O brasil na década de 1990: o início do processo de inserção no mercado mundial

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RESUMO: O atual processo de mundialização do capital suscitou diversas correntes de opinião quanto à definição precisa deste fenômeno: constitui uma corrente ideológica ou um projeto econômico? Ë possível desenvolver projetos autônomos de desenvolvimento econômico, ou seja, desvinculados do mercado globalizado. No Brasil, as políticas econômicas e sociais do projeto neoliberal, passaram a ser implementadas com o governo de Fernando Collor de Mello e, posteriormente, intensificadas por Fernando Henrique Cardoso. Desde o início da década de 90, a condução da política brasileira esteve claramente em convergência com o ideário neoliberal. A intensificação da circulação financeira, a desobstrução ao mercado internacional, uma marcante desvalorização cambial, intensivo processo de privatização e medidas voltadas à estabilização monetária (tendo expressão no Plano Real), são políticas voltadas à inserção econômica do país no contexto da nova ordem. Tendo em vista a fundamentação da afirmação acima, buscou-se a análise de alguns aspectos da política governamental desenvolvida durante a década de 1990, onde foram analisados documentos do Governo Federal intitulados “Mensagem ao Congresso Nacional 1997” e “Nova Política Industrial, Desenvolvimento e Competitividade”, onde estão salientadas as principais medidas adotadas pelo governo com relação ao panorama econômico (inflação, nível de renda e emprego e política monetária, creditícia, cambial e fiscal), investimentos para o desenvolvimento (Programa Brasil em ação), desenvolvimento social (trabalho e educação) e uma nova política industrial visando desenvolvimento e competitividade.

PALAVRAS-CHAVE: Globalização – neoliberalismo – política econômica brasileira.

ABSTRACT: The current process of the capital globalization keyed up diverse opinion chains on the need of a precise definition of this phenomenon: Does it constitute an ideological chain or an economic project? It is possible to develop independent projects of economic development, or either, unconnected from the globalize market. In Brazil, the economic and social policies of the neo-liberal project were first implemented by the government of Fernando Collor de Mello and later intensified by Fernando Enrique Cardoso. Since the beginning of the 90’s, the conduction of the Brazilian politics was

clearly in convergence against the neo-liberal ideas. The strengthening of the financial flow, the exclusion of impediment to the international market, acute exchange rate depreciation, an intensive process of privatization and measures directed to the monetary stabilization (highlighted by the Real Currency Plan) are politics that aim economic insertion of the country in the context of the new order. In view of grounding the statements above, the analysis of some aspects of the governmental politics developed during the 90’s was carried out, in which documents entitled “Message to the National Congress 1997” and “New Industrial, Development and Competitiveness Politics” from the Federal Government had been analyzed. The main measures adopted by the government are pointed out in relation to the economic panorama (inflation, income and job status, monetary politics, credit, currency exchange rate and fiscal politics), investments for the development (Program Brazil in action), social development (work and education) and a new industrial politics aiming at development and competitiveness.

KEYWORDS: Globalization – neoliberalism – Brazilian economic politics

Desde o início da década de 70 o mundo vem passando por profundas transformações, que não se restringem somente à área econômica, estendendo-se, principalmente, à área social. A este conjunto de mudanças denominou-se “processo de globalização”, que também pode ser entendido como “planetarização”, “aldeia global” ou “americanização”, dependendo do enfoque da análise. Mas essencialmente, o “processo de globalização” constitui a mundialização do capital financeiro, ou seja, do capital rentista ou fictício. O processo aqui denominado mundialização do capital pode ser definido como uma reestruturação do capitalismo em novas bases econômicas, visando a recuperação das taxas de acumulação das décadas anteriores.

Tendo em vista a viabilização das medidas adotadas para a reestruturação capitalista, foram necessárias determinadas políticas que possibilitassem o pleno desenvolvimento do processo. Integrados neste contexto surgem denominações como privatizações, desregulamentação econômica, abertura de mercado, desterritorialização, Estado mínimo e exclusão social, sendo viabilizadas por um programa de governo específico, o neoliberalismo. O programa neoliberal possibilita a implantação de reformas necessárias ao desenvolvimento e reprodução do capitalismo financeiro, podendo ser caracterizado como a sua expressão política, especificamente, como foi salientado, do capital financeiro

Todo este processo está marcado por profundas discussões e polêmicas, desde sua origem até suas conseqüências. Trata-se de um novo fenômeno ou apenas uma etapa de desenvolvimento do capitalismo, a chamada terceira revolução técnico-científica? Alguns estudiosos afirmam que a busca pelo caminho das Índias já configurava uma globalização do capital, ou ainda os primeiros mercadores a realizar o “comércio além fronteiras”. Neste sentido, Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto Comunista redigido em 1848, já relatavam a existência de um mercado mundial.

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela roubou da indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas diariamente […] No lugar do antigo isolamento de regiões e nações auto suficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornaram-se patrimônio comum […] das numerosas literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal. (COGGLIOLA, 1998, p. 43)

Mas o que presenciamos atualmente, precisamente deste o início da década de 70, é a mundialização do capital financeiro, também chamado de capital rentista ou “fictício”. A lógica do capital se manifesta de uma forma distinta daquela observada após a Revolução Industrial, onde havia a reprodução dos meios materiais de produção: D-M-D’ (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro). A mundialização do capital se desenvolve através da reprodução do capital financeiro, do capital rentista: D-D’( Dinheiro-Dinheiro). Neste novo contexto, há uma maior movimentação de capitais no mercado financeiro em detrimento do investimento produtivo: “Dos cerca de US$ 1,5 trilhão que são negociados no Planeta todo o dia, menos de 5% se relaciona a negócios com bens e serviços. Os outros 95% são parte de atividades especulativas, que fogam com as flutuações de câmbio e as taxas de juros.” (FARIAS, 1999).

