O beijo

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Antes da última ceia, Jesus autorizara Judas a descer dos morros ao vilarejo, com a recomendação de que voltasse logo. No escuro da noite, Judas subiu ao Getsêmani, lugar favorito de Jesus, trazendo atrás de si uma multidão de soldados romanos armados. Aproximou-se do Messias e beijou-o no rosto, forte e calorosamente. Era a senha para que os homens de Pilatos o prendessem. O resto desta história não preciso contar aqui. Estudos bíblicos afirmam que Jesus sabia da traição e deixou-se imolar.

Maktub!

Os mais antigos registros de um beijo datam de 2.500 a.C e estão grafados nas paredes do templo Khajuraho, na Índia. Romanos e gregos tinham o hábito de beijar seus deuses e guerreiros, no fim dos combates, como prova de gratidão e reconhecimento. Os romanos conheciam três tipos de beijo: o basium, o osculum e o suavium, respectivamente dados entre conhecidos, os amigos e os amantes. Entre imperadores, as pessoas mais influentes podiam beijá-los nos lábios, os menos importantes, nas mãos, e os súditos, nos pés. Há registro de que, na Escócia, o padre podia beijar a noiva ao fim da cerimônia para abençoar a relação e desejar-lhe sorte. No século XV, o beijo em qualquer mulher era permitido aos nobres franceses, mas, na Itália, se em público um homem beijasse uma mulher solteira, tinha de casar-se com ela.

Quando duas pessoas se beijam na boca, há intensa troca de saliva. A saliva é um dos mais complexos fluídos do corpo, rica em proteínas e glicoproteínas. Sua função é umedecer os tecidos moles e duros da cavidade bucal, do epitélio gastrointestinal e da orofaringe, além de regular a quantidade de água do organismo e de diminuir a acidez do céu da boca, evitando cáries. Se o corpo precisa de água, o primeiro sintoma é a boca seca. Um corpo sadio produz cerca de 1 a 2 litros de saliva por dia. Estudos anatômicos mostram que no beijo são movimentados 29 músculos da face. Estima-se que durante a vida as pessoas deem cerca de 24 mil beijos. A cada beijo são transmitidas cerca de 250 mil bactérias. Algumas doenças sexuais, como a monoclueose infecciosa, são transmitidas pelo beijo. As células da boca têm vida curta, e renascem com muita rapidez. Talvez por isso não haja dois beijos iguais, e a cada dia o amor nasce de novo, com nova cara e novo gosto.

Nesta semana, o tribunal do trabalho mineiro julgou um caso interessante. Uma empregada da empresa Embraforte Segurança e Transporte de Valores Ltda. foi dispensada por justa causa acusada de massagear os ombros de um colega e de beijar um outro no local de serviço. Para a empresa, isso tipifica incontinência de conduta e mau procedimento. O vídeo que a empresa juntou como prova foi visto pelos juízes, que concluíram tratar-se de conduta banal, perfeitamente tolerável entre colegas de uma empresa.

Mau procedimento é a mais ampla das justas causas1. Toda incontinência de conduta é uma forma de mau procedimento, mas nem todo mau procedimento é um tipo de incontinência de conduta. Esses dois tipos de falta grave não se confundem.Linguagem chula entre colegas, em ambiente cortês, especialmente na frente de crianças, mulheres ou idosos, palavrões, fofoca, brincadeiras perigosas ou de mau-gosto ou bisbilhotice da vida alheia configuram mau procedimento. Em tese, todo comportamento do empregado que se desvie do padrão médio de normalidade é uma forma de mau procedimento. Acusar o empregado de mau procedimento, sem provas, é ferir-lhe a honra subjetiva, o autoapreço. Honra é a dignidade da pessoa que vive honestamente. Se a acusação de mau procedimento insinua a prática de um crime, então além do autoapreço fere-se a honra objetiva, a boa fama, a estima social de que essa pessoa goza por se conduzir segundo regras éticas2.

