Verdade, história e direitos fundamentais: uma análise da partir das exigências do constitucionalismo moderno

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INTRODUÇÃO

“Este livro é resultado de minha pesquisa e representa, portanto, A MINHA VERDADE”. Tal frase, retirada do livro “Holocausto Judeu ou Alemão? – nos bastidores da MENTIRA DO SÉCULO”, de autoria e edição do paciente do Habeas Corpus n.º 82.424, foi citada pelo Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Carlos Ayres Britto, para fundamentar seu voto, quanto ao mérito da questão, entendendo o mesmo que não haveria que se falar em crime de racismo no caso citado, já que as obras editadas possuiriam caráter eminentemente histórico, ou seja, caracterizar-se-iam como trabalhos científicos, baseados em ampla coleta de dados e em atividade investigatória, restando aos cidadãos, como única alternativa, a discordância quanto à nova versão dos fatos apresentadas, mas não o impedimento da divulgação de tais informações.

Ressalte-se que o Ilustre Ministro entendeu pela inexistência do racismo baseando-se não somente no caráter científico dos livros editados, mas no fato de que o conteúdo dos mesmos não seria discriminatório, já que os judeus não são apresentados como uma sub-raça, mas sim como um povo eleito, como seres humanos superiores.

Para compreendermos o sentido e as implicações da frase citada, mais especificamente da expressão “minha verdade”, cabe transcrever a seguinte passagem:

“Nas Teses de filosofia da história, Benjamin falou da ‘história dos vencedores’: só do ponto de vista desses o processo histórico aparece como um curso unitário, dotado de consequencialidade e racionalidade; os vencidos não podem vê-lo assim, mesmo e sobretudo porque seus fatos e suas lutas são violentamente eliminados da memória coletiva. Quem administra a história são os vencedores, que conservam apenas o que se coaduna com a imagem que dela fazem para legitimar seu poder.” (VATTIMO, 2002: XIV-XV)

Esse trecho, que tipicamente expressa um pensamento pós-moderno1, segundo o qual não existiria uma história unitária, sendo que poderíamos falar somente em “estórias”, em diversos modos de visualização de um mesmo passado, foi basicamente o argumento utilizado pelo paciente do HC 82.424 como justificativa para o chamado “revisionismo histórico”.

O Ministro Carlos Ayres Britto, conforme relatamos acima, entendeu caracterizado o caráter meramente científico das obras em questão, já que teriam sido baseadas em ampla e objetiva investigação, com consulta, por exemplo, a livros, documentários, artigos, periódicos, revistas, fotos, mapas e jornais. O alegado intuito da mencionada pesquisa histórica seria proceder à reabilitação da imagem do povo alemão, que teria sido colocado como algoz na história escrita pelos vencedores da Segundo Guerra Mundial, quais sejam, os judeus. Tratar-se-ia de outra abordagem dos fatos, tendo em vista que a verdade histórica não pode ser monopolizada, cabendo o julgamento aos leitores, ou seja, o que se estaria resguardando com a concessão do Habeas Corpus é o livre curso das idéias, a liberdade de expressão e de convicção política, já que não teria havido qualquer abuso no presente caso.

A princípio, cabe questionarmos a alegada cientificidade dos livros editados, na medida em que nos parece um pensamento simplista a aceitação de qualquer leitura de nosso passado como consequência lógica da crítica à racionalidade. Se a crença iluminista na razão não pode ser mais sustentada na medida em que descobrimos que há uma implicação cognitiva do sujeito que conhece em seu objeto de estudo2, ou seja, que qualquer descrição da realidade caracteriza-se como produção da mesma, será que devemos abdicar a todo critério de definição de verdade, admitindo assim que toda construção da realidade é tão aceitável quanto qualquer outra? Em outros termos, se o discurso histórico aproxima-se do narrativo, na medida em que a linguagem descritiva constitui o que ela própria descreve, então não há como definirmos uma narrativa como privilegiada?

Se a crítica à apregoada objetividade científica, e a correlata neutralidade do observador, foi um mérito que pode ser atribuído, em certa medida, a pensadores pós-modernos, será que a conseqüência de tais questionamentos tem que ser, necessariamente, um relativismo total que admitiria qualquer análise dos fatos como legítima? Se realmente a história pode ser fruto de ideologias, expressando normalmente a visão dos vencedores, já que toda observação é sempre comprometida, parcial, será então que tal constatação levaria necessariamente à “falsidade”, à ausência de credibilidade de toda a análise histórica até então construída? Teríamos assim que aceitar como válida qualquer reconstrução de nosso passado?