Estudiosos apontam para a originalidade do processo, marcada essencialmente pela rapidez com que ocorrem as transformações e pelas conseqüências praticamente imediatas advindas das políticas econômicas próprias do referido processo. Esta corrente distingue o chamado processo de globalização das transações comerciais anteriores em razão da amplitude em que se apresenta, pois, com o “comércio além fronteiras” havia a prática da internacionalização do capital e com a globalização temos a formação do mercado mundial no sentido do termo, ou seja, o embricamento ou dependência das economias em termos mundiais. Outra característica que, segundo esta determinada corrente aponta, diz respeito ao desenvolvimento tecnológico verificado desde o início de 1970, período de início do referido processo. A rapidez com que ocorrem as inovações tecnológicas o caracteriza como um novo fenômeno mundial, conforme demonstra os dados da tabela abaixo:

Evolução dos meios de comunicação de massa

Tempo que cada meio de comunicação de massa demorou a

atingir 50 milhões de usuários

Rádio 38 anos

Computador pessoal 16 anos

Televisão 13 anos

Internet 4 anos

Fonte: Jornal Folha de S.Paulo, 11/07/99, p: 1-17

Base de Dados: Pnud/99

Segundo Giovanni Alves, a rede mundial de computadores – Internet– constitui o arcabouço midiático da financeirização :

O desenvolvimento do ciberespaço na última década do século XX é um produto legítimo – e avançado – da Terceira Revolução Científico-Tecnológica. Ele é um dos importantes avanços no campo da comunicação informatizada, ou telemática, a partir dos anos 80 que contribuiu para impulsionar a mundialização do capital. Na verdade, a Internet se constituiu no arcabouço midiático de uma nova etapa do capitalismo mundial, cuja principal característica é o predomínio da financeirização. (ALVES, 1999, p.169)

O atual processo de mundialização do capital suscitou diversas correntes de opinião quanto à definição precisa deste fenômeno: Constitui uma corrente ideológica ou um projeto econômico? Ë possível desenvolver projetos autônomos de desenvolvimento econômico, ou seja, desvinculados do mercado globalizado? Visto como o produto do desenvolvimento das forças produtivas do sistema capitalista pode ser considerado inevitável ? Questões ainda sem respostas, pois a humanidade vivencia o chamado processo de globalização e suas consequências ainda não estão totalmente definidas.

 

1. O Brasil e o processo de inserção na nova ordem mundial

No Brasil, as políticas econômicas e sociais do projeto neoliberal, passaram a ser implementada com o governo de Fernando Collor de Mello e, posteriormente, intensificadas por Fernando Henrique Cardoso. Desde o início da década de 90, a condução da política brasileira esteve claramente em convergência com o ideário neoliberal. A intensificação da circulação financeira, a desobstrução ao mercado internacional, uma marcante desvalorização cambial, intensivo processo de privatização e medidas voltadas à estabilização monetária (tendo expressão no Plano Real), são políticas voltadas à inserção econômica do país no contexto da nova ordem: a mundialização do capital financeiro.

A adoção destas medidas faz parte de uma estratégia global de modernização liberal, que procura seguir as regras estabelecidas pelo “Consenso de Washington”. (CARCANHOLO, 1998, p. 88). No final de 1989, membros dos organismos de financiamento internacional (Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e Banco Mundial), funcionários do governo americano e economistas latino-americanos se reuniram para avaliar as reformas econômicas implementadas na América Latina. Desta reunião surgiram conclusões e recomendações que acabaram funcionando como um “manual” da política neoliberal, que ficou conhecido como “Consenso de Washington”.

As recomendações propostas pelo “Consenso de Washington” abrangem as seguintes áreas: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira e comercial, regime cambial, investimento direto estrangeiro, privatização, desregulação e propriedade intelectual. (CARCANHOLO, M.D. 1988, p. 25)

Em linhas gerais, o ideário neoliberal consiste em políticas voltadas à desestatização da economia, com a minimização da interferência do Estado; abertura dos mercados para desobstrução do comércio internacional, com o objetivo de estimular a concorrência com os produtos nacionais e propiciar a modernização e desenvolvimento da estrutura produtiva nacional; estabilização monetária, a fim de atrair investimentos estrangeiros e amplo processo de privatização, com o objetivo de diminuir as dívidas internas e externas.

Durante a década de 1990, estas medidas puderam ser observadas na política governamental do país, embora seja inviável encontrar o termo neoliberalismo nos discursos dos dirigentes, a orientação econômica e política se assemelha ao ideário neoliberal. O que se encontra explicito é a afirmação de que o objetivo da política governamental no período era a inserção da economia brasileira no mercado mundial.

Tendo em vista a análise de alguns pontos da política governamental desenvolvida durante a década de 1990 serão utilizados documentos do governo federal intitulados “Mensagem ao Congresso Nacional 1997” e “Nova Política Industrial, Desenvolvimento e Competitividade”, onde estão salientadas as principais medidas adotadas pelo governo com relação ao panorama econômico (inflação, nível de renda e emprego e política monetária, creditícia, cambial e fiscal), investimentos para o desenvolvimento (Programa Brasil em ação), desenvolvimento social (trabalho e educação) e uma nova política industrial visando desenvolvimento e competitividade.

Convêm salientar que este estudo não pretende uma análise detalhada das diversas políticas governamentais relativas ao processo de inserção do país na nova ordem mundial, portanto, este se limita ao levantamento de algumas questões, consideradas suficientes para realizar um panorama da político-econômica do governo federal e algumas de suas consequências na área social, durante o período anteriormente especificado.

