Personalidade psicopática: medida de Segurança ou Pena de Prisão? Uma reflexão acerca do artigo 26 do Código Penal Brasileiro

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Resumo

Psicopatas são por sua própria natureza indivíduos insensíveis, calculistas, contraventores de regras sociais. Não se importam com o sentimento alheio, e nem conseguem colocar-se no lugar do outro. Em nosso país não há diferença entre criminosos comuns e criminosos com personalidade psicopática, sendo para muitos julgadores estes últimos considerados dementes. Sabemos que por ora não há cura para este mal, ficando intrínseca a pergunta do que deve ser então feito com estes indivíduos. Frente a isso, o presente artigo surge com o intuito principal de estimular a discussão acerca do tema, e buscar a solução se não para erradicar o problema, para ao menos diminuir as conseqüências devastadoras que criminosos com personalidade anti-social podem e causam de fato em nossa sociedade.

Palavras-chave: Psicopata, Violência, Crimes, Legislação, Reflexão, Responsabilidade.

Abstract

Psychopaths are individuals by nature callous, calculating, violators of social rules. Do not care about the feelings of others, and can not even put yourself in another’s place. In our country there is no difference between common criminals and criminals with that for now there is no cure for this evil, being intrinsic to the question that must then be done with these individuals. Given this, the present work comes with the main aim of stimulating discussion on the subject, and seek the solution is not to eradicate the problem, at least to lessen the devastating consequences that criminals with antisocial personality and can actually cause in our society.

Keywords: Psycho. Violence. Crimes. Legislation. Reflection,.Responsibility.

Introdução

O atual e crescente fenômeno da criminalidade em nosso País vai muito além das razões usualmente apontadas, e adentra no campo do desinteresse político e da desinteligência legislativa ao formular nossas normais penais. Infelizmente vivemos em uma época onde, o único intuito é agradar a grande massa popular e dar respostas imediatistas à cobrança midiática. Não existem programas coerentes de Políticas Sociais e Criminais, tampouco estudos interdisciplinares que visem não apenas a redução dos crimes, mas a compreensão dos criminosos.

Dentre tantos assuntos que envolvem o direito penal e processual penal contemporâneo encontramos no tratamento dispensado aos chamados psicopatas, talvez uma das mais graves falhas do nosso sistema. Tema pouco explorado, os criminosos psicopatas estão para o direito penal como lixo misturado, isto é, melhor depositar todo o lixo em um só local, que se dar ao trabalho de separar o seco do reciclável. É aos olhos de nossos legisladores uma questão de praticidade e lógica.

A cobrança midiática por penas mais duras e mais severas, faz com que nossos legisladores criem uma espécie de política criminal imediatista, aumentando penas já existentes e criminalizando quase que diariamente novas condutas.

Não há no nosso sistema uma cultura de pesquisa e entendimento, o que salta aos olhos dos mais entendidos, é a errônea cultura de tolerância zero, de que bandido bom, é bandido morto, e por ai segue, até constatarmos que o Estado age de forma minimalista na parte social e maximalista na parte punitiva.

Assim, quando nos referimos a criminosos “comuns”, podem surgir inúmeras ideais coerentes para tratar o problema, tais como, políticas sociais mais eficazes, melhor estruturação familiar, combate à miséria e à pobreza, políticas escolares mais dinâmicas e eficientes, oportunidades de emprego, e igualdade entre os seres. Entretanto, quando nos deparamos com a psicopatia, deixamos de lado o censo comum, para tratarmos de uma parcela da humanidade cuja capacidade de amar e a empatia pelo outro são sentimentos absolutamente desconhecidos, por razões que nem mesmo a medicina sabe explicar. Notório é que as prisões de hoje -frente ao descaso e despreparo das autoridades responsáveis- são faculdades do crime, então basta imaginar como isto refletirá na conduta de um ser que por si só já tem o mau como característica principal.

A culpabilidade do agente criminoso (imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade)

Existem três teorias que permeiam a culpabilidade: a teoria psicológica, a teoria psicológico-normativa e a teoria normativa pura, sendo esta última fundamentada na teoria finalista e hodiernamente adotada pela legislação brasileira.

Em regra a culpabilidade é a possibilidade de auferir a um individuo a culpa pela prática de uma determinada infração penal. Não diz respeito a um elemento do crime, e sim um pressuposto para aplicação de pena. Ensina Rogério Greco, “culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Reprovável ou censurável é aquela conduta levada a efeito pelo agente, que nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo.3” Ou ainda, “a culpabilidade, pois, deve ser um juízo de censura voltado ao imputável que tem consciência potencial da ilicitude e, dentro do seu livre-arbitrio (critério de realidade), perfeitamente verificável, opte pelo caminho do injusto, sem qualquer razão plausível para tanto.4

Sendo assim, conclui-se que, a teoria normativa pura, parte da premissa que a finalidade da ação, o elemento intencional da ação, é inseparável da conduta propriamente dita.

Há que se saber que a culpabilidade se funda sob três elementos, quais sejam:

– imputabilidade: “imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível5”.

– potencial consciência da antijuricidade: capacidade do agente de compreender a ilicitude do ato praticado.

– exigibilidade de conduta diversa: (…) expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma6”.