Historiadores marxistas refutam os excessos de subjetividade que esse pensamento relativista implica, ressaltando que não se pode negar a realidade objetiva, pois acreditar que os “fatos” sejam meras construções de nossas mentes conduz-nos a taxar de positivista qualquer postura a favor das evidências. O que é relativo é o modo como se interpretam os fatos ou até mesmo como os próprios atores sociais enxergam os acontecimentos, tal como trabalha a história das mentalidades, mas sem uma amostra verificável de dados não é possível fazer história. Nesse sentido, mostra-se instrutiva a análise de Hobsbawm sobre as modas intelectuais pós-modernas na academia ocidental, principalmente nos departamentos de literatura e antropologia, que partem do pressuposto de que os “fatos” não passariam de uma construção intelectual, ou seja, de que não haveria distinção entre fato e ficção.

Mas existe, e para nós, historiadores, inclusive para os antipositivistas mais intransigentes, a capacidade de distinguir entre ambos é absolutamente fundamental. Não podemos inventar nossos fatos. Ou Elvis Presley está morto ou não. A questão pode ser resolvida inequivocamente com base em evidências, na medida em que se disponha de evidências confiáveis, o que, às vezes, é o caso. Ou o governo turco atual, que nega a tentativa de genocídio dos armênios em 1915, está correto ou não. A maioria de nós não consideraria como discurso histórico sério uma negação desse massacre, embora não haja nenhuma maneira igualmente inequívoca de escolher entre modos diferentes de interpretar o fenômeno ou de enquadrá-lo no contexto mais amplo da história” (HOBSBAWM, 1998:18). (Grifos Nossos)

Partindo desses pressupostos, resta-nos perguntar: é plausível uma análise histórica que nega que seis milhões de judeus foram mortos em campos de concentração? Ou seja, que o holocausto foi de judeus, e não de alemães. Se, como vimos acima, a história parte de evidências, a negação destas em livros revisionistas permite caracterizá-los como científicos, historicamente falando? Podemos afirmar que houve “objetiva análise dos fatos, ações, eventos e personalidades”? Tal como ocorre em um processo judicial por assassinato, o historiador acima citado nos recorda que um acusado inocente se valerá sempre das evidências para provar sua não concorrência na prática do crime. “São os advogados dos culpados que recorrem a linhas pós-modernas de defesa” (HOBSBAWN, 1998:9).

Seguindo essa mesma linha, até porque se trata também de um historiador marxista, cabe fazer referência ao pensamento de Adam Schaff, o qual, após trabalhar a distinção entre positivismo e presentismo históricos, adota uma terceira via que não despreza a história como um processo objetivo, mas também não cai na ingênua convicção da possibilidade de um conhecimento unicamente passivo. Segundo a concepção positivista, o processo histórico seria objetivo, sendo que o conhecimento sobre o mesmo seria obtido sem qualquer interferência daquele que observa em seu objeto de estudo, isto é, os fatos coletados. O saber assim obtido refletiria o mundo tal como ele é, ou seja, sem qualquer influência da subjetividade. O presentismo, por sua vez, ao levar em conta o condicionamento social daquele que conhece, acaba por desconsiderar os dados objetivos, sendo a história entendida como reflexo dos pensamentos presentes dos sujeitos que observam.

“A história é o presente projetado sobre o passado, o que significa que os interesses e as necessidades atuais determinam o campo e o modo de visão do historiador: desde a questão de saber o que é para ele um fato histórico, o modo como o interpreta e o julga, até à percepção global do processo histórico.” (SCHAFF, 1978:132)

O presentismo é assim identificado com o relativismo, na medida em que este é entendido como a vinculação da verdade com as circunstâncias de tempo e lugar. Já que a análise histórica depende sempre de um presente mutável, pode-se dizer relativa toda afirmação científica realizada pelos historiadores ditos presentistas.

A questão que surge aqui é que, apesar de sabermos que só podemos analisar o nosso passado a partir do presente, pois não podemos abdicar de nós mesmos ao realizarmos qualquer estudo, será que essa inserção histórico-social do observador conduz incondicionalmente ao desprezo dos fatos, como se eles fossem fruto de nossas próprias mentes? É claro que nossas exigências do presente sempre influenciam a nossa abordagem do passado, mas será que sempre estaríamos criando, a partir do momento atual, o passado? Na verdade, será que desse modo poderíamos ainda falar em passado, caso ele fosse somente fruto das aspirações presentes? O que fazemos, no presente, é sempre relermos o nosso passado comum, as nossas tradições, para refutarmos aquelas que entendemos não mais aceitáveis na atualidade. Mas será que isso pressupõe a negação da “objetividade” do passado? Toda essa reflexão nos leva ao próprio papel da história, sendo que por esta não se vincular mais à enumeração de fatos e ao estabelecimento de relações causais entre os mesmos, mas voltar-se para a análise da autocompreensão dos próprios atores sociais, ou seja, por trabalhar com as tradições passadas que, de alguma forma, ainda se encontram presentes, o historiador não necessita, para tanto, desprezar a realidade objetiva. Apesar de serem as versões dos fatos que interessam, poderíamos dizer que o passado pode ser reconstruído seja com a alteração do entendimento sobre um fato já enunciado, seja através da descoberta de novas singularidades até então ocultadas.

