Responsabilidade Civil Objetiva do Empregador no Acidente do Trabalho — Apontamentos Para Uma Teoria da Inversão do Ônus da Prova

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Em tema de acidente do trabalho, a doutrina prevalente entende que a responsabilidade civil do empregador é objetiva naqueles casos em que a empresa cria o risco em razão de sua própria atividade, ou nos casos em que as leis especiais previamente dizem que o patrão responde pelo evento danoso independentemente de culpa, e subjetiva, nas demais hipóteses. Concordo, em princípio, com essa construção clássica, mas pondero que a melhor leitura a ser feita é a que afirma que a responsabilidade civil do empregador por acidente do trabalho é objetiva nas hipóteses do parágrafo único do art.927 e nas do art.932, III do Código Civil, e subjetiva nas demais, mas, nesses casos, inverte-se o ônus da prova em favor da vítima, cabendo ao empregador, por presunção de culpa contratual substrato da teoria do riscocriado, e de acordo com os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente de trabalho (CF/88, art.200, VIII) e dos deveres fiduciários de custódia e segurança (cláusula de incolumidade psicofísica do trabalhador), o encargo de provar a inocorrência do fato, a inexistência do dano, a extensão da lesão, a falta de nexo causal entre o fato e o dano e as circunstâncias excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima. Nos casos de acidente do trabalho, contudo, inverte-se o ônus da prova em favor da vítima ao impor ao empregador — por presunção de culpa contratual e pela teoria do risco criado, e de acordo com os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente de trabalho (CF/88, art. 200, VIII) e dos deveres fiduciários de custódia e segurança (cláusula de incolumidade psicofísica do trabalhador) — o encargo de provar a inocorrência do fato, a inexistência do dano, a extensão da lesão, a falta de nexo causal entre o fato e o dano e as circunstâncias excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima.
Na livre apreciação da prova, o juiz pode chegar a consequências que sequer foram tiradas pelas partes[1]. Prova é a soma dos meios produtores de certeza. Tem por fim levar a convicção ao juiz[2]. Meios de prova são as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova. Elementos ou motivos de prova são os informes sobre fatos, ou julgamentos sobre eles[3]. A prova refere-se a fatos. Direitos, pretensões, ações e exceções são efeitos dos fatos jurídicos dos quais irradiam os efeitos pretendidos por quem os alega. Quando se diz que tal e qual deve provar o fato, o que se quer dizer é que tem o ônus de provar o fato jurídico donde irradia o direito que pretende[4].
Ônus da prova[5][8], cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os não impugnados, exceto se não for admissível a confissão[9], se a inicial não se fizer acompanhar do instrumento público que a lei considerar da substância do ato[10] ou se estiverem em contradição com a defesa, tomada em seu conjunto[11]. é o ônus que tem alguém de dar a prova de algum enunciado do fato[6]. Antes de se saber a quem cabe o ônus de provar este ou aquele fato, impõe-se saber quem tem o ônus de afirmar e o que lhe toca afirmar[7]. Por exigência da lei
Ao contestar, o réu assume uma de duas posições:
a) — afirma que o fato não é verdadeiro, mas invenção ou ficção do autor;
b) — afirma que o fato ocorreu de modo diferente dos narrados pelo autor[12].
No primeiro caso (quando o réu afirma que o fato não é verdadeiro), trata-se de uma inexatidão absoluta; no segundo (quando o réu admite o fato, embora diga ter ocorrido de outro modo), de inexatidão relativa. Na inexatidão absoluta, é suficiente afirmar a inexistência do fato, mas é conveniente que se alegue fato ou fatos incompatíveis com a narrativa do autor. Na inexatidão relativa, o réu deve restabelecer a verdade, provando o que ocorreu verdadeiramente[13]. Não se admite contestação por negação geral[14]. Se o réu deixa de contestar um ou vários fatos, cessa sobre eles a controvérsia, não se exigindo outra prova, nem se permitindo que o réu a produza, exceto se o autor pretender produzi-la se a confissão lhe parecer insuficiente[15]. A defesa pode ser direta ou indireta. Na defesa direta, o réu limita-se a enfrentar os fatos do autor, mas não aduz fatos novos: nega a verdade dos fatos deduzidos pelo autor ou nega-lhes as conseqüências jurídicas[16]; na indireta, opõe-se aos fatos deduzidos pelo autor contrapondo fatos novos, extintivos ou impeditivos do direito do autor. Tratando-se de fatos novos — fatos do réu —, não são propriamente impugnações dos fatos alegados na inicial. “Quem apenas oferece defesa indireta aceita os fatos do autor, não os impugna”[17].
Admitindo-se o risco como fundamento da responsabilidade civil de indenizar no acidente do trabalho, e não a culpa, preserva-se, como regra, a teoria da responsabilidade civil objetiva nos casos de risco do próprio empreendimento, ou nos casos em que as leis especiais assim a definem, e subjetiva nos demais, mas, nesses casos (de responsabilidade subjetiva), inverte-se o ônus da prova em favor da vítima, de tal modo que se imporá ao ofensor o ônus de provar a inocorrência do fato, a inexistência do dano, a extensão da lesão, a falta de nexo causal entre o fato e o dano e as circunstâncias excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima. Na responsabilidade civil objetiva, a culpa é presumida; na subjetiva, a vítima tem de provar a culpa do ofensor. A prova da culpa do empregador é, em regra, extremamente difícil, em certos casos impossível e, a mais das vezes, dispendiosa. Em regra, o trabalhador vitimado por acidente do trabalho não tem condições de provar a culpa da sociedade empresária no evento lesivo, quando essa lhe é exigível. O ideal é adotar-se como fundamento a presunção de culpa contratual, a teoria do risco criado e os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente de trabalho e dos deveres fiduciários de custódia e segurança (cláusula de incolumidade psicofísica do trabalhador).
Não se trata, como à primeira vista pode parecer, de generalizar a responsabilidade civil objetiva das sociedades empresárias para todo e qualquer acidente do trabalho. Não é isso. O que se procura é criar em favor do trabalhador uma malha de proteção estabelecendo que, nos casos de atividade potencialmente perigosa, ou nos casos em que a lei expressamente o disser, a responsabilidade empresarial será objetiva; nos demais, será subjetiva, mas caberá ao agente criador do risco (sociedade empresária ou quem dela se beneficiar) o ônus de provar que não houve o fato, ou não houve o dano, não há relação de causa e efeito entre o fato e o dano ou houve culpa exclusiva da vítima.
 