Estes três elementos encontrados na conduta e no agente criminoso o tornam responsável e culpável pelo ato ilícito praticado. Daí, a necessidade de reflexão quando o ato praticado foi por um indivíduo psicopata. Dos três elementos apresentados, somente podemos afirmar com certeza e precisão que os psicopatas possuem consciência da antijuricidade dos seus atos, haja vista, terem eles pleno conhecimento das normas que transgridem, apenas como veremos em breve, não se importam com isso. Porém, em relação a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa pairam discussões.

Transtorno de Personalidade Anti-Social – O psicopata

Ao adentrarmos ano terreno obscuro que trilha os caminhos de estudo da psicopatia, nos deparamos com inúmeras questões que vão desde a terminologia adequada até as causas que dão origem a este intrigante transtorno. No correr deste trabalho, as análises utilizadas serão sempre com base nas conclusões das correntes majoritárias.

Pioneiro no estudo da psicopatia, o psiquiatra americano Dr. Hervey Milton Cleckley em 1964, definiu estes seres, como pessoas dotadas de “encanto superficial e boa inteligência; ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; ausência de ‘nervosismo’ ou manifestações neuróticas; irresponsabilidade; mentira e insinceridade; falta de remorso ou vergonha; comportamento anti-social sem constrangimento aparente; senso critico falho e deficiência na capacidade de aprender pela experiência; egocentrismo patológico e incapacidade de amar; pobreza geral de reações afetivas; perda da capacidade de discernimento, indiferença em relações interpessoais gerais; comportamento extravagante e desagradável com bebidas alcoólicas e ás vezes sem bebida; ameaças de suicídio raramente levadas a efeito; vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada; dificuldade de seguir qualquer plano de vida.”7

Já Benjamin Karpman, em sua obra The structure of neurosis: with special differentials betwn neuroisis, psychosis, homosexuality, alcoholism, psychopathy, and criminality, definiu o psicopata como:

“pessoa insensível, emocionalmente imatura, com apenas duas dimensões e sem nenhuma profundidade real. Suas reações emocionais são simples e primitivas ocorrendo apenas em resposta à frustração e desconforto imediato. No entanto é capaz de simular reações emocionais e ligações afetivas quando isso o ajuda a obter o que deseja dos outros. Ele não experimenta nem os aspectos psicológicos nem os fisiológicos da ansiedade ou do medo, embora possa reagir com algo semelhante ao medo quando seu bem-estar imediato é ameaçado. Suas relações sociais e sexuais são superficiais, porém absorventes e manipulatórias. Recompensas e punições futuras só existem de uma maneira abstrata, resultando daí que não tem efeito, sobre seu comportamento imediato. Seu senso critico é falho e seu comportamento é frequentemente guiado pelos impulsos e necessidades do momento; portanto está sempre em apuros. Suas tentativas de se inocentar, não raro, produzem uma rede intrincada e contraditória de mentiras gritantes, juntamente com explicações, promessas teatrais e muitas vezes convincentes.”8(grifei)

Robert Hare, conhecido psiquiatra canadense e dedicado estudioso da psicopatia, afirma que:

“psicopatas têm total ciência dos seus atos (a parte cognitiva ou racional é perfeita), ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles (e é ai que mora o perigo) está no campo dos afetos e das emoções. Assim, para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte do seu convívio intimo. Esses comportamentos desprezíveis são resultados de uma escolha, diga-se de passagem, exercida de forma livre e sem qualquer culpa.”9

Ana Beatriz Barbosa Silva, renomada psiquiatra brasileira, chama a atenção para a dificuldade em identificar estas pessoas, sendo que não possuem raça, credo, cultura, sexo ou nível sócio econômico que os distinga das demais pessoas ditas normais, ao contrário, em geral circulam abertamente nos meios sociais e profissionais. São charmosos, cativantes, atraentes e envolventes. Em geral só sabemos quem são após suas ações terem alcançado o objetivo principal.

“Além do comportamento anti-social, os psicopatas não demonstram noção alguma do certo e do errado como característica, eles esquematizam manipulam e aprendem a obter o que desejam dos outros, sem considerar os direitos ou sentimentos de ninguém. Esse estilo de interagir reflete falta de consideração pelos seres humanos e resulta na incapacidade de manter vínculos íntimos afetivos e recíprocos. Outro aspecto que caracteriza o psicopata é a impulsividade. Ele age em função da gratificação imediata de caprichos momentâneos.”10

Em entrevista concedida à Revista Veja em 2009, o já citado psiquiatra Robert Hare, apresenta uma definição bastante peculiar do psicopata e diz: “o psicopata é como o gato, que não pensa no que o rato sente. Ele só pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vitimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o rato.”11

Conceituações a parte, vale também analisar de onde vem a psicopatia. De questões genética, orgânicas, sociais ou é uma somatória de todas?

Citando novamente Robert Hare, este é enfático ao afirmar que ninguém nasce psicopata, ou torna-se psicopata ao longo da vida, o que ocorre é que algumas pessoas nascem com tendência para a psicopatia. Não sendo esta uma categoria descritiva e sim uma medida, que pode variar para menos ou para mais.