Nesse sentido, os indivíduos partem de um pressuposto pragmático que seria o mundo objetivo, mas cabe dizer que o próprio mundo não é apreensível por si mesmo, pois os fatos são construções, são afirmações aceitas sobre os eventos, afirmações estas que partem de evidências que podem ser apresentadas como razões para que as pessoas aceitem tais fatos como “verídicos”; nessa linha, devemos afirmar que os fatos e as interpretações dos mesmos dependem sim das exigências do presente, já que é na atualidade que tais descrições serão potencialmente aceitas ou não, mas não se pode a partir daí adotar uma postura relativista segundo a qual qualquer análise atual do passado seria admissível, condicionando a veracidade de tais descrições somente às circunstâncias de tempo e lugar em que são realizadas. Se sempre são feitas reconstruções, as mesmas devem ser passíveis de serem mantidas através de motivos racionais aceitos contrafactualmente por todos, ou seja, nem todas as releituras têm força suficiente para se manterem frente às críticas que lhes podem ser encaminhadas.

Os indivíduos, dessa forma, podem formular novos olhares sobre sua tradição, julgando-a a partir das exigências do presente, o que significa qualificar como culposo ou inocente um fato ou comportamento do passado partindo sempre de sua autocompreensão na atualidade3; assim, se entendemos como criminoso o massacre de judeus pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, é porque isso reflete os ideais normativos que compartilhamos hoje, ou seja, demonstra que temos como padrão de julgamento a idéia contrafática de que somos todos livres e iguais, o que proíbe qualquer tipo de discriminação.

Nesse sentido, se sempre partimos do pressuposto de que não há seres humanos superiores ou inferiores, já que todos somos iguais por nascimento, não seria racista uma leitura de nosso passado, como a realizada pelo paciente do Habeas Corpus em questão, que coloca os judeus como um “povo eleito e, portanto, superior aos demais? Nossa autocompreensão atual não admite mais uma hierarquização social, seja de raças, gênero ou de qualquer outra espécie. O próprio surgimento de uma carga negativa quando são atribuídas aos judeus características consideradas positivas pela sociedade moderna, como possuir riqueza social, demonstra o racismo implícito na qualificação dos mesmos como “superiores”.

Como nos lembra Sartre,

“[O] anti-semita reconhece de bom grado que o judeu é inteligente e trabalhador; confessar-se-á até inferior a êle sob êste aspecto. Tal concessão não lhe custa muito: pôs estas qualidades entre parêntesis. Ou melhor, elas auferem seu valor de quem as possui: quanto maior as virtudes do judeu, mais perigoso será.” (SARTRE, 1965:15)

Não haveria, por detrás dessa alegada superioridade um preconceito contra tais cidadãos? O próprio Ministro Carlos Ayres, ao analisar o inciso IV, artigo 3.º, da Constituição Federal de 1988, que coloca como sinônimos discriminação e preconceito de raça, assim define o significado de tais termos: “Aqui, discriminação é diferenciação em um único e inequívoco sentido: aquele tipo de diferenciação que marca ou isola negativamente certas pessoas. Que diminui a auto-estima delas. Que faz incidir sobre elas um juízo depreciativo, aprioristicamente formulado. Porque traduzido num pré…conceito! (fls.823 dos autos em análise). Não seria o caso de problematizar tal idéia preconcebida?

O esclarecimento sobre o que seja o “preconceito” faz-se então necessário não somente porque o racismo toma sua forma, na medida em que se expressa através de uma naturalização ocorrida na sociedade, mas também porque tal conceito nos remete à idéia de verdade que será essencial para entendermos porque aceitamos ou refutamos determinadas leituras de nosso passado, bem como porque não podemos estabelecer o sentido dos termos constitucionais unicamente através da análise do “vocabulário comum do povo”, tal como pretendeu o douto Ministro Carlos Aires Britto.

