Pedido Implícito e Pedido Complessivo no Procedimento Sumaríssimo

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Conquanto seja exato que a inicial de rito sumaríssimo deve conter pedidos certos, determinados e líquidos, há casos em que se admitem pedidos implícitos. Diz-se, implícito, o pedido conexo ou correlato a outro deduzido nos autos, cuja procedência, total ou parcial, não pressupõe nenhuma causa de pedir distinta daquela que serve de fundamento ao pedido principal, expressamente deduzido, ou cuja concessão decorra de simples incidência da regra jurídica aplicável ao caso examinado em concreto. Admitem-se pedidos implícitos relativamente às obrigações de fazer e às de pagar, contanto que estas, somadas aos valores dos pedidos expressos, não excedam o valor de alçada fixado em lei. Nas ações trabalhistas de rito ordinário, podem enquadrar-se na noção de pedidos implícitos, entre outros, a gratificação de 1/3 sobre as férias vencidas, a dobra do art.467 da CLT para os salários incontroversos, a multa de 40% de que fala o art.18,§1º da L.nº 8.036/90, a anotação de contrato na carteira profissional do empregado, a remuneração de 50% nas horas extras, os juros de mora e a correção monetária, a dação do termo rescisório no código 01, nos casos de dispensa sem justa causa e a tradição da guia do seguro-desemprego, nos casos de dispensa sem justa causa de empregado com seis ou mais meses de casa prestados ao mesmo empregador. Todos esses pedidos, ditos implícitos, se subentendem pretendidos pelo autor, e o juízo deve deferi-los, se as causas de pedir derem ao julgador o contexto ideal de seu cabimento.

 

Gratificação constitucional de férias (1/3)

O art.7º, XVII da CF/88 diz que a gratificação de 1/3 é devida sobre “férias anuais remuneradas”. Férias anuais são aquelas de que trata o art.134 da CLT, isto é,”concedidas por ato do empregador,em um só período,nos doze meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito”.Desde que o empregado prove ser credor de férias vencidas,após 5/10/88,faz jus à gratificação constitucional,ainda que não a tenha pedido.Não há julgamento extra petita pois a regra constitucional é impositiva. A gratificação de 1/3 sobre as férias proporcionais, no entanto, não se embute na noção de pedido implícito. É que a regra constitucional fala em férias anuais remuneradas. Tratando-se de uma cláusula penal, a gratificação de 1/3 não comporta interpretação extensiva[1].A doutrina é que,fazendo exegese do art.120 do Código Civil,entendeu que a gratificação de 1/3 também se aplica às frações de férias porque,nesses casos,a ruptura do contrato de trabalho,por iniciativa do patrão,constitui causa obstativa do implemento da condição[2].

 

Multa do art.467 da CLT

O art.467 da CLT contém outro comando imperativo. Diz que o patrão é obrigado a pagar ao empregado os salários incontroversos, no dia de seu comparecimento à Vara, pena de fazê-lo em dobro. Se a cláusula penal está fixada de antemão na norma celetista, o autor não a precisa pedir nem o juiz deve se olvidar de deferi-la de ofício. É outro caso de pedido implícito.

 

Multa de 40% do FGTS

O §1º do art.18 da L.nº 8.036/90 diz que o patrão depositará na conta vinculada do empregado 40% do montante de todas as quantias realizadas na vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos de juros, no ato da rescisão contratual sem justa causa. Se for essa a hipótese (dispensa sem justa causa), o empregado fará jus à multa, independentemente de tê-la pedido na inicial. Se a astreinte(40%)tem por suposto a dispensa imotivada,e vem fixada em lei,a pretensão ao seu recebimento é implícita.Da mesma forma,o pedido de tradição do termo rescisório no código 01,para saque do FGTS,se a dispensa se dá sem justa causa.

 

Percentual mínimo de horas extras

Se o empregado reclama horas extras, prova o seu fazimento, mas não especifica o percentual de acréscimo a que se diz com direito, faz jus ao mínimo de 50%[3], se outro mais benéfico não decorrer do contrato de trabalho ou dos convênios normativos da categoria, desde que juntados aos autos. O adicional de 50% está implícito em qualquer pedido de horas extras em que outro percentual não seja reclamado, pois decorre de prévia fixação constitucional, que o julgador não pode desconhecer.