Recentemente dois neurologistas brasileiros, Drs.Ricardo Oliveira e Jorge Moll, realizaram uma pesquisa aonde mostravam a dois grupos (psicopatas e não psicopatas) diferentes tipos de imagens. Verificaram então que no grupo de pessoas ‘normais” o sistema límbido reagia de maneira diferente conforme a imagem mostrada, enquanto no grupo de psicopatas este sistema permanecia inalterado. Ou seja, ver uma imagem linda da natureza ou de pessoas felizes, causa o mesmo efeito que a de uma criança espancada até a morte. Não há alterações cerebrais nem físicas como suor excessivo ou mesmo taquicardia.

Ao longo dos anos, especialmente no exterior, inúmeras pesquisas foram e permanecem sendo realizadas a fim de dissecar a tão sombria e nebulosa mente psicopática.

Embora se nasça com tendências à psicopatia, o ambiente é um ponto considerável para não dizer determinante no desenvolvimento deste transtorno. Alguns estudos apontam para a medida de que a personalidade psicopática é formada por determinações genéticas – 30% e determinismo ambiental – 70%.

Assim sendo, vale a pena sublinhar algumas breves considerações sobre a teoria ambientalista. Ao estudar alguns dos maiores psicopatas da história nacional e internacional, é possível constatar que em sua grande maioria cresceu em lares violentos.

A primeira infância é caracterizada pela formação das relações interpessoais, sendo nela o momento que o bebê fixa vínculos com seus pais e ou pessoas que o cuidam. E é justamente nesta fase, que experimentam o prazer das necessidades corporais, e associam e aprendem o afeto, o carinho e amor mediante satisfações físicas. Justamente ai, inicia a identificação com outras pessoas e passam a retribuir o afeto recebido. Os psicopatas parecem não terem desenvolvido tais sentimentos, muitas vezes por jamais os terem recebido.

“Diversos estudos sobre crianças violentas, a maioria deles baseados em pequenas amostras, indicam um grau extremamente elevado de caos familiar e degradação infantil nos antecedentes de crianças que matam. (…) Isso não quer dizer, entretanto, que castigos corporais ocasionais criem assassino; que dizer, isto sim, que o hábito consistente de espancamento, excluindo outras técnicas disciplinadoras, pode ensinar à criança a perniciosa lição de que a violência funciona, além de impedir o desenvolvimento do sentimento de culpa, de vergonha e de consciência.”

Não podemos afirmar veementemente que a causa da psicopatia é genética ou do ambiente. Porém, resta claro que a associação das duas em graus negativos poderá reverter, quase sempre, em graus inimagináveis de crueldade e criminalidade.

Embora este transtorno somente possa ser diagnosticado, de fato, a partir dos dezoito anos, até esta idade o diagnóstico é apresentado com o transtorno de conduta, sendo possível, como apresenta a já mencionada psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva, observar algumas características comportamentais em crianças e adolescentes, que sinalizam a psicopatia na idade adulta.

“- Mentiras freqüentes (às vezes o tempo todo);

– Crueldade com animais, coleguinhas, irmãos etc.;

– Condutas desafiadoras às figuras de autoridade (pais, professores etc.);

– Impulsividade e irresponsabilidade;

– Baixíssima tolerância à frustração com acessos de irritabilidade ou fúria quando são contrariados;

– Tendência a culpar os outros por seus erros cometidos;

– Preocupação excessiva com seus próprios interesses;

– Insensibilidade ou frieza emocional;

– Ausência de culpa ou remorso;

– Falta de empatia ou preocupação pelos sentimentos alheios;

– Falta de constrangimento ou vergonha quando pegos mentindo ou em flagrante;

– Dificuldades em manter amizades;

– Permanência fora de casa até tarde da noite, mesmo com a proibição dos pais. Muitas vezes podem fugir e levar dias sem aparecer em casa;

– Faltas constantes na escola sem justificativas ou no trabalho (quando mais velhos);

– Violação às regras sociais que se constituem em atos de vandalismo como destruição de propriedades alheias ou danos ao patrimônio público;

– Participação em fraudes (falsificação de documentos), roubos ou assaltos;

– Sexualidade exacerbada, muitas vezes levando outras crianças ao sexo forçado;

– Introdução precoce no mundo das drogas ou do álcool;

– Nos casos mais graves, podem cometer homicídio.”12

Na idade adulta, uma vez identificado o transtorno, este pode ser classificado em dois graus. O psicopata de grau leve (são os mais comuns, e dificilmente cometem homicídio, porém são difíceis de diagnosticar vez que passam despercebidos no ambiente social, sendo conhecidos também como “psicopatas comunitários”. Em geral apresentam inteligência de média para alta. São os dissimulados e manipuladores. Se detidos e presos, comportam-se de maneira exemplar, e em razão disto muitas vezes diminuem o tempo de pena. Na infância, embora aparentemente dóceis, já apresentavam traços de frieza, insensibilidade, e intolerância à frustração). O psicopata de grau moderado a grave (preenchem quase todos ou todos os critérios do DSM do transtorno de personalidade anti-social. Tendem, por exemplo, a se tornarem assassinos em série. Não são tão comuns quanto os de grau leve. São facilmente encontrados no ambiente carcerário, e em geral são os autores dos crimes mais chocantes. Em sociedade são tidos como pessoas normais, cuja essência ninguém desconfia. Os psicopatas de grau moderado comumente se envolvem com drogas e tráfico, tendem a praticar golpes financeiros de grade monta e graves estelionatos, entre outros delitos “menos graves”. Já aqueles que possuem um grau grave, são em geral assassinos sádicos, apresentando também diversos problemas de cunho emocional. Em consonância com os psicopatas de grau leve, são socialmente tidos como normais, não demonstrado seus traços mais perversos. São absolutamente impulsivos, frios, desprovidos de todo e qualquer sentimento relacionado à culpa e ou remorso. Com freqüência apresentam doenças como depressão, déficit de atenção, transtornos de ansiedade dentre outros. Se entediam com muita facilidade, e raramente terminam o que começaram. Quando crianças apresentaram transtorno de conduta e seguramente devem ter sofrido algum trauma relevante que pode vir a ter agravado sua psicopatia).