Incontinência de conduta é expressão reservada para o desvio de comportamento sexual do empregado, como obscenidades, pornografia, pedofilia, voyerismo, vida desregrada, acesso contínuo a sites pornográficos na internet, entre outras. Tanto a incontinência de conduta quanto o mau procedimento podem ocorrer dentro e fora do local de serviço, com o contrato em vigor ou não (férias, licenças, finais de semana etc). Se essas faltas forem praticadas fora do serviço, mas permitirem uma ligação óbvia entre o empregado e o seu local de trabalho, estará tipificada a sua gravidade, e os reflexos negativos na relação de emprego serão os mesmos.

O conceito de justa causa não é unívoco. Justa causa e falta grave são expressões heterônimas que o bulício do foro costuma misturar. Toda rescisão de contrato por justa causa pressupõe necessariamente uma falta grave para a informar, mas nem toda falta grave basta para permitir uma rescisão de contrato por justa causa. A expressão “causa“ não tem sentido jurídico, mas popular, e “justa“ ou “injusta” será a conseqüência do despedimento e não a própria razão para a dispensa do empregado3 . Justa causa é o efeito que decorre de um ato ilícito do empregado ou do patrão quando violam obrigação legal ou contratual4. Da mesma forma, “falta grave”. O juiz, ao examinar casos de dispensa por falta grave, analisa a questão objetiva e subjetivamente. Objetivamente, leva em conta as circunstâncias e os fatos envolvidos na prática da falta, como o local e o momento da falta; subjetivamente, leva em consideração a personalidade do empregado, os seus antecedentes funcionais, o tempo de casa, sua cultura, o grau de discernimento sobre a falta e suas conseqüências. Os elementos objetivos dão ao juiz a intensidade da falta; os subjetivos mostram até que ponto a confiança que une patrão e empregado foi abalada. “Justa causa “ é, pois, um conceito ambíguo , subjetivo e volátil. O que é justo para uns pode não ser para outros. Nesse sentido, BORTOLOTTO5:

A avaliação da falta deve ser feita subjetiva e objetivamente. Do ponto de vista subjetivo ,uma falta pode ser grave, mas pode, em relação aos méritos particulares do empregado e com uma prestação longa, laboriosa e honesta, perder o seu caráter de gravidade. Ao contrário, a falta pode não ser grave, mas, posta em relação com a conduta irrespeitosa e descuidada do dependente, pode assumir particular aspecto de gravidade. Sempre do ponto de vista subjetivo ,a falta deve ser voluntária ,deve depender do fato consciente de seu autor, e constituir uma violação dos princípios e das normas sob as quais se funda a relação de trabalho. Também tem importância a consideração objetiva da justa causa. Uma falta, que pode ser de natureza leve, se cometida em outro ambiente, pode tornar-se gravíssima. Por exemplo, o empregado que fuma, durante o trabalho, malgrado as proibições regulamentares, comete falta de pouca monta numa oficina de marmoaria; entretanto pode tal ocorrência tornar-se gravíssima, se passada num laboratório de gás ou de produtos químicos“.

Para DORVAL LACERDA6, “o ato faltoso está para o Direito do Trabalho assim como o crime está para o Direito Penal. Direi mesmo, forçando a expressão, que tal ato faltoso é o crime no contrato de trabalho“. Noutro tanto7, ensina que, “na verdade, não há dúvida que o contrato de trabalho repousa, pelo menos teoricamente, na confiança recíproca; como também é verdadeiro que o ato faltoso importa, pelo menos em princípio, na perda dessa mesma confiança“. Para BORTOLOTTO8, “só haverá ato faltoso bastante para justificar a rescisão quando se verificar uma violação, de tal modo grave, que impeça a continuação, mesmo provisória, da relação de trabalho“, ao que se opõe, BARASSI9,argumentando que é “un criterio troppo vago perchè troppo soggettivo e variabile,e sopratutto (dobbiamo ora riconoscerlo, benchè un tempo noi l’abbiamo propugnato) insuficiente “. Conquanto não se ponha ao julgador a possibilidade de quantificar a pena, impõe-se-lhe, antes de concluir pela existência ou não de justa causa para a dispensa, responder a estas três perguntas:

1ª) – houve a falta que se imputa ao empregado?