 

Seguro-desemprego

O art.3º da L.nº 7.998, de 11/1/90, diz que todo trabalhador dispensado sem justa causa faz jus ao seguro-desemprego se provar ter recebido salários de pessoa jurídica ou física a ela equiparada nos seis meses anteriores à dispensa, ter sido empregado de pessoa jurídica ou física durante pelo menos 15 dos 24 meses anteriores à dispensa e desde que não esteja em gozo de benefício previdenciário. O número de parcelas, segundo o tempo de relação de emprego, e a forma de seu cálculo, também estão expressamente fixados[4]. Logo, a dação das guias do seguro-desemprego e o número de parcelas constituem pedidos implícitos. Nem mesmo a indenização substitutiva precisa ser pedida porque isso também está na lei[5].

 

Anotação de contrato

Também são implícitos os pedidos de anotação de CTPS e de reconhecimento de vínculo nas ações em que se discute existência ou não de relação de emprego. O art.36 da CLT diz que o trabalhador pode recorrer à Delegacia Regional do Trabalho para obrigar o patrão a reconhecer a existência de vínculo de emprego e formalizar o contrato em sua carteira profissional. Caso não haja acordo, o procedimento administrativo é encaminhado à Justiça do Trabalho (CLT, art.39), distribuído a uma das Varas, autuado como processo e iniciado o contraditório, com citação do réu, cognição, provas e sentença. É um dos dois casos(o outro é a instauração de ofício de dissídio coletivo pelo Presidente do Tribunal)de jurisdição sem ação.O art.39,§2º da CLT diz que o juiz,de ofício,deve mandar formalizar o contrato na CTPS em qualquer caso onde se reconheça a existência de vínculo de emprego.Assim,mesmo que o autor não peça na inicial a formalização do contrato de trabalho,o juiz deve determiná-la de ofício.

 

Reconhecimento de vínculo de emprego como pedido preliminar

É comum nas ações onde se discute a existência de vínculo o autor narrar os fatos, pedir os direitos que supõe devidos em razão da terminação do contrato e esquecer-se de pedir o reconhecimento da existência jurídica do vínculo de emprego. Para alguns, a declaração de existência desse vínculo seria o pedido principal, dos quais a obrigação de pagar seria mero acessório. Assim, faltando o principal, não poderia o juiz prover aos consequentes. Não penso assim, data venia.Tenha ou não o autor pedido o reconhecimento jurídico do vínculo de emprego,essa questão é um antecedente lógico posto ao juiz como suposto do conhecimento e do deferimento das obrigações de pagar.Ou seja:intuir a existência efetiva da relação jurídica de emprego é dado a priori posto ao julgador,como fundamento da sentença[6].

 

Correção monetária e juros de mora

Correção monetária não compõe o valor da causa e é devida pela sucumbência, tenha ou não sido pedida. É um tipo de pedido implícito. Os juros legais, ainda que se subentenda implícitos na condenação[7]compõem o valor da causa e devem ser expressamente reclamados.Custas judiciais não compõem o valor da causa nem precisam ser pedidas,porquanto se subentende que o autor espera que o vencido suporte todos os encargos advindos da sucumbência.

 

Honorários periciais

Assim, também, os honorários periciais. Perito não é parte, mas auxiliar indireto do juízo[8]. O juiz é o destinatário natural da prova pericial[9]. Os honorários do perito não se incluem nos conceitos de custas, emolumentos ou despesas,tanto que não estão vinculados à sucumbência ou não da parte na lide[10].

 

Pedido Complessivo[11]

A L.nº 9.957/2000 exige pedido certo (que contém, com exatidão, o direito pretendido), determinado (concretamente definido em qualidade e em quantidade)e líquido(expresso em moeda corrente).A pretexto de cumprir o inciso I do art.852-B da CLT,o autor não pode simplesmente deduzir vários pedidos sob um único valor e supor que,em assim fazendo,está deduzindo pedidos líquidos.Se diz,por exemplo,que parte das comissões era paga “por fora”, ou que a remuneração combinada equivalia a quatro salários mínimos por mês, mas apenas dois constavam de carteira,recebendo o restante fora dos recibos,e pede diferenças de FGTS,férias,horas extras,DSR,13º salário e rescisórias sobre a parte das comissões ou dos salários fixos que não era contabilizada pelo patrão,não pode englobar todos esses títulos num único valor[12].Se o fizer,estará deduzindo pedido complessivo,tão irregular e defeso como o próprio salário complessivo[13],que a doutrina repudia.Ainda que a soma dos vários pedidos deduzidos e embutidos num único valor não ultrapasse o teto de quarenta salários mínimos no dia do ajuizamento da ação,o juiz deverá indeferir a inicial,extinguir o processo e condenar o autor em custas sobre o valor do pedido,curvando-se à regra do §1º do art.852-B da CLT.

 

 

José Geraldo da Fonseca[14]

 

 

 

[1] Código Civil, art.1.090.