Por fim, vale também ressaltar, a fim de acalorar a reflexão sobre o tema, as palavras de Ana Beatriz Barbosa Silva no que tange ao nosso comportamento enquanto sociedade:

“A ‘cultura da esperteza’ também contribui para esse cenário. Deixa-nos confusos e muitas vezes nos faz fraquejar na luta pelo bem. A nossa sociedade vem banalizando o mal e contribuindo para a inversão dos valores morais. Isso cria um terreno fértil para que os psicopatas se sintam à vontade nos exercício de suas habilidades destrutivas. Todas essas questões são intrigantes e acabam por nos impor uma profunda revisão dos nossos conceitos sobre a vida em sociedade. E, nessa revisão destaco a importância de se cultivar um valoroso senso de consciência, pois somente ele é capaz de assegurar a nossa qualidade de vida e a do nosso planeta.”13

A resposta do Estado (jus puniendi) frente à conduta criminosa do psicopata

Do ponto de vista jurídico, a principal característica que reporta a obrigatoriedade de reflexão a cerca destes seres, é a incapacidade de compreender através da punição, ou seja, eles não assimilam a punição como uma forma de rever e modificar seu comportamento. Não refletem sobre o mal que fizeram, pois em sua mente o que fizeram não é considerado anormal e nem errado. Sobre isso, corretas são as palavras de Odon Ramos Maranhão, “a experiência não é significativamente incorporada pelo psicopata (anti-social). O castigo, e mesmo o aprisionamento, não modificam seu comportamento. Cada experiência é vivida e sentida como um fato isolado. O presente é vivenciado sem vínculos com o passado ou o futuro. A capacidade crítica e o senso ético se comprometem gravemente.”14.

É sabido que, ressocialização, reeducação e psicopatia caminham em direções opostas, ou seja, aplicar a trilogia penal de prevenir/punir/ressocializar torna-se inócuo quando tratamos deste tipo de transgressores.

A partir de dados do IMESC (Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo), entre 1% a 3% da população sofre desse transtorno, já dentro do ambiente carcerário, tal porcentagem pode alcançar os 20%, sendo a taxa de reincidência três vezes maior entre os psicopatas. Vale observar, que no Sistema Penitenciário Nacional, não existe nenhuma avaliação da personalidade dos presos, sendo praticamente impossível trabalhar com dados concretos de previsibilidade de reincidência. Assim sendo, os presos tidos como psicopatas acabam não sendo corretamente identificados, logo permanecem junto com os demais. Identificá-los e separá-los seria uma questão amplamente positiva, para tratar seriamente de reincidência criminal, ressociabilização e principalmente concessão de benefícios penitenciários.

Com este pensamento Hilda Morana apresenta a seguinte colocação: “Eles têm o perfil adequado para se tornar os chefões da cadeia e os líderes de rebeliões. Podem transformar os outros 80% dos presos em massa de manobra. ‘Além de recriarem o inferno na cadeia, atrapalham a ressocialização dos detentos que podem ser recuperáveis”15

Imperioso também, é excluir do pensamento a crença cega que se debruça sobre a ressocialização. A nossa Carta Magna proíbe não apenas a pena de morte (exceto em casos de guerra declarada), como as penas de caráter perpétuo16. Já o Código Penal refere que a pena máxima a ser cumprida será de 30 anos17, bem, bem como há facilitadoras de progressão regime. Em tempo, há ainda a própria Lei 12.403, instituída em 04 de maio do ano corrente, e que reformou o Código de Processo Penal em matéria de prisão preventiva, fiança, liberdade provisória entre outras medidas cautelares.

O que se quer aqui, não é em absoluto reduzir o direito de um preso a ter sua pena reduzida, nem erguer uma bandeira da inquisição, realizando uma caça às bruxas no sistema carcerário. O que desejamos é chamar a atenção, salientando e esclarecendo que tais medidas podem e devem ser aplicadas a presos comuns, delinqüentes “normais”, entretanto, jamais poderiam ser nos casos de presos psicopatas. Estes demandam uma atenção peculiar, distinta daquela dada aos outros presos, afinal, representam um perigo eminente para toda a sociedade.

Retomando o tema principal deste trabalho, analisamos a seguir as possíveis punições aplicadas à psicopatas.