 

2. O Plano Nacional de Desestatização e a privatização no Brasil

Considerado um dos pilares do programa neoliberal de governo, como um meio de equilibrar as contas internas e externas do Brasil, o processo de privatização de empresas estatais evidenciou-se praticamente durante toda a década de 90. Segundo tabela abaixo, o processo de ajuste fiscal, iniciado com o governo Collor de Mello, até o ano de 1994 foi responsável pela desestatização de 33 empresas:

Balanço do PND (dezembro 1994)

Governo Número de empresas US$ (milhões)

COLLOR 15 3,494

ITAMAR 18 5,113

TOTAL 33 8,607

Fonte: BNDES

O Plano Nacional de Desestatização (PND) foi considerado, pelo Governo Federal, como uma das prioridades para a reforma do Estado e, tendo em vista a necessidade de “ampliar o alcance do programa e conferir-lhe maior agilidade”, foi criado o Conselho Nacional de Desestatização (CND), integrado por Ministros de Estado, presidido pelo Ministro de Planejamento e subordinado diretamente ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

Uma das determinações básicas do CND consistiu na aceleração do processo de privatizações, compreendendo a desestatização dos setores petroquímico, elétrico, ferroviário, financeiro, siderúrgico, fertilizantes transportes e telecomunicações. Com a intensificação do processo de privatizações o governo federal pretendeu pretende efetuar uma substituição do chamado “Estado-empresa” para uma posição de “Estado-responsável pela fiscalização”, onde foram estabelecidas regras a serem cumpridas pelos investidores a fim de continuar ofertando bons serviços à população.

Ao abandonar o papel de Estado-empresa, o Governo não estará furtando-se às suas obrigações básicas, mas sim viabilizando o papel de Estado-regulador.

Ao conceder serviços públicos ao setor privado, o Estado poderá dedicar-se mais adequada e exclusivamente às atividades de regulação e fiscalização desses serviços, tarefas essenciais para desenvolvimento econômico e social do País. A consolidação do marco regulatório permitirá aos investidores regras claras e segurança para sua tomada de decisão e garantirá a qualidade e continuidade dos serviços prestados à população. (Governo Federal, 1995)

Exemplos deste novo papel do Estado como regulador nas áreas privatizadas foram a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Tendo em vista o ajuste fiscal – diminuição das dívidas externas e internas – uma das justificativas do governo federal para efetuar a venda das estatais, consistiu no repasse das dívidas acumuladas por estas empresas ao setor privado, revertendo estes recursos para a área social. Sobre esta questão, Aloysio Biondi contesta este repasse de dívidas, pois, segundo dados estatísticos apresentados pelo autor, há uma divergência entre o que o governo federal anunciou e o que pôde ser verificado na prática: “O governo diz: as vendas das estatais arrecadaram 68,7 bilhões de reais, e o governo ainda livrou-se de 16,5 bilhões de dívidas que as empresas tinham. No total seriam 85,2 bilhões de reais de saldo”1. (BIONDI, 1999, p. 40).

Segundo Biondi, grande parte das dívidas supostamente transferidas aos compradores foram “engolidas” pelo governo, ou seja, o poder público, embora não sendo proprietário das empresas, se responsabilizou pelo seu pagamento. Além desta questão, o autor também aponta outras discrepâncias entre o discurso do governo e o que se verificou na prática:

Houve perdas de longo prazo, a serem pagas em prestações, isto é, o dinheiro não entrou no caixa do governo, mas o seu valor total já foi incluído, enganosamente, nos resultados divulgados pelo governo. Houve ainda dívidas das empresas privatizadas, e que foram ‘engolidas’ pelo Tesouro e deveriam ser pagas pelos ‘compradores’. E mais outras despesas que o governo esconde: investimentos antes das privatizações; demissões em massa antes das privatizações; dividendos que o governo deixou de receber, e pôr aí afora”. (BIONDI, 1999, p. 40).

Dívidas das estatais privatizadas assumidas pelo governo federal

Valor em bilhões de reais

 

Empresa

 

Ano

 

valor

 

Anos

Quanto o governo perdeu a juros de 15% ao ano

AÇOMINAS

1993

0,4

0,3

COSIPA

1993

1,6

1,3

CSN

1993

1,0

6

0,9

PETROQUÍMICAS

1992

3,0

7

3,1

RFF

1997

3,8

2

1,2

FEPASA- SP

1997

3,0

2

0,9

BANERJ

1997

3,3

2

1,0

TOTAL

1997

16,1

2

8,7

Fonte: BIONDI, 1999, p 40

Para exemplificar, o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), onde, no ano de 1993, o governo federal assumiu uma dívida de 1 bilhão de reais. Segundo o autor, com uma taxa de juros de 15% anuais, o governo perdeu 150 mil reais por ano, totalizando , no período de 6 anos, 900 mil reais. Nestas condições o governo federal, além de ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas, ainda perdeu a fonte adicional de recursos provenientes das empresas privatizadas. Ainda sobre esta questão, investimentos feitos pelo governo antes da privatização das estatais, que não foram contabilizados no cálculo do preço da venda, no caso das privatizações da Açominas, CSN e Telebrás, a perda com investimentos anteriores (28,5 bilhões) mais juros de 15% ao ano, chegam ao valor de 37,4 bilhões.

