prejudicar o próprio conceito de devido processo legal? Assim, chegou-se à conclusão de que não se pode pensar no processo como um fim em si mesmo, mas sim como o meio de pacificação social e resolução de conflitos. Nem sempre a simples rapidez conduzirá à efetividade, principalmente se estiver mais atrelada à precipitação.

De pronto, tem-se que a maior mudança a ocorrer é estrutural. Não basta se modificar a legislação se não se tem juízes e funcionários em número suficiente para a prestação efetiva e célere da justiça.

Por isso, a criação do Conselho Nacional de Justiça em 2004 trouxe efeitos positivos e pode trazer ainda mais se o foco de sua atuação for a melhoria da gestão organizacional da Justiça brasileira. Através deste tipo de mudanças, até mesmo os debates sobre a dicotomia entre segurança jurídica e celeridade processual serão desnecessários, pois mudanças legislativas que retiram garantias das partes não terão mais que ser feitas. Apesar disso, conforme explanado acima, durante a consecução deste trabalho surgiu o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, o que faz pensar se realmente a crença da mudança apenas na legislação foi realmente superada.

REFERÊNCIAS

Obras Citadas

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luis Guilherme. Processo de Conhecimento. 6ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

CALMON, Petrônio; CARNEIRO, Athos Gusmão. Bases Científicas para um renovado Direito Processual. 2ªed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009.

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo, DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 22ªed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de Aceleração do Processo. São Paulo: Editora Lemos & Cruz, 2003.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 5ªed. São Paulo: Manole, 2006.

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Sites Citados

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Vilas-Bôas, Renata Malta. A forma de efetivação do princípio da celeridade mediante a coibição do abuso processual. Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 30 de julho de 2009. HTTP < http://jusvi.com/artigos/41205/3>. Acesso em 15 de Maio de 2010.

Obras Consultadas

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Sites Consultados:

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Rodrigo Dos Santos Ribeiro

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