2ª) – há nexo etiológico entre a falta e aquele que se quer seu autor?

3ª)- é tal falta de tal modo grave que impeça a continuação, mesmo provisória, da relação de emprego?

Em suma, há justa causa para o desfazimento do contrato de trabalho quando o empregado ou o patrão comete uma falta de tal modo grave que impede a continuação da relação de emprego pela perda imediata e irreversível da confiança(fidúcia)10.

São três os requisitos da justa causa11: gravidade da falta, atualidade e relação de causalidade12 entre a falta e o motivo para a dispensa.

Para haver justa causa para a dispensa do empregado, é preciso que a falta seja grave de modo a tornar impossível a continuação do contrato de trabalho pela perda imediata e irreversível da confiança entre as partes. É preciso, também, que essa falta seja atual. Se o contrato de trabalho sobreviveu ao ato faltoso, a confiança entre patrão e empregado não chegou a ser abalada e a falta, do ponto de vista jurídico, não foi grave. Entende-se que se o patrão tolerou a continuação do contrato de trabalho, após a prática da falta, renunciou ao seu direito potestativo de resilir13.

Apura-se a atualidade da falta a partir do momento em que aquele que tiver poderes para punir tomar conhecimento do ato faltoso14. A doutrina exige uma relação de causa e efeito, ou nexo itiológico, entre a falta e a rescisão do contrato de trabalho, isto é, a rescisão do contrato de trabalho, por justa causa, deve ter por fundamento a prática de determinada falta considerada grave. Noutras palavras: a falta grave imputada ao empregado deve ser a causa determinante da decisão do patrão de pôr fim ao contrato de trabalho. Se o empregado vem praticando uma série de faltas graves, suficientes para a terminação do contrato de trabalho, a atualidade será aferida a partir do conhecimento da última15. Parte da doutrina exige ainda imediatidade ou imediação na punição. Entende que a falta deve ser punida imediatamente, sob pena de presumir-se que a inação do patrão se deu porque a falta não tinha gravidade e por isso se permitiu a sobrevivência do contrato de trabalho. Isso é um erro. O tempo decorrente entre a prática da falta e sua punição pode variar de caso a caso e não serve de elemento para a descaracterização da justa causa ou para a aferição da gravidade da falta. A lei não diz até que ponto há imediatidade e a partir de que momento já não há. Tudo depende do tipo de falta, da repercussão dos seus efeitos na confiança que atrela o patrão ao empregado e do grau de organização dos serviços.

A punição não pode ficar além nem aquém da gravidade da falta. A desproporção entre a punição aplicada e a gravidade da falta é ruim por dois modos: se a punição é maior do que a gravidade da falta, pode configurar rigor excessivo; se é menor, pode configurar uma perigosa camaradagem. No primeiro caso, exagerando no direito de punir, o patrão sai da sua razão e pode ser obrigado a reparar o dano, inclusive moral. No segundo, pode passar a fama de relapso com os desmandos da criadagem e gerar insatisfação ou indisciplina entre os serviçais(no caso dos domésticos) ou entre os empregados em geral.

O juiz, por sua vez, não pode dosar a pena. Se entender que tal e qual punição é excessiva, não pode reduzi-la ao limite que entender razoável, mas cancelá-la. Da mesma forma, não pode agravá-la se entender que o patrão foi condescendente. Não pode haver duas ou mais punições pela mesma falta. Se determinada falta cometida pelo empregado já foi punida de outra forma que não a dispensa motivada (por exemplo, com suspensão ou advertência), não pode mais servir de fundamento para a dispensa por justa causa16 .Se houver mais de uma penalidade pela mesma falta, a segunda será anulada pelo juiz.Se o patrão aplicar ao empregado uma justa causa, e depois arrepender-se, modificando a rescisão para dispensa sem justa causa, suspensão ou advertência, por exemplo, poderá fazê-lo apenas se o empregado com isso concordar17. Não concordando, prevalece a primeira motivação (justa causa).