[2] Código Civil, art.120:“Reputa-se verificada,quanto aos efeitos jurídicos,a condição,cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte,a quem desfavorecer”.A rescisão unilateral do contrato de trabalho,pelo patrão,impede o empregado de implementar a condição necessária à aquisição do direito a férias integrais.É esse o fundamento do cabimento da gratificação constitucional de 1/3 sobre as férias proporcionais.

[3] CF/88,art.7º,XVI.

[4]Para ter direito ao seguro-desemprego, o empregado dispensado sem justa causa deve provar vínculo de emprego com pessoa jurídica ou física a ela equiparada,entre 6 e 11meses,para 3 parcelas,12 a 23 meses,para 4 parcelas e de no mínimo 24 meses nos 36 meses anteriores à dispensa,para 5 parcelas(L.nº8.900,de 30/6/94,art.2º,§2º,I,II e III c/c Resol.CODEFAT nº64,de 28/7/94,art.5º,I,II,III).Calcula-se o benefício,desta forma(art.5º da L.nº7.998,de 11/1/90):até 300 BTN,multiplica-se o salário médio dos 3 últimos meses pelo fator 0,8(art.5º,I);de 300 a 500 BTN,aplica-se até 300 BTN o critério do item I e multiplica-se o excedente por 0,5(art.5º,II);acima de 500 BTN,o valor do benefício será de 340 BTN,considerando-se,para qualquer fim,a média dos salários dos 3 últimos meses anteriores à dispensa,convertidos em BTN pelo valor vigente nos respectivos meses trabalhados(art.5º,parágrafo único).Para cálculo do salário médio,divide-se o salário mensal do empregado,no mês da dispensa,pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV no dia da dispensa;divide-se o valor dos salários dos dois últimos meses anteriores à dispensa pelo valor em cruzeiros reais do equivalente em URV do último dia do mês a que se referir cada um desses salários e extrai-se a média aritmética dos valores resultantes dos itens 4 e 5;por fim,multiplica-se o resultado pelo número de parcelas devido ao empregado,segundo o tempo da relação de emprego comprovado nos autos.O resultado será o valor do seguro-desemprego.Como obrigação de fazer,de caráter fungível,em princípio o empregador obriga-se apenas à dação da guia correspondente ao benefício,mas tal obrigação resolve-se em perdas e danos,nos limites do equivalente em dinheiro,se não puder ser solvida por culpa não-atribuível ao empregado(Código Civil,arts.881 e 1.056 e CPC,art.633).                   

[5] Código Civil, arts.881 e 1.056 e CPC,art.633.

[6]MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO. Petição Inicial. Ed.LTR, Vol.1,2ª tiragem, p.31,diz,verbis:“Tem ocorrido amiúde,na prática,naquelas ações em que o autor postula o reconhecimento jurisdicional da existência de relação de emprego com o réu,de a inicial narrar os fatos a esse respeito(com precisão e clareza),mas não conter pedido expresso nesse sentido.O que o autor postula,expressamente,é:aviso prévio,férias,13º salários,horas extras etc.Na esfera do processo civil,isso estaria,por certo,a tipificar um caso de inépcia da petição inaugural(CPC,art.295,parágrafo único,I),nada obstante o juiz só possa assim declará-la se o autor deixar de atender ao despacho determinador do suprimento da omissão(CPC,art.284).No terreno sensível do processo do trabalho,entretanto,deve-se concluir que a situação em exame traduz “pedido implícito”.Argumentemos.Se o autor narrar(de modo satisfatório)os fatos pelos quais se considera empregado do réu,e,em seguida,pedir a condenação deste ao pagamento,como dissemos,de aviso prévio,férias,13º salário,horas extras e o mais,é razoável,é sensato,é necessário inferir que esta condenação pressupõe o reconhecimento jurisdicional do fato básico,que é a existência da pretendida relação de emprego.Não se nega que,num estágio ideal,em ações dessa natureza o primeiro pedido que o autor deveria formular seria o de declaração da presença da relação de emprego,após o que deduziria os demais,dela oriundos.A simpleza do procedimento trabalhista,todavia,não só justifica,senão que,de certa maneira,exige que se considere implícito o pedido básico,a que aludimos.Em outras situações,esse pedido implícito quanto ao vínculo de emprego chega a estar compreendido no de “anotação da CTPS”:aqui,o que o autor está a pretender,em linguagem menos técnica,é justamente um provimento jurisdicional declaratório da existência da alegada relação de emprego.Nem se objete que os pedidos devem ser interpretados de modo restritivo(CPC,art.293),pois essa regra só se ajusta,com perfeição,aos rigores do processo civil,onde a simplicidade não foi alcandorada à categoria de princípio medular”.          