Em seu famoso livro “Verdade e Método”, Gadamer se propôs a combater a restrição do conceito de verdade ao ramo científico dominado pelo método cartesiano, segundo o qual o conhecimento é alcançado através de um processo de objetivação, de alienação do sujeito. Partindo da análise da experiência da arte, tal como ela foi pensada por Kant ao realizar a Crítica do Juízo Estético, Gadamer procurou descobrir a verdade intrínseca a tal experiência, verdade esta que fugiria à determinação conceitual existente nas ciências naturais, para a partir daí esclarecer o objeto das ciências do espírito. Kant, ao desconsiderar a possibilidade de demonstração e argumentação na experiência estética, desacreditando qualquer conhecimento teórico para o ramo da arte, direcionou as ciências do espírito a procurarem a sua autofundamentação nas ciências naturais, mas ao mesmo tempo abriu-lhes um caminho secundário, o do momento artístico, o da empatia. Foi justamente esse caminho secundário que Gadamer seguiu para abrir novas perspectivas de autoconstrução das ciências do espírito, buscando na arte a certificação de que existe verdade em experiências de não estranhamento, ou seja, em experiências onde o sujeito não se encontre totalmente alheio ao seu objeto de estudo.

Mi ensayo se sumó a la continuación filosófica de la herencia del romanticismo alemán por Dilthey, porque adoptò como tema la teoría de las ciencias del espiritu; pero le dio un fundamento nuevo y mucho más amplio: la experiencia del arte contrarresta el extrañamiento histórico de las ciencias del espíritu, con la pretensión cumplida de simultaneidad que les es propia.”4 (GADAMER, 1994:225) (Grifos Nossos)

Após constatar que a obra de arte levanta uma pretensão de verdade e que esta verdade está relacionada com a comunidade em que vivemos, pois a arte só é arte se tem algo a nos dizer, e não se satisfaz às regras estéticas elaboradas pelos estudiosos e referendadas pelos críticos, Gadamer funda uma nova compreensão das ciências do espírito, baseando-se nessa experiência de simultaneidade presente no momento artístico. Nesse sentido, podemos dizer que o senso comum, de onde retira o Ministro Carlos Ayres Britto o significado da palavra “prática” presente tanto na lei que baseou a condenação, punindo esta a prática, o induzimento e a incitação do racismo, quanto no inciso XLII, artigo 5.º, da Constituição Federal de 1988, preceito este que estabelece a imprescritibilidade da prática do crime de racismo, possui um papel a desempenhar na definição das normas constitucionais, na verdade, esse horizonte de sentidos compartilhados é essencial para que nos entendamos uns com os outros em sociedade. Mas será que poderíamos procurar o sentido dos termos constitucionais unicamente a partir dos significados não problematizados?

Por sermos seres hermenêuticos, ou seja, por estarmos inseridos numa tradição, num conjunto de sentidos já sedimentados, nós herdamos de nossos antepassados essas idéias preconcebidas que possibilitam que nos entendamos uns com os outros, mas dentre elas recebemos preconceitos não legítimos como aqueles caracterizadores do racismo. É justamente a linguagem do dia-a-dia que permite que possamos utilizar a expressão “judiar” como sinônimo de fazer mal a alguém, sem sequer termos consciência da discriminação que estamos a realizar quando assim procedemos. Nesse sentido é que criticamos a identificação, realizada pelo douto Ministro Carlos Ayres, dos termos constitucionais com o “linguajar corrente da população”, pois há um esquecimento de que também existe um segundo momento no entendimento entre os indivíduos, que seria aquele do estranhamento, aquele onde nos deparamos com o diferente e problematizamos toda essa herança naturalizada.

Nessa linha, Habermas, apesar de admitir a dimensão hermenêutica como condição de possibilidade de todo conhecimento, e não como um limite ao mesmo como pretendiam os iluministas, ainda confere grande relevância, tal como estes, ao poder emancipatório da razão, pois a uma tradição se pode dizer sim ou não, ou seja, a descoberta de que o horizonte de sentidos compartilhados é a base do entendimento não significa que o indivíduo está adstrito a tal conjunto de sentidos, ao contrário de uma reabilitação dos preconceitos, o que Habermas ressalva no pensamento racional é justamente o questionamento e a possibilidade de refutação dessa tradição que nos constitui, demonstrando assim que vivemos em uma tensão constante entre a faticidade da substancialidade que nos é superior, e a validade que deriva do princípio do discurso, da possibilidade de problematizarmos a legitimidade ou não dos preconceitos.