 
José Geraldo da Fonseca[18]
 
 


[1] MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996,3ª edição, Tomo IV, p.252.
[2] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.257.
[3] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.257.
[4] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.245.
[5] MIRANDA,Pontes. Op.cit.,p.270/271:“O ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes, sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de provar, inclusive quanto a negações. Uma vez que todos têm de provar, não há discriminação subjetiva do ônus da prova. O ônus da prova, objetivo, regula conseqüência de se não haver produzido prova. Em verdade, as regras sobre conseqüências da falta da prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as conseqüências de se não haver provado; ao que afirmou a existência do fato jurídico( e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou(=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do ato jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu. Enquanto alguém se diz credor, e não no prova, não pode esperar de que trate como credor. Por isso, intentada a demanda, se o autor afirma a existência de algum fato jurídico(=a juridicidade de algum fato = a entrada, antes ou agora, de algum fato no mundo jurídico), e não no prova, até precluir o tempo em que em que poderia provar, a conseqüência é contra ele:actore non probante reus absolvitur. Se o adverso afirmou, por sua vez, que houve deficiência no suporte fático(=entrou no mundo jurídico com a falta de algum elemento ou presença de elemento que vicia o ato jurídico = entrou nula ou anulavelmente), e o afirmante provou a existência, a prova do afirmante está de pé e a falta de prova pelo adverso importa em que a conseqüência seja contra ele”.
[6] MIRANDA, Pontes. Op.cit.p.253: “Não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer perante a outra pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova é de ser exercido no seu próprio interesse. Dever somente há onde se há de acatar ou corresponder ao direito de outrem, ou onde se há de ter certa atitude, concernente a si mesmo”.
[7] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.249, diz: “Cada parte tem de afirmar os fatos que sejam necessários e suficientes para que se conheça o caso da demanda judicial e se possa verificar se está compreendido no caso da lei invocada”.
[8] CPC, art.302, caput.
[9] CPC, art.302,I.
[10] CPC, art.302,II.
[11] CPC, art.302,III.
[12] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil.Ed. Forense, Rio de Janeiro, 6ª ed., 1989,p.329.
[13] CALMON DE PASSOS. Op.cit.,p.329.
[14] CALMON DE PASSOS. Op.cit.. p.328, diz:”A primeira conseqüência a retirar-se do dispositivo é a da impossibilidade da contestação por negação geral. Não só a tradicional contestação por negação geral, mas também a contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor. Firmar isso e não impugnar são coisas que se equivalerão. Quer a exigência primitiva de manifestação específica, quer a constante do texto, de manifestação precisa, brigam de modo irreconciliável com a pura e simples negação dos fatos. Cumpre ao réu dizer não somente que os fatos são inverídicos, mas também como ocorreram ou que outros fatos são verdadeiros. A pura e simples negação pelo réu carece de eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade referida no art.302”.
[15] MIRANDA, Pontes. Op.cit.,p.140.
[16] CALMON DE PASSOS.Op.cit.p.334.
[17] CALMON DE PASSOS. Op.cit.p.333.
[18] Juiz Federal do Trabalho — Membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.

Jose Geraldo da Fonseca

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