Com relação às demissões em massa, o autor coloca que o governo federal demitiu milhares de funcionários antes de leiloar as estatais, ficando responsável pelo pagamento de indenizações e direitos trabalhistas que caberiam aos “compradores”, além dos encargos de aposentados e fundos de pensão:

Demissões anteriores à privatização das empresas estatais

 

Empresa

 

Funcionários existentes

 

Demissões antes de privatizar

BANERJ

12.000

5.800

FEPASA-SP

nd

10.000

TECON-SANTOS

6.000

2.300

CENTRO-LESTE

11.000

3.000

CENTRO-OESTE

nd

2.600

MALHA SUDESTE

7.700

1.100

Fonte: Biondi, 1999, p. 41

A aceleração do processo de privatizações, especificamente no governo Fernando Henrique Cardoso, assim como outros mecanismos de desestatização , como aquisições (compra e venda) e fusões (união de duas ou mais empresas) , provocou o enfraquecimento não somente do setor público mas também, do setor privado nacional. As significativas associações com o capital estrangeiro refletiram na perda de controle acionário de parte do empresariado brasileiro. Como exemplo, cita-se o caso do Grupo Metal Leve, de capital privado nacional, extinto após a venda paro grupo alemão Mahle, em 1996. Como também as Organizações Globo e Grupo Votorantim, que recorreram ao capital estrangeiro por meio de fusões ou empréstimos externos. (GONÇALVES,1999:138)

 

3. Abertura comercial : a desobstrução do mercado nacional ao capital internacional.

Conforme citado anteriormente, um dos componentes do programa neoliberal de governo, e uma das recomendações do “Consenso de Washington”, consiste na abertura dos mercados nacionais visando uma maior integração com o comércio internacional. Segundo esta concepção, o aumento da competitividade traria benefícios a industria nacional, promovendo sua modernização e desenvolvimento. Neste sentido, a política cambial e de comércio exterior no Brasil demonstrou concordância com esta orientação, pois, segundo documento do governo federal:

A política governamental para o setor externo tem procurado consolidar a abertura comercial e a modernização da economia brasileira […] A abertura da economia é ilustrada pela expansão significativa da corrente de comércio (total das transações comerciais com o exterior), que atingiu cerca de US$ 100 bilhões”.(Governo Federal, 1997)

Num primeiro momento a política de abertura da economia ao mercado internacional trouxe consequências negativas ao parque industrial brasileiro. Nas décadas anteriores havia uma forte tendência das políticas governamentais em propiciar o desenvolvimento nacional com barreiras alfandegárias para evitar a concorrência com os produtos originários dos países desenvolvidos. O objetivo consistiu em desenvolver tecnologia própria para que as indústrias nacionais tivessem condições viáveis de competir com os produtos importados. Com o término das reservas de mercado, no início da década de 1990, parte das indústrias brasileiras apresentaram sinais de despreparo para competir com a grande quantidade de produtos estrangeiros que tiveram acesso ao mercado, com preços inferiores aos nacionais.

A política governamental salientou alguns mecanismos de incentivo às indústrias nacionais, por meio de financiamentos, com o objetivo de aumentar sua competitividade no mercado internacional. A Nova Política Industrial, também conhecida como Política de desenvolvimento e Competitividade, implementada pelo governo federal, visava a modernização produtiva, por meio da atração de investimentos e de ganhos de competitividade:

A Nova Política Industrial vigente no Brasil apresenta diretrizes distintas das que orientaram a ação do Governo Federal durante as seis décadas de substituição de importações. A abertura e a estabilização econômica são elementos fundamentais das transformações em curso, que envolvem uma ampla restruturação industrial.

A ação do agente governamental não traz a marca do “voluntarismo desenvolvimentista”, e orienta-se para estimular o setor privado a promover a restruturação industrial, que já se traduz em melhoria da produtividade e leva a economia brasileira a tornar-se mais competitiva.

Assim, a abertura comercial representou um grande desafio à indústria brasileira, que ficou mais exposta à competição com países de tradição industrial mais antiga e mesmo com aqueles de industrialização recente, voltados agressivamente para a conquista de mercados externos. Por esse motivo, as políticas, programas e ações que constituem a Nova Política Industrial foram concebidos de forma a apoiar fortemente a restruturação e o desempenho competitivo do setor. (Governo Federal, 1998)

Em linhas gerais, a Política de Desenvolvimento e Competitividade baseia-se em cinco pontos centrais: promoção de competitividade, modernização empresarial produtiva, redução do “Custo Brasil”, criação de condições favoráveis à maior competitividade e estímulo à educação e qualificação do trabalhador.

O financiamento para viabilização destas medidas ficou sob a responsabilidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), objetivando a expansão e reestruturação produtiva, a geração de empregos e qualificação dos recursos humanos, introdução de melhoria de qualidade nas empresas, manutenção de níveis adequados de preservação ambiental e disponibilidade de infraestrutura e social:

O BNDES passou a desempenhar um papel de instrumento fundamental de promoção da modernização produtiva, não somente pelo maior volume de recursos que aplicou nos diversos setores da atividade produtiva, mas também pela nova postura gerencial de adequar seus instrumentos às reais necessidades dos tomadores dos seus empréstimos. (Governo Federal, 1998)

Desta forma, a política de comércio exterior do governo federal tinha como objetivo um aumento de produtividade no país e condições viáveis de competição no mercado internacional. Uma das consequências esperadas com esta política era obter um superávit na balança comercial, com um aumento considerável no volume das exportações.

A atuação do Governo para o aumento de competitividade representa um ponto de apoio indispensável às indústrias brasileiras no esforço para a conquista de mercados e para a reversão do desequilíbrio nas contas externas do País. Como resultado da abertura comercial e da estabilização econômica, o Brasil deixou de ostentar o terceiro maior superávit comercial do mundo, passando a uma fase de déficit na sua balança comercial. (Governo Federal, 1998)

Segundo Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), o déficit na balança comercial não se manifestou apenas na economia brasileira, mas esteve presente em grande parte dos países em desenvolvimento que adotaram a mesma orientação política de inserção no mercado mundial:

A verdade é que, para a maioria das economias em desenvolvimento, o aumento das importações tem sido consistentemente superior ao das exportações. O exemplo mais dramático é o da América latina, onde essa brecha é em média de quatro pontos percentuais, mas o desequilíbrio é geral. (Rïcupero, 1999)

Ao tratar desta situação de desequilíbrio negativo nas contas externas do Brasil, o governo federal esclarece que:

Porém, diferentemente das práticas de concessão de câmbio e crédito favorecidos a setores selecionados, que gerou no passado superávits a um alto custo para a sociedade, a atual estratégia visa a garantir ao produtor brasileiro – sob o aspecto de financiamento – condições de competir de igual para igual com seus concorrentes externos.” (Governo Federal, 1998)

Portanto, o que se pôde compreender da proposta política do governo federal com relação ao comércio exterior foi a capacitação da estrutura produtiva brasileira, por meio de financiamento, criando condições de igualdade na concorrência com os produtos originários de outros países, propiciando uma elevação no volume das exportações.