Pena de Prisão: Na visão do sociólogo francês Philippe Combessie, a prisão, como a conhecemos hoje, é um lugar de reclusão onde o indivíduo, acusado por algum tipo de crime, é condenado a cumprir pena privativa de liberdade. Em tese “a pena exerce duas funções: a função preventiva e a função retributiva. A primeira tem como premissa a de que a prevenção geral é tanto mais eficiente quanto maior é a certeza da punição e a segunda é a de que a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem violada pelo delito, na medida em que a pena deve ser proporcional ao crime cometido”18.

No Brasil, os psicopatas em geral são considerados semi-imputáveis, isto é, eles têm plena consciência de seus atos, porém não conseguem controlá-los. Sendo assim, podem ter sua pena reduzida de um a dois terços19, ou ainda serem enviados a um hospital de custódia para tratamento, como veremos no próximo tópico.

Entretanto, existem magistrados que entendem que psicopatas são imputáveis, aplicando-lhes penas privativas de liberdade. Daí vai à reflexão, ninguém permanece preso por mais de 30 anos em nosso País. Em geral estes indivíduos possuem, como já falado, inteligência acima do normal, enganando todo um sistema, e sendo considerados presos exemplares, conseguindo em muitos casos progressão de regime. Contudo, uma vez soltos, 70% voltam a cometer crimes.

Novamente aqui nos deparamos com conceitos elaborados no tocante a presos considerados normais. Para que possamos de fato analisar a pena de prisão como forma de punição a um psicopata, devemos ter em mente sua pobreza de julgamento e incapacidade de aprendizado com a experiência, ou seja, eles não assimilam a punição, nem conseguem enxergar algo de errado em seu próprio comportamento. Redundante afirmar que a prisão não funciona para estes presos, ao contrário, prejudica o restante da massa comum da carceragem.

– Medida de Segurança: Elencadas nos artigos 96 à 99 do Código Penal Brasileiro, as medidas de segurança são empregadas á criminosos considerados semi-imputáveis ou inimputáveis, através de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e na falta desse, em outro estabelecimento adequado20 ou sujeição a tratamento ambulatorial21

Na visão de Fernando Capez, medida de segurança é uma “..sanção penal imposta pelo Estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal que tenha demonstrado periculosidade volte a delinqüir […] é exclusivamente preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstraram, pela prática delitiva, potencialidade para novas ações danosas.”22

Em pensamento contrário, Paulo de Souza Queiroz, expõe que a pena privativa de liberdade e a medida de segurança, são institutos diferentes em seu âmago, entretanto iguais em seu propósito, senão vejamos:

“ … distinção antológica alguma entre penas e medidas de segurança, pois ambas perseguem, essencialmente, os mesmos fins e pressupõem de idênticos pressupostos punibilidade: fato típico, ilícito, culpável e punível. A distinção reside, portanto, unicamente, nas consequências: os imputáveis estão sujeitos a pena, os inimputáveis, à medida de segurança, atendendo a critério de pura conveniência político-criminal, adequação da resposta penal”23.

Embora nossa Carta Magna obste penas com duração maior que trinta anos, é sabido que em muitos casos, pacientes são esquecidos dentro de estabelecimentos psiquiátricos, perfazendo ali toda a sua vida.

No tocante aos psicopatas, dois são os aspectos a serem observados quanto as medidas de segurança. Primeiro há que se saber que na medida e segurança o tempo de internação não se coaduna ao fato transgressor, mas sim com a periculosidade do agente, ou seja, o individuo permanecerá sob custódia até que sua periculosidade cesse. Salta aos olhos tal medida aplicada à psicopatas, é sabido tanto pela comunidade médica, como pela jurídica, que a periculosidade de um psicopata jamais irá cessar, ficando a sociedade desnuda com a habilidade deste em demonstrar aptidão para voltar ao convívio em sociedade. O segundo ponto a ser verificado, é que o intuito da medida de segurança, pelo menos em tese, é de “tratar” o agente submetendo-o a tratamento adequado. Ora, qual o terapia aplicada com sucesso a um psicopata?

Questionado se considera a psicopatia incurável, Robert Hare afirma que:

“Por meio das terapias tradicionais, sim. Pegue-se o modelo-padrão de atendimento psicológico nas prisões. Ele simplesmente não tem nenhum efeito sobre os psicopatas. Nesse modelo, tenta-se mudar a forma como os pacientes pensam e agem estimulando-os a colocar-se no lugar de suas vitimas. Para os psicopatas, isso é perda de tempo. Ele não leva em conta a dor da vítima, mas o prazer que sentiu com o crime. Outro tratamento que não funciona para criminosos psicopatas é o cognitivo – aquele em que psicólogo e paciente falam sobre o que deixa o criminoso com raiva, por exemplo, a fim de descobrir o ciclo que leva ao surgimento desse sentimento e, assim, evitá-lo. Esse procedimento não se aplica aos psicopatas porque eles não conseguem ver nada de errado em seu próprio comportamento.”24

Resta claro que pena de prisão e medidas de segurança são ineficazes para criminosos psicopatas, além de não alcançarem seu objetivo, seja de punição/retribuição/ressociabilização ou de internação/tratamento/cura, há também a imensa possibilidade de seu retorno à sociedade, haja vista a limitação de tempo seja de prisão ou internação, e isto significa sem pormenores o cometimento de novos crimes.