Assim, o que Habermas se propõe ao analisar a competência comunicativa dos falantes é tornar explícito um saber intuitivo de regras que todos nós possuímos, saber este que possibilita a nossa compreensão do mundo. A questão que se coloca em evidência com a virada pragmática da linguagem, isto é, com a radicalização do giro hermenêutico, que se caracteriza pela mediação lingüística de todo conhecimento, é que o conhecimento que temos dos objetos no mundo apresenta-se como um saber consensual, como uma verdade construída na intersubjetividade5. Não seria mais plausível, portanto, pensarmos a verdade como a correspondência entre proposição e realidade, na linha da concepção ontológica de verdade. Por isso não podemos falar em fatos reais, já que toda “realidade” é uma construção do observador mediada pela linguagem. Mas nem por isso podemos admitir qualquer afirmação sobre a “realidade”. Para a pragmática formal uma afirmação sobre um objeto é verdadeira quando a pretensão de validade levantada pelo falante é aceita pelo ouvinte, ou seja, a ênfase volta-se para o como se diz, e não somente para o que é dito6. Nesse sentido é que afirmamos que nem toda leitura de nosso passado é aceitável, pois mesmo a pretensão de rever os fatos históricos só é sustentável na medida em que tal releitura se apoie em um consenso presente. Ousaríamos dizer, assim, que a verdade histórica é fruto de um acordo intersubjetivo, e não a MINHA VERDADE.

Habermas distingue assim a aceitação da aceitabilidade racional, pois entende que somente é válido um acordo quando as pretensões de validade apresentadas pelo falante são potencialmente aceitas pelo ouvinte ou, em outros termos, quando as justificativas que poderiam ser apresentadas pelo falante são passíveis de serem aceitas racionalmente pelos demais participantes do processo argumentativo. Por isso é que ressaltamos que nem todas as releituras de nosso passado são possíveis, mas somente aquelas para as quais podem ser apresentadas boas razões, sendo que estas podem estar baseadas em evidências fáticas.

Cabe fazer um pequeno parênteses para apresentar o entendimento de um grande pensador, Reinhart Koselleck, que em uma palestra em 16 de fevereiro de 1985, na Universidade de Heidelberg, discursou sobre os limites da hermenêutica para a história. Haveria nesse ramo científico um espaço extralingüístico que provocaria a produção de sentidos e o surgimento de textos, espaço este que falaria involuntariamente por meio dos textos que o documenta.

“É interessante, contudo, que Koselleck encerre sua palestra com a distinção feita por Gadamer entre, de um lado, o jurista, o teólogo e o filósofo e, de outro, o historiador. Ao contrário dos três primeiros, para os quais a matéria dos textos permanece subordinada à atualização lingüística, explica Koselleck, o historiador faz uso de textos principalmente para chegar a uma realidade que está fora deles. Mais do que outro exegeta, ele tematiza a matéria externa ao texto, ainda que só consiga constituir sua realidade com meios lingüísticos” (ALBERTI, 1996:19).

Esse espaço extralingüístico seria então o mundo objetivo, o qual já abordamos anteriormente, mas o que importa aqui é ressaltar que esse espaço entra na construção da verdade histórica, não sendo possível a aceitabilidade de análises de nosso passado que desconsiderem, por completo, as evidências, mesmo que estas somente possam ser apreendidas através da linguagem, isto é, mesmo que os fatos também sejam como que “realidades construídas”, já que não podemos ter acesso ao mundo em si.

Nesses termos, saber se os termos constitucionais são técnicos ou se são reflexos da linguagem usual revela-se uma discussão desnecessária, pois a própria Constituição não pode ser identificada com palavras colocadas em um livro, indo muito além, sendo assim um processo constante de construção de identidade onde os destinatários das normas também ocupam o lugar de intérpretes das mesmas. Não é a Constituição, dessa forma, nem um trabalho restrito a especialistas nem um horizonte de sentidos já consolidados, ela está em constante formação, sendo um projeto aberto para o futuro, onde se procura cada dia realizar mais inclusões mesmo sabendo-se que exclusões necessariamente virão. A possibilidade de uma igualdade na diferença, que surgiu com o fim dos privilégios feudais e com o próprio constitucionalismo, não pode assim ser entendida como algo dado, tratando-se de uma tensa construção a ser realizada quotidianamente. Somente assim podemos entender o fenômeno da escravidão ter sobrevivido na ordem constitucional norte-americana pós-revolucionária, ou na sociedade imperial brasileira regida pela Constituição de 1824. A ênfase deve voltar-se para a capacidade dos cidadãos de operarem novas inclusões, ou seja, de reverem permanentemente sua identidade constitucional. A própria legitimidade do processo constituinte deve ser entendida a partir dessa possibilidade de inclusões futuras, de que as sucessivas gerações possam colocar-se como livres e iguais na definição dos direitos que desejam para regular suas vidas, nesse sentido é que Habermas diz:

“(…) uma constituição que é democrática, não somente de acordo com seu conteúdo, mas também de acordo com a fonte de sua legitimação, constitui um projeto capaz de formar tradições com um início marcado na história. Todas as gerações posteriores enfrentarão a tarefa de atualizar a substância normativa inesgotável do sistema de direitos estatuído no documento da constituição (…) É verdade que essa continuação falível do evento fundador só pode escapar do círculo da autoconstituição discursiva de uma comunidade, se esse processo, que não é imune a interrupções e a recaídas históricas, puder ser interpretado, a longo prazo, como um processo de aprendizagem que se corrige a si mesmo.” (HABERMAS, 2003a:165)

Para finalizar toda essa digressão que realizamos a partir de pontuações levantadas pelo douto Ministro em tela, quando do seu voto, cabe retomarmos algumas questões trabalhadas com o intuito não de darmos respostas acabadas, mas sim de oferecermos argumentos para discussão. A “MINHA VERDADE”, palavras constantes da frase do livro tido como “revisionista”, frase transcrita no início deste artigo, é sempre passível de ser criticada, sendo somente aceita quando as pessoas encontram razões suficientes para justificá-la racionalmente. A pergunta é se podemos aceitar essa exteriorização de uma verdade pessoal, quando a mesma discrimina outros cidadãos. Se um indivíduo, hipoteticamente, tem como convicção pessoal a crença de que os negros não são dotados de capacidade intelectual, pelo fato deles preponderantemente terem prestado serviços braçais, será que uma tal exteriorização não se caracterizaria como racista? Seria tal divulgação de idéias, mesmo que possuísse “bases científicas”, compatível com os direitos fundamentais, com a nossa autocompreensão constitucional?

Se, no caso do Habeas Corpus ora em análise, se trata de uma leitura histórica “séria”, ou seja, se está configurada uma releitura de nosso passado que possa ser chamada de científica, temos relevantes dúvidas. Se essa nova visão dos fatos é passível de ser aceita na sociedade atual, partindo das exigências normativas trabalhadas anteriormente, devemos dizer que, como constitucionalistas, encontramos dificuldades em não qualificar como racista, segregacionista, uma leitura que coloca seres humanos como superiores a outros, sejam eles judeus ou alemães, negros ou brancos, ainda que para um pretenso “elogio”. Partindo então da autocompreensão normativa que possuímos, da crença de que somos todos livres e iguais, não podemos aceitar uma análise “dita” científica que nega os próprios pressupostos através dos quais nos guiamos, ou seja, que, através da afirmação da liberdade de expressão das idéias, acaba indo contra a própria noção de Constituição, pois retira dos desqualificados pela análise a dignidade de cidadãos.

Ao tratar da tolerância, mais especificamente da religiosa, Habermas expressamente admite que ela possui limites, limites estes que seriam nada mais do que o próprio reconhecimento recíproco de direitos, ou seja, o constitucionalismo. A tolerância significaria assim a discordância cognitiva entre os cidadãos, isto é, a recusa, fundada em razões, às pretensões de verdade levantadas pelos membros da comunidade jurídica, sendo que a não aceitação das visões de mundo pelos participantes do discurso não levaria ao aniquilamento do diverso, já que estaria pressuposta a configuração de uma comunidade jurídico-política que permite a coexistência de antagônicos projetos de vida. Essa comunidade jurídico-política pode conviver com distintas concepções de bem por não se identificar com nenhuma delas7, estabelecendo unicamente os requisitos normativos que todos devem reconhecer para fundar uma tal igualdade na diferença. Poderíamos dizer então que só podemos falar em tolerância quando partimos de um reconhecimento geral de todos como membros dessa associação regulada pelo direito.

De tolerancia sólo se puede hablar si los implicados apoyan su rechazo sobre una diferencia cognitiva racionalmente persistente entre convicciones y actitudes. Manifiestamente no todo rechazo es en este sentido racional: “Cuando alguien rechaza a personas de color de piel negro no debemos exhortalarlo a una ‘tolerancia frente a los de aspecto distinto’…puesto que en ese caso aceptaríamos su prejuicio como un juicio ético, que es similar al rechazo de una religión distinta. Un racista no debe hacerse tolerante, lo que debe es superar su racismo”.