[7] CPC,art.293.

[8] CPC,arts.420 e seguintes.

[9] CPC,arts.436 e 437.

[10] CARREIRA ALVIM.Ação Monitória e Temas Polêmicos da Reforma Processual,Ed. Del Rey,1995, p.138.

[11]JOSÉ LUIS FERREIRA PRUNES. Direito do Trabalho Bancário.Ed.LTR, 1993,p.296,diz,verbis:”Os dicionários indicam a existência dos vocábulos “completivo”e “compressivo”mas nenhum aponta para o tão propalado ¾ nos meios trabalhistas ¾ salário “complessivo”.O neologismo(melhor dito: galicismo)pretende significar um salário que compreenda num único valor,diversas parcelas.É a situação do empregador que,por exemplo,se propõe a pagar uma quantia qualquer englobando toda e qualquer prestação ao empregado;o salário correspondente ao trabalho normal e ainda as eventuais horas extras,horas noturnas ou outras rubricas.Também tem assim sido considerado o salário que é pago para cobrir uma única espécie de prestação,independente da quantidade realizada.Como exemplo,poderíamos lembrar a verba abonada como “horas extras”em quantia fixa,independente do montante de serviço feito além do horário normal(podendo corresponder à realidade,ser valor superior ao devido realmente ou ¾ o que é bem frequente ¾ sendo inferior à dívida)”.O E.91/TST reputa nula a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais.AMAURI MASCARO NASCIMENTO.Teoria Jurídica do Salário.Ed.LTR,1994,p.137,diz: “Complessivo é aquilo que compreende o conjunto de uma ou de mais coisas conexas.Em português seria salário complexo.Mas é usual a palavra complessivo.A origem da questão relaciona-se com o tema da integração das horas extras no salário-base.Daí referir-se ELSON GOTTSCHALK,em Férias Anuais Remuneradas,a “um salário a forfait pago para cobrir as horas extraordinárias,juntamente com o salário ordinário”.Mais adiante,MASCARO NASCIMENTO diz:”Em princípio, o salário complexo foi reconhecido,inclusive pelo STF(2ª T.,DJ.5/10/53).Outra,no entanto,foi a interpretação do TST permitida pelo contato mais direto com os problemas específicos das relações de trabalho.Permitir o salário complessivo seria uma porta aberta para a fraude.Bastaria,nos processos trabalhistas, alegar a complessividade como forma de liberação do pagamento de adicionais como de horas extraordinárias,noturno,periculosidade,insalubridade,ou,até mesmo,de qualquer forma complementar de remuneração do trabalhador”.

[12] VICENTE JOSÉ MALHEIROS DA FONSECA. O Procedimento Sumaríssimo na Justiça do Trabalho, in Sumaríssimo,Org.AMATRA IV,op.cit.,p.19 pensa exatamente assim.Diz:”Pedido líqüido:a lei não distingue entre reclamação verbal ou escrita.Portanto,a exigência legal aplica-se tanto num como noutro caso.Assim,mesmo na hipótese em que a reclamação verbal for reduzida a termo pelo servidor da Justiça do Trabalho,a inicial deve indicar o valor correspondente.Entendo que deve ser indicado o valor de cada parcela,e não apenas o valor global da demanda,embora o art.840,§1º da CLT não reproduza a regra do art.282,inciso V do CPC,que exige,no processo comum,a indicação do valor da causa,na petição inicial”.

[13] VALENTIN CARRION.Comentários à CLT,Ed.Saraiva,24ª ed.,1999,p.320,diz:”Salário complessivo”ou “completivo”,como prefere Barata Silva,consiste na fixação de uma importância fixa ou proporcional ao ganho básico,com a finalidade de remunerar vários institutos adicionais sem possibilidade de verificar-se se a remuneração cobre todos os direitos e suas naturais oscilações:por exemplo,trabalho extraordinário, horário noturno,descanso remunerado etc.Os fundamentos da nulidade são:a) ¾ falta de nexo causa-efeito e transação com direitos futuros;b) ¾ descumprimento do mandamento constitucional de hora noturna superior à diurna;c) ¾ renúncia pelo empregado a horas extras;d) ¾ descumprimento do pagamento de descanso semanal.A jurisprudência condena tal estipulação,com frequência.Há necessidade de exame de cada hipótese em concreto,pois em algumas delas a inexistência de prejuízo e fraude é evidente;os que entendem que a nulidade deve ser decretada,por princípio,determinando a apuração dos débitos,estão aceitando a eficácia do procedimento se se verificar a inexistência de prejuízo”.

[14] Juiz Federal do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.


Jose Geraldo da Fonseca

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