Esta não é a primeira vez que um beijo vira caso de polícia. No filme “O Beijo”, de 1990, produzido a partir de um julgamento de um caso realmente acontecido, a vida de um simples operário vira no avesso quando é flagrado beijando uma colega durante o serviço. Dispensado por justa causa, o caso foi parar no TST, onde foi julgado por ninguém menos que Coqueijo Costa.No elenco estavam Maitê Proença, como Catarina, Chiquinho Brandão, como Norival, Fernanda Torres, como Claudete, Antonio Fagundes, como o Dr.Paulo, Ary Fontoura, como Alvarino, Cláudio Mamberti, como o advogado de Norival, Miguel Falabella, como Zeca,Iara Jamra, como Cármen,Gianfrancesco Guarnieri, como o fotógrafo, Eloísa Mafalda, como a proprietária da pensão, Walmor Chagas, como juiz do TST, Míriam Pires, como a operária, Sérgio Mamberti, como juiz do trabalho, Genival Lacerda, como cantor de forró e Dani Patarra, como Dolores.

“O Beijo” ganhou o Troféu Candango de Melhor Filme e o Kikito de Melhor Fotografia e Melhor Montagem no Festival de Gramado(1990). Chiquinho Brandão e Joel Barcellos venceram como Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante, respectivamente.

Agora, uma dica para quem quer emagrecer sem dieta: um beijo de língua queima cerca de até 12 calorias em 10 segundos. Faça as contas: se você der 10 beijos de língua por dia, queimará 120 calorias. Em dez dias, terá queimado 1.200 calorias. No final do mês estará fininha e com a libido à flor da pele…

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1 GIGLIO,Wagner, op. cit., p. 80.

2 BEVILACQUA, Clovis, apud GIGLIO, op. cit., p. 266.

3 WAGNER GIGLIO , op . cit., p. 18 .

4 VALENTIN CARRION. Comentários à CLT. Ed. Saraiva, 27ª ed., 2002,p.358.

5 Diritto del Lavoro, Padova, Cedam,p.400.

6 A Falta Grave no Direito do Trabalho, Ed. Trabalhistas, 5ª ed.,1.989,p.13.

7 op. cit., p.19/20.

8 op. cit. , p.40 .

9 LUDOVICO BARASSI, Il Diritto del Lavoro,Dott.A.Giuffrè-Editore,Milano,1.936,p.417

10 WAGNER GIGLIO ( Justa Causa . Ed. LTr, SP., 2ª ed., 1986, p.18 ) , diz : “ Justa causa poderia ser conceituada como todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato , sem ônus para o denunciante “. No mesmo sentido, Bortolotto, Diritto del Lavoro, p.400.

11 A doutrina (VALENTIN CARRION, op.cit.,p.358/359) refere-se , ainda , à necessidade de que o fato não ultrapasse os contornos fixados no art. 482 da CLT , que a reação do patrão seja imediata , que a gravidade da falta seja tal que impeça a continuidade do contrato de trabalho, que a falta não tenha sido perdoada pelo patrão , tácita ou expressamente , que o ato faltoso seja determinante da intenção do patrão de rescindir o contrato de trabalho , a falta repercuta negativamente na vida da empresa ( ou , no caso dos domésticos, na família) , que se examine a falta objetiva e subjetivamente e a falta alegada para o despedimento não seja substituída por outra, ainda que de maior gravidade .

12 Nexo itiológico.

13 Fala-se , erradamente , em “perdão tácito “.

14 WAGNER GIGLIO, op. cit., p. 26.

15 WAGNER GIGLIO, op. cit., p.28 .

16 WAGNER GIGLIO, op. cit., p.28 .

17 WAGNER GIGLIO, op. cit.,p.22/23 .

Jose Geraldo da Fonseca

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