En estos y similares casos consideramos que la respuesta adecuada es una crítica de los prejuicios y la lucha contra la discriminación, o sea, la igualdad de derechos, y no algo así como “más tolerancia”. Respecto a los de convicciones religiosas e ideológicas distintas, la cuestión de la tolerancia se plantea sólo una vez eliminados los prejuicios sobre cuya base ellos fueron primero discriminados.” 8 (HABERMAS, 2003b:12) (Grifos Nossos)

Nesse sentido, qualquer direito, dentre eles a liberdade de expressão, pressupõe essa condição de igualdade básica de todos, sem a qual a tolerância configurar-se-ia de uma perspectiva unilateral, sendo uma “condescendência benevolente”, para utilizarmos o termo empregado por Habermas. O fato é que todos temos o direito de sermos tratados como iguais apesar de nossas distintas crenças e origens, sendo tal reconhecimento o requisito básico para que possamos constituir uma associação que pretende se regular pelo direito em uma sociedade destradicionalizada, isto é, em uma sociedade que não mais se baseia em nenhum ethos naturalizado. De fato, como afirma o douto Ministro Carlos Ayres Britto, não é crime se ter uma ideologia, ousaríamos dizer que, em pensamentos, podemos até ter inclinações racistas, o que não podemos, por vivermos em uma sociedade juridicamente organizada, é pretender publicizar tais preconceitos sem querermos ser responsabilizados pelos mesmos.

Como vimos anteriormente, toda pretensão de verdade que levantamos em sociedade é passível de crítica, podendo ser refutada pelos demais membros de tal associação jurídico-política, sendo que a negação às ofertas do falante pode ser justificada pelos próprios pressupostos normativos que os integrantes de tal comunidade devem reconhecer se querem levar adiante seu projeto constitucional inclusivo. O fato é que a negação às assertivas do falante, no caso em questão, não é passível de ser realizada somente através do discurso, pois o nosso ordenamento jurídico não admite discriminações contrárias ao direito, como as “ações” que teriam sido praticadas pelo paciente do Habeas Corpus em análise.

Entretanto, deve-se ressaltar que o reconhecimento da possibilidade de se abusar das normas gerais e abstratas, como aconteceu com o princípio da liberdade de expressão na situação em foco, não nos permite tentar evitar tais práticas através, por exemplo, do estabelecimento de censura, pois além de não ser possível eliminarmos o risco de práticas ilegítimas, também não é desejável uma tal restrição a priori, anterior ao momento da aplicação, haja vista que a possibilidade de existir uma pluralidade de compreensões/interpretações das normas jurídicas, ao invés de ser um problema, revela a riqueza e potencialidade de um Estado Democrático de Direito. Portanto, é somente na situação concreta que poderemos saber se o que há é um exercício regular de direito ou uma prática abusiva passível de responsabilização jurídica.

Por fim, é necessário ressaltar concordamos com a decisão final que o Supremo Tribunal Federal tomou no paradigmático Habeas Corpus em tela, denegando-o por entender que teria sido caracterizado o crime imprescritível do racismo, não obstante adotarmos uma posição argumentativa diversa. Em nossa compreensão, não devemos aceitar naturalizadamente “fatos” que contrariem os próprios pressupostos normativos que permitem, em potência, a todos participar de um diálogo público voltado para a construção de nossa identidade constitucional.

Mas recuso-me a chamar de opinião uma doutrina que visa expressamente determinadas pessoas e tende a suprimir seus direitos ou a exterminá-las. (…) O anti-semitismo não entra na categoria dos pensamentos protegidos pelo direito de livre opinião.” (SARTRE, 1965:8)

O direito de expressar livremente o pensamento, até mesmo posições ideológicas, somente é possível se se reconhece a igualdade básica de todos os indivíduos, pressuposto imprescindível de qualquer sociedade que se pretende regular pelo direito. Nesse sentido, só podemos falar em tolerância com o divergente quando reconhecemos o outro como igual, quando, apesar de discordarmos de suas opiniões ou modo de vida, ainda assim o respeitamos enquanto cidadão. Numa sociedade pós-convencional, isto é, numa sociedade onde tudo pode ser problematizado, a formação de uma eticidade reflexiva pressupõe, dessa forma, o reconhecimento da dignidade do outro enquanto outro eu. Então, como não considerar discriminatória uma obra que parta da distinção entre superiores e inferiores? Não estaria presente, na qualificação dos judeus como um povo eleito, ou seja, como um povo melhor do que os demais, um velado preconceito contra os mesmos? Nessa linha, como não entender como criminosa a edição de livros que implicitamente desqualificam o povo judeu, fomentando assim a consideração destes como seres humanos inferiores? Não estaria claramente configurada a incitação ou induzimento ao racismo, na medida em que este não necessariamente significa o aniquilamento físico do divergente?