Não raro vemos casos comprovados de psicopatia, onde os indivíduos são julgados como pessoas comuns, ou seja, considerados imputáveis, recebendo suas penas, e cumprindo-as exemplarmente a ponto de ganharem progressão de regime, indulto, etc., em outros casos fogem das prisões, voltando imediatamente a vida de crimes. Mas o que mais assusta, é que indubitavelmente, legisladores, juristas, psicólogos e psiquiatras, dentre outros, esquecem é que um dia eles voltarão ao convívio social, trazendo consigo não apenas a estigma de seu passado criminoso, mas acima de tudo a maldade e frieza tão característica destes seres. Trago a baila alguns exemplos reais ocorridos em nosso País: Sílvia Calabrese Lima, Kelly Sâmara Carvalho dos Santos, Roberto Aparecido Alves Cardoso, Susane von Richthofen, Divina de Fátima Pereira, Guilherme de Pádua Thomaz, Francisco de Assis Pereira, Francisco Costa Rocha,

“Não é preciso ser vidente nem paranormal para perceber que pessoas com histórico de crimes violentos representam uma ameaça muito maior para a sociedade do que os criminosos que não apresentam a violência como uma marca registrada em seus crimes. Uma boa maneira de ‘prever’ o que uma pessoa poderá fazer no futuro é saber o que ela fez no passado. Apesar de parecer algo empírico demais, essa informação pode ser tomada como base para que o sistema de Justiça Criminal tome decisões pertinentes a penas e concessão de benefícios para criminosos.(…) …distinguir os criminosos mais violentos e perigosos dos demais detentos pode trazer benefícios tanto para o sistema penitenciário interno quanto para a sociedade como um todo.”25

Críticas e Sugestões

Sabendo das limitações impostas pela legislação pátria, é imprescindível que se busque dentro daquilo que julgamos coerente e necessário, medidas que num futuro próximo assegurem a sociedade o convívio com a cultura da paz.

Inequívoco dizer que a violência é algo empírico, e impossível de ser extinta, entretanto pode e deve ser controlada, principalmente, através de políticas criminais eficientes e aplicadas de fato no contexto real de um país e sua sociedade.

No Brasil, não existe no sistema prisional nenhum procedimento que diagnostique indivíduos portadores de psicopatia, nem no momento de entrada no cárcere, nem no momento em que é solicitado algum tipo de benefício, seja redução de pena ou progressão de regime. isto é, não há modo de diferenciação entre os criminosos, uma vez que todos permanecem juntos, e é sabido, como já demonstramos que tal mistura, pode corroborar em situações catastróficas. O que vemos, é claramente o contrario, o exame criminológico26 instituído pela Lei nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais, entretanto, deixou de ser obrigatório com o advento da Lei 10.792/2003 ficando a critério dos magistrados sua utilização. Em dezembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante 26, que diz que “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.27“. Após anos de divergências acerca do assunto, em maio de 2010, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento sobre a realização do exame criminológico. A nova súmula, de número 439, tem a seguinte redação: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”28.

Dando-se ao magistrado a possibilidade ou não de contar com tal exame a fim de facilitar suas decisões, importante também salientar o que pensam os profissionais de saúde mental, que realizam ou deveriam realizar este exame. Contrários á realização deste, profissionais do Conselho Regional de Psicologia do estado do Rio de Janeiro, afirmam que “(…)As celas estão superlotadas, não há separação de presos por crime cometido ou tempo de reclusão e não há projetos que garantam os direitos legais previstos pela LEP para os presos, como escolas, oficinas profissionais, trabalho etc. Dessa forma, não é possível avaliar mérito individual se os presos não têm como exercer sua autonomia na prisão”29.

No que tange ao aspecto cível, contamos com o Decreto nº. 24.559 de 1934, em vigor até os dias de hoje, e é o único texto normativo que tratou e trata especificamente sobre a questão do psicopata.

Facilmente perceptível que nossa legislação não está sequer próxima do poderíamos considerar como aceitável para lidar com psicopatas. É preocupante que cada vez mais, estes indivíduos circulam em nossa sociedade, e mesmo se presos voltam à ela, sem maiores inquietações. Resta clara a necessidade imediata e urgente de um trabalho multidisciplinar, a fim de enfrentar sem pormenores tal realidade. Juízes, advogados, promotores, delegados deveriam ter conhecimento, no mínimo básico do assunto de forma auxiliá-los em seu dia a dia. O que muitos talvez discordem, mas que cada vez mais visualizamos como condição essencial para uma política criminal de sucesso é o trabalho conjunto de médicos, psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos, criminólogos e operadores do direito como um todo. Assim, e somente assim, será possível combater a violência, pois para combatê-la há que se compreende-la como fenômeno que é.