O raciocínio demonstrou ser coerente com o objetivo de crescimento econômico sustentado, não fosse a permanência do “alto custo para a sociedade”, citado como consequência do superávit obtido nas décadas de intervencionismo estatal na economia. As consequências da política econômica neoliberal para a área social puderam ser verificadas pelas altas taxas de desemprego, que permaneceu em ascensão durante grande parte da década de 90, e pela crescente exclusão social, demonstrada pela elevação da linha de pobreza de parte significativa da população brasileira, acentuando a desigual distribuição de renda no país.

No contexto da mundialização do capital financeiro não há como visualizar economias extremamente fechadas, desenvolvendo programas econômicos autônomos. Até porque, segundo Carcanholo, este não é o caso do Brasil que desde a década de 50 apresenta índices de abertura econômica, superiores aos dos Estados Unidos. (CARCANHOLO, 1998, p.30)

Desta forma, compreende-se que a questão não diz respeito propriamente a abertura comercial, pois, de certa forma, a concorrência estimula o crescimento, mas a forma como foi implementada pelo governo federal durante a década de 90. Ricupero salienta esta tendência dos países em desenvolvimento em promover a abertura econômica de maneira abrupta, contrariando o que ocorre em nações mais desenvolvidas, onde o processo é lento e gradual. Ao tratar da questão do déficit na balança comercial, o autor esclarece que:

Outra razão de peso se encontra nas liberalizações comerciais de estilo ‘Big Bang’ efetuadas por muitos países pobres em contraste com o processo incomparavelmente mais relutante, gradual e cauteloso seguido pelos ricos. Aliás, os únicos países em desenvolvimento com melhores resultados nessa área têm sido os asiáticos, incluindo China e Índia, que adotaram ritmo seletivo e moderado na abertura. (RICUPERO, 1999)

Segundo o autor, somente nesta década as exportações européias para a América Latina aumentaram em 164%, em contrapartida, o processo inverso “experimentou o modesto incremento de 29%”.

 

4. Consequênciassociais da aplicação do ideário neoliberal no Brasil.

4.1 Flexibilização trabalhista: o desmonte do mundo do trabalho

Nas décadas anteriores a mundialização do capital financeiro, especialmente no período pós-guerra, o processo produtivo baseava-se no modelo taylorista/fordista2 de produção, cuja divisão nacional e internacional do trabalho demandava mão de obra especializada na execução de determinadas tarefas no interior do processo, acarretando conhecimentos repetitivos e, em sua maioria, com baixa qualificação. Este modelo de acumulação capitalista caracterizou-se por uma intensa exploração da mão de obra, tanto adulta quanto infantil, com excessivas jornadas de trabalho, locais insalubres e baixa remuneração, além de um crescente processo de substituição homem/máquina, propiciado pelos avanços tecnológicos.

Mas, em contrapartida, foi um período marcado por uma forte mobilização operária, pois haviam as condições propícias ao fortalecimento dos trabalhadores como classe: uma imensa quantidade de operários nas indústrias mobilizavam-se em defesa de interesses comuns, como redução da jornada de trabalho e melhorias salariais, tendo os sindicatos como expressão máxima.

O fortalecimento sindical foi acentuado com a intensificação da expansão transnacional dos processos produtivos às localidades das regiões periféricas, ampliando o poder de negociação dos trabalhadores tanto nos países centrais quanto nos países em desenvolvimento: “Como consequência das novas estruturas de acumulação expandidas multinacionalmente, ocorreu um crescimento maciço do poder social do operariado, em especial o europeu. Isso ficou claramente evidenciado no final dos anos 60 e começo dos anos 70 por uma onda de mobilização social que atingiu quase todos os países, quando as bases para a atual lógica global começaram a se assentar.” (DUPAS, 1999, p. 52)

Esta tendência de fortalecimento sindical começou a sofrer uma reversão exatamente quando estas bases para a atual lógica global começaram a se afirmar. Com o aumento da utilização de tecnologias avançadas no processo produtivo, houve um deslocamento na correlação de forças entre os trabalhadores

e a classe patronal.

Durante o período em que o processo produtivo esteve assentado sob o modelo de organização do trabalho taylorista/fordista, havia a necessidade de uma grande quantidade de trabalhadores nas indústrias. Para a produção em massa, também se faziam necessários trabalhadores em massa. Esta necessidade de utilização de um grande contingente de trabalhadores aumentava o poder de negociação dos sindicatos.

A intensificação da automação na grande indústria propiciou a liberação de uma massa de trabalhadores, criando um excedente de força de trabalho que acentuou o contingente do “Exército Industrial de Reserva”, enfraquecendo o raio de ação das bases sindicais: “Novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são ‘substituídos’ pela flexibilização da produção, pela ‘especialização flexível’, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação de produção à lógica do mercado.” (ANTUNES, 1999, p.16).

A reestruturação da empresa capitalista, como uma das respostas à crise da acumulação do capital no início da década de 70, visava a obtenção de um maior lucro sem aumentar o número de trabalhadores. A utilização maciça de tecnologias avançadas no processo produtivo provocou a transformação do trabalho especializado, onde o operário exercia tarefas limitadas, ao trabalho polivalente, onde o operário pode operar várias máquinas ao mesmo tempo. O trabalho individualizado passa a ser exercido por uma equipe, onde um grupo de trabalhadores opera um sistema de máquinas automatizadas.