Caracterizado o crime de racismo, não há que se cogitar da liberdade de expressão, pois, antes de podermos adentrar no espaço público e expor nossas opiniões, devemos reconhecer como iguais nossos parceiros no diálogo. Nossos próprios pressupostos normativos não permitem, assim, que livros que propaguem a não aceitação do diferente de nós possam ser admissíveis por nossa ordem constitucional, sob pena de autodestruição. Se podemos todos participar do debate público, apropriando-nos criticamente de nossa tradição, contribuindo assim para a definição dos significados dos próprios termos constitucionais, na medida em que estes não se reduzem ao horizonte de sentidos estabilizados que herdamos de nossos antepassados, pois abertos à reformulação, é porque somos todos, ainda que contrafactualmente, tratados como cidadãos por nossa ordem jurídico política.

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1 O conceito de pós-modernidade refere-se ao abandono do projeto iluminista que apostava na razão e no progresso, sendo que podemos citar, a título ilustrativo, como pós-modernos, entre outros, os seguintes pensadores: Lyotard, Nietzsche, Deleuze, Rorty e Foucault.

2 Segundo Gadamer: “(…) a compreensão jamais é um comportamento subjetivo frente a um “objeto” dado, mas frente à história efeitual ,e isto significa, pertence ao ser daquilo que é compreendido” (GADAMER, 1999:19).

3 “É manifesto que não depende apenas dos fatos, mas também de nossa visão dos fatos, como decidimos nas questões de imputabilidade. A observação histórica retrospectiva também depende de uma pré-compreensão com a qual abordamos o ocorrido, qual participação atribuímos ás pessoas e qual ás circunstâncias, onde traçamos as fronteiras entre liberdade e obrigação, culpa e inocência. A disponibilidade hermenêutica de reconhecer a verdadeira dimensão da responsabilidade e do conhecimento de causa varia com a nossa compreensão da liberdade – como nós avaliamos como pessoas responsáveis e quanto exigimos de nós mesmos como atores políticos” (HABERMAS, 2001:48-49).

4 Cabe ressaltar que Dilthey, apesar de buscar a fundamentação das ciências do espírito, tentando realizar uma crítica da razão histórica, permaneceu ainda preso ao método de análise das ciências naturais, entendendo ser possível o estudo dos tempos históricos a partir deles mesmos, ou seja, não levando em conta que toda análise histórica é realizada a partir do presente, a partir de determinada situação hermenêutica, sendo assim implausível uma descrição objetiva dos fatos históricos. Dilthey não conseguiu perceber que a historicidade não é característica somente dos fatos, mas também do próprio saber, da própria consciência histórica. Sobre as idéias de Dilthey, ver: (GADAMER, 1998:27-38), (GADAMER, 1999:335-368) e (MARÍAS, s.d.:367-373).

5 Cabe dizer que apesar da verdade proposicional ser construída no discurso, não há que se abdicar de um mundo objetivo a partir de onde é possível localizar os referentes. “O referente mundano de uma linguagem proposicionalmente diferenciada, que satisfaz funções de representação, obriga os sujeitos capazes de linguagem e ação a uma projeção de um sistema comum de objetos de referência existentes independentemente, sobre os quais constroem opiniões e os quais podem influenciar intencionalmente. A suposição pragmático-formal do mundo projeta guardadores de lugar para os objetos em relação aos quais os sujeitos falantes e agentes podem tomar referentes” (HABERMAS, 2002:55).

6 “Como alternativa à teoria ontológica da verdade (teoria da correspondência), Habermas apresenta a “teoria consensual da verdade”. De acordo com ela, só posso atribuir um predicado a um objeto quando qualquer outro, que pudesse dialogar comigo, também o pudesse aplicar. Portanto, para distinguir sentenças verdadeiras e falsas é necessária a referência ao “julgamento de outros”, a saber, ao julgamento de todos os outros com os quais eu poderia dialogar. A condição de verdade das sentenças é o acordo potencial de todos os outro.” (OLIVEIRA, 2001:310).

7 Tal idéia nos remete ao conceito de consenso por justaposição desenvolvido por John Rawls, pois segundo tal autor, devido ao fato do pluralismo, isto é, à existência de diferentes opiniões filosóficas, religiosas e morais, a justiça não pode se fundamentar em nenhuma dessas doutrinas abrangentes, mas sim em uma concepção política, pois só assim a justiça poderia ser aceita por todos, mesmo que por razões diversas. Sobre o tema, ver: (RAWLS, 2003:44 – 53) e (CHAMBERS,1996: 59 – 77) e (CALVET DE MAGALHÃES, 2003).

8 Nessa mesma linha, defendendo a tese de que não podemos ser tolerantes com os não tolerantes, ver também, o mesmo pensador, em: (HABERMAS, 2004).

Ana Paula Repoles Torres

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