Citando novamente Robert Hare, este exímio pesquisador da mente psicopática, criou um método de identificação, o chamado PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) – um sistema de avaliação com 20 itens ((1.Loquacidade/charme superficial (1); 2. Auto-estima inflada (1); 3. Necessidade de estimulação/tendência ao tédio (2); 4. Mentira patológica (1); 5. Controlador/manipulador (1); 6. Falta de remorso ou culpa (1); 7. Afeto superficial (1); 8. Insensibilidade/falta de empatia (1); 9. Estilo de vida parasitário (2); 10. Frágil controle comportamental (2); 11. Comportamento sexual promíscuo; 12. Problemas comportamentais precoces (2); 13. Falta de metas realísticas em longo prazo (2); 14. Impulsividade (2); 15. Irresponsabilidade (2); 16. Falha em assumir responsabilidade; 17. Muitos relacionamentos conjugais de curta duração; 18. Delinqüência juvenil (2); 19. Revogação de liberdade condicional (2); 20. Versatilidade criminal.), com pontuação de zero a dois para cada item, totalizando 40 pontos. O ponto de corte não é rígido, entretanto um resultado maior do que 30 pontos pode significar um psicopata típico

A psiquiatra forense brasileira Hilda Morana, foi a responsável pela tradução e posterior validação da “Escala Hare PCL-R- Psychopathy Checklist Revised” para língua portuguesa (Brasil). Sendo que, em 2005 a referida escala foi avaliada e aprovada para utilização pelo Conselho Federal de Psicologia. Sobre o assunto Hilda afirma que:

“identificar os psicopatas no Sistema Carcerário e removê-los para ambiente penitenciário adequado. Esta proposição tem o objetivo de liberar as prisões da influência nefasta dos mesmos e, desta forma, poder promover a reabilitação dos criminosos não-psicopatas, a exemplo de países como Canadá e Inglaterra” (…) “existe amplo consenso de que até o momento, não existe nenhum outro procedimento que seja tão afinado com a identificação da condição de psicopatia”30.

Sendo possível a identificação de psicopatas, permanece a pergunta? Uma vez identificados, o que fazer com eles?

Sem mais delongas, por óbvio que separá-los do convívio com presos comuns, transferindo-os para um ambiente penitenciário adequado seria o primeiro ponto a ser observado. Para tanto, o ex Delegado da Polícia Federal e atual Deputado Federal, Dr. Marcelo Itagiba, apresentou em 2010 um projeto de Lei para alterar a Lei nº. 7.210, de 1984 – Lei de Execução Penal-, criar comissão técnica independente da administração prisional e a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade, nas hipóteses que especifica. contar com uma forma de identificar psicopatas no meio ambiente carcerário31. Infelizmente, o resultado foi bastante previsível, tratando-se de Brasil, este não foi aprovado.

Considerações Finais

Para falar sobre a relação do artigo 26 do Código Penal Brasileiro32 com a psicopatia, foi necessário abordar muito mais que conceitos simplistas.

Para buscar uma solução equilibrada entre pena de prisão e medida de segurança, e ainda respeitar os preceitos da Constituição quando obsta a pena de morte e a pena de caráter perpétuo, é necessário mergulhar no sombrio universo da mente psicopata, e deixar de lado toda e qualquer crença acerca da bondade humana. É necessário frieza e discernimento para abdicar dos conceitos já enraizados sobre vida, sociedade, ressocialização e futuro. É necessário despir-se e aceitar como verdade absoluta que o mal existe.

Conforme apresentado, a punição de um crime, seja este resultado da ação ou da omissão do agente, traz consigo a obrigatoriedade de culpabilidade do criminoso. Para auferir a culpabilidade de alguém, é necessário o preenchimento de três elementos, a imputabilidade penal, a potencial consciência da antijuricidade e a exigibilidade de conduta diversa. Quando o agente por uma ou outra razão não é considerado culpável, aplicar-se-á uma medida de segurança.

Também apresentamos uma definição bastante minuciosa de psicopatia, usando como base os mais atuais estudos do tema.

Ao final trouxemos críticas contundentes à legislação pátria, bem como um modelo de identificação de psicopatas validado no Brasil, sugerindo seu uso em prisões brasileiras, bem como a construção de prisões apropriadas para estes indivíduos.

O que chama a atenção em um estudo como o que fora proposto, é a total desconexão entre a parte jurídica e a parte médica. São estradas de direções opostas.

Infelizmente o que vemos em nosso País, é uma cobrança da sociedade por políticas criminais mais severas e imediatistas. Tal cobrança é em muito fruto da influencia negativa da própria mídia, que em seus programas sensacionalistas tecem as mais absurdas e inverídicas teorias criminais. O problema da criminalidade no Brasil não é exclusivamente do Direito Penal, o caos instalado atualmente é um problema educacional e social.

Entretanto, corroborando o escrito acima, o tratamento dispensado ao psicopata no dias atuais é o mesmo que se dá a todo e qualquer preso. A diferença máxima, é que alguns presos “normais” podem ser ressociabilizados, alguns doentes mentais podem ser tratados, os psicopatas permanecerão sempre iguais.

Atualmente (2010) o sistema carcerário do Brasil possui 496.251 presos33 entre presídios e delegacias. Desses, 188.777 cumprem pena privativa de liberdade em regime fechado, 69.249 em regime semi-aberto, 18.746 em regime aberto, 4.250 cumprem medidas de segurança e 164.683 são presos provisórios. No site do Ministério da Justiça, encontramos um Relatório Estatístico – Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos, aonde é possível verificar detalhadamente o perfil dos presos. Entretanto, em nenhum relatório é dado sequer uma estimativa de quantos destes quase meio milhão de presos, são psicopatas. Se, conforme o Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo (Imesc), 20% da população carcerária sofre deste transtorno, podemos então afirmar que temos estimadamente 99.250 psicopatas em nossas prisões.