A produção em série e em massa do modelo fordista/taylorista foi substituída pela produção pela demanda, ou seja, se produz o que o mercado necessita no momento, com a formação de um estoque mínimo. Utiliza-se o sistema kanban, importado das técnicas de gestão dos supermercados nos EUA, onde os produtos são repostos quando saem das prateleiras, minimizando os estoques. Também há uma preocupação com o controle do tempo de produção, incluindo armazenagem e transporte, e a qualidade do produto final, expressa pelo sistema just in time e pelos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs).

A flexibilização do processo produtivo reflete no mundo do trabalho com a flexibilização das relações trabalhistas, que são forçadas a acompanhar e se adaptar às inovações tecnológicas, com a alteração das relações contratuais. No novo contexto, a integração vertical do modelo fordista, onde as diversas etapas de montagem eram realizadas na própria empresa, foi substituída pela chamada horizontalização ou terceirização do processo produtivo, que consiste no repasse de determinadas fases da produção aos serviços de terceiros. Esta subcontratação de serviços externos ao quadro funcional da empresa debilita a organização dos trabalhadores, acentuando a precarização e informalidade do trabalho, por meio dos contratos provisórios que limitam os direitos trabalhistas.

Em linhas gerais, a restruturação capitalista iniciada na década de 70, foi responsável por grandes transformações no mundo do trabalho e no poder de negociação do movimento sindical. A intensificação da utilização de avançadas tecnologias no processo produtivo, responsável pela elevação dos índices de desemprego estrutural e pela desmobilização dos trabalhadores, e o crescimento da economia informal, dentre outros fatores, propiciaram uma acentuação da chamada “dessindicalização” na década de 90.

A “dessindicalização” constitui um fenômeno de âmbito mundial, pois expressa o resultado de um processo de reestruturação produtiva do capitalismo, estando presente tanto em economias desenvolvidas como nas chamadas economias “emergentes”, recém integradas ao processo de mundialização do capital.

Nesta determinada etapa de acumulação capitalista, diversos fatores contribuem para a desmobilização dos trabalhadores, como a possibilidade de deslocamento de certos setores do processo produtivo para outras regiões — desterritorialização3, desestabilizando a organização sindical; a flexibilização do trabalho, acompanhando a flexibilização produtiva, que acentua o trabalho informal, com contratos parciais e precários; e a coexistência em uma mesma fábrica de trabalhadores formais e terceirizados, com salários e garantias diferenciadas.

Todas estas transformações no mundo do trabalho provocam um certo individualismo dos trabalhadores, que, pressionados pela flexibilização nas relações trabalhistas e pelos crescentes índices de desemprego, refletem um enfraquecimento do movimento sindical e lhe impõe um grande desafio, “…como aglutinar em projetos políticos-sindicais comuns trabalhadores cada vez mais dispersos e em situação progressivamente precária?”. (Dupas, 1999, p.55)

Uma tendência verificada no final da década de 90 foi um processo inverso ao enfraquecimento dos sindicatos no que diz respeito às organizações não governamentais (ONGs) representativas dos trabalhadores, que obtiveram maior expressão substituindo as greves pela publicidade, boicotes, ações judiciais e outros métodos de ação similares. (SILVA, 1999)

4.2 – O desemprego no Brasil

Segundo dados do Seade-Dieese, no Brasil do final de 90 havia aproximadamente 12 milhões de desempregados e, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo chegou a 1 bilhão.(FECESP, 1998). Convêm ressaltar que o atual desemprego difere daquele observado em décadas anteriores, onde as oscilações entre crescimento e recessão econômica provocavam o desemprego cíclico, possibilitando que a mão de obra liberada em épocas de crise pudesse ser reabsorvida pelo mercado de trabalho em um período de alta produtividade. O que se verifica é a predominância do desemprego estrutural, ou seja, aquele provocado pela crescente automação do processo produtivo (robótica, cibernética, etc.). Nestas condições a mão de obra dispensada dificilmente seria reabsorvida pelo mercado, provocando altos índices de desemprego.

Ao tratar das altas taxas de desemprego verificadas no mercado de trabalho brasileiro não há como atribuí-las somente à introdução maciça de avançadas tecnologias no processo produtivo, embora seja um fator fundamental na liberação de um grande número de trabalhadores, principalmente nas indústrias metalúrgicas e automobilísticas. Um outro fator responsável pela formação desta grande quantidade de mão de obra ociosa está na condução da atual política econômica: abertura comercial e sobrevalorização cambial.

Segundo Guido Mantega, há uma correlação inversa entre desemprego e crescimento econômico, ou seja, um aquecimento na economia certamente promoverá uma queda nas taxas de desemprego (Mantega, 1998). A abertura comercial, tendo início no governo Collor e intensificada com Fernando Henrique Cardoso, propiciou uma avalanche de importações com câmbio sobrevalorizado, permitindo a entrada de produtos estrangeiros com preços inferiores aos nacionais. “O setor industrial eliminou, de 1989 a 1998, 1,2 milhão de postos (de trabalho) principalmente por força das importações”4. A política econômica de altos juros, a fim de atrair capital estrangeiro, acabou dificultando e, em alguns casos, inviabilizando o desenvolvimento da indústria nacional.

Desde 1990, houve uma perda de 2.435.860 postos de trabalho formal no Brasil, dos quais 2.111.650 fechados no governo Collor de Mello (1990-92), 428.622 de postos de trabalho abertos no governo Itamar Franco (1993-94) e 752.832 postos fechados no governo FHC (1995-1998) até 1997. Levando-se em consideração que entram 1,6 milhão de jovens brasileiros no mercado de trabalho a cada ano, veremos porque a década dos 90 está sendo a década perdida do emprego no Brasil. (MANTEGA, 1998).

Segundo pesquisa Datafolha, que levantou dados em todo o país , em junho de 1999 o desemprego atingiu 10,4 milhões de indivíduos com mais de 16 anos, compreendendo 10% da PEA. Os dados demonstram que 16% da população economicamente ativa vivem de “bicos”, 8% são assalariados sem registro, 7% são autônomos regulares, 5% funcionários públicos, 2% empresários e 1% praticam outros serviços.

Uma das consequências da ascensão do número de desempregados no país, durante a década de 90, diz respeito ao aumento de pessoas que se dedicaram ao trabalho precário, vivendo de “bicos” ou trabalhando por conta própria, constituindo um grande contingente de “subproletariados”. Neste contexto havia uma tendência, já confirmada pelas estatísticas, de crescimento da economia informal:

O setor informal da economia brasileira movimentava, no mês de outubro de 1997, R$ 12,890 bilhões, através de quase 9,478 milhões de empresas que empregavam mais de 12 milhões de pessoas, entre pequenos empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e sem carteira assinada e trabalhadores não remunerados. Do total das empresas, instaladas sobretudo no Sudeste, 86% pertencem a trabalhadores por conta própria e apenas 14% referem-se a empregadores que contratavam até cinco empregados.(Coordenação Geral de Comunicação Social – IBGE, 1999)

Estes dados foram obtidos pela Pesquisa Economia Informal Urbana elaborada pelo IBGE no ano de 1997, onde foram realizadas entrevistas em aproximadamente 50 mil domicílios nas áreas urbanas de 753 municípios, considerando como pertencente à economia informal toda a atividade de trabalhadores por conta própria ou pequenos empregadores, em atividades não-agrícolas.

Certamente o desemprego não pode ser responsabilizado como o único fator determinante do crescimento da economia informal, pois há trabalhadores que se dedicam à esta atividade a fim de complementar a renda familiar. Mas, segundo pesquisa Datafolha, 52% dos entrevistados que se dedicam a este tipo de serviço o fazem por falta de alternativa de emprego formal.

Em linhas gerais, estes dados demonstram uma fragilização do mundo do trabalho na era da chamada globalização, onde se verifica uma alteração na relação capital/trabalho. A precariedade e informalidade do trabalho levaram a uma fragmentação da consciência de classe dos trabalhadores e consequente enfraquecimento do poder sindical. No caso do Brasil, o governo federal implementou mecanismos de promoção de empregos, como o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER).

Neste contexto podem ser visualizadas algumas medidas que podem favorecer a minimização deste quadro de desmonte do mundo do trabalho , como uma política industrial direcionada ao estímulo à pequena e média-empresa, propiciando uma maior oferta de emprego, já que são as responsáveis pela maior parte da mão de obra empregada no país.

Gilberto Dupas argumenta que para haver um crescimento econômico conjugado com uma política social satisfatória há a necessidade de uma participação direta da sociedade civil e da iniciativa privada no setor econômico:

O país vai ter que apresentar um desempenho melhor na área social e o processo só avançará se for invertida a relação: é a sociedade que terá de assumir o processo, por meio das associações e organizações não governamentais. O Estado vai ser normativo e responsável pela fiscalização, mas quem vai gerenciar é a própria sociedade”. (DUPAS, 1999, Jornal O Estado de S.Paulo)

Portanto, em conformidade com esta proposta, a possibilidade de inclusão no processo produtivo dos chamados “excluídos”, depende de uma política consistente de criação de novos postos de trabalho, conjugada com a participação ativa da sociedade civil, relegando ao Estado somente a função de mediador.

4.3 Exclusão social: o aumento das desigualdades

A questão do desemprego nos remete, em termos sociais, à questão central do chamado processo de globalização, ou seja, a grande massa da população que permanece alheia às inovações advindas deste processo, os comumente designados como excluídos.

Mais do que nunca, as desigualdades sociais, econômicas, políticas e sociais estão lançadas em escala mundial. O mesmo processo de globalização, com o que se desenvolve a interdependência, a integração e a dinamização das sociedades nacionais, produz desigualdades, tensões e antagonismos. O mesmo processo de globalização, que debilita o Estado-Nação, ou redefine as condições de sua soberania, provoca o desenvolvimento de diversidades, desigualdades e contradições, em escala nacional e mundial”. (IANNI, 1997, p.50)

O mundo tornou-se pequeno, o sistema financeiro global negocia imensas quantidades de valores em segundos, informações são transmitidas ao outro lado do planeta em tempo real. Estas transformações ocorrem em grande velocidade, como também se intensifica a automação, o desemprego, o grande número de excluídos e a consequente elevação da pobreza de grande parte da população.

Um claro indicativo das consequências sociais da política econômica desenvolvida com o objetivo de iniciar o processo de inserção do Brasil no mercado mundial pode ser visualizado pelo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) publicado em 1999, com base em dados obtidos em 1998. O relatório intitulado “Globalização com uma face humana” demonstrou uma queda na qualidade de vida dos brasileiros, fato responsável pelo rebaixamento do país no ranking de desenvolvimento humano. No relatório anterior, com base nos dados obtidos em 1995, o Brasil esteve na 62º posição entre os 174 analisados, no relatório de 1999 ocupou a posição de 79º lugar, saindo do grupo dos países com alto desenvolvimento para o grupo de médio desenvolvimento.

Países vizinhos do Brasil, com um PIB claramente inferior ao nosso, foram classificados entre os 40 melhores, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) superior a 0,800. Neste período o conceito de IDH considerava alto desenvolvimento humano um índice de 0,800 a 0,932, médio com uma variação de 0,500 a 0,799 e baixo entre 0,254 a 0,499.