Todos os dias assistimos a novos crimes, praticados por “velhos” criminosos. Criminosos estes que se tivessem sido identificados como psicopatas que são, não teriam tido a oportunidade de cometerem novos crimes. Francisco Costa Rocha, vulgo Chico Picadinho34, Kelly Sâmara Carvalho dos Santos35, Márcio da Silva36, são alguns exemplos de psicopatas que mesmo presos, conseguiram liberdade e voltaram a cometer os mesmos crimes.

Lamentavelmente, ao que parece, poucos são os que compreendem que estes criminosos uma vez capturados e corretamente identificados, deveriam permanecer segregados em estabelecimentos adequados a eles, por toda a vida. E neste caso, contrária a Constituição Federal, a pena de caráter perpétuo é a única medida que pode evitar que estes seres sigam soltos e livres preconizando atrocidades diárias.

“Quem não castiga o mal, ordena que ele se faça.” (Leonardo da Vinci)

 

Referencias

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1 Mestranda em Ciências Criminológico-Forenses pela Universidad de Ciências Empresariales y Sociales (Buenos Aires) associado à Universidade Universita Degli Studi di Roma La Sapienza , ao Ministério Interior, ao Instituto Superiori di Studi Penitenziari Del Ministero della Giustizia, ao Instituto Internazionale de Scienze Criminologiche e Psichiatrico-Forensi. Pós Graduanda em Direito Penal e Processual Penal Contemporâneo na Universidade de Caxias do Sul – UCS. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul.

2 Doutora em Direito pela UFPR.

3 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 12. ed. Rio de Janeiro. Impetus. 2010. p. 85.

4 NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Direito Penal, parte geral, parte especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 273.

5 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v 1. p. 467.

6 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, V.1. p. 298.

7 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1973. p. 04-05, apud CLECKLEY, Hervey M.. The mask of sanity. 5ed. Saint Louis: C.V. Mosby Company, 1976.

8 HARE, Robert D. Psicopatia: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1973. p. 05, apud KARPMAN, Benjamim. The structure of neurosis: with special differentials betwn neuroisis, psychosis, homosexuality, alcoholism, psychopathy, and criminality. Archives of Criminal Psychodynamics, 1961, 4, 599-646.

9 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 36.

10 DAVIDOFF, Linda L. Introdução á Psicologia. 3. ed. São Paulo: Person Makron Books, 2001. p. 581.

12 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 167.

13 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 51.

14 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2. ed. modificada. São Paulo: Malheiros,2008. p.88.

15 MORANA, Hilda. Versão em Português da Escala Hare (PCL-R). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 2

16 Art. 5º, inciso XLVII, alíneas a e b, da Constituição Federal de 1988.

17 Art. 75, caput do Código Penal Brasileiro.

19 Art. 26, parágrafo único do Código Penal Brasileiro.

20 Art. 96, inciso I do Código Penal Brasileiro.

21 Art. 96, inciso II do Código Penal Brasileiro.

22 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, Saraiva, 2007. p. 424.

23 QUEIROZ, Paulo de Souza, no artigo Penas e medidas de seguranças se destinguem realmente? Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.16167&hl=no, acesso em 18 de outubro de 2011.

24 Disponível em: http://arquivoetc.blogspot.com/2009/03/veja-entrevista-robert-hare.html, acesso em 05 de outubro de 2011.

25 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 129.

26 Art. 8º – O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas á individualização da execução.

Parágrafo único: Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.

30 MORANA, Hilda. Identificação do ponto de corte PCL-R (Psychopaty Checklist Revised) em população forense brasileira. Caracterização de dois subtipos de personalidade: Transtorno global e parcial. Tese de Doutorado não-publicada, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, SP, 2003. p. 18 e 41.

31 Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/737111.pdf, acesso em 20 de outubro de 2011.

32 Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

34 Em 1966 matou e esquartejou Margareth Suida. Preso, foi julgado e condenado a 18 anos de rclusão por homicídio qualificado. Em 1974, foi solto por bom comportamento. Em outubro de 1976, matou Ângela de Souza da Silva, com o mesmo modus operandi do crime anterior. Foi novamente condenado, e permanece preso até hoje.

35 Presa por estelionato e furto em 2007, foi absolvida segundo o magistrado por falta de provas. Desde então foi presa mais três vezes, sendo a última em maio de 2010, sempre pela prática dos mesmos crimes. .

36 O nome do acusado foi trocado, por acordo de sigilo para acesso aos autos para realização de Estudo de Caso da autora do presente artigo em mestrado de ciências criminológico-forenses. Márcio é assassino confesso de duas pessoas. O primeiro homicídio ocorreu no interior do Rio Grande do Sul, o autor confessou o crime, bem como a ocultação do cadáver. Por ter confessado, possuir residência fixa e no entendimento da justiça não representar perigo á sociedade, foi posto em liberdade,após avaliação psiquiátrica em estabelecimento apropriado, onde se conclui que o mesmo sofre de comportamento anti-social desde a infância. Pouco tempo depois, cometeu o segundo homicídio. Atualmente encontra-se preso aguardando julgamento.

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

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