Vejamos a classificação do Brasil no Pnud de 1999 em comparação ao Chile, Argentina e Uruguai, como também a variação do PIB entre os países:

Classificação de alguns países da América Latina no Pnud 99- PIB/IDH

 

Países

PIB

(Bilhões US$)

 

Posição

 

IDH

 

 

 

 

Chile

70,5

34

0,844

Argentina

319,3

39

0,827

Uruguai

20

40

0,826

Brasil

784

79

0,739

Fonte de dados:- Jornal O Estado de S.Paulo, 11/07/99 – Pnud/99

O Brasil, considerado o “gigante da América do Sul” apresenta uma diferença positiva no PIB de US$ 764 milhões com relação ao Uruguai e ainda assim está 39 posições abaixo no Pnud.

O Pnud de 2000 trouxe uma elevação da posição do Brasil no Índice de Desenvolvimento humano, de 79ª posição passou para 73ª posição. Fato analisado como um positivo indicativo de redução das desigualdades sociais no Brasil, mas, a título de exemplo, no ranking de desenvolvimento humano ficamos abaixo de nações de inexpressiva atuação no cenário econômico internacional, como demonstram os dados da tabela abaixo:

Pnud/2000 – Países de desenvolvimento humano médio

Países

Posição

Países

Posição

 

 

 

 

México

54

Líbia

64

Cuba

55

Macedônia

65

Bielorrúsia

56

Santa Lúcia

66

Panamá

57

Ilhas Maurício

67

Belize

58

Colômbia

68

Malásia

59

Venezuela

69

Rússia

60

Tailândia

70

Dominica

61

Arábia Saudita

71

Bulgária

62

Ilhas Fiji

72

Romênia

63

BRASIL

73

Fonte: Pnud/2000

Com base na conceituação de exclusão social de Reinaldo Gonçalves, ou seja, “[…] grupos humanos que não têm acesso a bens, serviços e produção (uso, controle e propriedade) que permitem a satisfação das necessidades básicas nas dimensões econômica, política, social, cultural e afetiva” (GONÇALVES, 1999:205), podemos concluir que, ao menos a curto prazo, a inserção do país no mercado mundial não proporcionou crescimento de significativa parcela da população brasileira, agravando e/ou acentuando as desigualdades sociais latentes na sociedade.

 

Considerações finais

No Brasil, assim como nos demais países , o chamado processo de globalização tem gerado muita polêmica com relação à sua inevitabilidade ou sua viabilidade. Os que se mostram favoráveis ao processo de inserção da economia do país no mercado internacional, veem o processo de globalização como inevitável, no qual o Brasil não pôde permanecer alheio , por correr o risco de perder “o trem da história”, com um atraso irrecuperável no desenvolvimento das forças produtivas. Aqueles que adotam uma posição contrária argumentam que globalização é sinônimo de “entreguismo”, com a consequente acentuação da dependência econômica e agravamento dos problemas sociais.

Apesar das consequências negativas apontadas durante o texto, durante a década de 1990 foi possível visualizar alguns aspectos considerados “positivos”, como o crescimento da importância da interferência da sociedade civil, por meio das Organizações não governamentais (ONGs), em questões até então restritas à esfera política; os avanços tecnológicos verificados no período, como exemplo o desenvolvimento das pesquisas na área de saúde; a modernização do parque industrial brasileiro e, principalmente, a busca pela universalização dos direitos humanos e de valores éticos, ou seja, a prática de uma cidadania global.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. Trabalho e mundialização do capital; a nova degradação do trabalho na era da globalização. São Paulo: . Praxis, 1999.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1999.

BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado; um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

CARCANHOLO, M. D. Neoliberalismo e o Consenso de Washington: a verdadeira concepção de desenvolvimento do governo FHC. In Neoliberalismo: a tragédia do nosso tempo, São Paulo: Cortez, 1998, p. 15-35

CARCANHOLO, R.A. A globalização, o neoliberalismo e a síndrome da imunidade auto-atríbuída. In Neoliberalismo: a tragédia de nosso tempo. São Paulo: Cortez, 1988. p. 77-97.

COGGLIOLA, Osvaldo. O Manifesto Comunista. São Paulo:.Boitempo, 1998

GOVERNO FEDERAL A nova fase da privatização, Sessão de comunicação Social, Brasília, 1995.

Mensagem ao Congresso Nacional – 1997, Na abertura da 3º Sessão Legislativa Ordinária da 50º Legislatura, Sessão de Comunicação social, Brasília, 1997.

Nova Política Industrial, Desenvolvimento e Competitividade – Seção de Comunicação Social, Brasília, 1998.

DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, Estado e o futuro do capitalismo São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FECESP – Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo, ANO VIII, nº 113 – MARÇO/98

GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e desnacionalização. São Paulo: . Paz e Terra, 1999.

RICUPERO, Rubens. Sai dessa!. Jornal Folha de S.Paulo, Caderno Dinheiro, Seção Opinião Econômica, p. 2-2, 11/07/99.

1 Segundo o autor a apresentação destes dados foi possível por meio de um levantamento, efetuado principalmente no período de 1994/1999, do noticiário de jornais diários: Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil, o Globo e o Estado de S.Paulo, além de publicações do BNDES.

2Taylorismo- Doutrina estabelecida no início do século XX pelo engenheiro Frederick Winslow Taylor com o objetivo de especialização das tarefas do processo produtivo para obter o máximo de rendimento no menor tempo.

Fordismo- Implantação da produção em série na indústria automobilista pelo americano Henri Ford, aproximadamente em 1908.

3Desterritorialização – As atividades econômicas de um determinado país foram sendo desenvolvidas de maneira autônoma com relação aos recursos naturais próprios. A internacionalização do capital propicia a compra de matérias-primas em locais onde apresenta um custo favorável e a instalação das indústrias em países com um grande excedente de mão de obra, portanto, mais barata.

4Marcio Pochmann, professor e pesquisador da área de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (UNICAMP), jornal O Estado de S.Paulo, 24/05/99, Caderno de Economia, p. B5.

Walkiria Martinez Heinrich Ferrer

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